Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PEDRO JOSÉ ESTEVES DE BRITO | ||
Descritores: | JUIZO DE PROGNOSE SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DA PENA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/07/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
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Sumário: | Sumário: I. A formulação do juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do condenado em pena de prisão não superior a 5 anos inerente à suspensão da sua execução (cfr. art.º 50.º do C.P.) não exige uma certeza, aceitando-se um certo risco, calculado e fundado, de que a socialização possa ser lograda em liberdade; II. Se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias do caso, o tribunal concluir por um prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento futuro, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada só não poderá ser decretada se o cumprimento efetivo daquela for exigido como defesa irrenunciável do ordenamento jurídico ou pelo sentimento de reprovação social do crime. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: I.1. Da decisão recorrida: No âmbito do processo comum coletivo n.º 446/21.0KRLSB, que corre termos no Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 04-04-2025 foi proferido e depositado acórdão pelo qual AA foi condenado: - Na pena de 2 anos e 4 meses de prisão pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al b), do Código Penal (C.P.); - Na pena acessória de proibição do exercício de funções por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 69.º-B, n.º 2, do C.P., pelo período de 7 anos; - Na pena acessória de proibição de confiança de menores, nos termos e para os efeitos previstos no Art.º 69.º-C, n.º 2, do C.P., pelo período de 7 anos; e - A pagar à menor BB a quantia de EUR 2 000 a título de arbitramento por conta dos danos não patrimoniais sofridos, nos termos do art.º 82.º-A, do Código de Processo Penal (C.P.P.). I.2. Dos recursos: I.2.A. Do recurso interposto pelo Ministério Público: Inconformado com a decisão, o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões: “1. No âmbito dos presentes autos, por Acórdão datado de 04-04-2025, o Arguido AA foi condenado pela prática de um crime abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pessoa da menor ofendida BB, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva, para além da sua condenação na pena acessória de proibição do exercício de funções por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal, pelo período de 7 (sete) anos e na pena acessória de proibição de confiança de menores, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 69.º-C, n.º 2, do Código Penal, pelo período de 7 (sete) anos. 2. O âmbito do presente Recurso está cingido à medida concreta da pena, aplicada ao arguido AA, nomeadamente a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva, atento o consagrado no artigo 403.º, n.º 1 e 2, alínea f), do Código de Processo Penal, porquanto a mesma é, com o devido respeito, excessiva e desproporcional, tendo em conta que o arguido não tem antecedentes criminais, é jovem, encontra-se familiar, social e profissionalmente inserido na sociedade. 3. Ora, com o devido respeito, não podemos concordar com o Tribunal a quo, porquanto entendemos que estão reunidos pressupostos formais e materiais, dos quais depende a aplicação da suspensão da pena de prisão, aplicada ao arguido, nos termos do consagrado no artigo 50.º, n.º 1 a 5, do Código Penal. 4. Nessa medida, entendemos que a medida concreta da pena aplicada, pelo Tribunal a quo, ao arguido AA, viola o disposto nos artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2, 70.º e 71.º, n.º 1 e 2, todos do Código Penal. 5. Ora, o critério legal que preside à substituição é a possibilidade, no caso concreto, de se fazer um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido. Só reunidas as condições para fazer esse juízo, se ponderam as eventuais medidas de acompanhamento, tendo em conta as circunstâncias de vida do condenado e aquilo que melhor se adequa às suas necessidades com vista à sua ressocialização. 6. No caso em apreço, face aos factos provados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, entendemos que é possível efetuar um juízo de prognose social favorável ao arguido, não tendo razões para prever que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 7. Ora, nos termos do artigo 70.º do Código Penal: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” 8. In casu, é evidente que os critérios necessários para aplicar uma pena não privativa da liberdade ao arguido se encontram verificados. 9. O pressuposto formal é o da condenação prévia do agente em pena de prisão até 5 (cinco) anos, o que, no caso concreto, se verifica, uma vez que, como supra se aludiu, ao arguido foi aplicada a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva. 10. Por outro lado, o pressuposto material é o da adequação da mera censura do facto e da ameaça de prisão às necessidades preventivas (prevenção geral e prevenção especial) do caso. 11. De forma a concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição é imperativo analisar a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste. 12. Nesse campo, importa salientar que o arguido, na presente data, se encontra familiar, social e profissionalmente inserido na sociedade, para além de não haver notícias de que tenha voltado a praticar factos idênticos aos quais foi condenado nos presentes autos, sendo de realçar que já passaram mais de 4 (quatro) anos em relação à data da prática dos factos aqui em apreço. 13. Tendo em conta o supra mencionado, é manifesto no caso em concreto que o pressuposto material se encontra igualmente validado. 14. Uma vez que, as condições sociais, económicas, pessoais e laborais do arguido denotam a sua evidente integração a nível social e familiar, conforme se pode verificar pelo acórdão proferido e dessa forma, reitera-se, encontra-se preenchido o requisito material da suspensão da execução da pena de prisão. 15. Nesta sequência, denota-se ser proporcional e adequada a suspensão da execução da pena de prisão sendo que, decidir-se em contrário significaria acabar com qualquer possibilidade de reinserção social, esgotando-se por completo a finalidade da função de prevenção especial das penas. 16. Mais se acrescenta que, deve ser tido em consideração igualmente as consequências nefastas e o carácter altamente repressivo da pena de prisão, que segrega, retirando a liberdade ao arguido. 17. Tal lógica permite, novamente, concluir que o arguido revelará uma propensão inexistente para a prática de crimes, ciente dos custos da vida prisional e da sua reclusão da comunidade e principalmente junto da família, o que no caso em apreço é evidente. 18. Para além do exposto, haverá que sopesar, aquando do cálculo da aplicação de uma pena justa e moralmente aceitável para a sociedade, mas ao mesmo tempo, que permita ao arguido ter ainda uma segunda oportunidade na sua vida— algo que o mesmo não terá, caso não se altere a pena aplicada, nomeadamente no que concerne à suspensão da mesma. 19. Reitera-se, na definição da pena concreta a aplicar-se ao arguido, deve o Tribunal fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do mesmo, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, aplicando uma pena que permita ao arguido, a sua ressocialização e que não o segregue tanto a nível laboral como social e familiar. 20. Ora, com vista a assegurar as finalidades preventivas da pena será mais seguro optar por manter o arguido integrado do que condená-lo a viver na reclusão e no desaconselhável ambiente prisional. 21. Ademais, face a todo o manifesto, é evidente a existência de elementos fundados para concluir que existe esperança de que, em liberdade, o arguido manterá a capacidade para não repetir crimes, nomeadamente, tendo em conta o lapso temporal já decorrido desde a data da prática dos factos pelos quais o mesmo foi condenado até à presente data, cerca de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos. 22. Assim, o que se pode verificar é que não existem razões sérias para duvidar da capacidade do arguido em se conformar com o Direito e não cometer novos ilícitos criminais. 