Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOSÉ COSTA PINTO | ||
Descritores: | LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA CASO JULGADO INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/11/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I– O incidente de liquidação de sentença destina-se a obter a concretização do objecto de condenação da decisão proferida na acção declarativa, dentro dos limites do caso julgado. II– O período temporal a relevar para o cômputo da antiguidade do trabalhador para efeitos de indemnização por despedimento ilícito é o que decorreu entre a data da cessação irregular do contrato de trabalho e a data do trânsito em julgado da sentença judicial que decretou a invalidade desta cessação. III– Tendo sido apenas deduzido o incidente de liquidação de sentença relativamente à condenação da R. no pagamento de salários intercalares, mas já não relativamente à indemnização de antiguidade que a sentença igualmente condenou a R. a pagar ao A., foi sobre aqueles que o tribunal se pronunciou, não o podendo fazer sobre qualquer outra matéria, por força do princípio do pedido. (Sumário da relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: П 1. Relatório 1.1. A e B deduziram contra a ré ICTS – Consultadoria de Aviação Comercial, S.A., o presente incidente de liquidação das sentenças proferidas relativamente a cada um nas ações de processo comum que instauraram contra a R. para impugnar o despedimento ilícito de que foram alvo, entretanto apensadas, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho[1]. A R. deduziu oposição, sustentando que a data do trânsito em julgado das sentenças é anterior à alegada pelos AA. e que deverão ser deduzidos das retribuições intercalares os rendimentos de trabalho auferidos por cada um após o despedimento. Defende a sua absolvição dos pedidos. Foi proferido despacho saneador em 21 de Junho de 2021, onde, além do mais, foi conhecida a questão prévia suscitada quanto às datas de trânsito em julgado das sentenças, por reporte aos Acórdãos da Relação que sobre as mesmas incidiram. Procedeu-se à fixação do valor da causa individualmente para cada um dos AA., à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos factos assentes e dos temas da prova. Em 30 de Outubro de 2022 foi proferida decisão final do incidente, que terminou com o seguinte dispositivo: «[…] Face ao exposto, decide julgar-se o presente incidente parcialmente procedente, por provado, e em consequência: a)Liquidar a quantia a pagar pela a ré ICTS – Consultadoria de Aviação Comercial, S.A, ao autor B, a título de salários intercalares em 5.210,82 € (cinco mil duzentos e dez euros e oitenta e dois cêntimos), sobre a qual incide juros de mora desde 05-02-2010; b)Declarar que a quantia em que ré foi condenada a pagar ao autor A, a título de salários intercalares, deduzidas as quantias a que se refere o artigo 390.º, n.º 2, é nula; c)Absolver a ré do demais peticionado, Custas na proporção do decaimento, sendo a 100% a cargo do autor A (no que respeita ao seu pedido) e 90 % a cargo do autor B (no que respeita ao seu pedido) e 10% a cargo da ré, no que respeita ao pedido de B […]» 1.2. Os AA., inconformados interpuseram recurso desta decisão, restrito à parte decisória que não condenou a R. a pagar aos Autores a indemnização por antiguidade, e formularam, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões: “1.Na sentença proferida no dia 15 de Março de 2011, a ré foi condenada a pagar aos autores o seguinte (...) 2.Proferido acórdão veio a ser decidido de modo favorável à R. em parte, determinando-se que fosse efectuadas as deduções a que se refere o art. 390', n' 2 do Código do Trabalho. 3.Os autores ora requerentes nada têm a opor (nem o podiam fazer) quanto às deduções previstas no ar. 390º, nº 2 do Código do Trabalho, no seguimento do acórdão proferido foi retificada a sentença considerando aquelas deduções. 4.Pode depreender-se que não tendo sido impugnada no recurso interposto a al b) da sentença de 1ª instância que condenara a R. a pagar ao autor A a indemnização correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano (e fracção remanescente) de vigência do contrato, e ao autor B a indemnização correspondente a 3 ( três ) meses de retribuição base e eventuais diuturnidades (mínimo legal). 5.Poderá considerar-se que não sendo essa alínea b) objecto de recurso pela R., a sentença de 1ª instância havia transitado em julgado nessa parte. 