Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CONCEIÇÃO SAAVEDRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA NULIDADE MEDIAÇÃO SIMPLES REMUNERAÇÃO EXCLUSIVIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/25/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I- Ao contrato de mediação imobiliária assinado no domicílio do consumidor apenas por mera comodidade ou conveniência de ambas as partes ou até do próprio cliente, tal como poderia ter sido assinado no estabelecimento da entidade mediadora, sem que se evidencie que daí possa ter resultado qualquer influência na formação da vontade de contratar por esse mesmo cliente, não é aplicável o DL nº 24/2014, de 14.2; II- À luz da Lei nº 15/2013, de 8.2, no contrato de mediação simples a remuneração será, em princípio, devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, sendo indispensável para que o mediador adquira o direito à remuneração que o negócio seja concluído por efeito da sua intervenção (o mediador deve conseguir interessado por si angariado que venha a concretizar o negócio) (art. 19, nº 1); o regime será diverso havendo cláusula de exclusividade, pois nesse caso, a remuneração será devida se a mediadora cumpriu a prestação a que se obrigou mas o negócio visado não se concretizou por causa imputável ao cliente (art. 19, nº 2); III- Tendo o contrato de mediação sido julgado nulo e tudo funcionando, ao abrigo do art. 289, nº 1, do C.C., como se o mesmo nunca tivesse existido, não pode afirmar-se que as partes estipularam o regime da exclusividade (obrigatoriamente sujeito a forma escrita) como se o contrato fosse válido, pois sendo o contrato nulo, o regime da exclusividade está englobado no reconhecimento da nulidade; IV- Não podendo, nestes termos, considerar-se contratado o regime da exclusividade e não tendo o contrato visado sido celebrado, não tem a mediadora de ser ressarcida pelo trabalho por si levado a cabo, ainda que se entenda que os prejuízos que a mediadora sofreu devem reconduzir-se, por força da nulidade do contrato e dos efeitos emergentes do art. 289, nº 1, do C.C., ao valor da remuneração acordada. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I- Relatório: A [ .....Mediação Imobiliária, S.A.], veio propor, em 21.3.2019, contra B [ Pedro ...] e C [ Susana ....], ação declarativa sob a forma comum, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagar a quantia de € 23.677,50, respeitante à remuneração devida pelos serviços prestados pela A. aos mesmos no âmbito de contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes, com juros acrescidos desde a data do vencimento das faturas emitidas e remetidas aos RR.. Alega, para tanto e em síntese, que celebrou com os RR., em 19.4.2018, um contrato de mediação imobiliária com o nº 6450, em regime de exclusividade, para promoção e venda de fração autónoma sita em Cruz Quebrada, Dafundo, propriedade destes, pelo valor de € 385.000,00, ficando acordado que seria devida à A. a remuneração correspondente a 5% do valor do negócio angariado, quer se concretizasse o mesmo, quer este não se concretizasse por causa imputável aos RR.. Diz que prestou os serviços contratados e que, tendo apresentado aos RR. um interessado na aquisição do imóvel pelo preço estipulado, o negócio apenas não foi celebrado por culpa exclusiva daqueles, sendo, por isso, devida a remuneração contratualmente prevista que os mesmos recusam pagar. Contestaram os RR., excecionando a nulidade do contrato por falta de requisitos formais, e o incumprimento pela A. do dever de informação sobre a possibilidade de livre resolução. Mais impugnam a factualidade alegada, defendendo que o motivo de não celebração do negócio não lhes pode ser imputável. Pedem a improcedência da causa. A A. veio responder à matéria de exceção, a convite do tribunal. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, fixando-se à causa o valor de € 23.677,50. Identificou-se, ainda, o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 14.7.2021, nos seguintes termos: “(...) julgando a presente acção procedente por provada decide-se condenar os Réus B e C no pagamento solidário à Autora da quantia de 23.677,50 € (vinte e três mil seiscentos e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos), bem como ao pagamento de juros de mora peticionados, desde a data da presente sentença, até efetivo e integral pagamento. Custas pelos RR.(…).” Inconformados, interpuseram recurso os RR., apresentando as respetivas alegações que culminam com as seguintes conclusões que se transcrevem: “ A) O presente Recurso versa sobre matéria de facto e de Direito e tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal a quo que condenou os RR. no pagamento solidário à Autora da quantia de € 23.677,50 (vinte e três mil, seiscentos e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescidos de juros de mora peticionados, desde a data da Sentença, até efetivo e integral pagamento. B) Considerou o Tribunal a quo, numa Sentença incoerente, com erradas apreciações de facto e de Direito, que um negócio imobiliário não se realizou por culpa, solidária, dos RR. C) Em consequência, ainda que como base num contrato de mediação imobiliária declarado nulo pelo Tribunal a quo, e não obstante a violação dos demais direitos dos RR./Consumidores, condenou-os conforme peticionado pela Autora. D) Ora, a prova constante dos autos, carreada ao longo do processo e também aquela que foi produzida em audiência de julgamento, contraria frontalmente estas conclusões do Tribunal a quo, obrigando a uma alteração do julgamento da matéria de facto e das respetivas consequências jurídicas. E) Assim, vêm os RR. impugnar o errado julgamento da matéria de facto. F) Os RR. não podem conformar-se com o sentido e com o teor da decisão recorrida quanto ao ponto 2 dos factos provados, que foi incorretamente julgado, devendo dar-se por não provado. G) O facto em apreço diz respeito à propriedade de um bem imóvel objeto de mediação imobiliária e sob o qual incide o contrato sub judice. H) Por se tratar de facto sujeito a registo, a sua propriedade demonstra-se através de documento autêntico, i.e., certidão do registo predial, cfr. artigo 364.° do Código Civil (CC) e artigo 211.° do Código de Registo Civil, o qual não se encontra aos autos, vide o Doc. n.° 2 junto com a P.I. I) Assim, não só inexiste prova que demonstre o titular do direito de propriedade sub judice, como, em consequência, inexiste a demostração da compropriedade e das respetivas quotas. J) Pelo que, o facto n.° 2 não pode dar-se como provado, na medida em que nenhum outro meio de prova é legalmente admissível. K) Quanto ponto 7 dos factos provados, a fundamentação da Sentença é totalmente omissa, pelo que desconhecem o RR. a razão pela qual os meios de prova considerados pelo Tribunal para julgar o mesmo provado, o que constitui uma nulidade que se deixa arguida para todos os efeitos legais, nos termos dos artigos 615.°, n.° 1, alínea b) e n.° 4, do CPC. L) Sem prejuízo da nulidade arguida, a prova produzida nos autos obriga a considerar o facto em causa como não provado. M) O facto relatado no ponto 7 contraria as regras da experiência comum, não constando do Contrato de Mediação (Contrato de Adesão) - Doc. n.° 1 junto pela Autora no Requerimento de 2021.01.13 -, qualquer possibilidade de mencionar por escrito a exigência da limitação temporal que foi exigida pelos RR. N) No entanto, decorre da prova produzida que essa informação/condição foi transmitida verbalmente à Autora na pessoa da Testemunha Carla ... e assim foi porque existia uma relação de amizade e confiança entre a Testemunha Carla ..... e a R. C. (vide facto provado n.° 29). O) Na verdade, os factos provados n.° 17 e 22 bem refletem que essa informação já havia sido transmitida à Autora antes de se terem iniciado negociações com o alegado interessado e, bem assim, durante as mesmas, onde foram sendo rejeitadas as datas indicadas por incompatibilidade expressamente comunicada. P) Veja-se, a este propósito, as comunicações escritas que a Ré C remeteu à testemunha Carla ..... de 11.06.2018, (cfr. Doc. n.° 12 junto com a PI), de 18.06.2018, Cfr. Doc. n.° 8 junto com a PI) e de 22.06.2018, (cfr. Doc. n.° 12 junto com a PI). Q) A própria testemunha Carla ....acabou por confirmar esta condição imposta pelos RR, vejam-se as suas declarações na sessão de julgamento de 24 de maio de 2021, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 09h:55m:11s e fim às 10h:41m:01s, assim como as declarações da Testemunha Beatriz .....na sessão de julgamento de 24 de maio de 2021, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10h:41m:02s e fim às 10h:48m:46s e ainda as declarações da Testemunha Ana .....na sessão de julgamento de 24 de maio de 2021, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10h:48m:47s e fim às 10h:55m:59s: R) O que decorre também das declarações de parte da Ré Susana, cfr. as declarações na sessão de julgamento de 24 de maio de 2021, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10:56:49 e fim às 11:20:57. S) Como resulta da análise de prova supra e também em conjugação com o facto provado n.° 28, o facto provado n.° 7 não deveria ter sido dado como provado nos termos apresentados pelo Tribunal a quo. T) Deste modo, o facto provado n.° 7 deve ser alterado e passar a apresentar a seguinte redação: Aquando da angariação do imóvel e da celebração do contrato de mediação imobiliária, os Réus transmitiram à Autora uma limitação temporal à venda do imóvel que coincidisse com o término do período escolar e que permitisse encontrar uma nova solução de habitação. U) Por sua vez, no mesmo sentido, o facto não provado a) deve dar-se como provado: Sempre foi do conhecimento de Carla ...... e da Autora que os RR. não queriam vender a casa de forma precipitada e apressada, desde logo tendo em conta o respeito e preocupação pelas rotinas e hábitos dos seus 3 filhos menores. V) Segundo a Sentença, a prova dos factos n.° 13 a 16 assenta nos documentos juntos aos autos, emails de fls. 26, corroborados ainda pelas declarações da Testemunha Carla ...... W) O testemunho de Carla ...... não pode servir para sustentar a prova destes (e outros) factos, pois na verdade o seu testemunho não foi claro, nem isento e muito menos credível. X) O seu depoimento foi parcial e revelador de ter interesses pessoais e diretos na procedência da causa por que alegadamente a prejudicaram e lhe causaram "prejuízo", tendo-se mostrado evasivo às questões colocadas pelo mandatário dos RR., vejam-se as suas declarações da sessão de julgamento de 24 de maio de 2021, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 09h:55m:11s e fim às 10h:41m:01s: Y) Pelo que, atenta a inexistência de meios probatórios suficientes não pode o tribunal dar como provados os factos n.° 13 a 16, os quais devem dar-se como não provados. Z) A prova produzida na Audiência permitia ainda ao Tribunal a quo julgar como provados factos alegados pelos RR. com interesse para a justa composição do litígio. AA) O contrato de mediação não dispunha de qualquer prazo para celebração do contrato de compra e venda, vide Doc. n.