23. No mesmo sentido do manifesto aponta, Figueiredo Dias (in “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, pág. 333 que afirma: “Em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (…) quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária, ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o caráter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração (…) deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa só não será aplicada se a execução da prisão se mostrar indispensável para que não seja posta irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafática das expectativas comunitárias”. 24. Em suma, a simples censura do facto e a ameaça do cumprimento de uma pena pesada, realizam de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, propiciando a compreensão e interiorização da sua conduta e levando o arguido a adotar um comportamento conforme as normas da comunidade. 25. Por outro lado, importa salientar novamente que, o arguido é um jovem de 22 (vinte e dois) anos de idade e, considerando a sua idade juvenil e as suas condições pessoais, aplicar ao mesmo uma pena efetiva é claramente uma violação do princípio da proporcionalidade nos termos do artigo 18.º n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. 26. Nessa medida, reitera-se, a pena deve cumprir tanto a finalidade de prevenção geral como de prevenção especial sendo que, no caso do recorrente octogenário, com uma vida conforme o direito, a aplicação de uma pena efetiva não se coaduna com a prevenção geral e com a prevenção especial, pelo que, é incontestável que a suspensão da pena seria suficiente para alcançar os fins das penas. 27. Mais se acrescenta que, a aplicação de uma pena de prisão efetiva ao arguido tem um evidente efeito negativo sobre o seu ambiente familiar, tendo um impacto emocional e psicológico significativo nos seus membros, sendo que a sua reclusão apenas prejudica a sua rede de apoio familiar que é um fator essencial para a sua reintegração. 28. A rede de apoio familiar é um dos fatores cruciais para a reabilitação e reintegração social do arguido e dessa forma a família do mesmo, nomeadamente a sua atual companheira, com a qual vive neste momento, pode desempenhar um papel crucial na sua reabilitação, tornando desnecessária a pena de prisão efetiva. 29. Através da aplicação de uma pena suspensa, o arguido poderá continuar a ser parte integrante e produtiva da sua família, mantendo-se inserido no seu meio social, o que contribuirá para o cumprimento das necessidades preventivas. 30. Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, ser o Arguido AA condenado numa pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 5 (cinco) anos, e sujeita a regime de prova, para além da sua condenação, na pena acessória de proibição do exercício de funções por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal, pelo período de 7 (sete) anos e na pena acessória de proibição de confiança de menores, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 69.º-C, n.º 2, do Código Penal, pelo período de 7 (sete) anos.” I.2.B. Do recurso interposto pelo arguido: Igualmente inconformado com a decisão, também dela interpôs recurso o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões: “1º O Recorrente não se conforma com a medida da pena aplicada. 2º O Recorrente considera a medida da pena aplicada desproporcionada 3º A aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.º 40º n.º 1 do Código Penal) 4º A medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º n.º 2 do CP) 5º Na determinação da medida da pena deve-se atender às circunstancias, que não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor e/ou contra o agente (art.º 71º do CP) 6º Acrescem os seguintes fatores que não poderão ser desfavoráveis: - O recorrente é jovem, tendo interiorizado e de que maneira os factos danosos que este processo para ele sem sentido provocou neste período da sua vida e o desvalor do que é ter um comportamento criminal. - O Recorrente vive de forma modesta, num quarto com a companheira, que se encontra grávida de 6 meses. - Embora subsistam algumas vulnerabilidades sócio económicas trabalha como repositor no ... o que se revela facilitador face às suas necessidades de reinserção social, auferindo uma média de 900,00 (novecentos euros) -o recorrente nos seus tempos livres trabalha numa oficina de um amigo auferindo cerca de 20 a 30,00 euros por cada tarefa que executa. - o recorrente na data dos alegados factos era menor de 17 anos - o recorrente não tem comportamentos aditivos - o recorrente tem comportamentos próprios para um individuo da sua idade - o recorrente apesar de na juventude ter sido rebelde desde que se juntou com a companheira que mudou completamente os seus comportamentos sendo dedicada a esta. - o recorrente não confessou os factos, não sendo verdade que alguma vez tenha introduzido uma das mãos dentro das calças e tenha afagado a zona da vagina da sua prima BB, na altura com 9 anos, bem como nunca lhe afagou os seios. - o recorrente frisou de forma séria que o crime de que vinha acusado lhe era repugnante e que tinha raiva de quem o comete, sentindo mesmo nojo. - o recorrente afirmou que nunca brincou com a menor BB, nem nunca pegou crianças ao colo - o recorrente afirmou de forma serena que não gostaria que tivessem feito o crime de que vem acusado nos seus familiares - o recorrente quando vê televisão fica revoltado com as noticias, tendo a noção que agora se encontra acusado e está no lugar dessas pessoas que supostamente fizeram. - o recorrente era primário na data dos factos não constando ainda nos dias de hoje no seu certificado de registo criminal qualquer anotação - para o recorrente não faz qualquer sentido ter sido acusado por um crime que não cometeu e que do qual abomina - o recorrente entre a data dos alegados factos e após a menor ter ido em inicio de 2021 para a Instituição Ajuda de berço, onde permanece, nunca mais teve contato com esta - o recorrente tem apenas o 9º ano - o recorrente em criança foi sempre negligenciado pelos adultos - o recorrente tem medo de estar em privação de liberdade, pois sabe que toda a sua vida se irá desmoronar, quando neste momento estava completamente inserido profissionalmente e familiarmente. - o recorrente rege a sua vida de forma extremamente séria, seriedade esta, que não lhe foi favorável aquando da audiência de julgamento, por ser incompreendido pelo Tribunal. Da Absolvição: 7º- O douto acórdão entrou em pura contradição, não esclarece nem o tempo, nem modo, nem a forma como as coisas aconteceram, criando um enredo à volta de uma frase que em determinadas circunstancia a menor proferiu, e que posteriormente repetiu em declarações para memoria futura, acrescentando muitos, não sei, não me lembro, acho que sim, etc, que minam a credibilidade e a seriedade e tudo o que mais disse foi não foi espontâneo, antes sim por sugestão de quem fazia as perguntas, pois não o poderia fazer de outra maneira Não podemos é entrar num jogo de adivinhação. E porque não seria o contrário, ou que os protagonistas fossem outras pessoas, por exemplo o padrasto que dava banho diariamente à menor, ou alguém da Instituição onde a menor estava acolhida, tendo a menor projetado para a frente inadvertidamente o nome do arguido AA. Mesmo assim não estamos perante uma prática reiterada de um crime, por se ter referido apenas uma vez, não sabendo a menor se foi no mesmo instante ou divido por dias ou meses. E será que o ato alegadamente praticado teve alguma relevância sexual? Não houve contato de sexo com sexo, não houve toques com a mão penetrantes no “pipi” da menor, e quando se refere que o arguido afagou alegadamente as mamas, será que não foram cocegas no peito (pois a menor de certeza que na altura com apenas 9 anos ainda não teria mamas na verdadeira aceção da palavra, como numa adolescente ou numa mulher madura) O meritíssimo Tribunal, apenas criou um enredo, prognosticando e conjeturando um juízo de probabilidade, que sabe que não podia ser provado, mas mesmo assim levou a bom porto a sua tese na ansia de