Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VAZ GOMES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA LIVRANÇA LIVRANÇA EM BRANCO PREENCHIMENTO ABUSIVO AVALISTA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/04/0224 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário da responsabilidade do Relator I-A letra ou livrança podem ser criadas e postas em circulação sem estarem completamente preenchidas. É o que se chama correntemente uma letra ou livrança “em branco”, e que corresponde às antigas letras “abertas”. Os requisitos formais da letra e da livrança estão enumerados no artigo 1º da LULL, diretamente e por remissão do artigo 77º. II-O artigo 1º da LULL não pode ser isolado do artigo 10º da mesma lei. E do artigo 10º resulta com clareza que o saque, o aceite, o endosso, o aval na letra e a subscrição na livrança vinculam os seus autores ainda antes do preenchimento completo do título. O título pode ser preenchido por qualquer dos seus portadores a todo o tempo desde que esteja completo ao tempo em que é exigido o seu pagamento. III- O artigo 10º da LULL admite mesmo que, após criado o título em branco, o primeiro portador o transmita ainda em branco, por endosso, e ele circule em branco, podendo ser preenchido por qualquer dos sucessivos portadores. Conjugados os artigos 1º e 10º da LULL, tem de se admitir que todos os que aponham a sua assinatura numa letra ou livrança em branco ficam imediatamente vinculados, por um lado, ficam numa situação jurídica de sujeição ao exercício do poder potestativo de preenchimento do título por qualquer dos portadores, situação que aceitaram e na qual se colocaram conscientemente ao assinarem o título em branco e ao entregarem voluntariamente, por outro, ficam ainda obrigados ao seu pagamento pelo valor e na data de vencimento com que o título vier a ser preenchido, conforme a qualidade em que o assinam e a sua posição na cadeia cambiária, só podendo opor a quem exige o seu pagamento uma convenção executiva, que com ele tenham celebrado. IV- Sempre que é emitida uma livrança em branco tem que ter havido, prévia ou simultaneamente à sua emissão, um acordo quanto ao critério do preenchimento, acordo que tanto pode ser expresso como tácito, resultando a declaração tácita desse acordo do preenchimento, desde logo, da entrega pelo subscritor ao portador da livrança em branco. V- Ao demandado na acção executiva com base na livrança subscrita em branco e entretanto completamente preenchida e que se mostre prejudicado com o valor aposto na livrança restará discutir se o preenchimento foi, ou não, abusivo, ele tem o ónus da alegação e da prova do pacto de preenchimento e respetivo preenchimento abusivo. VI- Se o embargante, avalista da livrança e garante das obrigações da relação subjacente à emissão da mesma acordou, expressamente, o pacto de preenchimento como ainda que as comunicações seriam efectuadas para a morada que vem indicada como provada, se o exequente enviou a comunicação a interpelação para aquela morada, se a carta que veio devolvida com a indicação de “mudou-se”, porque contratualmente o embargante estava obrigado a comunicar ao locador e portador da livrança a sua nova morada, não se provando que o tenha feito, não alegando sequer porque razão é que o não fez, deve ter-se o mesmo por interpelado com aquelas comunicações constantes dos autos vencendo-se os respectivos juros desde então. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO APELANTE/EMBARGANTE/ EXECUTADO: A … (Litigando com apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e encargos com o processo conforme decisão da SS de 23/2/2024 junta aos autos) APELADO/EXEQUENTE/EMBARGADO: M … C … SA – … B * Com os sinais dos autos. * I.1. O exequente instaurou execução para pagamento de quantia certa contra o executado, tendo apresentado como título executivo uma livrança, visando obter o pagamento da quantia €9.059,70. O executado deduziu os presentes embargos de executado, alegando, em síntese que: não é devedor de nenhuma quantia; a livrança foi preenchida de forma abusiva; o direito do exequente encontra-se prescrito; os juros de mora encontram-se prescritos. Os embargos foram liminarmente admitidos e por sentença de 01/02/2022 foi declarada a prescrição e a execução declarada extinta. I.2. O exequente recorreu da sentença, e o Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir acórdão em 23/06/2022, concluindo que a prescrição da livrança não ocorreu e revogou a sentença que declarou a execução extinta, determinando o prosseguimento dos autos. Concluiu pela extinção da execução. I.3. Foi proferido despacho saneador, fixou-se o objeto do litígio, os temas da prova e foi agendada audiência de julgamento. A instância foi suspensa a pedido das partes a fim de alcançarem um acordo, o que não sucedeu. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com respeito pelas formalidades legais como da respetiva ata se alcança. I.5. Inconformada com a sentença de 25/1/2024 que, julgando os embargos improcedentes em consequência determinou o prosseguimento da execução dela apelou o executado em cujas alegações conclui: 1-- Não julgou corretamente o Douto Tribunal “a quo”. 2 - Na 1ª instância foram juntos todos os documentos que consubstancia uma interpretação diversa. 3 - Não foi feita nenhuma prova da existência da divida, a própria testemunha ouvida, apenas teve acesso aos documentos internos do banco, não tendo participado diretamente em qualquer negociação. 4- O Recorrente não é devedor de qualquer montante. 