° 1 junto pela Autora no Requerimento de 2021.01.13. BB) Motivo pelo qual - tal como alegado no artigo 31.° da Contestação -, deve dar-se como provado um novo facto: Novo facto provado: O contrato de mediação não refere uma obrigação de realização do negócio de compra e venda num determinado prazo. CC) Como consta da Sentença (facto provado n.° 5), o contrato de mediação foi assinado na casa dos RR. DD) Contrato que depois de assinado pelos RR. foi levado para assinar pelo Autora, cfr. admitido pela Autora nos artigos 11.° da Resposta de fls._, remetida aos autos a 13.01.2020, mas aos RR. não foi entregue ou enviado qualquer duplicado ou cópia do mesmo em suporte físico pelo correio, facto cujo ónus cabia à Autora e não foi demonstrado. EE) O que também a Ré C o confirmou nas suas declarações na sessão de julgamento de 24 de maio de 2021, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10:56:49 e fim às 11:20:57. FF) Pelo que, impõe-se aditar um novo facto: Novo facto provado: O original do contrato ou duplicado em suporte físico não foi entregue ou remetido aos RR. GG) Aos RR. apenas foi apresentada a minuta do Contrato de Mediação e nenhum outro documento e como tal nenhuma informação foi prestada aos RR./Consumidores sobre o seu direito à livre resolução. HH) Assim, a Autora não prestou qualquer informação relativa ao direito à livre resolução, quer em formulário ou por qualquer outro meio escrito ou não, ónus que lhe cabia, e que cedo admitiu não ter de o fazer, cfr. artigos 36.° a 39.° da Resposta de fls._, remetida aos autos a 13.01.2020. II) A este respeito, a Ré Susana deixou bem claro essa falta de informação nas suas declarações na sessão de julgamento de 24 de maio de 2021, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10:56:49 e fim às 11:20:57. JJ) Pelo que, impõe-se aditar um novo facto: Novo facto provado: Aos RR. não foram prestadas informações quanto à possibilidade de exercer o direito à livre resolução. KK) Os RR em momento alguma referem recusar-se à venda do imóvel, o que se extrai da análise dos factos provados n.° 21 a 24 e da respetiva fundamentação: "Atente-se que em momento algum os RR. dizem que já não pretendem vender a casa, ou revelam desinteresse do negócio..." , cfr. pág. 6 da Sentença. LL) O único impedimento em relação à realização do contrato de venda era o timing pretendido pelo alegado interessado, o que se extrai da análise dos factos provados n.° 23 e 24 da Sentença, assim como das comunicações escritas que a Ré Susana remeteu à testemunha Carla ..... nos dias 11.06.2018 e 22.06.2018, cfr. Doc. n.° 12 junto com a PI, e ainda a conversa de 18.06.2018, Cfr. Doc. n.° 8 junto com a Petição Inicial. MM) Falta de conciliação de interesses que voltou a ser falada mais uma vez, presencialmente, entre os RR. e Autora logo a seguir à conversa por whatsapp do dia 18.06.2018, Cfr. Doc. n.° 8 junto com a Petição Inicial, conforme encontro ali combinado, cfr. também facto provado n.° 28 da Sentença). NN) O bem revela que a Autora, através da Testemunha Carla ......, sempre teve respostas dos RR. aos solicitado, cfr. declarações da Testemunha Carla ..... na sessão de julgamento de 24 de maio de 2021, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 09h:55m:lls e fim às 10h:41m:01s e como também o esclareceu a Ré C nas suas declarações na sessão de julgamento de 24 de maio de 2021, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10:56:49 e fim às 11:20:57. OO) A Autora é que desistiu de mediar a venda do imóvel em apreço devido à pressa que o seu alegado cliente interessado tinha em realizar um negócio o que não era compatível com as condições impostas pelos RR., cfr. declarações da Testemunha Carla ..... na sessão de julgamento de 24 de maio de 2021, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 09h:55m:lls e fim às 10h:41m:01s. PP) Motivo pelo qual - tal como alegado nos artigos 40.° e 50.° da Contestação -, devem dar-se como provados os seguintes novos factos: Novo facto provado: Em momento algum os RR. se recusaram a proceder à venda do imóvel. Novo facto provado: A Autora, através de Carla ....., foi sempre insistindo no sentido de encurtar o prazo da escritura porque o alegado interessado tinha muita urgência em formalizar a compra. QQ) A Sentença omite factos que permitam apurar a quem se deve a causa da não celebração do contrato de compra e venda, não o podendo imputar automaticamente aos RR por estes não o celebraram nos termos que o alegado interessado pretendia fazer (vide facto provado n.° 22). RR) Como bem se refere na fundamentação da Sentença, os RR. nunca se recusaram a vender o imóvel. SS) Na verdade, o contrato de compra e venda não se realizou por incompatibilidade entre o prazo pretendido pelo alegado interessado da Autora e os RR, vide declarações da Ré C na sessão de julgamento de 24 de maio de 2021, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10:56:49 e fim às 11:20:57. TT) Motivo pelo qual, devem dar-se como provados os seguintes novos factos: Novo facto provado: A Autora não conseguiu encontrar um ponto de entendimento entre os interesses do seu cliente/comprador e os dos seus outros clientes/vendedores (RR). Novo facto provado: Por esse motivo, a Autora deixou de promover o imóvel objeto da angariação imobiliária pelo menos a partir de 04 de julho de 2018. UU) No que respeita à matéria de direito, desde logo se constata que o Tribunal a quo optou por conhecer em primeiro lugar a nulidade do contrato decorrente do artigo 16.°, n.° 5, do RJAMI, aprovado pela Lei n.° 15/2013, de 8 de fevereiro. VV) No entanto, havendo ou não contrato que o suporte (por ser nulo), se se continua a considerar a existência da prestação do serviço, então esse serviço tem de merecer uma apreciação à luz do Direito do Consumo e deste modo, o Tribunal a quo não apreciou devidamente a questão, que, como se viu, não estava prejudicada pela nulidade do contrato. WW) Assim, o Regime Jurídico dos Contratos Celebrados à Distância e Fora do Estabelecimento Comercial, aprovado pelo DL n.° 24/2014, de 14 de fevereiro, aqui aplicável e integralmente violado pela Autora, assistia aos RR. exercer o Direito de Livre Resolução no prazo de um ano sem que a Autora tenha direito a qualquer indemnização ou pagamento de quaisquer encargos e serviços, tudo nos termos conjugados dos artigos 4.°, 10.°, n.° 1, al. a), e n.° 2, 15.°, n.° 5, alínea a), ponto i), e 16.°. XX) E não se diga, como pretende a Autora, que há aqui lugar à aplicação do instituto do abuso de direito. YY) Por um lado, inexiste na matéria julgada como provada qualquer facto que sustente tal tese, cuja prova sempre caberia à Autora, por outro lado, a proteção do Consumidor só pode ser "desconsiderada, em casos de conduta, a todos os títulos censurável e injustificada, com grave prejuízo da contraparte", cfr. Acórdão do STJ, de 28.04.2009, processo n.° 2/09.1YFLSB, o que de modo nenhum se demonstrou nestes autos. ZZ) Nem tão pouco o tempo decorrido pode servir de demonstração de qualquer tipo de abuso de direito, tal como bem ilustra a situação descrita Acórdão do TRL, de 29.06.2017, processo n.° 78/15.2T8VFC-A.L1-2. AAA) Pelo exposto, tendo o contrato de mediação (ou a relação contratual) sido legitima e tempestivamente resolvido pelos RR, nos termos conjugados das disposições legais já citadas, o Recurso deve ser julgado totalmente procedente e os RR. absolvidos do pedido. BBB) Tal como a própria Sentença declara, o contrato é nulo nos termos do artigo 16.°, n.° 2, alínea d), e n.° 5, da Lei 15/2013, de 08 de fevereiro, mas este sempre seria igualmente nulo pela falta de envio de cópia ou duplicado em suporte papel, nos termos do artigo 9.° do DL n.° 24/2014, de 14 de fevereiro, já expressamente arguida. CCC) No entanto, erra a Sentença quanto aos efeitos da referida nulidade, a qual apenas refere ser nos termos do disposto no artigo 289.°, n.° 1, do Código Civil. DDD) Como doutamente explica o recente Acórdão do TRE, de 11.03.2021, processo n.° 1145/18.6T8FAR.E1, é necessário atentar antes de mais se o contrato celebrado entre as partes, ainda que nulo, daria direito à retribuição da Autora. Como é evidente, nunca poderia a Autora receber um valor por via da nulidade que nunca receberia caso tal nulidade não se verificasse. EEE) Como consta do facto provado n.° 25, o contrato de compra e venda não veio a ser celebrado. FFF) Tendo o contrato sido celebrado em regime de exclusividade, obriga o artigo 19.°, n.° 2, do RJAMI, que se aprecie se a falta de celebração se deveu a causa imputável aos RR. GGG) Inexiste qualquer facto provado na Sentença recorrida, que permita consubstanciar a imputação da causa da não celebração do contrato aos RR. É o próprio Tribunal a quo, como se viu, que admite, que nunca os RR. se recusaram a celebrar o contrato de compra e venda. HHH) Ao que acresce que o contrato de mediação não refere uma obrigação de realização do negócio de compra e venda num determinado prazo, cfr. ponto 72 supra. Tendo sido sempre do pleno conhecimento da Autora as limitações temporais impostas pelos RR (pontos 53 e 54 supra). Em momento algum os R.R. se recusaram a proceder à venda do imóvel, cfr. ponto 102 supra. III) Através da Testemunha Carla ....., a Autora foi sempre insistindo no sentido de encurtar o prazo da escritura porque o alegado interessado tinha muita urgência em formalizar a compra, cfr. ponto 102 supra. JJJ) Assim, foi pelo facto de a Autora não ter conseguido encontrar um ponto de entendimento entre os interesses do seu cliente/comprador e os dos seus outros clientes/vendedores (RR), deixou de promover o imóvel objeto da angariação imobiliária pelo menos a partir de 04 de julho de 2018, cfr. ponto 114 supra, o que naturalmente inviabilizou venda do mesmo. KKK) Competiria à Autora a demonstração dos elementos constitutivos do direito à remuneração de que se arroga, cfr. artigo 342.º, n.° 1, do Código Civil. LLL) Ademais, e em bom rigor, como decorre da alteração à matéria de facto requerida - ponto 66 supra - a Autora nem tão pouco foi capaz de provar que efetivamente existisse um interessado - nunca identificado - para a celebração do negócio de compra e venda, ónus que, evidentemente, também lhe cabia. MMM) Pelo exposto, não sendo possível demonstrar que a causa da não celebração do Contrato de Compra e Venda é imputável aos RR., dúvidas não podem subsistir quanto à total ausência de fundamento para o pagamento de remuneração à Autora, o que obriga à absolvição do pedido. NNN) Caso se considere, não obstante o supra alegado, que a Autora tem direito a receber uma remuneração pelos serviços que alega ter prestado - o que não se concede, mas por mera cautela de patrocínio se pondera - a respetiva quantificação não pode ser aquela que é feita pela Sentença recorrida. OOO) Optou o Tribunal a quo por considerar que o valor a ter em conta deve ser aquele que tinha sido acordado pelas partes para a celebração do negócio, ou seja, a remuneração descrita no facto provado n.