6.No entanto veio a ser proferida nova sentença em função do acórdão proferido, e nela veio a ser discriminada a quantia total devida pela ré a cada um dos autores, sendo omissa esta segunda decisão no que reporta à condenação da ré no pagamento da indemnização aos autores. 7.Deste modo, a segunda sentença proferida pode configurar-se como uma decisão definitiva, impondo-se a sua retificação nessa parte, para que nenhuma dúvida subsista quanto às quantias devidas pela R. 8.Devendo por essa razão ser liquidada a indemnização por antiguidade a pagar aos Autores.” 1.3. Também a R. se mostrou irresignada com a sentença, tendo interposto recurso da mesma. Rematou as suas alegações com o seguinte núcleo conclusivo: “A) Na sequência de decisão, transitada em julgado no dia 6 de Fevereiro de 2012, foi a Recorrente condenada a pagar ao Autor B, a quantia correspondente às retribuições devidas desde 14-12-2009 e até ao referido trânsito, acrescidos dos montantes correspondentes a férias, subsídio de férias e de Natal desse período, sendo deduzidas as quantias a que se refere o artigo 390.°, n.° 2 do Código do Trabalho; B) Por serem ilíquidas as referidas quantias deveriam ser liquidadas no correspondente incidente, que foi deduzido em 2020; C) Após liquidar o valor correspondente aos salários intercalares, o Tribunal a quo proferiu sentença, concluindo que a Recorrente (devedora) deverá proceder ao pagamento de juros de mora, ao Autor, sobre a quantia de 5.210,82 €, à taxa legal de 4% desde 05-02-2010; D) Liquidados os valores dos juros - €2.655,95 - conclui-se que este montante é superior a metade da alçada da primeira instância - artigo 629.°, n.° 1, do Código de Processo Civil e artigo 44.°, n.° 1, da Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto, Lei de Organização do Sistema Judiciário), pelo que o recurso é admissível, pois a causa tem valor superior à alçada do tribunal de que se recorre (€5.000,00) e a decisão impugnada é desfavorável à Recorrente em valor superior a metade da alçada do referido tribunal; E) Nos termos do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento das Custas Processuais, o valor do presente recurso é o da sucumbência: €2.655,95; F) Conforme o exposto, a Recorrente não estava constituída em mora (artigos 804.°, n.° 2, e artigos 805.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil), pois só com a decisão de 31 de Outubro de 2022 (que fixou o valor dos salários intercalares) é que foi liquidado o crédito do trabalhador; G) Efectivamente, e nos termos do artigo 805.°, n.° 3, do Código Civil, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; H) A falta de liquidez não pode ser imputada à Recorrente, pois esta desconhecia (e não tinha forma de conhecer), quais os montantes auferidos pelo Autor após o despedimento; I) Face ao exposto, nunca poderia a Recorrente ter sido condenada no pagamento de juros de mora, nomeadamente, desde 5 de Fevereiro de 2010, pois os créditos não eram líquidos (aliás, há montantes que foram recebidos, a título de salários intercalares, após a referida data); J) Os juros, a serem contabilizados, devem considerar o trânsito em julgado da decisão proferida a 31 de Outubro de 2022 (sentença ora recorrida). K) Em conformidade, tendo o Tribunal a quo condenado a Recorrente em juros de mora, violou a norma do artigo 805.°, n.° 3, do Código Civil, bem como as normas dos artigos 804.°, n.° 2, 805.°, n.° 1 e 2, do Código Civil. São pois termos em que se espera que o Tribunal ad quem, revogue a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere improcedente o pedido de pagamento de juros de mora, desde a data da citação do processo principal (5 de Fevereiro de 2010) com quanto exposto vai, porque apenas assim se cumprirá a Lei, realizando-se o Direito e fazendo-se a desejada JUSTIÇA!” 1.4. Não consta que qualquer das partes tenha apresentado contra-alegações. 1.5. O recurso dos AA. foi admitido com subida imediata e efeito devolutivo, o mesmo sucedendo ulteriormente com o recurso da R. (vide fls. 188), após determinada pela ora relatora, sob promoção do Ministério Público, a descida dos autos para efeito de o tribunal da 1.ª instância emitir o despacho de admissão ou indeferimento a que alude o artigo 82.º do Código de Processo do Trabalho, quanto ao recurso interposto pela R.. 1.6. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em douto Parecer, no sentido de que os recursos não merecem provimento. As partes foram notificadas deste douto Parecer e não se pronunciaram sobre o mesmo. Colhidos os vistos, e realizada a Conferência, cumpre decidir. * 2. Objecto do recurso * Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, verifica-se que as questões essenciais que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, se prendem com saber: 1.ª– Se deve ser liquidada no presente incidente a indemnização por despedimento ilícito que a R. foi condenada a pagar aos AA. (recurso dos AA.); 2.ª– Do dies a quo para a contabilização dos juros de mora (recurso da R.). * 3. Fundamentação de facto * São os seguintes os factos a atender para a decisão do incidente de liquidação: 1. A ré ICTS – Consultadoria de Aviação Comercial, S.A. celebrou com o autor A, no dia 01-06-2005, um contrato de trabalho a termo incerto para este exercer as funções inerentes à categoria profissional de vigilante, por conta e direção da entidade patronal. 2.O autor prestava trabalho por um período de 8 horas diárias e 40 semanais, em regime de turnos rotativos, diurnos e noturnos. 3. O autor auferia a retribuição mensal ilíquida no valor de € 629,60 4. O autor cessou o desempenho de funções de vigilante na empresa da ré a 22-10-2009, na sequência de despedimento promovido por esta. 5. Mediante sentença proferida em 15-03-2011, foi julgada a ação procedente, tendo sido decidido: a) declarar a ilicitude do despedimento realizado pela ré ICTSP – Consultoria da Aviação Comercial, S.A.; b) condenar a ré a pagar ao autor a quantia correspondente a 1 (um) mês de retribuição base e eventuais diuturnidades por cada ano (e fração remanescente) de vigência do contrato. c) condenar a ré a pagar ao autor a quantia correspondente às retribuições devidas desde 14-12-2009 e até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidas dos montantes correspondentes a férias, subsídio de férias e de Natal desse período, sendo deduzidas as quantias a que se refere o artigo 390º, nº 2 do Código do Trabalho. d) Condenar a ré a pagar sobre as quantias referenciadas em b) e c) juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, computados desde a citação e até efetivo e integral pagamento (cf. sentença de fls. 408 a 426 do Apenso H- 2.º Volume). 6. Da supramencionada sentença foi interposto recurso de apelação, o qual foi julgado parcialmente procedente, tendo alterado a alínea c) do dispositivo da sentença suprarreferida, a qual passou a ter a seguinte redação: c) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia correspondente às retribuições devidas desde 14-12-2009 e até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidos dos montantes correspondentes a férias, subsídio de férias e de Natal desse período, sendo deduzidas as quantias a que se refere o artigo 390.º, n.º 2 do CT, mais precisamente, o valor de € 588,00 de subsídio de desemprego auferido no período de 30-10-2009 a 20-06-2010, que deve ser entregue pela ré à Segurança Social, e a retribuição mensal auferida a partir de 21-06-2010 (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 545 a 564 – 3.º Volume do Apenso H) 7. A ICTS– Consultadoria de Aviação Comercial, S.A. foi citada para o âmbito da referida ação em 25-01-2010 (cf. Aviso de Receção de fls. 56 – 1.º Volume do Apenso H). 8.O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa transitou em julgado em 06-02-2012 (cf. certidão emitida a fls. 598 – 3.º Volume do Apenso H) (…) 11. A ré ICTS – Consultadoria de Aviação Comercial, S.A. celebrou com o autor B, no dia 01-06-2008, um contrato de trabalho a termo incerto para este exercer as funções inerentes à categoria profissional de vigilante, por conta e direção da entidade patronal. 12.O autor prestava trabalho por um período de 6 horas diárias e 30 semanais, em regime de turnos rotativos, diurnos e noturnos. 13.O autor auferia a retribuição mensal ilíquida no valor de € 472,20. 14.O autor cessou o desempenho de funções de vigilante na empresa da ré a 22-10-2009, na sequência de despedimento promovido por esta 15.Mediante sentença proferida em 15-03-2011, foi julgada procedente a ação e decidido: a)declarar a ilicitude do despedimento realizado pela ré ICTSP – Consultoria da Aviação Comercial, S.A.; b)condenar a ré a pagar ao autor a quantia correspondente a 3 (três) meses de retribuição base e eventuais diuturnidades (mínimo legal). c)condenar a ré a pagar ao autor a quantia correspondente às retribuições devidas desde 14-12-2009 e até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidas dos montantes correspondentes a férias, subsídio de férias e de Natal desse período, sendo deduzidas as quantias a que se refere o artigo 390.