5 - o Recorrente foi recentemente operado, padecendo de uma incapacidade superior a 66% (junta doc. comprovativo situação frágil que atravessa) 6- Contrariamente ao descrito na sentença a quo, a matéria alegada pelo exequente no seu requerimento executivo era inexata, competindo ao mesmo descrever totalmente a origem da divida e respetivos pagamentos. 7- O tribunal a quo não podia de forma alguma dar como provado que o recorrente tinha conhecimento das dividas se nunca recebeu as cartas de interpolação, 8- Acresce que, não existe quaisquer elementos do agente de execução nesse sentido. 9- Pelo que, andou mal o tribunal a quo ao concluir que o recorrente fora notificado e que o exequente nada mais teria que fazer. 10- Contrariamente ao provado em sentença, a exequente nunca reclamou os seus créditos ou deu conhecimento dos mesmos ao aqui recorrente. 11- A exequente junta uma livrança preenchida posteriormente com o valor que entende estar em débito sem que justifique esse valor. 12- Aquando da assinatura não foi aposto qualquer valor. 13- Não foi indicada qualquer data de emissão ou vencimento. 14- Não foi convencionada qual a taxa de juros ou prazo de vencimento. 15- A livrança foi, assim, preenchida após ter sido assinada e avalizada, em branco, e sem o consentimento do recorrente, existindo uma clara violação da lei e um erro na apreciação da prova. 16- Razão por que o preenchimento da livrança foi abusivo, resulta claro que o tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida em audiência e, que deveria ter dado como procedente a exceção invocada, pois a mesma é conducente à invalidade do negócio cambiário, por não terem sido ajustadas entre as partes, a fixação do montante da Livrança que não é devido, nem justificado, em condições relativas ao conteúdo o tempo do vencimento e a estipulação de juros. 17- Conforme decidiu ao STJ (Ac.26/03/96), “I – A livrança em branco deve ser preenchida da harmonia dos termos convencionados pelas partes (acordo expresso) ou com as clausulas do negócio determinante da emissão do título (acordo Tácito), II – Cabe ao subscritor da livrança o ónus da prova dos factos respeitantes ao seu preenchimento abusivo, por violação de alguns daqueles acordos (artigos 10º e 77º da LULL e 342º nº2 do Código Civil de 1966). II – Na ação executiva, a alegação desses factos deve ser feita na petição dos embargos de executado.” 18- O aval foi igualmente prestado em branco, ou seja, os avalistas foram obrigados a avalizar uma obrigação cuja extensão desconheciam e cujos elementos constitutivos da obrigação igualmente não conheciam. 19- Tal como a fiança prestada nessas condições, o aval também o é, ou seja, nulo e inapto para valer como tal. 20- Quanto à extensão da divida pretendida titular pela livrança, a mesma fica aqui impugnada, quanto ao seu valor, que se não aceita por não corresponder à verdade. 21-Nos contratos bilaterais a prestação depende sempre da contraprestação, devendo ambas as partes cumprir pontualmente o contrato (Art.º 406º, nº 1 do CC) e proceder de boa-fé (Art.º 762º, nº 2 do CC). 22- A exequente não agiu de boa-fé e, em violação do pacto de preenchimento, apresentou a pagamento e está a exigir o cumprimento de uma obrigação que não existe nos termos executados. 23- Em consequência, o título executivo não é exequível – art.º 728º do CPC. 24- Também quanto ao valor, existe preenchimento abusivo da livrança, o que determina a inexigibilidade da dívida exequenda, e é fundamento de embargo –art.º 728º do CPC. 25-Nos termos dos artigos 70 e 77 da LULL o prazo de prescrição terminou, no ano de 2006. 26 - Dispõe art. 70 da LULL que “todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento. (Acórdão da Relação JTRP00037090 SOUSA LAMEIRA EXECUÇÃO EMBARGOS DE EXECUTADO, LIVRANÇA, PRESCRIÇÃO RP …-…- …. 27 - Ora nos termos do art. 70.º da lei uniforme sobre letras e livranças: “Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento. 28 - As ações do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se tratar da letra contendo a cláusula «sem despesas». 29 - Pelo que, está prescrita a presente execução. 30 –O recorrente invoca a aplicação do artigo 323º 2 CPC, quando o mesmo no caso em concreto não tem aplicação. 31 – “a execução, instaurada em 31-I-14, seguiu a forma sumária, sendo a penhora efetivada antes da citação (CPC 855º/3); 32 - por despacho de 17-II-14 foi ordenada a junção do título executivo (realizada em 14-III-14); 33 - Em 3-XII-14, não tendo o Agente de Execução encontrado bens penhoráveis, oi devolvida à embargada a indicação; em 26-VI-15 foi notificada a entidade patronal do embargante; 34 - Em 13-XII-18, não tendo o Agente de Execução encontrado bens penhoráveis, foi devolvida à embargada a indicação. 35 – Em momento algum poderia ser aplicada a regra do nº 2 do artigo 323º do CPC, uma vez que a citação só seria realizada depois de penhorados bens (não indicados pela embargada, nem encontrados pelo Agente de Execução), e não sendo expectável que tal acto ocorresse cinco dias após a apresentação do requerimento executivo. 