° 6 da Sentença, o que é hoje matéria controvertida na jurisprudência, defendendo-se em contraponto que só devem ser pagos os serviços efetivamente prestados, os quais têm que ser rigorosamente quantificados. PPP) Não decorre da matéria de facto provada, nem aliás foi alegado pela Autora, os efetivos prejuízos decorrentes da prestação dos serviços. QQQ) Assim, inexistindo demonstração efetiva do valor dos serviços efetivamente prestados, o pedido teria sempre de improceder. RRR) Sem referir qualquer base legal, o Tribunal a quo condenou solidariamente os RR, em clara violação do disposto artigo 513.° do Código Civil e as demais normas potencialmente aplicáveis ao presente litígio. SSS) Ao que acresce que não consta do contrato qualquer clausula que indique que a vontade das partes fosse a atribuição de responsabilidade solidária. TTT) Assim, a alegada obrigação é conjunta na proporção da respetiva quota parte da propriedade. Sucede que inexiste nos autos meio de prova que permita atestar tal proporção, uma vez que se tratando de facto sujeito a registo, a propriedade, demonstra-se através de documento autêntico, i.e., certidão do registo predial, cfr. artigo 364.° do Código Civil (CC) e artigo 211.° do Código de Registo Civil. UUU) O que obriga, também por esta via, que o pedido da Autora seja julgado improcedente. VVV) Determinou o Tribunal a quo que as a responsabilidade pelas custas cabe inteiramente aos RR, eventualmente nos termos do artigo 527.° do Código de Processo Civil. WWW) Sucede, porém, que ainda que o presente Recurso seja julgado totalmente improcedente - o que de todo em todo se admite -, a responsabilidade pelas custas sempre teria de ser repartida. XXX) É que como alegaram os RR. em sede de Contestação, a Autora podia ter recorrido a uma estrutura de resolução alternativa de litígios, desde logo porque no contrato de mediação que faz acompanhar os vem identificar (vide artigo 13.° da minuta de Contrato de Mediação). YYY) Porém, optou pelo recurso ao processo judicial, sem que tivesse apurado se os RR. se opunham. ZZZ) Deve a Autora, por isso, nos termos do artigo 533.°, n.° 4, do CPC, suportar as suas custas de parte independentemente do resultado do presente recurso.” Apresentou contra-alegações a A., sustentando o acerto do julgado. O recurso foi recebido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II- Fundamentação de Facto: A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade: 1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à mediação imobiliária. 2) Os Réus são proprietários e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra "B" do prédio urbano sito na Rua Henrique Lopes D Mendonça, n.º ......, Dafundo, 1495-692 Cruz Quebrada-Dafundo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 0000 da União de Freguesias de Algés, Linda-A-Velha e Cruz Quebrada, Dafundo e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número ....... da Freguesia de Carnaxide. 3) No âmbito da sua atividade comercial, a Autora foi contactada pelos Réus para que diligenciasse na promoção e divulgação do imóvel com vista à angariação de interessado na sua aquisição. 4) No dia 19 de Abril de 2018 as partes celebraram, em regime de exclusividade, um contrato de mediação imobiliária com o n.º 6450, pelo qual a Autora obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel em apreço pelo valor de 385.000,00€ (trezentos e oitenta e cinco mil euros), desenvolvendo para o efeito ações de promoção. 5) O Contrato foi assinado pelos RR. na sua casa, e mais tarde, na loja, pelo legal representante da A.. 6) A remuneração corresponderia a 5% do valor do negócio angariado, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (23%). 7) Aquando da angariação do imóvel e da celebração do contrato de mediação imobiliária, os Réus não transmitiram qualquer limitação temporal à venda do imóvel. 8) A Autora procedeu ao desenvolvimento de diligências no sentido de encontrar potencial comprador para o imóvel em apreço, tendo para o efeito desenvolvido inúmeras ações de promoção, divulgação, fotografia, negociação e visitas à fração. 9) Criou um grupo na aplicação WhatsApp com vista a agilizar as comunicações entre a mediadora imobiliária e os Réus. 10) Publicitou o apartamento no website da Remax. 11) Publicou o apartamento na página profissional do Facebook da consultora imobiliária a cargo do imóvel em apreço. 12) Trocou contactos com outros mediadores imobiliários com vista a angariação de interessados na aquisição do imóvel. 13) Angariou interessados na compra do imóvel tendo organizado e acompanhado visitas. 14) Apresentou e negociou propostas concretas ao Réus. 15) Fruto deste trabalho da Autora, no dia 05/06/2018 logrou-se a obtenção de interessado na aquisição do imóvel pelo preço de 385.000,00€ (trezentos e oitenta e cinco mil euros). 16) O Interessado, por intermédio da Autora, propôs que a escritura pública de compra e venda fosse celebrada no prazo de 30 dias. 17) A 05/06/2018 a Ré manifestou discordância com as datas propostas invocando questões familiares imponderáveis. 18) A 12/06/2018 a Ré informou a Autora que não pretendia aceitar a proposta apresentada, solicitando apresentação de nova proposta desta feita com um valor de sinal superior ao apresentado na primeira proposta. 19) Nesse mesmo dia, a A. informou a Ré, que o interessado aceitava duplicar o valor do sinal e ainda permitia a permanência dos Réus no imóvel pelo período de 2 meses após a celebração da escritura. 20) Os Réus não aceitaram a proposta apresentada referindo que “vamos analisar a proposta”. 21) A proposta final do comprador foi transmitida aos Réus a 12/06/2018. 22) Apesar das inúmeras insistências por parte da Autora, os RR. declinaram a proposta no dia 22/06/2018, invocando a indisponibilidade para celebração da escritura no prazo de 60 dias. 23) A Autora solicitou expressamente que os Réus que indicassem qual a data que seria conveniente para a celebração da escritura. 24) Os Réus nunca propuseram uma data para a celebração da escritura pública. 25) O contrato não veio a ser celebrado. 26) Os réus a 20 de Novembro de 2018 publicitaram a venda do imóvel em apreço na plataforma OLX pelo preço de 395.000,00€ (trezentos e noventa e cinco mil euros). 27) Em 23 de julho de 2018, os RR. comunicaram à A. a sua vontade de exercer o direito de livre resolução. 28) Os contactos antes e depois da celebração do contrato revestiram-se sempre de grande informalidade, ocorrendo, na sua grande maioria, por email, chamada telefónica ou presencialmente, através de deslocações de Carla ........ à loja onde trabalha a 2.ª R. 29) Carla ......... e a Ré eram amigas. Deu-se, ainda, como não provado: a) Sempre foi do conhecimento de Carla ....... e da Autora que os RR. não queriam vender a casa de forma precipitada e apressada, desde logo tendo em conta o respeito e preocupação pelas rotinas e hábitos dos seus 3 filhos menores. b) Os RR. disseram à Autora que queriam um prazo de 1/4 meses para a celebração da escritura. * III- Fundamentos de Direito: Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Compulsadas as conclusões do recurso, verificamos que são as seguintes as questões a decidir: - Da impugnação da matéria de facto; - Da aplicação do direito aos factos (da nulidade do contrato de mediação; da culpa dos RR. na não celebração do negócio; da remuneração devida e da responsabilidade solidária dos RR.; das repartição das custas). A) Da impugnação da matéria de facto: Os apelantes impugnam a matéria de facto, indicando os concretos factos que pretendem ver alterados/aditados e justificando essa sua posição. A recorrida defende, em contra-alegações, o acerto do decidido nesse tocante. Vejamos. De acordo com o princípio consagrado no art. 607, nº 5, do C.P.C. de 2013, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. As provas são assim valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas. Por sua vez, ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos e propor, ainda, a decisão alternativa sobre cada um deles. A não observância de tais regras implicará a rejeição imediata do recurso. Considerando que os apelantes cumprem minimamente as referidas exigências legais, e tendo exclusivamente em conta os pontos de facto assinalados no recurso em conformidade com essas regras, passemos à análise das discordâncias, depois de ouvidos os depoimentos prestados e vistos os autos. Ponto 2 provado: Deu-se como provado sob o ponto 2 que: “Os Réus são proprietários e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra "B" do prédio urbano sito na Rua Henrique Lopes D Mendonça, n.º ......, Dafundo, 1495-692 Cruz Quebrada-Dafundo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 0000 da União de Freguesias de Algés, Linda-A-Velha e Cruz Quebrada, Dafundo e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número 5403 da Freguesia de Carnaxide.” Os apelantes pretendem que tal seja dado como não provado, invocando que está em causa facto sujeito a registo e que a propriedade apenas pode demonstrar-se por documento autêntico, certidão do registo predial, nos termos dos arts. 364 do C.C. e 211 do C. de Registo Civil. Pelo que, concluem, não se mostrando tal documento junto aos autos e não sendo legalmente admissível nenhum outro meio de prova, inexiste demostração da compropriedade da fração pelos RR. e das respetivas quotas. A recorrida opõe-se, sustentando, no essencial, que o facto em questão foi alegado na p.i. e não foi impugnado pelos RR. na contestação, tendo sido estes a afirmar essa compropriedade quando solicitaram os serviços de mediação imobiliária à A.. Mais refere que se encontra junto aos autos documento comprovativo (informação predial simplificada emanada da respetiva Conservatória do Registo Predial em sistema online) que também não foi impugnado. Nenhuma razão assiste aos apelantes, assinalando-se que o que estes impugnam, verdadeiramente, é que tenha sido feita prova de que são comproprietários da fração. Desde logo, conforme assinalado na resposta ao recurso, o facto ínsito neste ponto 2 foi alegado pela A. e não foi minimamente contrariado pelos RR. na contestação, sendo certo que, contra o que estes agora afirmam, a propriedade não se demonstra apenas por documento autêntico, mormente através de certidão do registo predial. De resto, o registo predial destina-se, essencialmente, a dar publicidade à situação jurídica dos prédios (art. 1 do C.R.P.) e “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” (art. 7 do C.R.P.). Ou seja, os factos comprovados pelo registo podem ser mesmo impugnados em juízo, ilidindo-se a presunção que dele emerge. Da presunção legal “juris tantum” resulta apenas a inversão do ónus da prova, passando a recair sobre a parte contrária o encargo de convencer o tribunal da não verificação do facto presumido (cfr. art. 350 do C.C.). Daqui decorre, forçosamente, que a lei não impõe, para a prova da propriedade de um imóvel, a apresentação de certidão da C.R.P., nos termos e para os fins previstos no art. 364 do C.C. (mostrando-se sem qualquer aplicação ao caso, naturalmente, o art. 211 do Código de Registo Civil). Acresce que, como bem refere a recorrida, mostra-se junta com