º, n.º 2 do Código do Trabalho. d)Condenar a ré a pagar sobre as quantias referenciadas em b) e c) juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, computados desde a citação e até efetivo e integral pagamento (cf. Sentença correspondente a fls. 381 a 401 – 2º Volume do Apenso S). 16.Da supramencionada sentença foi interposto recurso de apelação, o qual foi julgado parcialmente procedente, tendo sido decidido alterar a alínea c) do dispositivo da sentença suprarreferida, a qual passou a ter a seguinte redação: c) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia correspondente às retribuições devidas desde 14-12-2009 e até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidos dos montantes correspondentes a férias, subsídio de férias e de Natal desse período, sendo deduzidas as quantias a que se refere o artigo 390.º, n.º 2 do CT, mais precisamente, o valor de € 419,10 de subsídio de desemprego auferido no período de 18-12-2009 a 03-05-2010, que deve ser entregue pela Ré à Segurança Social, e a retribuição mensal de € 498,75, auferida a partir de 04-05-2010 (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 531 a 539 verso – 2.º Volume do Apenso S). 17.A ICTS – Consultadoria de Aviação Comercial, S.A. foi citada para o âmbito da referida ação em 05-02-2010 (cf. Aviso de Receção correspondente a fls. 94 – 1.º Volume do Apenso S). 18.O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa transitou em julgado em 12-12-2011 (cf. Certidão Judicial correspondente a fls. 578 – 2.º Volume do Apenso S). (…) * 4. Fundamentação de direito * 4.1. A decisão ora recorrida, proferida no âmbito do incidente previsto nos artigos 358.º e ss. do Código de Processo Civil, fixou o objecto e a quantidade da condenação proferida em termos genéricos nas sentenças proferidas nos processos em que foram AA. os ora recorrentes, liquidando as retribuições que estes deixaram de auferir desde o despedimento ilícito de que foram alvo pela R. até à data do trânsito em julgado das sentenças em liquidação, na quantia 5.210,82 € (cinco mil duzentos e dez euros e oitenta e dois cêntimos), a título de salários intercalares, acrescida de juros de mora desde 05-02-2010, quanto ao autor B, e declarando não ser já devida qualquer quantia ao autor A a título de salários intercalares, uma vez deduzidas as quantias a que se refere o artigo 390.º, n.º 2, do Código do Trabalho. Analisando as conclusões das alegações dos AA., ora recorrentes, verifica-se que os mesmos pretendem que, além da liquidação das retribuições intercalares em que a R. foi condenada, se liquide igualmente neste incidente a indemnização por despedimento ilícito em que a mesma foi também condenada nas acções declarativas. Compulsados os requerimentos iniciais com que cada um deles despoletou o presente incidente de liquidação de sentença, verifica-se que o recorrente B, começando por indicar o teor da sentença condenatória (que condenou a R. a pagar-lhe retribuições intercalares, indemnização por cessação ilícita do contrato de trabalho e juros – vide os factos 15. e 16.), alegou após que as retribuições devidas ao A. e vencidas desde 14 de Dezembro de 2009 a Abril de 2019, ascendem ao montante de € 64.987,07 (discriminando os valores que reputa devidos) e que os juros são calculados à taxa legal de 4% ao ano, e são considerados desde Janeiro de 2010, ascendendo ao montante de € 1.299,71, e concluiu que “Ascende deste modo a quantia em dívida pela R. e a liquidar no presente incidente ao montante de € 66.286,78”, a que acrescem juros. Terminou o seu requerimento inicial com o seguinte pedido: “Nestes termos, Deve a quantia ilíquida resultante da condenação proferida nos autos ser liquidada no montante de € 66.286,78 a que acrescerão juros contados à taxa legal desde a liquidação, custas, selos e procuradoria condigna” (sic.). É pois claro que o recorrente B não peticionou ao tribunal a liquidação da indemnização por despedimento ilícito que a R. foi condenada a pagar-lhe, não deixando o articulado que deduziu quaisquer dúvidas quanto a isso. Ora, como bem assinala o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, tendo sido apenas deduzido o incidente de liquidação de sentença relativamente aos salários intercalares, foi sobre os mesmos que o tribunal se pronunciou, não o podendo fazer sobre qualquer outra matéria, por força do princípio do pedido plasmado no n.