36 - Se por um lado o credor deve ser protegido face à morosidade da justiça em realizar os atos suscetíveis de interromper a prescrição, por outro lado, não se pode pretender imputar ao devedor as consequências da sua falta de citação tempestiva, durante mais de 7 anos. 37 - Conclui-se, assim, que, quando o aqui recorrido foi citado, o prazo de prescrição de três anos (L.U.L.L. 70º) já se encontrava integralmente decorrido. Por consequência, deve a sentença recorrida ser substituída por outra que julgue procedente os embargos, absolvendo o recorrente, com todas as legais consequências, como é de inteira e merecida I.6. Em contra-alegações sem concluir em suma o exequente, sustenta a bondade do decidido e que a questão da prescrição está coberta pelo caso julgado já formado no acórdão da Relação de 23/6/2022 I.7. Nada obsta ao conhecimento do recurso. I.8. Questões a resolver: a) Saber se ocorre, na decisão recorrida, erro na apreciação dos meios de prova e subsequente decisão de facto quanto à existência da dívida por não ter sido feita nenhuma prova da existência da mesma e de que o recorrente tinha conhecimento das dívidas porque nunca recebeu as cartas de interpelação. b) Saber se, tendo livrança sido preenchida após ter sido assinada e avalizada em branco, se o aval foi igualmente prestado em branco, ou seja, tendo os avalistas sido obrigados a avalizar uma obrigação cuja extensão desconheciam e cujos elementos constitutivos da obrigação igualmente não conheciam, o título não é exequível, o preenchimento ocorreu sem o consentimento do recorrente recaindo sobre o exequente e não sobre o executado que o valor aposto na livrança não esta de acordo com o pacto de preenchimento, tal como por si alegado nos embargos. b) Saber se ocorre a prescrição do art.º 70 da LULL, estando prescrito o direito do exequente executar o executado como base na livrança. II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.1 Deu o Tribunal recorrido como provados os seguintes factos: 1. M … C … – B … SA, instaurou uma ação executiva contra A … e C … em 31/01/2014. 2. A exequente apresentou como título executivo uma livrança subscrita por A …Lda., onde consta a assinatura de A … com a menção “Bom para Aval à Empresa Subscritora”. 3. A livrança foi preenchida pelo valor de €8.627,65 com vencimento a 24/12/20212. 4. Entre A …, Lda e C … SA, foi celebrado em 08/02/2008, um acordo denominado de “Locação Financeira”, mediante o qual esta última adquiriu o veículo Alfa Romeo com a matrícula …-…-…no valor de €39.300,01, que entregou à sociedade, ficando esta obrigada a pagar 85 rendas, sendo a primeira no valor de €2.000,03 e as restantes no valor de €551,11. 5. Para garantia do bom pagamento por parte da Sociedade, o embargante A … assumiu a posição de avalista e fiador, apôs a sua assinatura na livrança indicada em 2, que não se encontrava preenchida, acordando que esta podia ser preenchida pelo locador, nomeadamente no que se refere à data de emissão e vencimento e ao valor. Mais acordou que se constituía principal pagador renunciando ao benefício da excussão prévia. 6. Mais acordaram que todas as notificações e comunicações entre as partes seriam efetuadas nos domicílios e sedes indicados no contrato, sem prejuízo de comunicarem outra morada por escrito. 7. O embargante fez constar que a sua morada era: Rua …, n.º … frente, Carcavelos. 8. Por carta registada com aviso de receção, datada de …/…/2012, e remetida para a morada constante em 7, a C … SA comunicou ao embargante que o acordo referido em 4 tinha sido incumprido e o contrato resolvido, encontrando-se em dívida a quantia de €7.914,65, referentes a rendas não pagas desde 27/11/2011, juros de mora e despesas, solicitando que na qualidade de avalista procedesse ao pagamento no prazo de 8 dias. 9. Por carta registada com aviso de receção, datada de 13/12/2012 e remetida para a morada constante em 7., a C … SA comunicou ao embargante que ia proceder ao preenchimento da livrança pelo valor em dívida à data de 13/12/2012 acrescido de juros, que perfazia o montante de €8.627,65, e que a livrança teria o seu vencimento em 24/12/2012. 10. As cartas vieram devolvidas com a menção “mudou-se”. II.2. Deu o Tribunal como não provado que o embargante desconhecia a extensão da livrança III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 635, n.º 4, 639, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539. III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I. III.3. Saber se ocorre na decisão recorrida erro na apreciação dos meios e prova e subsequente decisão de facto quanto à existência da dívida por não ter sido feita nenhuma prova da existência da mesma e de que o recorrente tinha conhecimento das dividas porque nunca recebeu as cartas de interpolação. III.3.1. Estatui o art.º 640 n.º 1: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considerar incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O n.º 2 do art.º, por seu turno estatui que “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar, com exactidão as passagens de gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (alínea a); independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes (alínea b)”. III.3.2. Dispunha o n.º 1, do art.º 685-B: “Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a)],e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b)]” E o n.º 2: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à sua transcrição.” III.3.3. Os ónus são basicamente os mesmos, vincou-se na alínea c), do n.º 1, do art.