a p.i., a fls. 11v e ss., informação predial simplificada respeitante à fração dos autos, emitida pela respetiva Conservatória do Registo Predial em sistema online (“informação não certificada”) (cfr. art. 110, nº 6, parte final, do C.R. Predial) – documento esse que também não foi impugnado – e do qual decorre a inscrição definitiva da mesma fração, por “Aquisição”, a favor de Pedro …, solteiro, e de Susana … solteira (os RR.) (cfr. AP. 2 de 2007/01/11, e AP. 49 de 2007/04/09). Assim, não só o facto em apreço se mostra admitido por acordo (art. 574, nº 2, do C.P.C.), como o aludido documento de fls. 11v e ss., não impugnado, sempre seria suficiente para a demonstração da propriedade da fração por parte dos RR.. Mantém-se, por isso, o referido ponto 2 provado. Ponto 7 provado e ponto a) não provado: Deu-se como provado sob o ponto 7 que: “Aquando da angariação do imóvel e da celebração do contrato de mediação imobiliária, os Réus não transmitiram qualquer limitação temporal à venda do imóvel.” Deu-se, por sua vez, como não provado sob o ponto a) que: “Sempre foi do conhecimento de Carla ...... e da Autora que os RR. não queriam vender a casa de forma precipitada e apressada, desde logo tendo em conta o respeito e preocupação pelas rotinas e hábitos dos seus 3 filhos menores.” Os apelantes afirmam, com relação ao ponto 7 provado que a sentença é omissa na fundamentação desse ponto, o que constitui nulidade nos termos do art. 615, nº 1, al. b), e 4, do C.P.C.. Defendem, em qualquer caso, que o mesmo deve ser alterado, não sendo crível, de acordo com as regras da experiência, que uma família com três crianças menores de idade, não tenha dado indicações sobre o tempo mínimo de que necessitaria para entregar a casa a vender. Invocam os depoimentos das testemunhas Carla ...., Beatriz ....e Ana ..... bem como as declarações de parte da Ré C. Propõem que o referido ponto 7 provado passe a ter a seguinte redação: “Aquando da angariação do imóvel e da celebração do contrato de mediação imobiliária, os Réus transmitiram à Autora uma limitação temporal à venda do imóvel que coincidisse com o término do período escolar e que permitisse encontrar uma nova solução de habitação.” Propõem, ainda, no mesmo sentido, que o ponto a) não provado seja julgado assente. A apelada defende a inexistência da nulidade e a manutenção dos pontos impugnados. Vejamos. Nenhuma razão assiste aos apelantes, desde logo, no que respeita à nulidade arguida. As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no art. 615 do C.P.C., sendo designadamente nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b) do nº 1 do art. 615 do C.P.C.). Ora, a falta, deficiente ou insuficiente fundamentação da resposta à matéria de facto não gera a nulidade da sentença, conforme previsto no art. 615 do C.P.C. ou em qualquer outro normativo. Veja-se que a argumentação dos apelantes se dirige à justificação da decisão quanto a determinado ponto da matéria de facto e ao exercício a que alude o art. 607, nº 4, primeira parte, do C.P.C., e não por referência à falta de factos (provados ou não provados) ou à ausência de motivação da decisão final da causa propriamente dita, só a estes respeitando a aludida al. b) do nº 1 do art. 615 do C.P.C.. O que sucede quando a decisão de algum facto essencial para o julgamento da causa não se mostre devidamente fundamentada é que a Relação deve determinar, mesmo oficiosamente, que a 1ª instância a fundamente, nos termos e para os efeitos previstos no art. 662, nº 2, al. d), do C.P.C., determinando a baixa do processo para inserção da motivação em falta e ainda que para tanto seja necessário repetir a produção de prova([1]). Quer isto significar que a indevida motivação da resposta à matéria de facto permite, autonomamente, que a falta seja colmatada na 1ª instância por ordem do tribunal superior. Da mesma forma, os vícios de deficiência, obscuridade, contradição ou excesso da factualidade enunciada na sentença poderão ser arguidos como fundamento do recurso de apelação ou conhecidos oficiosamente pelo tribunal superior, nas condições previstas no art. 662, nº 2, al. c), do C.P.C.([2]). Ou seja, nem a indevida motivação da resposta à matéria de facto nem a deficiência nas respostas dadas dão lugar à nulidade da sentença. A primeira apenas permite que a falta seja colmatada na 1ª instância por ordem do tribunal superior (al. d) do nº 2 do art. 662). A segunda poderá dar causa à anulação da decisão da 1ª instância se não for possível a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto (al. c) do nº 2 do art. 662). No caso em análise, apesar de não se encontrar mencionado de forma expressa, certamente por lapso, o ponto 7 na motivação da decisão da matéria de facto, ali se explica, de forma suficiente, a razão que motivou tal resposta (bem como a do ponto a) não provado), do seguinte modo: “(…) Esta troca de emails junta aos autos, corroborada pelo depoimento claro, isento e credível de Carla ....., permitiu dar resposta aos factos constantes dos pontos 14) a 25) e não provados alíneas a) e b) dos Factos Não provados. Através destes emails e do depoimento de Carla ......podemos retirar a existência de uma proposta concreta de negócio, pelo valor que os RR pediam pela casa. Podemos também retirar o esforço feito quer pelo interessado angariado pela Autora, quer por Carla .... para responder às solicitações e exigências dos RR. (maior sinal, período mais dilatado para escritura, possibilidade de ficar no locado depois da escritura), sem que estes respondessem de forma concreta qual era o tempo que precisavam para a escritura. Da leitura destes emails podemos ainda retirar (como já se referiu supra), que em momento algum os RR referiram à Autora (como agora invocam na contestação): - Nem que pretendiam a escritura a 3/4 meses; - Nem que já não pretendiam vender a sua casa; - Nem que já não pretendiam a mediação imobiliária da Autora; - Nem que tinham reservas quanto à venda da sua casa para vistos Gold. Não havendo qualquer referência a estes elementos, afiguraram muito duvidosas quanto à sua credibilidade as declarações de parte da Ré C, quando pretenderam fazer crer ao Tribunal que a Autora sabia destas condições/reservas dos RR. Caso a Autora tivesse conhecimento destas condições/reservas dos RR certamente que alguma das partes o teriam feito constar desta troca de emails, o que não acontece. Que os RR, continuavam a pretender vender a casa e visaram no fundo não pagar a comissão à A., é o que se retira quer do anuncio do OLX de fls. 33 v, quer da actuação dos RR. que, perante uma proposta de compra que cobre o valor de venda, e perante a possibilidade que lhes foi concedida de indicarem como querem fazer o negócio, não fazem qualquer indicação, levando necessariamente a que o negócio não chegasse a ser concluído. (….).”. Em suma, não ocorre a nulidade arguida, nem se mostra, por outro lado, justificada a remessa dos autos à 1ª instância, ao abrigo da al. d) do nº 2 do art. 662 do C.P.C. – o que os apelantes, aliás, também não requerem. Por sua vez, e no que respeita ao sentido do ponto 7 provado e ponto a) não provado, temos de concluir que a prova produzida não consente as alterações propostas. Na verdade, o afirmado pela Ré C, ouvida em declarações de parte, é que os RR. terão assinalado à angariadora da A. Carla ...... (pessoa das suas relações pessoais e amiga da Ré) que precisariam de esperar pelas férias escolares dos três filhos menores para sair da casa a vender, por uma questão logística e uma vez que as crianças frequentavam um colégio nas proximidades. Segundo referiu, os RR. pretenderiam fazer a mudança depois da época escolar que termina, naquele colégio (Instituto Espanhol), em Julho. Por outro lado, as testemunhas Beatriz ...., que vive em união de facto com um irmão da Ré, e Ana ....., amiga dos RR., não presenciaram qualquer conversa entre estes e a indicada Carla ......, apenas afirmando que esta última sabia que os mesmos têm três filhos pequenos e que precisavam de tempo para sair da fração por causa da escola destes. A testemunha Carla ...... não confirmou, por sua vez, que os RR. tenham estabelecido, em qualquer momento, um prazo mínimo para conseguirem entregar o imóvel e referiu que teria sido sensível às necessidades destes se lhe tivessem apresentado, o que nunca sucedeu, as concretas condições para essa entrega. Também não pode afirmar-se, como dizem os apelantes, que o ponto 7 contraria as regras da experiência comum e que não pode admitir-se que uma família com três crianças menores de idade não tenha dado indicações sobre o tempo mínimo de que necessitaria para entregar a casa a vender. Com efeito, sendo inteiramente desconhecidos – e estando ausentes da matéria de facto – os motivos que terão levado os RR., em Abril de 2018, à venda da fração e qual a sua intenção futura em termos de habitação (pretenderiam adquirir ou arrendar outro imóvel ou teriam já mesmo uma residência alternativa?), não é possível pressupor que necessitassem inevitavelmente de um qualquer prazo mínimo para entregar a dos autos. Tanto mais que se propuseram vender a fração em Abril de 2018. Acresce que nenhum documento escrito junto ao processo aponta minimamente para o estabelecimento pelos RR. de uma limitação temporal à venda do imóvel, o que seria essencial à valoração da prova testemunhal produzida em tal sentido. Como se assinala na sentença a propósito da motivação da decisão da matéria de facto, se tivesse sido estabelecido pelos RR., e acordado entre as partes, um específico limite temporal mínimo para a venda do imóvel, seria natural que tal surgisse pelo menos referido nas trocas de mensagens e emails que foram juntos aos autos, pelo menos por parte dos RR. em referência ao que fora acordado, o que não se verifica. Por fim, tendo em conta o tipo de contrato firmado (contrato de adesão) e a impossibilidade material de introdução de uma tal cláusula escrita, ainda assim nada mais se alcançaria, como vimos, que a simples demonstração de que os RR. transmitiram à A. que só poderiam sair da casa depois do termo do ano letivo dos filhos, o que sempre seria irrelevante para a decisão da causa no quadro da demais factualidade assente. Com efeito, a proposta de aquisição em questão nos autos terá sido apresentada aos RR. em Junho de 2018, o ano letivo termina no colégio frequentado pelos menores em Julho (segundo referido pela Ré C), e em 22.6.2018 os RR. declinaram tal proposta invocando a indisponibilidade para celebração da escritura no prazo de 60 dias, nunca tendo proposto uma data alternativa para essa celebração, apesar da A. lhes ter solicitado expressamente tal indicação (pontos 21 a 24 provados e não impugnados). Em suma, são de manter o ponto 7 provado e o ponto a) não provado. Pontos 13, 14, 15 e 16 provados: Deu-se como provado que: 13) (A A.) “Angariou interessados na compra do imóvel tendo organizado e acompanhado visitas.” 14) “Apresentou e negociou propostas concretas ao Réus.” 15) “Fruto deste trabalho da Autora, no dia 05/06/2018 logrou-se a obtenção de interessado na aquisição do imóvel pelo preço de 385.000,00€ (trezentos e oitenta e cinco mil euros).” 