º 1 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual “[o] tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”. Não assiste, por isso, razão ao apelante B, não podendo censurar-se a decisão sob recurso quando não procedeu à liquidação da indemnização por despedimento ilícito no que lhe diz respeito, porque não pedida. Já quanto ao apelante A, o mesmo não poderá dizer-se. Com efeito, embora no requerimento inicial que apresentou em 5 de Abril de 2020 (fls. 2 e ss.) o mesmo se tenha igualmente limitado a pedir a liquidação das retribuições intercalares que considerava serem-lhe devidas, contabilizando o seu pedido em € 89.393,13, veio em 10 de Abril de 2020 (fls. 10 e ss.) a apresentar novo requerimento inicial em que, começado também por indicar o teor da sentença condenatória (em toda a sua amplitude – factos 5. e 6.), alegou após que as retribuições devidas ao A. e vencidas desde 14 de Dezembro de 2009 a Abril de 2019, ascendem ao montante de € 87.640,33 (discriminando os valores que reputa devidos), alegou também que “a título de indemnização por cessação ilícita do contrato de trabalho deve a R, ao A. a quantia de € 64.225,20” e alegou, ainda, que os juros são calculados à taxa legal de 4% ao ano, e são considerados desde Janeiro de 2010, ascendendo ao montante de € 30.373,11, concluindo que “Ascende deste modo a quantia em dívida pela R. e a liquidar no presente incidente ao montante de € 182.238,64”, a que acrescem juros. Em consonância, terminou com o seguinte pedido: “Nestes termos, Deve a quantia ilíquida resultante da condenação proferida nos autos ser liquidada no montante de € 182.238,64 a que acrescerão juros contados à taxa legal desde a liquidação, custas, selos e procuradoria condigna” (sic.). Este novo requerimento foi atendido pelo tribunal a quo, afirmando-se no despacho judicial proferido em 29 de Setembro de 2020 que o segundo requerimento rectifica o primeiro. E foi já por reporte ao segundo requerimento do A que no despacho saneador de 21 de Junho de 2021 se fixou o valor da acção quanto ao mesmo em € 182.238,65 (valor que inclui a liquidação efectuada apenas no segundo requerimento das retribuições intercalares, da indemnização por despedimento e dos juros peticionados). É assim de reconhecer a este apelante o direito a ver liquidada no presente incidente a quantia que lhe é devida a título de indemnização por despedimento tal como ficou definida na sentença condenatória que apreciou a justa causa, vindo o Tribunal da Relação, apreciando o recurso da R. que, além do mais, questionava a existência de justa causa de despedimento, a confirmar o juízo da sentença nesse particular e a alterá-la apenas no que concerne à alínea c) do dispositivo, atinente às retribuições intercalares. Aquela condenação constante da alínea b) da sentença proferida na acção declarativa, relativa à indemnização de antiguidade transitou em julgado em conformidade com o disposto nos artigos 619.º e 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, e deve ser acatada nestes autos de liquidação de sentença, justamente destinados a obter a concretização do objecto de condenação da decisão proferida na acção declarativa, dentro dos limites do caso julgado[2]. Vejamos os termos da sentença liquidanda neste segmento da alínea b) do seu dispositivo. A recorrida foi nela condenada a pagar ao recorrente A “a quantia correspondente a 1 (um) mês de retribuição base e eventuais diuturnidades por cada ano (e fração remanescente) de vigência do contrato” – alínea b) do dispositivo da sentença liquidanda. Quanto à base de cálculo da indemnização, não há dúvida de que deve atender-se à retribuição mensal de € 629,60 (facto 3.) e a nada mais por os factos provados não revelarem o pagamento de diuturnidades nem o recorrente as referenciar no seu requerimento inicial. Quanto ao termo inicial da contagem da antiguidade, não restam também dúvidas de que a mesma se inicia em 1 de Junho de 2005, data da admissão do recorrente A ao serviço da recorrida (facto 1.). Procurando interpretar o dispositivo da sentença para alcançar qual o termo final a atender para o cálculo da indemnização, com recurso às normas que regulam a interpretação e integração das declarações negociais (artigos 236.