º 640 (o que não estava suficientemente claro, mas a doutrina pressupunha), o ónus de especificar a decisão que no entender do recorrente deveria ser proferida sobre a matéria de facto, manteve-se, também, o ónus (com redacção ligeiramente diferente) de identificar com exactidão (nova redacção), ou identificar precisa e separadamente (anterior redacção) as passagens da gravação em que se funda (comum). III.3.4. Pode dizer-se que continua válido o entendimento anterior da doutrina nessa matéria. A este propósito referia António Santos Abrantes Geraldes que o recorrente deve especificar sempre nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; para além disso, deve especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (documentos, relatórios periciais, registo escrito), deve indicar as passagens da gravação em que se funda quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos, deve igualmente apresentar a transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes de gravação quando esta tenha sido feita através de mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos, deve especificar os concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes da gravação, quando esta foi feita por equipamento que permitia a indicação precisa e separada e não tenha sido cumprida essa exigência pela secretaria e por último a apresentação de conclusões deficientes obscuras ou complexas a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência da especificação na conclusão dos concretos pontos de facto impugnados ou da localização imediata dos concretos meios probatórios. Tudo isto sob pena de rejeição imediata sem convite ao aperfeiçoamento[2].Como se colhe do AUJ 12/2023 de 14/11, publicado no DR 220/2023 série I de 14/11/2023, o recorrente não está onerado com a indicação da decisão alternativa nas conclusões das alegações de recurso, mas está seguramente onerado com a indicação nas conclusões das alegações de recurso dos concretos pontos de facto da decisão recorrida que no seu entender estão incorrectamente julgados e terá de o fazer nas conclusões das alegações de recurso que não apenas no corpo das alegações sabido que é que nas conclusões de recuso o recorrente pode restringir o objecto do recurso indicado no corpo não sendo de atender a indicação feita no corpo das alegações sem reflexo nas conclusões, como é jurisprudência do Supremo que se crê unânime. III.3.5. Embora sem identificar exactamente os pontos de facto por referência aos números da decisão recorrida crê-se que o recorrente esteja a impugnar as decisões de facto seguintes: 8. Por carta registada com aviso de receção, datada de 21/06/2012, e remetida para a morada constante em 7, a C … SA comunicou ao embargante que o acordo referido em 4 tinha sido incumprido e o contrato resolvido, encontrando-se em dívida a quantia de €7.914,65, referentes a rendas não pagas desde 27/11/2011, juros de mora e despesas, solicitando que na qualidade de avalista procedesse ao pagamento no prazo de 8 dias. 9. Por carta registada com aviso de receção, datada de 13/12/2012 e remetida para a morada constante em 7., a C … SA comunicou ao embargante que ia proceder ao preenchimento da livrança pelo valor em dívida à data de 13/12/2012 acrescido de juros, que perfazia o montante de €8.627,65, e que a livrança teria o seu vencimento em 24/12/2012. III.3.6. No ponto 10 deu-se como provado que “As cartas vieram devolvidas com a menção “mudou-se” e, nos pontos 5 a 7, igualmente não impugnados o seguinte: 5. Para garantia do bom pagamento por parte da Sociedade, o embargante A … assumiu a posição de avalista e fiador, apôs a sua assinatura na livrança indicada em 2, que não se encontrava preenchida, acordando que esta podia ser preenchida pelo locador, nomeadamente no que se refere à data de emissão e vencimento e ao valor. Mais acordou que se constituía principal pagador renunciando ao benefício da excussão prévia. 6. Mais acordaram que todas as notificações e comunicações entre as partes seriam efetuadas nos domicílios e sedes indicados no contrato, sem prejuízo de comunicarem outra morada por escrito. 7. O embargante fez constar que a sua morada era: Rua …, n.º … frente, Carcavelos. III.3.7. No corpo das suas alegações o recorrente sustenta que- Não foi feita nenhuma prova da existência da divida, a própria testemunha ouvida, apenas teve acesso aos documentos internos do banco, não tendo participado diretamente em qualquer negociação. - O Recorrente não é devedor de qualquer montante. - o Recorrente foi recentemente operado, padecendo de uma incapacidade superior a 66% (junta doc. comprovativo situação frágil que atravessa) - Contrariamente ao descrito na sentença a quo, a matéria alegada pelo exequente no seu requerimento executivo era inexata, competindo ao mesmo descrever totalmente a origem da divida e respetivos pagamentos. - O tribunal a quo não podia de forma alguma dar como provado que o recorrente tinha conhecimento das dívidas se nunca recebeu as cartas de interpelação, - Acresce que, não existem quaisquer elementos do agente de execução nesse sentido. - Pelo que, andou mal o tribunal a quo ao concluir que o recorrente fora notificado e que o exequente nada mais teria que fazer. - Pelo que, e contrariamente ao provado em sentença, a exequente nunca reclamou os seus créditos ou deu conhecimento dos mesmos ao aqui recorrente. - A exequente junta uma livrança preenchida posteriormente com o valor que entende estar em debito sem que justifique esse valor. - Aquando da assinatura não foi aposto qualquer valor. - Não foi indicada qualquer data de emissão ou vencimento. - Não foi convencionada qual a taxa de juros ou prazo de vencimento. - A livrança foi, assim, preenchida após ter sido assinada e avalizada, em branco, e sem o consentimento do recorrente, existindo uma clara violação da lei e um erro na apreciação da prova. - Razão por que o preenchimento da livrança foi abusivo. - Resulta claro que o tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida em audiência e, que deveria ter dado como procedente a exceção invocada, pois a mesma é conducente à invalidade do negócio cambiário, por não terem sido ajustadas entre as partes, a fixação do montante da Livrança que não é divido, nem justificado, em condições relativas ao conteúdo o tempo do vencimento e a estipulação de juros. O executado não indica nenhum meio de prova que contrarie o que o Tribunal recorrido deu como provado designadamente quanto ao envio das cartas de interpelação para a morada indicada no contrato e a devolução com indicação de mudou-se do que o executado discorda é da apreciação jurídica, ou seja da conclusão que o Tribunal recorrido tirou com base nesses factos de que a interpelação efectivamente ocorreu. Quanto ao montante da dívida, tendo que o que foi dado à execução foi uma livrança, título executivo abstracto que muito embora assinada e avalizada em branco foi, depois, preenchida pelo exequente quanto ao montante e não demonstra ter sido abusivamente- cujo ónus cabe ao executado como veremos mais adiante- o executado não indica nenhum meio de prova que contrarie o que foi dado como provado pelo que por não ter sido dado cumprimento ao ónus que sobre o recorrente recai quanto à impugnação da decisão de facto não se conhecerá da mesma. A seguir analisaremos a terceira questão da prescrição. III.4. Saber se ocorre a prescrição do art.º 70 da LULL, estando prescrito o direito do exequente executar o executado como base na livrança. III.4.1. Esta questão foi já decidida, e com trânsito, no acórdão desta Relação de 23/6/2022, tem força obrigatória dentro e fora do processo, estando coberta pelo caso julgado formado sobre a mesma, tal como prevenido no disposto nos art. ºs 619, 580, não podendo o Tribunal voltar a pronunciar-se sobre tal. III.5. Saber se tendo livrança sido preenchida após ter sido assinada e avalizada, em branco se o aval foi igualmente prestado em branco, ou seja, tendo os avalistas sido obrigados a avalizar uma obrigação cuja extensão desconheciam e cujos elementos constitutivos da obrigação igualmente não conheciam, o título não é exequível, o preenchimento ocorreu sem o consentimento do recorrente, recaindo sobre o exequente e não sobre o executado que o valor aposto na livrança não esta de acordo com o pacto de preenchimento, tal como por si alegado nos embargos. III.5.1. Entendeu-se, em suma, na decisão recorrida: III.5.2. Discordando sustenta o executado em suma que: III.5.3. Prende-se a questão com a aludida problemática da distribuição do ónus da prova do nos embargos de executado quando o título executivo é uma livrança entregue em branco e só assinado pelo subscritor (e/ou pelo avalista) e preenchida posteriormente. Está provado e não vem impugnado que a exequente apresentou como título executivo uma livrança subscrita por A … Lda., onde consta a assinatura de A … com a menção “Bom para Aval à Empresa Subscritora”. O executado é o avalista da empresa subscritora da livrança que é uma sociedade Unipessoal de responsabilidade limitada com o mesmo nome do avalista, ora executado. III.5.4. Contrariamente à Letra - que é uma “ordem de pagamento” (pagará) emitida por um sacador a um sacado - a Livrança é uma “promessa de pagamento” (pagarei) ao beneficiário, ou à sua ordem, emitida por um subscritor. Nestes termos, as pessoas que figuram inicialmente na Livrança não são três, como tradicionalmente se verifica na Letra, mas apenas duas: o subscritor (emitente) e tomador. Tal como a Letra, este título de crédito é um título à ordem. Trata-se de um documento que “incorpora” um direito literal e autónomo que atribui ao seu titular legitimidade para fazer mobilizar e cobrar o crédito nele mencionado. A Livrança tem cumprido impactantes funções económicas e devido a uma cada vez menor utilização das Letras de Câmbio tem vindo a assumir-se como um excelente instrumento jurídico de pagamento, crédito e garantia, perfeitamente adequado a garantir a cobrança de créditos especialmente nos contratos bancários de financiamento e crédito. É também de salientar uma cada vez maior utilização de subscrição de Livranças em branco para titular créditos no âmbito dos contratos bancários de concessão de financiamento, de contratos de crédito ao consumo, contratos de mútuo e de leasing. A disciplina jurídica da Livrança encontra-se prevista nos artigos 75.º a 78.º da LULL, aplicando-se-lhes – com as devidas adaptações - as disposições reguladoras das Letras de Câmbio que não sejam contrárias à sua específica natureza. Trata-se de uma “promessa de pagamento” (pagarei) a um beneficiário, ou à sua ordem, emitida por um subscritor. O seu emitente (autor da sua emissão) “promete” incondicionalmente a uma pessoa, designada por tomador (beneficiário), ou à sua ordem, o pagamento de uma quantia certa, em época determinada. Ou seja, por força da incorporação da promessa no documento o emitente da Livrança compromete-se ou vincula-se, direta e pessoalmente, a pagar ao tomador aquela quantia, pelo que se constitui devedor direto ou obrigado principal (não em via de regresso). Este título de crédito apresenta vários pontos de contacto com as “Letras de Câmbio”. A sua disciplina jurídica é, por essa razão, remissiva (artigo 77.º LULL), ou seja, decalcada do regime jurídico aplicável às “Letras de Câmbio” (artigos 1.º e ss. da LULL), logo que não se apresente contrária à sua natureza específica e ainda que com as necessárias adaptações. O seu regime legal consta em especial dos artigos 75.