condenar o arguido também menor de 17 anos, em prisão efetiva, mas a ver do recorrente erroneamente, do qual esse venerando Tribunal, terá agora que dirimir. Como é que se poderia comprovar a intenção? Apenas poderia presumir, mas tal situação é ilidível pois não se comprovou nem se provou qualquer ato de abuso sexual por parte do arguido, nem as testemunhas poderiam dizer o contrário. Só que a convicção do Tribunal, partiu de conclusões passadas, com a enxurrada existente de outros possíveis casos análogos, punindo o agora Recorrente como se de um desses “atores” se tratasse, o que não é o caso, não determinando assim a medida exacta da culpa do ilícito em causa. E alicerçou ainda tal tese referindo-se também às circunstâncias da sua vida pessoal, não tendo o recorrente feito qualquer prova testemunhal porque não as poderia haver mas informando o Tribunal sempre numa posição séria, apesar de para o Tribunal essa posição fosse demasiado séria. Mas como tal não poderá colher, e teria de se fazer prova concreta, pois em audiência de julgamento nada se provou que incriminasse a cem por cento o arguido para além da expressão que nunca saberemos se é verdadeira ou não, mas que a Instituição denunciou e o Tribunal sem razão acatou. Nenhum outro meio de prova seria foi produzido que permita ao Meritíssimo Tribunal concluir, sem margem para duvida que o arguido AA praticou o ato cometido. Se porventura a menor tivesse feito queixa à mãe CC, que ali se encontrava na cozinha, no mesmo dia, no mesmo local, na mesma hora, ou a outro residente da casa, aí sim não restavam dúvidas que o episodio teria acontecido. Mas não, a menor não o fez, e não há outra forma de provar os factos. Tudo o resto são ilações presunções e conjeturas do que poderá ter acontecido, e não serve dizer que a menor não ganharia nada ao acusar com isso, pois aqui não se trata de ganhar, assim como não se trata de perder, antes sim de não condenar alguém poderá estar presumivelmente inocente. Assim: Como se decidiu no Ac. do TRP de ........2014, relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador Pedro Vaz Pato, consultado in www.dgsi.pt, à luz do princípio in dúbio pro Reo, a dúvida sobre se determinado acontecimento se deu nas devidas proporções emanadas na acusação há - de beneficiá-lo, devendo considerar-se, nesse caso de dúvida, aderir-se àquele principio. A prova não pode ser feita através de suposições, presunções e analogias, não havendo uma cabal demonstração, inequívoca e transparente daquilo que se pretendia provar por parte da acusação. Por outro lado: A questão que ao Tribunal se colocou foi a de saber se tal meio de prova por si só permite que se conclua com a necessária segurança que o arguido teve nos factos a participação que a acusação lhe imputa. E pondo em causa que existem indícios de que alguma ligação o arguidos terá dos factos, não é possível alcançar a conclusão segura de que o arguido tenha sido o autor do facto de que está acusado, (e que tenha praticado os factos concretos descritos) Sucede que o nível da prova em julgamento não se basta com essas suspeitas, necessitando de outros elementos de prova que permitam ainda que com recurso a prova indiciária, poder alcançar a conclusão segura da sua participação. Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Janeiro de 2022,processo nº 285/18.6GAARC.P1 (in www.dgsi.pt): “A dúvida juridicamente relevante para a absolvição é aquela que no espirito do julgador, subsiste numa hipótese divergente ainda que o respetivo grau de probabilidade seja mínimo, mas não desprezível, de tal modo que perturba definitivamente a convicção fundada no sucesso da tese da acusação de probabilidade muito elevada. O Juízo de prova consolida-se quando, fruto da racionalidade, no espirito do julgador é considerada como historicamente exclusiva a hipótese da autoria do arguido, afastando-se a probabilidade das teses concorrentes.” No corpo do referido acórdão sustentou-se “a probabilidade da hipótese divergente pode até situar-se num campo com o “irrelevante à vista”, mas ainda assim, o suficiente para produzir uma ”réstia de dúvida” e por isso, constituir séria perturbação na convicção do julgador – na dimensão da dúvida “sério”, deverá residir no mínimo. A dúvida deixará de existir, quando a probabilidade das hipóteses divergentes se desvaneça, se torne insignificante, não ponderável, permitindo ao julgador eleger como exclusiva a hipótese da acusação de probabilidade muito elevada (contudo, obviamente este juízo de exclusividade não significa um absoluto). O horizonte de prova ocorre quando, fruto da racionalidade no espirito do julgador é considerada como historicamente exclusiva a hipótese da autoria do arguido, afastando-se a probabilidade de outras hipóteses. Dito de outro modo, no confronto de varias hipóteses plausíveis, face ao acontecer histórico que se discute, a dúvida é relevante e triunfa, quando após a produção de prova a hipótese contrária à participação do arguido, continuar plausível. De notar que a plausibilidade da hipótese concorrente mantem-se enquanto subsistir o mínimo de probabilidade, não bastando a sua mera possibilidade. O meramente possível constitui uma conjetura racionalizada, mas não mede probabilidades, daí a expressão feliz do juiz Lord Nicholls “é claro que é possível, mas não é minimamente provável”. A discussão de várias hipóteses à participação do arguido, por si só, pode não enfraquecer a existência de fortes probabilidades da versão da acusação que é acompanhada de vários meios de prova. Se depois da discussão do concurso de hipótese alternativas à imputação, permanecerem como plausíveis essas hipóteses contrárias, a absolvição do arguido AA deveria ser inevitável, exceto se as probabilidades daquelas versões fossem ínfima, irrelevantes ou desconsideráveis, perante a elevada concentração de probabilidades no juízo de imputação. Portanto, o grau de plausibilidade de uma hipótese divergente para constituir uma dúvida relevante, deverá bastar para que no espirito do julgador a mesma tenha expressão nas probabilidades, mas ainda assim será audível, “ruidosa” e perturbadora no seio da harmonia do juízo de prova que se pretende afirmar com uma hipótese de elevada probabilidade. O conjunto dessas garantias no jogo das probabilidades entre as várias hipóteses em discussão e em apreciação, para que a prova se produza, exige que as possibilidades de verificação da hipótese da acusação, retire importância e degrade a probabilidade das hipóteses alternativas concorrentes. O juízo de prova só se consegue afirmar quando exclui ou torna insignificante a probabilidade das hipóteses concorrentes, e embora não exija certezas absolutas., aquele juízo, conferindo uma probabilidade muito elevada à autoria do facto pelo agente, tem por vocação a exclusão da probabilidade das hipóteses alternativas, sendo essa exclusão que afasta a dúvida e forma a convicção.” No caso concreto, embora exista uma fraca probabilidade de os factos constantes na acusação serem verdadeiros, não estão excluídas outras probabilidades de narrativas alternativas, o que deveria deixar o Tribunal num estado de dúvida insanável que utilizando o princípio do in dúbio pro Reo, deveria resolver no sentido mais favorável ao arguido AA, dando como não provados os factos que o desfavoreciam. Estamos perante uma situação muito nebulosa, em que para além do exaurido pela menor BB, nunca se demonstrou de forma contundente qualquer abuso sexual de menores, e por tal não deveria ser possível estabelecer ligação entre os factos, pois contra o arguido AA, a prova é pífia, inexistente e inócua porque não existe, nem nada foi demonstrado. E deste modo deverá o Venerando Tribunal da Relação alterar o acórdão condenatório, absolvendo o arguido Sem Conceder: -Da suspensão da pena 8º- Invocando-se devidamente os aspetos supra indicados, não deveria a pena a que o Recorrente foi condenado ser tão pesada, e ser de prisão, a mesma deverá ser suspensa na sua execução. 9º- Não deverá a pena determinada extravasar a medida que por si já realize eficazmente a tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma a que corresponde a infração. 