º a 239.º e 395.º do Código Civil), cremos que a referência à “vigência do contrato” deve ser entendida em consonância com o que dispõe o artigo 391.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, a que a sentença se reportou, quando prescreve que “[e]m substituição da reintegração o trabalhador pode optar por uma indemnização, (…) cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º” (n.º 1) e que, para tais efeitos, o tribunal “deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial” (n.º 2). Haverá assim que atender à data do trânsito em julgado da sentença que declarou a ilicitude do despedimento e condenou a recorrida a pagar ao recorrente a indemnização substitutiva da reintegração. Aliás, a referência do dispositivo da sentença à “vigência” do contrato é consonante com a consideração de que, sendo o despedimento contra legem concebido na lei como um verdadeiro e próprio despedimento inválido[3], é a sentença que declara a ilicitude do despedimento e condena na indemnização substitutiva que marca o termo da relação laboral que ligara as partes[4]. O período temporal a relevar para o cômputo da antiguidade do trabalhador, que coincide com a manutenção da “vigência” do contrato de trabalho a que alude a sentença liquidanda, é o espaço de tempo que decorreu entre a data da cessação irregular do contrato de trabalho e a data do trânsito em julgado da sentença judicial que decretou a invalidade desta cessação[5]. Uma vez que a R. interpôs recurso ordinário e o Acórdão da Relação de Lisboa proferido transitou em julgado em 6 de Fevereiro de 2012 (certidão de fls. 598, 3.º volume do apenso H – facto 8.), é este o termo final da contagem da antiguidade relevante para estes efeitos. Destarte, sendo o recorrente A admitido ao serviço da recorrida em 1 de Junho de 2005 (facto 1.), e tendo a sentença que declarou a ilicitude do despedimento e condenou a R. no pagamento da inerente indemnização, acrescida de juros, transitado em julgado em 6 de Fevereiro de 2012, é de concluir que a antiguidade do trabalhador, para efeitos do cálculo desta indemnização, inclui o tempo que decorreu entre 1 de Junho de 2005 e 4 de Maio de 2011 (data do trânsito em julgado da sentença no segmento em causa). Multiplicando o valor da retribuição mensal de € 629,60 por 7 (seis anos completos de antiguidade e uma fracção de ano que deve que corresponder a mais uma unidade retributiva nos termos do citado artigo 391.º), alcançamos o valor de € 4.407,20 (€ 629,60 x 7) para a indemnização de antiguidade . Procede, na parte relativa ao autor A, o recurso dos apelantes. 4.3. Cabe a este passo apreciar o recurso da R. Segundo aduz a apelante, nunca poderia ter sido condenada no pagamento de juros de mora, nomeadamente, desde 5 de Fevereiro de 2010 (data da sua citação para a acção do autor B), pois os créditos não eram líquidos e os juros, a serem contabilizados, devem considerar o trânsito em julgado da sentença ora recorrida, proferida a 31 de Outubro de 2022, que procedeu à liquidação. Invoca que o tribunal a quo condenando a recorrente em juros de mora, violou a norma do artigo 805.°, n.° 3, do Código Civil, bem como as normas dos artigos 804.°, n.° 2, 805.°, n.° 1 e 2, do Código Civil. E pede a este tribunal ad quem que revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere improcedente o pedido de pagamento de juros de mora, desde a data da citação do processo principal (5 de Fevereiro de 2010). A análise dos autos evidencia a sua falta de razão. Desde logo, a sentença sob recurso, proferida em 30 de Outubro de 2022, não apreciou qualquer pedido de pagamento de juros de mora, nem condenou a R. em tal pagamento. Na verdade, a sentença que condenou a aqui recorrente no pagamento de juros ao autor B foi a sentença liquidanda, proferida em 15 de Março de 2011 (vide fls. 381 e ss. – 2.º volume do apenso S), que julgou procedente a ação de impugnação de despedimento por ele instaurada e declarou a ilicitude do despedimento realizado pela ré ICTSP – Consultoria da Aviação Comercial, S.A. [alínea a) do dispositivo], bem como condenou a ré a pagar ao Autor a quantia correspondente às retribuições devidas desde 14-12-2009 e até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidos dos montantes correspondentes a férias, subsídio de férias e de Natal desse período, sendo deduzidas as quantias a que se refere o artigo 390.