16) “O Interessado, por intermédio da Autora, propôs que a escritura pública de compra e venda fosse celebrada no prazo de 30 dias.” Defendem os apelantes que tais factos devem considerar-se não provados uma vez que não foi feita qualquer prova da efetiva existência de um interessado capaz de realizar a compra do imóvel pelo preço anunciado, sendo o depoimento da testemunha Carla ..... parcial e com claro interesse na procedência da ação. A recorrida opõe-se, invocando que tal resulta do depoimento da referida testemunha Carla .....e que os RR. nunca questionaram a existência do dito interessado nem solicitaram a respetiva identificação. Na sentença, motivou-se a resposta à matéria de facto neste tocante do seguinte modo: “(…) Os factos descritos nos pontos 8) a 13), relativos às diligências feitas por Carla ...... com vista à promoção do imóvel dos RR., tiveram por fundamento o testemunho claro, isento e credível de Carla Mateus que as descreveu ao Tribunal, corroboradas ainda pelos documentos juntos: - Fls. 22 a 24 onde constam conversas estabelecidas no grupo de whatsapp criado pela angariadora Carla ...... . Podemos ali verificar a combinação de várias visitas: - Fls. 24v e 25 - publicitação no site da Remax, no FB. A apresentação de propostas concretas aos RR. (Facto Provado no ponto 14) resulta desde logo do email de fls. 26 de 05.06. Como decorre da simples leitura dos emails trocados entre as partes e juntos a 26 a 33, a A. foi diligente quer na apresentação da proposta aos RR, quer na tentativa de mediação e resolução dos problemas que iam sendo expostos pelos RR para a não aceitação da proposta. Atente-se que a proposta é concretamente apresentada em 05.06.2018 (fls. 26), respondendo os RR. em 11.06. dizendo que não aceitam o prazo proposto. No mesmo dia, a A. responde, solicitando aos RR. que digam então que prazo propõe. (…).” Cremos que o depoimento da testemunha Carla ....., não obstante o seu interesse pessoal no sucesso da causa (face à participação que porventura terá no valor da remuneração reclamada pela A., apesar de já não trabalhar para a mesma), pela sua clareza, lógica e coerência, combinado com o teor dos docs. de fls. 22 a 27 (troca de mensagens, por whatsApp e email, entre a Ré Susana … e a referida Carla ......), permite concluir, com segurança bastante, que a A. providenciou pela angariação de interessados na compra do imóvel, organizando e acompanhado visitas que acordou previamente com a Ré C, e apresentou aos RR., em 5.6.2018, um interessado na aquisição do imóvel pelo preço de € 385.000,00, com escritura a realizar no prazo de 30 dias. Se é certo que os RR. jamais terão posto em causa perante a A. a real existência de um tal interessado, não se vislumbra que interesse poderia ter a mesma A., ou a angariadora Carla ......, em “inventar” a sua existência com o risco de, aceitando os RR. as condições propostas, não poder concretizar o negócio, prejudicando a sua imagem perante o cliente. De resto, não se vê que relevância ou razoabilidade teria identificar detalhadamente o proponente comprador antes de haver um princípio de acordo para a realização do contrato visado, nem se vislumbra que os RR. o tivessem solicitado e/ou disso tenham feito depender a sua tomada de posição perante a A. e aquela proposta. Donde, nenhuma dúvida razoável nos suscitam os meios de prova indicados para a demonstração de tais factos. São de manter, por isso, os pontos 13, 14, 15 e 16 provados. Novo facto proposto (I): Requerem os apelantes se dê como provado o seguinte facto, alegado no art. 31 da contestação: “O contrato de mediação não refere uma obrigação de realização do negócio de compra e venda num determinado prazo.” A recorrida opõe-se, defendendo a irrelevância do facto para a decisão da causa. Com efeito, não se alcança o sentido da pretensão recursiva neste tocante, pelas razões aliás acima expressas a propósito do ponto 7 provado. Veja-se, por outro lado, que a inexistência de uma cláusula escrita no contrato de mediação relativa ao prazo para celebração do negócio – cláusula que não é obrigatória, de acordo com o art. 16 da Lei nº 15/2013, de 8.2([3]) – não terá sido impeditiva da assinatura do mesmo por parte dos RR.. Por fim, tendo sido considerado nulo o contrato em apreço – com exemplar junto aos autos – e os efeitos daí decorrentes, irrelevante se mostra reivindicar o seu concreto teor. Em suma, indefere-se o aditamento proposto. Novo facto proposto (II): Requerem os apelantes se dê como provado o seguinte facto: “O original do contrato ou duplicado em suporte físico não foi entregue ou remetido aos RR.” Invocam o depoimento da Ré C e dizem que fica por demonstrar que a A. tenha enviado o referido duplicado físico. A recorrida opõe-se. Da própria justificação apontada pelos apelantes resulta a incongruência do facto proposto. Na verdade, do email de 11.6.2018 remetido por Carla ....à Ré C consta o envio do mesmo digitalizado em anexo, com menção de que o original já seguira na semana anterior. Quando muito poderia dizer-se que não terá sido feita prova suficiente de que esse duplicado tenha sido efetivamente remetido aos RR., uma vez que estes não reconhecem tê-lo recebido. Em todo o caso, tal não implica, como é evidente, a prova de que tal duplicado em suporte físico não foi entregue ou remetido aos RR.. Com efeito, a resposta negativa a um facto controvertido, porque não foi produzida a necessária prova, apenas significa não se ter provado a sua veracidade mas não significa a prova do contrário([4]). Por conseguinte, a circunstância de não se provar o envio do duplicado do contrato aos RR. não equivale à prova de que não foi remetido. De resto, os meios probatórios disponíveis não admitem tal afirmação. Reitera-se que, tendo sido já julgado nulo, com trânsito em julgado (como adiante melhor veremos), o contrato dos autos, irrelevante se mostraria a prova de tal facto. Indefere-se, por isso também, este segundo facto proposto. Novo facto proposto (III): Requerem os apelantes se dê como provado que: “Aos RR. não foram prestadas informações quanto à possibilidade de exercer o direito à livre resolução.” Invocam o depoimento da Ré C. A questão pode vir a revestir algum interesse para a causa de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, atentos os fundamentos do recurso nessa parte. Assim – e sem que tal implique qualquer tomada de posição sobre a solução neste tocante ou sobre as obrigações que impendiam sobre a A. – pode concluir-se, a partir dos depoimentos de Carla ... e da Ré C, que aquela não terá concretamente informado os RR. de qualquer possibilidade de resolverem livremente o contrato. Com efeito, enquanto a Ré Susana disse, em declarações de parte, que nada lhe foi dito sobre o seu direito a resolver o contrato, a testemunha Carla .... não afirmou o contrário, escudando-se na afirmação de que “explica sempre todas as situações” aos clientes e que os RR. nunca lhe comunicaram que pretendiam resolver o contrato. Assim, e despojando o ponto proposto de qualquer noção de direito, cumpre aditar aos factos assentes o seguinte facto novo (Ponto 30): “Aos RR. não foram prestadas informações sobre a possibilidade de resolverem livremente o contrato dos autos.” Novos factos propostos (IV e V): Requerem os apelantes se dê ainda como provados os seguintes factos alegados nos arts. 40º e 50º da contestação: “Em momento algum os RR. se recusaram a proceder à venda do imóvel.” “A Autora, através de Carla ....., foi sempre insistindo no sentido de encurtar o prazo da escritura porque o alegado interessado tinha muita urgência em formalizar a compra.” E ainda os seguintes: “A Autora não conseguiu encontrar um ponto de entendimento entre os interesses do seu cliente/comprador e os dos seus outros clientes/vendedores (RR).” “Por esse motivo, a Autora deixou de promover o imóvel objeto da angariação imobiliária pelo menos a partir de 04 de julho de 2018.” Invocam as declarações de parte da Ré C. A matéria com interesse para a decisão da causa é a que se mostra já definitivamente assente. Note-se que, apesar da Ré C ter referido que se considerava pressionada pela angariadora Carla .... face ao negócio proposto em 5.6.2018, nenhuma prova cabal se fez de que esta tenha insistindo no sentido de encurtar o prazo da escritura (inicialmente proposto a 30 dias) por urgência do comprador em formalizar a compra, o que, aliás, parece até contrariar os pontos 16, 22 e 23 provados, não encontrando qualquer suporte nos documentos juntos aos autos. De resto, e no essencial, estes novos pontos propostos pelos apelantes correspondem a matéria claramente conclusiva, que poderá ou não extrair-se a partir dos já julgados assentes, sendo antes compatível com a sua interpretação. Indeferem-se, por isso igualmente, estes últimos 4 pontos propostos. Temos, assim, que, salvo quanto ao aditamento acima admitido, as respostas dadas aos factos impugnados encontram plena justificação nos termos indicados pelo Tribunal a quo, não se surpreendendo contradição ou erro manifesto de avaliação entre os elementos de prova disponíveis e as indicadas respostas, o que significa dizer que a convicção expressa pela 1ª instância naquela matéria tem inteiro suporte naquilo que os meios de prova analisados fornecem. Diga-se ainda que, mesmo entendendo o princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, como vem sendo entendimento maioritário do STJ, não deve esquecer-se que a Relação se defronta com inevitáveis limitações quanto à apreensão da prova produzida em audiência, com realce para a expressão física dos depoentes e/ou para outros sinais transmitidos por estes – como seja, muitas vezes, na “análise comentada” dos documentos ou fotografias com que são confrontados – irrepetíveis na reprodução áudio em sede de recurso, deixando o juiz do julgamento numa clara vantagem de análise decorrente da imediação que sempre recomendará particulares cautelas na busca de uma “nova” ou “melhor” convicção em sede de recurso. Finalmente, e em jeito de síntese, lembramos que o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas (art. 607, nº 5, do C.P.C.). Como acentua, por outro lado, Luís Filipe Pires de Sousa([5]), o standard de prova que opera no processo civil é “o da probabilidade prevalecente ou «mais provável que não»”, devendo preferir-se, entre as várias hipóteses de facto, a que conte com um grau de confirmação superior com relação às demais, tal como deve preferir-se a hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que falsa. Em suma, e por quanto se deixa dito: - Admite-se o aditamento do seguinte facto novo (Ponto 30): “Aos RR. não foram prestadas informações sobre a possibilidade de resolverem livremente o contrato dos autos”; - No mais é de manter inalterada a resposta dada em 1ª instância à matéria de facto. B) Da aplicação do direito aos factos (da nulidade do contrato de mediação; da culpa dos RR. na não celebração do negócio; da remuneração devida e da responsabilidade solidária dos RR.; das repartição das custas): Aqui chegados, cumpre fazer a subsunção jurídica dos factos definitivamente fixados e tendo em vista as questões suscitadas no recurso. Na sentença, concluiu-se, em primeiro lugar, pela nulidade do contrato, discorrendo-se: “(…) Invocam os RR. que o contrato é nulo porque a Autora não cumpriu os requisitos legais a que estava obrigada, uma vez que: o contrato não está assinado pela “Mediadora”/Autora, as Cláusulas 1.