10ºApesar da gravidade relativa da conduta do Recorrente, não poderá a justiça querer dar vazão a sentimentos de castigo, que só prejudicam as exigências de prevenção, salvaguardadas no nosso sistema legal. 11º Ao não relevar os aspectos mencionados em 6, 7, 8 e 9, que antecedem nas presentes conclusões, o Douto Acórdão de que se recorre, não respeitou o estatuído nos artigos 40º e 71º do Código Penal. 12º A medida da pena extravasa, o que no entender do Recorrente seria suficiente para garantir a tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias. 13º Por exagerada, a medida da pena aplicada pode até prejudicar as exigências e a reintegração do agente na sociedade. 14º Deste modo a suspensão da execução da pena assenta na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja na formulação de um juízo de que ele não praticará novos crimes, para tanto relevando a ponderação da personalidade do agente, as condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e circunstancias do mesmo, arquitetura dogmática esta que impele o Tribunal a ter em mente que a suspensão da execução da pena de prisão apenas poderá ser aplicada se sustentar viabilizar os desígnios de prevenção especial, apoiando e promovendo a reinserção social do condenado – e geral – na perspetiva em que a comunidade não encare a suspensão, como um sinal de impunidade, em tudo assim se compatibilizando com as finalidades das penas consagrada no artº 40º nº 1 do Codigo Penal, nos termos do qual: “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, Tudo assim sob a matriz de um Direito Penal assente na dignidade da pessoa humana e de pendor afirmativamente humanista. - No caso em concreto: - A concreta prática ao arguido e nesta o contexto familiar e relacional, a cronologia e tipologia da ação vincada a um único pedaço de vida, vincado a data não apurada, mas segundo a acusação posterior a 03 de ...e anterior a ... de ... de 2021 (sendo que a menor quando foi ouvida para memória futura, referiu que esta única atuação do arguido tivesse acontecido no Verão) - A conduta anterior e posterior aos factos, revela-nos um índice claramente favorável ao arguido, pelo facto de não apresentar quaisquer antecedentes ou ulterior condenações criminais (facto provado no ponto 17), erigindo-se pertinente o tempo mediado e volvido entre mais de quatro anos e menos de cinco anos sobre a alegada prática do facto ilícito sem noticia de nova incursão criminal; - As condições pessoais, sociais e familiares e laborais e a situação económica do arguido tal qual se colhe do relatório social instruído nos autos de que com relevo, ressuma que: a) À data dos factos, residia na casa da sua avó materna, com a mãe, dois irmãos menores, a tia e o companheiro desta e três primas, numa casa camararia de tipo T3, com superlotação de espaço, dormindo na varanda com os irmãos e sendo a dinâmica sociofamiliar caracterizada como conflituosa e disfuncional. b) A assunção própria de se afirmar como um jovem rebelde e problemático por nunca ter tido o apoio necessário por parte da família de origem, sendo detentor do 9º ano de escolaridade, contudo, assinalando problemas ao nível da leitura e escrita, não tendo avançado na escolaridade, por ser problemático na escola, ter diagnostico de défice de atenção e hiperatividade, tendo sido seguido ao nível de psicologia na ..., sem continuidade. c) Nos dias de hoje, assinalando um trajeto de vincada emancipação e consolidada reinserção social, residindo em quarto alugado com a companheira de 32 anos de idade, a qual se encontra grávida de 6 (seis) meses, pelo qual para 600,00 (Seiscentos euros) mensais, trabalhando já há algum tempo como repositor no supermercado ..., de onde aufere cerca de 900,00 (novecentos euros) mensais, acrescendo que nos tempos livres, ainda trabalha numa oficina de carros e motas propriedade de um amigo, que lhe paga entre 20,00 e 30,00 euros por cada tarefa que executa. Mais merecendo todo o apoio da mãe e da companheira, enquadramento e apoio socio - familiar que se sem rebuço também devemos avaliar favoravelmente. d) As preocupações evidenciadas por AA e os impactos que a sua situação processual tem vindo a ter não só na sua pessoa, mas também nos seus familiares constituem-se preditores favoráveis face a putativas condutas antissociais futuras e) Em eventual caso de condenação, a disponibilidade manifestada para cumprir o que for decidido pelo Tribunal, nomeadamente no que se refere ao cumprimento de uma pena/medida na comunidade, índice que a DGRSP atribui positiva a possibilidade crassa de intervenção, designadamente face aos consabidos programas específicos de reabilitação dirigidos a problemáticos criminais especificas e a necessidade de intervenção com vista à prevenção de reincidência, mormente no âmbito da punição por crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. f) A faculdade legal do período de suspensão da execução da pena ir para além da concreta medida fixada para a pena principal – artº 50º nº 5 do Código Penal -, a possibilidade de ser tal suspensão subordinada ao cumprimento de deveres impostos e destinados a reparar o mal do crime, artº 51 do CP – a par da imposição de regras de conduta artº 52ºdo CP e a obrigatoriedade legal de fixação de regime de prova como garante da punição globalmente considerada face à tipologia do crime em apreço –arº 53º nº 4 do Código Penal. g) A punição fixada a titulo acessório que bifurcada na aplicação das penas acessórias de proibição de confiança de menores e da proibição do exercício de funções nos termos respetivamente dos artºs 69º C, nº 2 e 69º B, nº 2 ambos do Codigo Penal, adequadamente fixadas individualmente em 7 (sete) anos se erige como igual garante das finalidades punitivas do processo em crise. h) O arbitramento a titulo de reparação à ofendida BB, que nos termos do artº 82~ºA do Código de Processo Penal e na justa medida dos danos não patrimoniais sofridos e aquilatados no montante de 2.000,00 (Dois mil euros), à pessoa daquela, igualmente concorre para a estabilização das sobreditas finalidades punitivas. i) O aquilatar do contrate entre as já convocadas exigências de prevenção geral (na perspetiva em que a comunidade não encare a suspensão como um sinal de impunidade), e especial (apoiando e promovendo a reinserção social do condenado), que o caso particularmente reclama e que, sob o escopo sancionatório plasmado no artº 40º nº 1 do Código Penal, não deixa de se redimensionar em compasso de apreciação legal e necessariamente ulterior a todo o juízo vertido em sede de acórdão quanto à estratificação dos índices que conduziram à fixação da concreta medida da pena, numa apreciação antes focada agora à possibilidade suspensiva da execução da medida da pena, arreigada ao justo aquilatar das circunstancias que militam em beneficio e em desfavor do arguido, a par das espectativas comunitárias, tudo ao lume da aplicação da justiça penal que não renuncia a princípios de subsidiariedade e intervenção mínima em toda a sua amplitude. - Sob tais índices, estamos certos que as finalidades sancionatórias que o caso em espécie suscita se alcançariam por via de um competente feixe sancionatório, impondo-se justo, adequado, proporcional, razoável e exequível formular um juizo de prognose favorável, uma vez que a ameaça de cumprimento da pena de prisão efetiva pelo tempo indexado à medida concreta fixada será adequada e suficientemente dissuasora para evitar que o arguido volte a praticar crimes e para o obrigar a adotar comportamentos conforme a Lei e o Direito, tomando antes o caminho da interiorização do desvalor da conduta, laborando sob a égide do Tribunal e da DGRSP a sua capacitação de descentração, avaliação das consequências das suas ações e de compreensão do mal praticado, a par de dar continuidade ao caminho de emancipação e reinserção social já iniciado. Termos e fundamentos de ponderação em que no caso em espécie se deverá suspender a execução da pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão aplicada ao arguido AA, pela pratica em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artºs 171º nº 1 e 177, nº 1 b) ambos do Código Penal, na pessoa da ofendida BB pelo período de 5 (anos), com: d) sujeição a regime de prova e) Subordinação ao cumprimento de pagar 2.000,00 euros à menor por igual período f) Subordinação ao dever de frequentar programa transversal de intervenção técnica com enfoque na área da sexualidade, sob a égide da DGRSP, durante o integral prazo da suspensão de execução da pena de prisão” Os referidos recursos foram admitidos por despacho de 14-05-2025. I.3. Da resposta: Só o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso interposto pelo arguido, concluindo da seguinte forma: “1. O Recorrente interpõe o presente recurso, por não se conformar com o Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, datado de 4 de Abril de 2025, no qual, foi o mesmo condenado pela prática, em autoria material, de um crime abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pessoa da menor ofendida BB, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva, para além da sua condenação na pena acessória de proibição do exercício de funções por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal, pelo período de 7 (sete) anos e na pena acessória de proibição de confiança de menores, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 69.