º a 78.º da LULL.O artigo 75.º do mesmo diploma dispõe assim: A Livrança contém: 1 - A palavra “Livrança” inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redação desse título; 2 - A promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada; 3 - A época do pagamento; 4 - A indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento5 - Nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga; 6 - A indicação da data em que e do lugar onde a Livrança é passada; 7 - A assinatura de quem passa a Livrança (subscritor). O segundo indica que o emitente da Livrança tem de estar consciente de que está a efetuar uma declaração em que se vincula (promete) ao pagamento daquele montante, e, por isso, é igualmente considerado requisito essencial e sacramental. III.5.5. Se faltar a consciência da declaração da promessa de pagamento do montante por parte dos subscritores da livrança o documento deixa de valer como tal nos termos do art.º 76 da LULL, ou seja, é ineficaz como tal, como o acentua a doutrina e a jurisprudência. A livrança foi subscrita pela sociedade unipessoal e avalizada pelo executado não havendo nenhuma evidência que ao subscrever essa livrança- que, tudo indica foi entregue em branco- o legal representante da sociedade não tivesse a consciência de que estava a emitir uma declaração em que se vinculava ao pagamento de montante que, como é sabido, no caso das livranças em branco é aquele que o emitente da livrança em razão da relação jurídica subjacente e do pacto de preenchimento autoriza a preencher. Está por outro lado provado que “4-Entre A … Lda e C …SA, foi celebrado em 08/02/2008, um acordo denominado de “Locação Financeira”, mediante o qual esta última adquiriu o veículo Alfa Romeo com a matrícula …-…-… no valor de €39.300,01, que entregou à sociedade, ficando esta obrigada a pagar 85 rendas, sendo a primeira no valor de €2.000,03 e as restantes no valor de €551,11. 5. Para garantia do bom pagamento por parte da Sociedade, o embargante A … assumiu a posição de avalista e fiador, apôs a sua assinatura na livrança indicada em 2, que não se encontrava preenchida, acordando que esta podia ser preenchida pelo locador, nomeadamente no que se refere à data de emissão e vencimento e ao valor. Mais acordou que se constituía principal pagador renunciando ao benefício da excussão prévia. 6. Mais acordaram que todas as notificações e comunicações entre as partes seriam efetuadas nos domicílios e sedes indicados no contrato, sem prejuízo de comunicarem outra morada por escrito. 7. O embargante fez constar que a sua morada era: Rua …, n.º…, Carcavelos. O embargante não foi “obrigado” a avalizar a livrança, ao invés do sustentado pelo recorrente/embargante, se levarmos em linha de conta o que vem provado não só teve a consciência de que avalizava a livrança na altura apenas subscrita pela sociedade que subscreveu o contrato de financiamento a crédito como concordou em que a livrança fosse preenchida pelo locador quanto à data da emissão vencimento e valor (valor que naturalmente estivesse em dívida aquando do preenchimento) por cujo pagamento se constituía, desde logo, fiador também. Não se discute aqui a validade da fiança nos termos em que foi prestada também pelo que não analisaremos essa questão. III.5.6. Dispõe o art. 10 da LULL, aqui aplicável que “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”. III.5.7. De acordo com o preceito, portanto, à partida o subscritor em branco suporta o risco do eventual preenchimento abusivo – solução justificada pela tutela da circulação e da confiança de terceiros, sobretudo daqueles que recebam o título já preenchido e nada saibam da sua origem. III.5.8. Só não será assim se ocorrer má-fé ou falta grave do portador na aquisição do título, pois aí o desvalor da sua conduta (ao pretender fazer valer o direito tal como está documentado, sabendo ou devendo saber que o preenchimento foi abusivo) deixa de justificar o sacrifício dos interesses subscritor em branco. Mas sobre este, naturalmente, recai o ónus da prova, que podemos subdividir em dois segmentos. Desde logo, terá de ser demonstrada a discrepância entre o preenchimento de que o título foi alvo e a vontade objectivamente manifestada pelo subscritor em branco. É certo que o art. 10º utiliza a expressão desconformidade com os “acordos realizados”, mas o acordo de preenchimento não tem de ser expresso (embora frequentemente seja, sobretudo quando consta de um formulário composto por cláusulas contratuais gerais). Pode perfeitamente ser tácito – v.g., deduzido dos termos da relação fundamental – e pode, inclusive, nem existir tecnicamente um acordo mas uma mera manifestação unilateral de vontade. Porque, na verdade, se houve emissão voluntária do título em branco, a vontade de preenchimento é quase sempre reconstituível em termos objectivos com as ferramentas hermenêuticas à disposição no nosso ordenamento jurídico (arts. 236º e 239º CCiv.). Cabe, em seguida, ao subscritor em branco a prova de que o portador adquiriu o título de má-fé ou cometendo falta grave – se conhece aquela vontade objectivamente manifestada, está de má-fé; se só por negligência grosseira não a conhece, mas devia conhecer, comete falta grave. Note-se que esta prova é normalmente muito simples quando o título não circula e permanece em poder do credor originário (o que corresponde à situação-tipo na maioria dos casos). A “aquisição” do título de que fala o art. 10º LU não tem de ser uma aquisição por endosso: basta aquisição de facto, i.e., o título chegar às mãos do credor por entrega (como sucede quando as assinaturas são apostas pelo obrigado principal e seu avalista antes de remeter o título ao sacador à própria ordem, que o conserva em branco).