º, n.º 2 do CT, mais precisamente, o valor de € 419,10 de subsídio de desemprego auferido no período de 18-12-2009 a 03-05-2010, que deve ser entregue pela Ré à Segurança Social, e a retribuição mensal de € 498,75, auferida a partir de 04-05-2010 [alínea c) do dispositivo, já com o teor decorrente do Acórdão da Relação de Lisboa de fls. 531 a 539 verso – 2.º volume do apenso S] e condenou ainda a ré “a pagar sobre as quantias referenciadas em b) e c) juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, computados desde a citação e até efetivo e integral pagamento” [alínea d) do dispositivo]. As partes não suscitaram qualquer questão em sede recursória quanto ao decidido em matéria de juros moratórios nesta sentença de 15 de Março de 2011. E a mesma sentença transitou em julgado nos termos do artigo 619.º do Código de Processo Civil no que respeita à inerente condenação. Foi em obediência ao caso julgado assim formado que a Mma. Julgadora a quo, já em sede de incidente de liquidação de sentença, procedeu à liquidação dos juros moratórios sobre o valor devido a título de salários intercalares, invocando expressamente na fundamentação constante da sentença agora sob recurso o seguinte: “Juros de mora: Os autores peticionaram ainda a condenação da ré no pagamento de juros de mora desde janeiro de 2010. Relativamente ao autor A, tendo-se concluído que a ré nada lhe deve a título de salários intercalares, conclui-se não serem devidos juros de mora. No que respeita ao autor B, importa considerar que a sentença condenatória proferida e cuja liquidação foi aqui peticionada, condenou a ré no pagamento de juros desde a data da citação, o que conforme resulta dos factos provados, ocorreu no dia 05-02-2010. Pelo exposto, conclui-se que a ré deverá proceder ao pagamento de juros de mora, ao autor B, sobre a quantia de 5.210,82 €, à taxa legal de 4% desde 05-02-2010.” E fê-lo com acerto. Com efeito, nos termos definidos pelos artigos 358º do Código de Processo Civil, o incidente de liquidação de sentença destina-se a “fixar o objecto ou a quantidade” da condenação proferida em termos genéricos, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 609º do Código de Processo Civil, pelo que a liquidação se destina, tão só, à concretização do objecto da condenação constante da sentença, com respeito, sempre, do caso julgado formado pela sentença liquidanda e não sendo permitido às partes tomar uma posição diferente da já assumida na acção declarativa[6]. Existe, pois, uma estreita e indissociável ligação do presente incidente com a sentença onde se reconheceu a existência do crédito sem que se tivesse conseguido quantificá-lo, devendo haver um escrupuloso respeito pelo caso julgado formado pela sentença transitada que se visa liquidar e pelos contornos da obrigação nela definidos. Ora, ficou decidido na sentença da acção que os juros de mora sobre as quantias referenciadas em b) e c) [relativas a indemnização por despedimento ilícito e retribuições intercalares] eram devidos desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, sem que qualquer das partes questionasse em via de apelação a correcção desse segmento da decisão, designadamente por contrariar o disposto nos artigos 804.°, n.° 2 e 805.°, n.° 1 a 3, do Código Civil, como agora vem alegar a apelante. Em suma, uma vez decidido na sentença liquidanda, com trânsito em julgado, que os juros de mora sobre as quantias de indemnização por despedimento ilícito e de retribuições intercalares são devidos desde a data da citação, outro não podia ser o caminho senão o trilhado pelo tribunal a quo quando reconheceu ao autor B o direito a juros sobre a quantia liquidada com aquela abrangência temporal. E deve este aresto seguir o mesmo caminho no que concerne à liquidação dos juros devidos sobre a indemnização de antiguidade a pagar ao autor A. Uma vez reconhecida na sentença liquidanda, e aí decidida com trânsito em julgado, a abrangência temporal dos juros de mora sobre esta indemnização, não poderá neste incidente de liquidação contrariar-se os efeitos do julgado a tal propósito – cfr. o artigo 635.