º-C, n.º 2, do Código Penal, pelo período de 7 (sete) anos. 2. Segundo o mesmo, o Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” deverá ser revogado e substituído por outro que dê lugar à sua absolvição, 3. ou, caso assim não se entenda, à sua condenação, numa pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, sujeita a regime de prova, nomeadamente, subordinada ao pagamento de 2.000 € (dois mil euros) à menor BB, para além da subordinação ao dever de frequentar programa transversal de intervenção técnica com enfoque na área da sexualidade, sob a égide da DGRSP, durante o integral prazo da suspensão de execução da pena de prisão. 4. Antes de mais, no que concerne a medida concreta da pena, aplicada ao Recorrente, o Ministério Público dá aqui por integralmente reproduzidos os fundamentos de facto e de direito explanados no Recurso apresentado em 07- 05-2025 (cf. referência Citius n.º 42744424, de 07-05-2025). 5. Sufraga o Recorrente, em suma, que inexistem elementos probatórios nos autos que permitam dar como provados os factos que são imputados ao mesmo, e, como tal, à luz do princípio in dubio pro reo, deverão tais factos ser dados como não provados e, como consequência, deverá o mesmo ser absolvido da prática do aludido ilícito criminal. 6. Ora, não partilhamos do mesmo entendimento do Recorrente. 7. Desde logo, cabe referir que, para a descoberta da verdade material, não foram apenas tidas em conta as declarações prestadas pela Ofendida BB, em sede de Declarações para Memória Futura. 8. Com efeito, em primeiro lugar, o Recorrente, optando por prestar declarações em sede de audiência de discussão e julgamento, apresentou um discurso artificial, incoerente e focado em descredibilizar a versão dos factos, relatada pela Ofendida BB, ouvida em sede de Declarações para Memória Futura, apelidando-a de mentirosa e realçando, por diversas vezes, que a mesma padece de patologias de foro mental e psiquiátrico. 9. Salienta-se, igualmente, que o Recorrente afirmou, em sede de audiência de discussão e julgamento, que nunca ficou a sós com a mesma, no interior da habitação comum, onde residiam à data dos factos em apreço, e que nunca brincou com a mesma. 10. Ora, tal afirmação esbarra desde logo naquilo que foi dito, em sede de audiência de discussão e julgamento por parte de CC, mãe da BB que afirmou, com credibilidade e assertividade, que a sua filha, BB, brincava habitualmente com o arguido, nomeadamente “às escondidas” ou a verem vídeos no telemóvel. 11. Por outro lado, o Recorrente afirmou, em sede de discussão e julgamento, na sequência do discurso artificial e manifestamente exagerado, de repúdio a qualquer contacto com crianças, que nunca tinha pegado numa criança ao colo, porque tinha medo, sem, contudo, concretizar quais as razões desse medo. 12. Mais referiu CC que, a partir de um determinado momento, a sua filha, BB, manifestou que não queria brincar com o arguido, sendo que, no entanto, continuava a brincar com o primo DD, irmão mais novo do arguido. 13. Também é de realçar que, aquando do seu ingresso na ...”, a Ofendida BB, quando efetuava desenhos da família, colocava todos os elementos do agregado familiar no desenho, exceto o seu primo e aqui arguido, AA, como nos foi dito pela testemunha EE, em sede de audiência de discussão e julgamento. 14. Ora, salvo melhor opinião, é inequívoco que a Ofendida BB, a partir de um determinado momento, pretendeu cortar todos laços afetivos e contactos que tinha, anteriormente, com o Recorrente. 15. A propósito, refere o Recorrente, em sede de Recurso, que não é habitual uma criança da idade da BB brincar com alguém como o arguido, que à data dos factos tinha 17 anos. 16. Ora, desde logo, salvo melhor opinião e com o devido respeito, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, é perfeitamente natural que uma criança com a idade da BB brinque com outras crianças ou jovens, quer sejam do sexo feminino ou masculino, ainda para mais, quando as mesmas, como é o caso do arguido, vivem na mesma habitação e são familiares, nomeadamente primo “direito” como é o caso do arguido. 17. Sufraga ainda o Recorrente que as declarações da BB, prestadas em sede de Declarações para Memória Futura não têm credibilidade nem seriedade, para além de não ter havido espontaneidade nas respostas às perguntas que lhe iam sendo feitas, razão pela qual, não devem ser valoradas, da forma como foram, por parte do Tribunal a quo. 18. Ora, mais uma vez, não partilhamos do mesmo entendimento do Recorrente, na medida em que, como é natural, não é expectável, atendendo à idade e às limitações de saúde de que a mesma padece, que o discurso da mesma fosse semelhante ao discurso de uma pessoa adulta. 19. No entanto, apesar de a mesma ter tão tenra idade e das dificuldades de expressão, a mesma afirmou, sem qualquer sombra dúvida, de que o arguido AA lhe mexeu nas “mamas” e no “pipi”. 20. Tais afirmações são ainda corroboradas pelo depoimento da testemunha EE, que de forma isenta e credível, afirmou perante o Tribunal, em sede de audiência de discussão e julgamento, que, após ter notado, no seio da instituição “...”, na qual a BB se encontrava institucionalizada, que a mesma adotava comportamentos impróprios para a sua idade, designadamente, que a mesma se tocava na zona da vagina, lavando-se com maior profundidade quando tomava banho, ou quando dormia colocava objetos junto à zona vagina, fazendo pressão, questionou a BB sobre o porquê de adotar tais comportamentos, tendo a mesma ilustrado à depoente a forma como a tinham tocado na zona dos seios e da vagina, verbalizando ainda que quem a tinha tocado dessa forma tinha sido o seu primo AA, aqui arguido. 21. De facto, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, não faz sentido que uma criança de tão tenra idade como a Ofendida BB, por iniciativa própria, se estimule sexualmente, quer seja nos seios ou na vagina. 22. O que faz sentido, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, é que a mesma adote esse tipo de comportamentos na sequência de algo idêntico que lhe tenham feito, como é o caso dos autos, onde a mesma afirmou, sem sombra dúvidas, de que foi “tocada” na zona dos seios e da vagina, por parte do arguido AA. 23. Por outro lado, o Recorrente questiona ainda se o ato alegadamente praticado pelo arguido teve alguma relevância sexual, no sentido de que “Não houve contacto de sexo com sexo, não houve toques com a mão penetrantes no “pipi” da menor, e quando se refere que o arguido afagou alegadamente as mamas, será que não foram cócegas no peito (pois a menor de apenas 9 anos de idade ainda não teria mamas na verdadeira aceção da palavra, como uma adolescente ou uma mulher madura)”. 24. Neste ponto, mais uma vez, não partilhamos do mesmo entendimento do Recorrente, na medida em que, não existem quaisquer dúvidas de que os atos praticados pelo arguido consubstanciam a prática de um ato de relevo sexual. 