º e 3.º omitem os elementos legalmente exigidos, a Cláusula 2.º não identifica o negócio visado; a Cláusula 7.º não identifica o seguro de responsabilidade civil contratado. Ao contrário do invocado pelos RR. o contrato celebrado, junto a fls. 97, está assinado por ambas as partes, dele constam os elementos de identificação do imóvel, o negócio pretendido e o regime de contratação. Ainda que se admita que a assinatura da Autora tenha sido aposta depois da assinatura da Ré, nem por isso se deve considerar nulo o contrato, dado que na verdade e ab initio já dele faziam parte os elementos essenciais do negócio, ou seja a identificação dos RR, a localização do imóvel (morada completa), o valor pretendido, o objectivo - diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de 385 000,00 €, a remuneração a pagar à Autora pelo trabalho desenvolvido, e o regime de contratação. Assim, pela falta destes elementos, não pode ser julgada procedente a nulidade invocada. Quanto à falta de identificação do seguro efectivamente nada consta do contrato celebrado que permita identificar a existência de qualquer seguro. Ora, nos termos do arte 16º n.º 2 alínea d) da Lei n.º 15/2013 de 08.02 do contrato deve constar, obrigatoriamente, a identificação do seguro de responsabilidade civil ou da garantia financeira ou instrumento equivalente com indicação da apólice e entidade seguradora ou, quando aplicável, do capital garantido. Por sua vez o nº 5 do referido preceito estabelece como consequência: “O incumprimento do disposto nos n.ºs 1, 2 e 4 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação. Pelo exposto, mais não resta do que face à falta deste elemento, que a lei tipifica como fundamental, declarar a nulidade do contrato celebrado. Sendo nulo o contrato não há sequer que apreciar a suscitada questão do direito de livre resolução porque tal pressupõe a outorga pelas partes de um contrato válido. Um contrato nulo por falta de forma não pode ser resolvido, já que tal direito potestativo extintivo é apanágio dos negócios válidos. (…).” Concluiu-se, em todo o caso, pelo direito da A. à remuneração dos serviços prestados e pela procedência da causa, do seguinte modo: “(…) Tem-se reconhecido unanimemente que a nulidade prevista no RJAMI é uma nulidade atípica. Por regra declarada a nulidade, haverá que ter em consideração o disposto no art. 289, n.º 1, do CC, sendo que tendo a nulidade efeito retroativo, deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado. No entanto, estando em causa um contrato de mediação imobiliária nulo por falta de especificação de um elemento obrigatório, negócio em execução do qual a Autora desenvolveu atividade de mediação, tendo prestado serviços com o objetivo de encontrar interessado na celebração do negócio visado, afastada se encontra a possibilidade de restituição em espécie, pelo que deverá ser restituído o valor correspondente. Referindo-se a esta contraprestação pecuniária, esclarece Higina Orvalho Castelo (Higina Orvalho Castelo (Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, 2.ª edição atualizada, revista e aumentada, Coimbra, Almedina, 2020, pag 110) que “o melhor critério para aferir esse valor é faze-lo corresponder à remuneração acordada, pois foi esta que o cliente entendeu que a atividade bem sucedida do mediador para si valia". Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.04.2004, Relator: Azevedo Ramos: “I- O contrato de mediação imobiliária é nulo, se não for celebrado por escrito, não podendo contudo essa nulidade ser invocada pela entidade mediadora. II - Tendo sido declarada a nulidade do contrato, há que proceder à reposição da situação anterior das partes, a efectuar nos termos do art. 289, nº1, do C.C., e não por recurso ao instituto do enriquecimento sem causa. III - Não podendo a ré restituir, em espécie, os serviços de mediação prestados pelo autor, o melhor critério para achar o correspondente valor é a ré pagar a comissão que foi acordada sobre o preço da venda, pois foi aquele valor que as próprias partes fixaram como justo e adequado, do ponto de vista contratual, para a remuneração dos serviços do mediador. IV - Para ter direito à comissão, é suficiente o mediador ter-se limitado a dar o nome de uma pessoa disposta a realizar o negócio, pondo o comprador em contacto com o vendedor e que isso tenha influído na realização do contrato." Ora, no presente caso, e apesar da nulidade do contrato, a verdade é que a A. prestou o serviço acordado, cumprindo integralmente a obrigação acordada, na medida em que arranjou comprador para a casa dos RR, pelo valor indicado pelos RR., e nas datas em que estes o desejassem. É certo que o negócio não se concluiu, mas tal deve-se exclusivamente à actuação dos RR. que nunca vieram indicar eu data pretendia para a escritura. O artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08.02. (RJAMI) estabelece que: “1-A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra; 2 -É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. (…)" (sublinhado e itálico nosso) No caso sub iudice foi a actuação dos RR, ao não indicarem concretamente qual a data em que pretendiam a escritura, que fez com que o negócio se gorasse. Veja-se que a Autora logrou encontrar comprador pelo preço pedido, e tudo fez para ultrapassar os obstáculos que iam sendo criados pelos RR (aumento do valor do sinal, dilação da escritura). Chegando mesmo a dizer: «vejam como querem fazer o negócio», pergunta à qual nunca obteve resposta. Afigura-se assim que foram os RR. que, com a sua actuação e ao não indicarem o prazo que realmente pretendiam para a realização da escritura, inviabilizaram a concretização do negócio. Nesta conformidade, afigura-se plenamente justificado que a A. seja ressarcida do trabalho efectuado, e tendo por base o valor que tinha sido acordado pelas partes para a celebração do negócio. Pelo exposto, mais não resta do que julgar integralmente procedente por provado o pedido formulado, com a ressalva de que os juros devem ser contabilizados desde a presente sentença (face à nulidade do contrato) e não desde a data de emissão das facturas.(…).” Dizem os apelantes que, apesar do Tribunal a quo ter julgado o contrato de mediação nulo, o serviço tem de merecer uma apreciação à luz do Direito do Consumo, não tendo sido apreciada devidamente a questão do direito dos RR. à livre resolução que não estava prejudicada pela conclusão sobre a nulidade do contrato. Sustentam que sendo os RR. consumidores e tendo o contrato de mediação imobiliária sido celebrado no domicílio destes, isto é, fora do estabelecimento comercial, de acordo com o Regime Jurídico dos Contratos Celebrados à Distância e Fora do Estabelecimento Comercial, aprovado pelo DL nº 24/2014, de 14.2, assistia aos RR. o direito de livre resolução do contrato no prazo de um ano sem que a A. tivesse direito a qualquer indemnização ou pagamento de quaisquer encargos e serviços, tudo nos termos conjugados dos artigos 4, 10, nº 1, al. a), e nº 2, 15, nº 5, al. a), ponto i), e 16 do mencionado Diploma. A recorrida sustenta o decidido nessa parte, assinalando que o regime previsto no DL nº 24/2014, de 14.2, não é aplicável ao contrato sub judice, sujeito à regulamentação especial prevista na Lei nº 15/2013, de 8.2, e que, ainda que o fosse, os RR. não manifestaram qualquer interesse em pôr termo ao mesmo nos 14 dias seguintes à sua celebração, só manifestando essa intenção em 23.7.2018, depois de recusarem proposta apresentada pela angariadora. Vejamos. Em primeiro lugar, não se nos afigura que o DL nº 24/2014, de 14.2, seja efetivamente aplicável ao contrato de mediação imobiliária em apreço. O referido Diploma transpôs para a ordem interna a Diretiva nº 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25.10.2011, relativa aos direitos dos consumidores, e estabeleceu o novo regime aplicável aos contratos celebrados à distância e aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, revogando o DL nº 143/2001, de 26.4, então aplicável aos contratos celebrados à distância. De acordo com as definições previstas no dito DL nº 24/2014, “Consumidor” é a pessoa singular que atue com fins que não se integrem no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional (art. 3, al. c)). Já o “Contrato celebrado fora do estabelecimento comercial” será aquele celebrado na presença física simultânea do fornecedor de bens ou do prestador de serviços e do consumidor em local que não seja o estabelecimento comercial daquele, incluindo os casos em que é o consumidor a fazer uma proposta contratual, como os celebrados no domicílio do consumidor (art. 3, al. g), subal. ii), do mesmo Diploma). Cremos, todavia, que tais contratos, um pouco na linha do previsto no art. 13 do revogado DL nº 143/2001, serão aqueles que, por natureza ou definição, são celebrados fora do estabelecimento comercial, em regra por iniciativa e contacto direto e presencial do fornecedor com os consumidores no respetivo domicílio ou local de trabalho, ou em qualquer outro sítio diferente do estabelecimento ao qual o público normalmente se desloca, por vontade própria, para adquirir bens ou serviços. Será precisamente essa circunstância, definidora desse tipo de contrato, que impõe sejam estabelecidas determinadas salvaguardas, por forma a proteger o consumidor de práticas agressivas de comercialização dos fornecedores comuns nesses casos, como nas vendas ao domicílio, em que pressão psicológica e o fator surpresa mais facilmente induzem o consumidor à celebração do contrato([6]). “Nos contratos negociados ao domicílio são utilizados determinados métodos de comercialização ou técnicas de promoção de vendas, que representam um potencial risco para o consumidor. Este é muitas vezes surpreendido com visitas que não solicitou e que têm por objectivo levá-lo a concluir um contrato. O consumidor encontra-se particularmente vulnerável, no seu ambiente doméstico ou em outro contexto no qual não está de antemão preparado para tomar uma decisão de compra e no qual tende a ceder mais facilmente à persuasiva e tecnicamente bem estudada argumentação do vendedor. De todo o modo, não dispõe o consumidor de qualquer oportunidade de comparar preços, qualidades e características entre o bem oferecido e bens concorrentes. Estas circunstâncias, que podem induzir o consumidor a uma certa precipitação no momento da celebração do contrato, tornaram premente a introdução, no regime legal os contratos ao domicílio, de mecanismos de protecção do consumidor.(…).”