[3] III.5.9. Existem duas modalidades de preenchimento abusivo de uma letra ou livrança em branco. A mais radical corresponde ao preenchimento injustificado, ou seja, aquele que é realizado apesar de não se verificar a ocorrência que legitimava o portador a fazê-lo. Os exemplos mais frequentes incluem a ausência de incumprimento da relação fundamental garantida ou os casos em que essa relação se extingue, satisfatoriamente, mas o credor conserva, indevidamente, o título em branco, que depois mobiliza para garantia de outro contrato. Preenchendo o demandado o ónus da prova acima discriminado, logrará o afastamento da pretensão cambiária nos termos do art. 10º LULL e a concomitante extinção total da execução (art 732º, 4, 1ª parte, CPCiv.). A segunda modalidade de preenchimento abusivo traduz-se na incorrecta configuração das menções introduzidas no título, sendo o exemplo mais comum o da inscrição de um valor superior ao devido. III.5.10. Provando o demandado os requisitos do art. 10º logrará não o afastamento, mas a redução e/ou reconfiguração da pretensão cambiária, que em princípio deve seguir os termos do art. 238º, 2, CCiv. Quer isto dizer que deve proceder-se à interpretação da declaração negocial, tal como foi completada, por forma a atribuir-lhe o sentido que corresponde à vontade real manifestada pelo declarante. Ainda que este sentido não tenha no conteúdo do documento um mínimo de expressão (embora haja quem defenda que sim, na medida em que o valor superior inserido “contém” a soma inferior realmente devida), o certo é que as razões determinantes da exigência de forma não se opõem, uma vez que não há terceiros a proteger. Por conseguinte, a execução prosseguirá nos termos correspondentes àquela vontade (v.g., por um valor inferior), operando-se uma extinção parcial conforme previsto no art 732º, 4, 2ª parte, CPCiv.[4] III.5.11. Recapitulando: A letra ou livrança podem ser criadas e postas em circulação sem estarem completamente preenchidas. É o que se chama correntemente uma letra ou livrança “em branco”, e que corresponde às antigas letras “abertas”. Os requisitos formais da letra e da livrança estão enumerados no artigo 1º da LULL, diretamente e por remissão do artigo 77º. No artigo 2º subsequente, consta que «o escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como letra, salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes». E, nas três alíneas seguintes, estatui este preceito que: − a letra em que não se indique a época do pagamento entende-se pagável à vista; − na falta de indicação especial, o lugar designado ao lado do nome do sacado considera-se como sendo o lugar do pagamento e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do sacado; − a letra sem indicação do lugar onde foi passada considera-se como tendo-o sido no lugar designado, ao lado do nome do sacado III.5.12. A letra ou livrança em branco é usualmente passada com dois campos em branco: o valor e a data do vencimento. Em relação à lista de requisitos formais do artigo 1º da LULL, no caso mais comum de letra ou livrança em branco faltam os requisitos do nº 2 (a quantia determinada pela qual é sacada) e do nº 4 (época do pagamento). Destes dois requisitos, o segundo, a data do vencimento, é suprível porque segundo o artigo 2º, a letra sem data de pagamento se considera pagável à vista; a indicação do valor do saque, não tem regra de suprimento na lei. O artigo 1º da LULL não pode ser isolado do artigo 10º da mesma lei. E do artigo 10º resulta com clareza que o saque, o aceite, o endosso, o aval na letra e a subscrição na livrança vinculam os seus autores ainda antes do preenchimento completo do título. O título pode ser preenchido por qualquer dos seus portadores a todo o tempo desde que esteja completo ao tempo em que é exigido o seu pagamento. Tem de ser criado (emitido) por um deles e não é sequer concebível que todos tenham de intervir simultaneamente. O artigo 10º da LULL admite mesmo que, após criado o título em branco, o primeiro portador o transmita ainda em branco, por endosso, e ele circule em branco, podendo ser preenchido por qualquer dos sucessivos portadores. Conjugados os artigos 1º e 10º da LULL, tem de se admitir que todos os que aponham a sua assinatura numa letra ou livrança em branco ficam imediatamente vinculados duplamente: − Por um lado, ficam numa situação jurídica de sujeição ao exercício do poder potestativo de preenchimento do título por qualquer dos portadores, situação que aceitaram e na qual se colocaram conscientemente ao assinarem o título em branco e ao entregarem voluntariamente − Por outro lado, ficam ainda obrigados ao seu pagamento pelo valor e na data de vencimento com que o título vier a ser preenchido, conforme a qualidade em que o assinam e a sua posição na cadeia cambiária, só podendo opor a quem exige o seu pagamento uma convenção executiva, que com ele tenham celebrado.