25. Não existe qualquer dúvida que o ato de afagar os seios de uma criança de nove anos de idade (independentemente do tamanho dos mesmos), bem como o ato de afagar a zona da vagina, como foi feito pelo arguido, consoante resulta da prova produzida nos presentes autos, constituem a prática de um ato sexual de relevo. 26. Dito isto, como é bom de ver, o Tribunal a quo não poderia de deixar de dar como provados os factos que deu como provados, porquanto os mesmos estão indubitavelmente alicerçados nos elementos probatórios constantes dos autos, salientando-se, mais uma vez, em especial, as declarações prestadas pela Ofendida BB, em sede de declarações para memória futura, bem como do depoimento das testemunhas EE, cuidadora de BB na instituição “...” e CC, mãe de BB, para além das declarações prestadas pelo arguido, as quais não merecem qualquer credibilidade, fruto de um discurso artificial, incoerente e contraditório. 27. E, assim sendo, existindo prova cabal de que os factos ocorreram da forma descrita, não existindo qualquer dúvida insanável, não terá aplicabilidade o princípio in dúbio pro reo. 28. Assim sendo, em face do exposto, o Ministério Público defende que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo fez uma correta valoração e apreciação da prova existente, no que concerne à condenação do Recorrente pela prática do aludido ilícito criminal 29. Razão pela qual, neste ponto, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo.” I.4. Do parecer: Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer através do qual propugnou pela improcedência do recurso, de acordo com o seguinte: “Concordamos integralmente com a fundamentação do recurso interposto pelo nosso Colega na 1.ª instância e bem assim com a fundamentação da resposta ao recurso interposto pelo arguido. Aditamos, quanto ao recurso do arguido, na parte que concerne à violação do princípio do in dubio pro reo, que o arguido não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, e ainda que o tivesse feito não o fez validamente, pelo que será no texto da decisão que terá de ser detetada essa violação, à semelhança do que sucede com o erro notório na apreciação da prova. Não se vislumbra do texto da decisão que o Tribunal a quo se tenha confrontado com uma dúvida intransponível quanto à ocorrência dos autos e que nesse estado de dúvida tenha decidido em desfavor do arguido. Não se vislumbra igualmente que o Tribunal a quo tenha decidido contra as regras da experiência comum e do normal suceder, o que afasta a verificação do erro notório na apreciação da prova. Afigura-se-nos que aquilo que o arguido pretende é fazer valer a sua própria leitura da prova que foi produzida. Posto isto, deverá a pena de prisão de 2 anos e 4 meses de prisão ser suspensa na execução pelo período de 5 anos, com sujeição a regime de prova que englobe a frequência de programa transversal de intervenção técnica com enfoque na área da sexualidade, sob a égide da DGRSP, durante o integral prazo da suspensão de execução da pena. Somos, pois, de parecer que o recurso interposto pelo Ministério Público merece provimento, tal como merece provimento o recurso do arguido na parte que se refere à suspensão da execução da pena de prisão, não o merecendo quanto ao seu outro fundamento.” I.5. Da tramitação subsequente: Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do C.P.P., nada foi acrescentado. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir. II. Fundamentação: II.1. Dos poderes de cognição do tribunal de recurso: Está pacificamente aceite na doutrina (cfr., por exemplo, MESQUITA, Paulo Dá, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, Livraria Almedina, pág. 217; POÇAS, Sérgio Gonçalves, in “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Julgar, n.º 10, 2010, pág. 241; SILVA, Germano Marques da, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª edição, 2000, pág. 335) e jurisprudência (cfr., por exemplo, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2024, processo n.º 105/18.1PAACB.S12) que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de determinadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do recurso (cfr., por exemplo, art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.), são as conclusões que delimitam o seu objeto e âmbito, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19-10-1995, para fixação de jurisprudência, in Diário da República n.º 298, I Série A, de 28-12-1995, págs. 8211 e segs.3). Na verdade, se o objeto do recurso constitui o assunto colocado à apreciação do tribunal de recurso e se das conclusões obrigatoriamente devem constar, se bem que resumidas, as razões do pedido (cfr. art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P.) e, assim, os fundamentos de facto e de direito do recurso, necessariamente terão de ser as conclusões que identificam as questões que a motivação tenha antes dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir que o tribunal de recurso identifique, com nitidez, as matérias a tratar. II.2. Das questões a decidir: A esta luz, são as seguintes as questões a conhecer, pela ordem da prevalência processual sucessiva que revestem: A. Se há erro de julgamento, nos termos do art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b), do C.P.P. (cfr. II.4.A.); B. Se foi violado o princípio do in dubio pro reo (cfr. II.4.B.); C. Se a medida concreta da pena de prisão fixada é excessiva e desproporcionada (cfr. II.4.C.); e D. Se a pena de prisão deve ser suspensa na sua execução (cfr. II.4.D.). II.3. Ocorrências processuais com relevo para apreciar as questões objeto dos recursos: Ora, com relevo para o definido objeto dos recursos, e resultante dos atos processuais a seguir assinalados, importa atentar no seguinte: II.3.A. Da matéria de facto considerada no acórdão recorrido (cfr. ref.ª 444368369 de 04-04-2025): É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1.ª instância: “Factos Provados: 1. BB nasceu no dia ... de ... de 2011 e é filha de CC e de FF; 2. GG e HH, nascidas, respectivamente, em ... de ... de 2016 e ... de ... de 2019, sendo ambas irmãs uterinas de BB; 3. CC é filha de II; 4. CC sempre coabitou com as suas filhas BB, GG e HH na ..., habitação de sua mãe II, coabitação que cessou em … de 2021, quando a vítima e as imãs passaram a estar acolhidas institucionalmente, em execução de medida de promoção e protecção aplicada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ...; 5. Em data não apurada, compreendida em 2019, passaram também a coabitar na aludida morada JJ, irmã de CC, e bem assim KK, nascida em ... de ... de 2004 e LL, nascido em ... de ... de 2011, ambos filhos de MM, e por essa via primos da ofendida BB; 6. Em data não apurada, compreendida em 2020, anterior a 03 de Novembro, também passou a coabitar na sobredita morada, o arguido AA, filho igualmente de JJ, e por essa via primo da ofendida BB; 7. Desde sempre o arguido este sempre bem ciente da idade da ofendida BB; 8. Em data não apurada, posterior a ... de ... de 2020 e anterior a … de 2021, quando a ofendida BB tinha já nove anos de idade, esta e o arguido encontravam-se no domicílio comum, sito na ..., área deste município; 9. Então, prevalecendo-se de estarem momentaneamente sozinhos na sala da habitação, o arguido interpelou a ofendida e, não obstante bem ciente que a mesma tinha apenas nove anos de idade, introduziu uma das suas mãos sob a roupa que a BB envergava no tronco, afagando-lhe, durante alguns momentos, a zona correspondente aos seios; 10. Nessa mesma ocasião, o arguido introduziu uma das mãos nas calças que a BB envergava, afagando-lhe a vagina durante alguns instantes; 11. Ao actuar da descrita forma, o arguido não ignorava nem podia ignorar a idade da menor BB, bem sabendo que a mesma tinha menos de catorze anos de idade, o que não o demoveu de assim proceder, dirigindo-lhe actos sexualizados; 12. Bem sabia e não podia ignorar o arguido que, ao actuar da forma descrita, punha em causa o livre desenvolvimento da personalidade da mesma na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos, o que quis e logrou; 13. Não ignorava, nem podia ignorar o arguido que era primo da menor e com a mesma coabitava, assim beneficiando de com a mesma ter relação familiar e de coabitação, circunstâncias que lhe propiciavam proximidade quotidiana com a menor, de que se prevaleceu para concretizar os seus instintos libidinosos; 14. Ao actuar da forma descrita, o arguido não ignorava nem podia ignorar que, por força da sua tenra idade de nove anos, a menor não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à actuação do arguido, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir as suas acções criminosas; 15. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei; Mais se provou que: 16. A menor ofendida BB apresenta dificuldades relativamente às competências cognitivas globais; Igualmente se provou: 17. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta; 18. Do relatório social do arguido, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido: “- o arguido, na data dos factos subjacentes ao presente processo, assim como no presente, actualmente com vinte e dois anos de idade, residia com na casa da sua avó materna, com a mãe, dois irmãos menores, a tia e o companheiro desta e três primas, residindo o agregado numa casa camarário, de tipologia T3, com superlotação de espaço, dormindo o arguido na varanda com os irmãos; - a dinâmica sociofamiliar é caracterizada como sendo conflituosa e disfuncional, sendo que o arguido se descreve como um jovem rebelde e problemático, por nunca ter tido o apoio necessário por parte da família de origem, passando longos períodos fora de casa, sem supervisão parental adequada. Os seus progenitores separaram-se, quando ainda era criança, tendo o pai deixado de estabelecer qualquer contacto com ele, situação que se mantém, aos dias de hoje, nunca tendo comparticipado a nível económico com a sua educação. Relativamente às habilitações literárias, o arguido é detentor do 9.º ano de escolaridade, registando problemas ao nível da leitura e escrita, não tendo avançado na escolaridade, porque também era problemático na escola, com diagnóstico de défice de atenção e hiperactividade, tendo sido seguido ao nível de psicologia, na …da ..., não tendo dado, todavia, continuidade ao acompanhamento psicológico. O arguido caracteriza este período de vida com mágoa, colocando-se numa situação de vítima, decorrente dos comportamentos dos adultos que o deviam proteger e não o fizeram, sentindo-se negligenciado; - quanto à situação económica, na data dos factos subjacentes aos presentes autos, era precária. A mãe trabalhava, e trabalha, como …, recebendo o ordenado mínimo. Actualmente, reside num quarto arrendado com a sua companheira, de trinta e dois anos de idade, pelo qual paga € 600,00 (seiscentos euros) mensais. Já há algum tempo que, o arguido trabalha como … “...”, da ..., onde aufere cerca de € 900,00 (novecentos euros) mensais. Nos seus tempos livres trabalha numa oficina de um amigo, auferindo cerca de € 20,00 (vinte euros) a € 30,00 (trinta euros), por cada tarefa que executa. Apesar de não ter formação nesta área, reconhece-se muita competência para compor carros e motas. A sua companheira encontra-se a trabalhar num …, onde ganha o ordenado mínimo. Face à actual condição de vida do casal, conseguem satisfazer as necessidades básicas; - o arguido manifesta preocupação face à sua presente situação processual e às consequências mais gravosas que possam advir de uma condenação, designadamente em pena de prisão efectiva. Por outro lado, verbalizou não se rever na acusação e foi com inquietação que soube da acusação e a tomada de conhecimento da sua situação processual constituiu-se num abalo emocional para os seus familiares, principalmente pela mãe que, o apoia, sendo uma notícia bastante dolorosa para esta, até porque o arguido sempre foi muito regular e protector com todas as crianças da família. Não revendo o arguido nas acusações que a sua sobrinha fez e a sua companheira também o apoia, esta também, não revê o companheiro nesta acusação. - o arguido aponta, igualmente, como consequência da sua situação processual, o facto de poder ficar com o registo criminal de abuso sexual de menores e, em face do estigma da pedofilia, que sempre abominou.” * B) Factos não Provados: Inexistem quaisquer factos não provados ou por provar com relevância para a decisão de mérito, sendo o demais alegado de natureza jurídica, conclusiva e normativa.” II.3.B. Dos motivos de facto, indicação e exame crítico das provas exarados na acórdão recorrido (cfr. ref.ª 444368369 de 04-04-2025): É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância: “O Tribunal fundou a sua convicção quanto à matéria de facto provada pelo princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova que teve ao seu alcance e procurando harmonizá-los e confrontá-los criticamente, entre si, de acordo com os princípios da experiência comum, de lógica e razoabilidade, pois, nos termos do Art.º 127.º, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, inexistindo, portanto, quaisquer critérios pré-definidores do valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei dispuser diferentemente (juízos técnicos), assim, alicerçou-se a convicção do Tribunal na inteligibilidade e análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida em sede de audiência de julgamento, socorrendo-se das regras da experiência comum, da lógica e da razoabilidade, baseando-se: - nas declarações do arguido, o qual negou os factos, frisando que considera este tipo de crime repugnante e que tem raiva de quem o comete, trespassando alguma teatralidade hiperbólica quer nos gestos, quer no discurso verbalizado, num registo artificial e mecanizado, enfatizando que nunca em momento algum esteve sozinho com a BBem qualquer divisão da casa, nunca sequer lhe pegou ao colo ou lhe tocou, e aliás, nem pega em qualquer criança ao colo, porque tem medo. Na verdade, o arguido não se limita a negar a factos, mas sim adopta uma versão exagerada de “nunca” em qualquer circunstância tocar numa criança seja porque o motivo fosse, mesmo os mais inocentes ou que fossem simples gestos de cuidado e/ou protecção, o que suscita estranheza, pois, na data dos factos acima descritos, o arguido partilhava a mesma habitação com mais quatro crianças, o seu irmão mais novo (da mesma idade da menor ofendida BB, igualmente nascido em 2011) e as suas três primas, a menor ofendida BB e as suas irmãs mais novas GG e HH (nascidas, respectivamente, em 2016 e 2019), pelo que, seria perfeitamente natural que ocasiões surgissem em que estivesse sozinho com uma das crianças ou que tivesse contacto físico - despojado de qualquer ímpeto sexualizado - com uma delas, suscitando assim alguma perplexidade o posicionamento adoptado pelo arguido de “bolha asséptica”, com barreiras intransponíveis entre a sua pessoa e qualquer uma das suas primas mais novas. E quando confrontado com tal incoerência – pois decorre das regras da lógica e da experiência comum que coabitando na mesma residência com crianças pequenas ocasiões naturais e espontâneas surgem de apoio ou interajuda no cuidado com as mesmas – o arguido referiu que apenas brincava ou tinha contacto com o seu irmão, nunca com a menor ofendida BB ou as suas irmãs mais novas, sendo certo que, a menor ofendida BB é da mesma idade que o irmão mais novo do arguido, pelo que, o lógico e natural seria o de partilharem brincadeiras, especialmente, vivendo na mesma casa e durante o período de confinamento decorrente da pandemia denominada “Covid 19”, passando necessariamente mais tempo juntos e mais próximos. Sem olvidar que, o arguido, na data com dezassete/dezoito anos (nascido a ........2002), estava igualmente sujeito a medidas restritivas de convívio e de saídas, e portanto, forçosamente, tinha que estar mais tempo em casa, sendo inusitado que nunca tenha estado sozinho com a menor ofendida BB, o que até suscita a indagação lógica de porquê de tal preocupação, sendo perfeitamente verosímil que surgisse tal oportunidade, não obstante ser uma casa com três quartos (para além da sala comum), onde, naquela altura, viviam a avó do arguido (e da menor ofendida BB), a mãe do arguido, a sua tia e o companheiro desta, a irmã e o irmão do arguido e as suas três primas, sendo que o arguido põe a tónica na impossibilidade de estar sozinho com a menor ofendida BB por estar