([7]) Deste modo, a razão de ser do direito de livre resolução neste tipo de contratos é a própria forma de operar num tal sistema de venda ou prestação de serviços, tornando-se o contrato perfeito sem que o consumidor tenha a oportunidade de examinar fisicamente o produto oferecido e produtos concorrentes, de comparar preços ou qualidades, ou de conhecer em detalhe as características da prestação de serviços, agindo, afinal, por impulso([8]). Porém, com este tipo de contratos não podem confundir-se, a nosso ver, aqueles que, sendo habitualmente celebrados no estabelecimento comercial do fornecedor dos bens ou serviços, vêm a ser assinados no domicílio do consumidor por mera comodidade ou conveniência de ambas as partes ou até do próprio cliente. Nestes estarão, à partida, ausentes os métodos de comercialização acima referidos e arredados os riscos envolvidos para o consumidor, sendo o local da celebração do contrato totalmente irrelevante para a formação da vontade de contratar do cliente. Ora, de acordo com a factualidade assente, o contrato de mediação imobiliária em apreço inclui-se neste último tipo. Assim, muito embora os RR. possam considerar-se consumidores de acordo com a definição prevista no DL nº 24/2014 e o contrato escrito (muito embora nulo) tenha sido assinado pelos RR. na casa destes e, mais tarde, na loja pelo legal representante da A. (ponto 5 supra), o certo é que foram os RR. quem procurou a A. para que diligenciasse na promoção e divulgação da venda do imóvel, sendo que os contactos, antes e depois da celebração do contrato, se revestiram sempre de grande informalidade, tanto mais que a angariadora Carla ..... e a Ré C eram amigas (pontos 3, 28 e 29 supra). Deste modo, parece evidente que a escolha do local para assinatura do contrato de mediação imobiliária, aliás respeitante à venda da própria fração onde habitavam os RR., terá sido circunstancial e provavelmente determinada por conveniência destes, após conversações existentes entre ambas as partes. Ou seja, o contrato (ainda que fosse válido) foi assinado no domicílio dos RR. como poderia ter sido assinado no estabelecimento da A., não se evidenciando que daí possa ter resultado qualquer influência na formação da vontade de contratar por parte dos RR.. Donde, entendemos, pelos motivos expostos, que o DL nº 24/2014, de 14.2, não se aplica ao contrato de mediação imobiliária em apreço. Em todo o caso, uma vez que os RR. quiseram prevalecer-se da nulidade do contrato, por si expressamente invocada na contestação e depois reconhecida e declarada na sentença – sentença que, como acima referimos, nessa parte, transitou já em julgado([9]) – concordamos que sempre terá ficado prejudicada qualquer questão respeitante à resolução respetiva, mormente a questão do direito de livre resolução do mesmo. É que, como se diz na sentença, a resolução contratual pressupõe a validade do contrato celebrado, pelo que, uma vez declarada a nulidade do mesmo, deixa de fazer sentido e será até contraditório apreciar de questões inerentes à respetiva validade. De facto, a declaração de nulidade tem efeito retroativo, acarretando a obrigação de restituir tudo o que houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (cfr. art. 289, nº 1, do C.C.). Desta forma, uma vez julgado nulo um contrato tudo funciona como se o mesmo nunca tivesse existido, obrigando-se os intervenientes a repor o que tenham recebido. Se assim é, subscrevemos a conclusão a que se chegou na sentença recorrida de que ficou, com a declaração de nulidade do contrato, prejudicada a apreciação da questão do eventual direito dos RR. à livre resolução do mesmo. Aqui chegados, subsiste a questão de saber se a A., apesar da reconhecida e incontornável nulidade do contrato, tem direito a uma remuneração, sendo os RR. responsáveis pela falta de celebração do contrato visado. Neste tocante defendem os apelantes que não decorre da factualidade assente que assim tenha ocorrido e que os RR. nunca se recusaram a proceder à venda do imóvel, sendo à A. que competiria a prova dos factos constitutivos do direito à remuneração que se arroga. A recorrida defende, em contraponto, o acerto do decidido. O contrato de mediação imobiliária encontra-se hoje regulado pela Lei nº 15/2013, de 8.2, aplicável ao caso, não deixando de constituir uma modalidade especial do contrato de prestação de serviços previsto nos arts. 1154 a 1156 do C.C.. De acordo com o disposto no art. 2, nºs 1 e 2, da aludida Lei nº 15/2013, a atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte do mediador em nome do cliente, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de quaisquer direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos, bem como a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis, desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e sobre as características dos respetivos imóveis. Mais estabelece o nº 5 daquele art. 2 que se define como destinatário do serviço o terceiro que celebre com o cliente da empresa qualquer negócio mediado por esta. A lei vigente deixa, por isso, de aludir à obrigação da mediadora de efetuar determinadas diligências (como sucedia no revogado DL nº 211/2004, de 20.8), limitando-se a descrever a atividade como a procura de destinatários. Todavia, sendo o contrato de mediação imobiliária reduzido a escrito, estabelecerá o mesmo a concreta obrigação jurídica assumida pela empresa mediadora (ver art. 16 da Lei nº 15/2013). Em todo o caso, a lei trata de uma forma particular os contratos de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, o que sucede desde logo com a própria forma de remuneração (cfr. art. 19 do Diploma). Dispõe o art. 19 da referida Lei nº 15/2013 que: “1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. 3 - Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respetivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize. 4 - O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objeto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel. 5 - O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.” Segundo Higina Orvalho Castelo: “(…) Apesar de a lei não fazer qualquer referência ou distinção a propósito da prestação da mediadora nos contratos de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, devemos entender que, quando a mediadora tem o benefício da exclusividade, ela está sempre obrigada à prestação, ou seja, está obrigada a desenvolver a atividade no sentido de obter interessado no contrato e/ou de levar as negociações a bom porto. Não faria qualquer sentido que alguém que pretende interessado para um contrato celebrasse um contrato de mediação para esse fim, vinculando-se a não celebrar contrato com o mesmo objeto com qualquer outra mediadora, se a contraparte não se obrigasse a desempenhar o seu papel, ou seja, a diligenciar por obter interessado no contrato que o cliente pretende celebrar. Um contrato de mediação em que a mediadora a nada se obrigasse, mas em que o cliente ficasse impedido de recorrer a outras mediadoras, seria um contrato totalmente desequilibrado que ninguém, minimamente esclarecido, celebraria. (…)”([10]). Por conseguinte, nos contratos de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, e sem prejuízo da estipulação neles concretamente definida, a mediadora fica obrigada a desenvolver as ações necessárias à obtenção de interessado no negócio bem como, pelo menos, as tendentes à sua concretização. No contrato de mediação simples a remuneração será, em princípio, devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (nº 1 do art. 19). É, desse modo, indispensável para que o mediador adquira o direito à remuneração que o negócio seja concluído por efeito da sua intervenção (o mediador deve conseguir interessado por si angariado que venha a concretizar o negócio) ou seja, que a atividade desenvolvida pelo mediador constitua causa adequada à conclusão do negócio, mesmo que não seja a única causa do resultado produzido. O regime será diverso havendo cláusula de exclusividade, pois de acordo com o nº 2 do art. 19 da mesma Lei, se o contrato for celebrado em regime de exclusividade, a remuneração será devida se a mediadora cumpriu a prestação a que se obrigou mas o negócio visado não se concretizou por causa imputável ao cliente. A propósito deste art. 19 explica Higina Orvalho Castelo([11]). “(…) Esta norma, que em substância vem dos dois regimes anteriores, introduz na disciplina contratual uma diferença significativa relativamente ao regime geral do contrato de mediação, no qual a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (ou de sua promessa, quando assim tiver sido acordado no contrato de mediação). No regime geral, não se celebrando o contrato visado, ainda que por causa imputável ao cliente, não nasce o direito à remuneração, pois o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar (balizada apenas, nos termos gerais, perante o terceiro, pelo dever de boa fé nas negociações). Tendo sido estipulada uma cláusula de exclusividade num contrato de mediação celebrado com o proprietário ou com o arrendatário trespassante, o panorama altera-se. Nestes casos, a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente. A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação e do sucesso desta. De enfatizar que a aplicação da norma contida no n.º 2 do art. 19 implica a prova da efetiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. Provando a mediadora que efetuou com sucesso a sua prestação, o cliente poderá eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio).(…).” Assim, resume aquela autora: “(…) No contrato de mediação com cláusula de exclusividade, a impossibilidade de cessação unilateral e discricionária significa que o cliente tem de pagar a remuneração nos seguintes casos: a) Tal como no contrato de mediação simples, se o cliente vier a celebrar o contrato visado graças à atividade desenvolvida pela empresa de mediação durante o prazo contratual (nomeadamente por o celebrar com interessado que a mediadora lhe apresentou durante o prazo do contrato), ainda que a celebração do contrato visado ocorra fora do período do contrato; b) Se o cliente, incumprindo o contrato de mediação com cláusula de exclusividade, celebrar contrato de mediação com outra mediadora e vier a celebrar o contrato visado com terceiro apresentado por esta outra mediadora durante a vigência do contrato incumprido – retribuirá a mediadora exclusiva nos termos do disposto no art. 795, n.º 2, do CC; c) Sendo o cliente da empresa de mediação o proprietário ou o arrendatário trespassante do imóvel objeto do contrato visado, se, durante o prazo de vigência do contrato de mediação, a empresa mediadora apresentar ao cliente pessoa interessada, disposta e pronta a celebrar o contrato visado, e o cliente não o celebrar por causa que lhe seja imputável – há direito à remuneração nos termos do art. 19, n.º 2.”([12]) Em síntese, a Lei nº 15/2013, de 8.2, prevê o contrato de mediação com cláusula de exclusividade, conferindo-lhe um regime próprio, devendo o acordo de exclusividade constar obrigatoriamente do contrato, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente (art. 16, n.