[5] O subscritor em branco, seja ele aceitante ou sacador de uma letra, ou subscritor de uma livrança, ou endossante ou avalista de uma letra ou livrança, assina e entrega livre e voluntariamente o título incompletamente preenchido e sabe bem o que está a fazer. Está a vincular-se, na qualidade em que intervém, perante quem vier a ser o portador ao tempo do vencimento. Quer se siga a teoria da criação quer se adote a teoria da emissão, o resultado é o mesmo, o interveniente da letra ou livrança em branco está obrigado. Ao desvincular-se unilateralmente está a violar a sua promessa e o seu compromisso que assumiu perante a outra parte no pacto de preenchimento. III.5.13. Quando a livrança foi dada à execução não lhe faltava nenhum elemento para que pudesse ser considerado um título executivo; III.5.14. A circunstância de a livrança ter sido subscrita em branco e posteriormente preenchida pelo portador e dada à execução não lhe retira a natureza de título executivo, por isso as características de abstracção, literalidade a autonomia e movendo-nos nós no domínio das relações imediatas, cabia ao executado excepcionar a desconformidade entre o valor dado à execução na livrança e o valor da dívida da relação causal, mas não o fez, deixou a sua defesa num limbo. Verdade que a livrança subscrita em branco deve ser preenchida em conformidade com o pacto de preenchimento que o Tribunal dá como provado. III.5.15. Sempre que é emitida uma livrança em branco tem que ter havido, prévia ou simultaneamente à sua emissão, um acordo quanto ao critério do preenchimento. Este acordo é uma convenção extracartular, uma convenção executiva e designa-se por “pacto de preenchimento”. O pacto de preenchimento, como o próprio nome diz, é um pactum. A sua origem perde-se no antigo Direito Romano republicano e evolui para o Direito Bizantino e para o Direito Medieval. São “pactos anexos” a outros contratos ou negócios jurídicos típicos e que regem e modelam o modo como os poderes e vinculações deles emergentes serão exercidos. Historicamente, não davam acção, mas apenas excepção, por isso, o pacto de preenchimento ainda hoje é praticamente sempre invocado em excepção. Ao demandado prejudicado restará demandar aquele com quem convencionou o preenchimento e, nesse foro, discutir se o preenchimento foi, ou não, abusivo. Tem o ónus da alegação e da prova do pacto de preenchimento e respetivo preenchimento abusivo[6]. Se se concluir que o preenchimento foi efetuado em violação do pacto, haverá responsabilidade civil contratual, presumindo-se, portanto, a culpa (artigo 799.° do Código Civil).[7] III.5.16. Quanto à comunicação do preenchimento. Ficou provado que “5. Para garantia do bom pagamento por parte da Sociedade, o embargante A … assumiu a posição de avalista e fiador, apôs a sua assinatura na livrança indicada em 2, que não se encontrava preenchida, acordando que esta podia ser preenchida pelo locador, nomeadamente no que se refere à data de emissão e vencimento e ao valor. Mais acordou que se constituía principal pagador renunciando ao benefício da excussão prévia. 6. Mais acordaram que todas as notificações e comunicações entre as partes seriam efetuadas nos domicílios e sedes indicados no contrato, sem prejuízo de comunicarem outra morada por escrito. Ou seja, o embargante, avalista da livrança e garante das obrigações da relação subjacente à emissão da livrança acordou, expressamente, o pacto de preenchimento como ainda que as comunicações seriam efectuadas para a morada que vem indicada como provada e o exequente enviou a comunicação a interpelação para aquela morada, carta que veio devolvida com a indicação de “mudou-se”. Contratualmente o embargante estava obrigado a comunicar ao locador e portador da livrança a sua nova morada, não se prova que o tenha feito e não alegou sequer porque razão é que o não fez, pelo que se deve ter por interpelado com aquelas comunicações constantes dos autos vencendo-se os respectivos juros desde então. IV- DECISÃO Tudo visto acordam os juízes na 2.ª secção desta Relação em julgar improcedente a apelação, em consequência mantém-se a decisão recorrida As custas são da responsabilidade do apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (art.º 527/1 e 2) Lxa., 04-07-2024 Vaz Gomes Inês Moura Rute Sobral _______________________________________________________ [1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/6, entrado em vigor a 1/9/2013, atento o disposto no art.º 6/1 da referida Lei, considerando a data da entrada da oposição seja 2014 e a data da decisão que é de 2024 ; ao Código referido, na redacção dada pela referida Lei, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem. [2] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2008, págs. [3] CUNHA, Carolina, A GARANTIA CAMBIÁRIA DO AVAL, Coleção Formação Contínua, 2017, CEJ, pp 13 e ss, disponível on line . [4] Autora e obra cotados, pág. 14 [5] VASCONCELOS, PEDRO PAIS, Aval em branco, in Revista de Direito Comercial, 384 e ss, disponível on line https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5b2b4edf758d46759ea212a0/1529564897269/2018-09.pdf; louva-se o autor ainda no AcRLxa de 17/12/1998 relatado por Mendes Louro segundo o qual a pessoa que subscrever uma letra em branco e ao entregá-la aos eu legitimo portador fica sujeita ao exercício do direito potestativo da pessoa a quem a entregou de a preencher naturalmente de acordo com o pacto de preenchimento, a sua obrigação cambiária nasceu a partir desse momento, posição muito parecida coma defendida por Carolina Cunha in Letras e Livranças, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 636-637 [6] Entre outros os acs da RC de 14/12/2020 no processo 4161/18.4tbla.c1 relatado por Fonte Ramos, da Relação de Lisboa de 177/2021 no processo 736/18.0t8snt.a.l1-2 relatado por Arlindo Crua e de 6/7/2021 no processo 20185/12.2t2snt.a-7 relatado por Diogo Ravara, da RLxa. [7] VASCONCELOS, Pedro Pais, obra citada pág. 403 |