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. Não merece provimento o recurso da R.. * 4.4. Em face do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, as custas em dívida no recurso dos AA. deveriam em princípio ser suportadas pelo autor B na parte que lhe diz respeito, e em que decaiu, e pela R. na parte respeitante ao autor A (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). Quanto ao recurso da R., a responsabilidade pelas custas recai também sobre si mesma por nele ter ficado totalmente vencida. Ter-se-á em consideração que os recorrentes autores beneficiam de apoio judiciário e que a R. pagou já a taxa de justiça devida pela interposição de recurso, sendo certo que nenhum dos recorridos, enquanto tal, é responsável pelo pagamento de taxa de justiça, uma vez que nenhum deles contra-alegou (artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais). Não havendo lugar a encargos no recurso, a condenação de todos é restrita às custas de parte que haja. Contudo, estas apenas poderão ser reclamadas da R. pelo autor A, na parte do recurso dos AA. em que obteve vencimento. Quanto ao mais (recurso dos AA. na parte em que o autor B decaiu e recurso da R., que nele decaiu totalmente), os recorridos não tiveram intervenção nos recursos, nem despesas com os mesmos, pelo que não há lugar a custas. * 5. Decisão * Em face do exposto: 5.1. concede-se parcial provimento à apelação dos autores e altera-se a sentença sob recurso, liquidando em € 4.407,20 a quantia devida pela recorrida ICTS – Consultadoria de Aviação Comercial, S.A. ao recorrente A a título de indemnização por despedimento ilícito, sobre a qual incidem juros de mora à taxa de 4% desde 25 de Janeiro de 2010; 5.2. nega-se provimento à apelação da R. e mantém-se a sentença na parte em que a mesma liquidou em € 5.210,82 acrescida de juros de mora desde 05 de Fevereiro de 2010, a quantia a pagar pela ICTS – Consultadoria de Aviação Comercial, S.A, ao autor B, a título de salários intercalares. * Condena-se a R. nas custas de parte que haja a contar quanto à parte do recurso dos AA. relativa ao autor A. Quanto ao mais, não há lugar a custas. * Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão. Lisboa, 11 de Outubro de 2023 ________________________________ (Maria José Costa Pinto) _______________________________ (Manuela Bento Fialho) ________________________________ (Alda Martins) ______________________________________________ [1]Inicialmente foi a liquidação despoletada também por C, D, E, F, G, H, I e J, mas estes AA. e a R. apresentaram um acordo alcançado entre as partes em 16 de Março de 2022, o qual foi homologado por sentença de 31 de Março de 2022 (fls. 170). Os autos prosseguiram apenas para apreciação dos pedidos formulados pelos AA. A e B. [2]Vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Abril de 2015, no processo n.º 30324/11.5T2SNT.L1-4, in www.dgsi.pt. [3]O que é evidenciado pela tutela reintegratória prevista no artigo 389.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho. [4]Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 2008, processo n.º 07S4217, no mesmo sítio. [5]Vide Jorge Leite e Coutinho de Almeida in "Colectânea de Leis do Trabalho", Coimbra, 1985, p. 264 e João Leal Amado e Catarina Gomes Santos, com Milena Rouxinol, Joana Nunes Vicente, e Teresa Coelho Moreira, in Direito do trabalho – Relação Individual, Coimbra, 2019, pp. 1076 e ss., vg. 1097. O contrato não se extingue através do despedimento, visto que a sentença judicial o privou da sua consequência normal, determinando a invalidade do despedimento a subsistência do vínculo. Na palavra de João Leal Amado e Catarina Gomes Santos, “[o] contrato cessa, sim, por iniciativa do trabalhador, o qual opta por não retomar a sua prestação laborativa apesar de os efeitos do despedimento terem sido neutralizados pelo tribunal. Nesta perspetiva, e como já foi sublinhado, a opção indemnizatória traduz-se num caso particular de resolução contratual por iniciativa do trabalhador, uma resolução, dir-se-ia, sob condição suspensiva, cujos efeitos extintivos só se produzirão se e quando o tribunal vier a declarar a invalidade do despedimento. Verificada a condição, o contrato extingue-se, mas o certo é que ele foi reposto em vigor até essa data, pelo que esse período temporal — até ao trânsito em julgado da decisão — deve relevar para a antiguidade do trabalhador”. [6]Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1996.01.18, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, tomo 1, p. 58. |