º 2, al. g)). Por sua vez, no contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade, a remuneração da empresa é devida independentemente da conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação, se este não se concretizar por causa imputável ao cliente (art. 19, nº 2). Ora, revertendo para o caso em análise, cumpre considerar que o contrato de mediação em apreço foi julgado nulo (ao abrigo do disposto no art. 16, nº 2, al. d), da Lei nº 15/2013, de 8.2). Como acima referimos, a declaração de nulidade tem efeito retroativo, acarretando a obrigação de restituir tudo o que houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (cfr. art. 289, nº 1, do C.C.). Desta forma, julgado nulo o contrato tudo funciona como se o mesmo nunca tivesse existido, obrigando-se os intervenientes a repor o que tenham recebido. Daqui decorre que tal nulidade do contrato não desonera necessariamente o cliente de qualquer obrigação perante a mediadora e antes desencadeia a produção de efeitos em relação aos contraentes. Constituiria, na verdade, verdadeiro abuso de direito a possibilidade de invocação pelo cliente/proprietário da nulidade do contrato de mediação por vício de forma com o objetivo de se eximir ao pagamento da remuneração correspondente ao serviço efetivamente prestado pela mediadora. Como refere Higina Orvalho Castelo([13]): “(…) quando o direito não conduz à manutenção do contrato, declarada a sua nulidade, haverá que ter em consideração o disposto no art. 289, n.º 1, do CC: a nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Ora, tendo sido prestada com êxito a atividade de mediação, e tendo o cliente celebrado o contrato visado graças à atuação da mediadora, creio que o melhor critério para aferir o valor do que foi prestado é fazê-lo corresponder à remuneração acordada, pois foi esta que o cliente entendeu que a atividade bem sucedida da mediadora para si valia. (…).” Como também já referimos, nos contratos de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, a remuneração da mediadora não depende da celebração do contrato visado, quando este não se concretize por causa imputável ao cliente, mas do cumprimento daquela da sua obrigação de desenvolver as ações necessárias à obtenção de efetivo interessado no negócio e de apresentação do mesmo ao cliente, não se celebrando o negócio visado por causa imputável ao cliente. Do exposto tem de retirar-se, a nosso ver, diferente efeito quanto à solução do pleito. Na verdade, sendo o contrato dos autos nulo, como vimos, e devendo considerar-se o mesmo inexistente, não pode afirmar-se que as partes estipularam o regime da exclusividade (não obstante o que consta do ponto 4 supra quanto ao respetivo teor). Seria, de resto, contraditório que fossem consideradas relevantes as concretas cláusulas sendo o contrato julgado nulo. Ou seja, não se nos afigura logicamente possível considerar nulo o contrato e concluir depois que as partes contrataram o regime da exclusividade (obrigatoriamente sujeito a forma escrita) como se o contrato fosse válido. Sendo o contrato nulo, o regime da exclusividade está englobado no reconhecimento da nulidade. Assim sendo, entendemos que os efeitos da nulidade a considerar, designadamente para efeitos compensatórios, não podem ter em conta essa especificidade, não podendo retirar-se, para os fins previstos no art. 289 do C.C., que foi celebrado um contrato de mediação entre as partes sujeito ao regime da exclusividade. Ora, como vimos, no contrato de mediação simples, sem aquela menção, a remuneração será, em princípio, devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (nº 1 do art. 19), sendo indispensável para que o mediador adquira o direito à remuneração que o negócio seja concluído por efeito da sua intervenção (o mediador deve conseguir interessado por si angariado que venha a concretizar o negócio). Desse modo, ainda que o mediador se tenha empenhado na busca de interessados na realização do negócio, se este não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando, então, o mediador o risco da sua atividade comercial. Só no caso de ter sido contemplada a cláusula de exclusividade a remuneração da mediadora será devida se esta cumpriu a prestação a que se obrigou mas o negócio visado não se concretizou por causa imputável ao cliente. Insistimos no que nos diz Higina Orvalho Castelo([14]), conforme acima já transcrito: “(…) No regime geral, não se celebrando o contrato visado, ainda que por causa imputável ao cliente, não nasce o direito à remuneração, pois o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar (balizada apenas, nos termos gerais, perante o terceiro, pelo dever de boa fé nas negociações). Tendo sido estipulada uma cláusula de exclusividade num contrato de mediação celebrado com o proprietário ou com o arrendatário trespassante, o panorama altera-se. Nestes casos, a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente. A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação e do sucesso desta.(…).” Ora, de acordo com a factualidade assente, e afastado o regime próprio da exclusividade nos termos acima indicados, verificamos que não foi celebrado o contrato visado. Assim sendo, mesmo que tal tenha ocorrido por causa imputável aos RR., não podemos dizer que nasceu para a A. o direito à remuneração, visto que da sua atividade nenhum benefício resultou para os RR.. Ou seja, apesar de a A. ter cumprido com a sua obrigação de desenvolver as ações necessárias à obtenção de interessado no negócio, apresentado um deles aos RR. com proposta nas condições de preço que haviam sido pretendidas por estes, e que a conduta destes tenha inviabilizado a concretização do negócio, não podem, a nosso ver, considerar-se preenchidos os pressupostos do art. 19, nº 2, da Lei nº 15/2013, de 8.2. De resto, seguindo-se o critério adotado na sentença sobre a contraprestação devida pelos RR. em face da nulidade do contrato e dos efeitos emergentes do art. 289, nº 1, do C.C., entendeu-se que o seu valor deveria corresponder à remuneração acordada. Ora, concordando nós ser plausível reconduzir os prejuízos que a mediadora sofreu ao valor da remuneração acordada (cfr. arts. 562 e ss. do C.C.)([15])([16]), a conclusão de que, no caso, não nasceria para a A. o direito à remuneração – porque não se pode considerar contratado o regime da exclusividade e o contrato visado não foi celebrado – leva-nos a concluir, ao contrário do sentenciado, que não tem a A. de ser ressarcida pelo trabalho por si levado a cabo. Assim sendo, prejudicadas ficam as questões suscitadas no recurso quanto à responsabilidade solidária dos RR.. Defendem, no entanto, ainda os apelantes que a responsabilidade das custas em 1ª instância deveria ter sido repartida ao abrigo do art. 533, nº 4, do C.P.C., e não ficar a cargo dos RR., uma vez que a A. podia ter recorrido a uma estrutura de resolução alternativa de litígios, desde logo porque na cláusula 13ª do contrato de mediação vem identificar essas entidades. A recorrida defende a inaplicabilidade da norma. Dispõe o nº 4 do art. 533 do C.P.C. que: “O autor que, podendo recorrer a estruturas de resolução alternativa de litígios, opte pelo recurso ao processo judicial, suporta as suas custas de parte independentemente do resultado da ação, salvo quando a parte contrária tenha inviabilizado a utilização desse meio de resolução alternativa do litígio.” Antes de mais, e como refere a apelada, uma vez que foi declarado nulo o contrato de mediação imobiliária sub judice por iniciativa dos RR., já que se vê que não poderiam os mesmos prevalecer-se da indicada estipulação. Mas, ainda que o contrato fosse válido, sempre estaria arredada a aplicação do dito nº 4 do art. 533 do C.P.C.. Na verdade, a menção que consta do mesmo decorre do disposto no art. 18 da Lei nº 144/2015, de 8.9, diploma que, transpondo para a ordem interna Diretiva comunitária, estabelece o enquadramento jurídico dos mecanismos de resolução extrajudicial de litígios de consumo. Ora, a referida Lei nº 144/2015, nos termos do nº 1 do seu art. 2, “é aplicável aos procedimentos de resolução extrajudicial de litígios nacionais e transfronteiriços promovidos por uma entidade de resolução alternativa de litígios (RAL), quando os mesmos sejam iniciados por um consumidor contra um fornecedor de bens ou prestador de serviços e respeitem a obrigações contratuais resultantes de contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, celebrados entre fornecedor de bens ou prestador de serviços estabelecidos e consumidores residentes em Portugal e na União Europeia.” (sublinhado nosso). Sendo a demandante na presente causa a própria entidade mediadora, é evidente que lhe estaria vedado recorrer a estruturas de resolução alternativa de litígios, sendo, por isso, inaplicável aquele nº 4 do art. 533 do C.P.C.. Em síntese, procede em parte o recurso, não podendo manter-se o decidido. * IV- Decisão: Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em, julgando parcialmente procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e absolver os RR. do pedido. Custas por apelante e apelados, na proporção de 10% e 90%, respetivamente. Notifique. Lisboa, 25.1.2022 Maria da Conceição Saavedra Cristina Coelho Edgar Taborda Lopes _______________________________________________________ [1] Cfr. A. Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, 2020, 6ª ed., págs. 354 a 356. [2] M. Tomé Soares Gomes, “Da Sentença Cível”, CEJ, Janeiro de 2014, pág. 45. [3] O contrato contempla, todavia, uma cláusula 8ª relativa ao prazo de duração do contrato (cfr. art. 16, nº 3, da Lei nº 15/2013, de 8.2). [4] Cfr., ainda com plena atualidade, Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Vol., 1997, pág. 235. [5] In “Prova por Presunção no Direito Civil”, 2017, 3ª ed., pág. 169. [6] Cfr., embora respeitante a anterior quadro normativo, “O direito de livre resolução no quadro geral do regime jurídico da protecção do consumidor”, Fernanda Neves Rebelo, artigo publicado “Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier”, Vol. II, Varia, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, págs. 572 a 617, promovido pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. [7] De novo Fernanda Neves Rebelo, ob. cit., nota 116. [8] Ainda Fernanda Neves Rebelo, ob. cit.. [9] Note-se que, muito embora a recorrida afirme, nas contra-alegações, discordar da sentenciada nulidade do contrato, não requer, de forma clara e inequívoca como se imporia (à semelhança do que se exige para o recorrente), a ampliação do objeto do recurso neste tocante ou com o mesmo relacionado, ao abrigo do disposto no art. 636, nº 1, do C.P.C., o que encerra definitivamente as questões envolvidas (cfr., a este propósito, A. Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, 2020, 6ª ed., págs. 149/150, e nota 248). [10] “Contrato de mediação imobiliária”, Revista Jurídica Digital, Novembro 2016, págs. 92 e 93. [11] Ob. cit., págs. 103 e 104. [12] Ob. cit., págs. 116/117. [13] Ob. cit., pág. 113. [14] Ob. cit., págs. 103 e 104. [15] Neste sentido Higina Orvalho Castelo, ob. cit., pág. 113, acima já transcrito. [16] No mesmo sentido, ver Fernando Baptista de Oliveira, “O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial”, CEJ, pág. 32/33. |