sempre alguém casa, mas, mesmo assim, não estão sempre todos ao mesmo tempo e na mesma divisão. Salientou o arguido que raramente estava em casa, pois que, ou estava na escola ou na rua a andar de bicicleta, procurando fazer crer que nem ia a casa, como se tal fosse crível, considerando que na mesma casa onde vivia a menor ofendida BB também vivia (tomava as refeições, pernoitava e descansava) a mãe e os dois irmãos mais novos do arguido, o que, novamente, se afigura uma ideação artificialmente construída, pois, o lógico e natural seria o arguido admitir que partilhava espaço e tempo comum com a sua prima, a menor ofendida BB, pois que viviam, naquela época, sob o mesmo tecto, na mesma casa. Das declarações prestadas em audiência pelo arguido resultou ainda uma visão depreciativa que o mesmo possui em relação à menor ofendida BB, apelidando-a de mentirosa, com problemas mentais e psicológicos, o que é objectivamente compatível com um sentimento de desconsideração do bem-estar da menor ofendida e de desvalorização da sua personalidade que o arguido foi revelando ao longo das suas declarações, pois, tendo o arguido o dobro da idade da menor ofendida (embora sendo também bastante jovem, nascido em 2002), sua prima, com quem vivia na mesma casa e tendo a nítida noção que a menor ofendida BB tinha algumas limitações cognitivas e de capacidade de expressão, o razoável e expectável seria o arguido, enquanto primo “direito” mais velho e com a mesma coabitante, manifestar algum sentimento de protecção, de preocupação ou mesmo de afecto, e na verdade, foi num crescendo o registo de desprezo e de indiferença para com a menor ofendida BB, procurando descredibilizar uma criança, na data com nove anos de idade e que necessitava de cuidados e apoio especiais. Ou seja, do discurso do arguido resulta uma incapacidade de discernir a natureza específica de uma criança de nove anos de idade de um comportamento malicioso, deliberado, maquiavélico e ardiloso de uma pessoa adulta, pois, o arguido não se limita a negar os factos, na verdade, o arguido considera que a menor ofendida com nove anos de idade – dado que tinha essa idade igualmente quando relatou pela primeira vez os factos acima descritos – de forma manipuladora e mentirosa foi inventar que o arguido lhe “mexeu nas mamas e no pipi”. Mais, dizendo que a mesma mentia muitas vezes, porquanto, afirmava que o primo DD (o irmão mais novo do arguido) lhe tinha batido, quando, na realidade, depois se apurava que não o tinha feito, como se fosse comparável este género de acusações tipicamente infantis entre crianças da mesma idade e num contexto de grande proximidade e convívio com o tipo de gestos imputados ao arguido, ora, dizendo que a mesma tem problemas mentais e/ou psicológicos, logo não sabe o está a dizer, nem sabe falar, nem expressar-se - mas e antagonicamente já tem capacidade de imaginação para descrever o tipo de actos que o arguido levou a cabo e descrevê-los de forma concreta e minuciosa, e por isso apenas podendo advir de empirismo vivenciado – ora, trazendo à colação a imputação de factos similares a um tio materno – como se tais realidades não pudessem ser compatíveis até porquanto temporal e espacialmente distintas – ou seja, na óptica do arguido, a menor ofendida – sendo que quando relatou pela primeira vez os factos acima descritos tinha apenas nove anos de idade – mente, inventa, acusa tudo e todos e simultaneamente tem problemas mentais, com limitações cognitivas e discursivas. Ora, é o silêncio do arguido que não pode ser objecto de qualquer valoração por parte do Tribunal, não as suas declarações, porquanto livremente o arguido opta por as prestar, e mais opta pela medida, densidade e amplitude com que as quer e decide prestar, e se atentarmos à globalidade das declarações prestadas pelo arguido as mesmas reflectem uma patente e nítida dissociação entre o conceito de uma criança e a percepção que o arguido tem do carácter malicioso, manipulador e mentiroso da uma criança de nove anos de idade, ou seja, as declarações do arguido, à luz da presente data, e apesar das alterações que levou em cabo em termos profissionais e pessoais, representam um desvio pernicioso aos valores penais vigentes no que tange à protecção e respeito que uma criança, na sua plenitude, merece. Destarte, não só as declarações prestadas pelo arguido se afiguram intrinsecamente incoerentes e pouco espontâneas, ainda que de categórica negação, como também foram manifesta e indubitavelmente contraditadas, e assim cabal e inequivocamente elidida da presunção de inocência de que beneficia, pelas declarações prestadas pela menor ofendida BB e pelos depoimentos prestados pelas testemunhas CC e EE, respectivamente, mãe e cuidadora principal da menor, esta última aquando do acolhimento da menor ofendida BB na instituição. Na verdade, pese embora a negação dos factos, a verdade é que tal factualidade resultou plena e indubitavelmente demonstrada. Ora, as declarações de negação do arguido não foram dignas de qualquer credibilidade, não só porquanto, foram categoricamente afastadas pelo conteúdo das declarações prestadas (para memória futura) pela menor ofendida BB, a qual descreveu, com propriedade, autenticidade e clareza, os factos que o arguido negou ter praticado, mas também, porque as declarações do arguido se revelaram intrinsecamente incoerentes e ilógicas, destituídas de qualquer verosimilhança e consistência factual. Com efeito, as declarações prestadas pela menor ofendida BB revelaram coerência intrínseca, inexistindo discrepâncias ou contradições que pudessem pôr em crise a consistência e credibilidade com que descreveu os factos, num registo objectivamente compatível com o vivenciar de factos e de experiências apenas susceptíveis de serem relatadas por quem, de facto, as vivenciou, visto se tratar de uma realidade, por definição, afastada das vivências e do quotidiano expectável e habitual de uma criança com esta idade (na data com nove anos de idade). Inexistem padrões de referência, inexistem contactos visuais, gráficos e auditivos com esta realidade distorcida e disfuncional que é a exposição por parte de um adulto a gestos e actos de natureza sexual, logo, uma descrição segura, precisa e congruente, atendendo ao relato natural e espontâneo, advém necessariamente do “passar por essa experiência”. Aliás, nem se compreende o que motivaria esta criança no que diz ao relato/revelação – ainda com nove anos de idade e sem qualquer convívio com o arguido, pois, já estava, juntamente com as duas irmãs, acolhida numa instituição - a efabular uma narrativa, com conteúdo unívoco e factualmente consistente, sem denotar hesitações, nem ambiguidades, num registo simples e escorreito, nada mecanizado, nem artificial. Pois, o arguido afirmou, sem qualquer demonstração cabal e lógica que estivesse subjacente a tal pretensão, que a menor ofendida mente e inventa, mas também não se compreende por qual motivo, nem com que interesse, e muitos menos o que motivaria a que a criança fosse, na sua óptica, “instrumentalizada”, pois que sempre “se deu mal” com a mãe da BB, não se alcança com que fim, nem com que interesse, nem com qual finalidade. Nem se compreende o motivaria uma mãe a “plantar” tais memórias na própria filha, causando-lhe sofrimento e angústia, sendo uma explicação totalmente descabida, fantasiosa e destituída de qualquer verosimilhança ou razoabilidade. Tanto mais que, a BB nem sequer se encontrava mais a viver nem com a mãe, nem com o arguido estando acolhida numa instituição, tanto mais que a BB manifestava vontade em voltar a viver na companhia da mãe, logo não tinha qualquer interesse em “inventar” tais actos ao primo AA, o aqui arguido, dado que, tal a manteria afastada do seu núcleo familiar. E decorre inclusivamente das regras da lógica e da experiência comum, que os menores, por força da sua inerente tenra idade, falta de maturidade e de compreensão da realidade sexual a que são expostos e sujeitos, não relatam tais eventos aos pais ou a qualquer outro adulto de confiança, especialmente, num ambiente e contexto familiar e de confiança, sendo amedrontados com ameaças contra si ou contra os seus familiares ou, por vezes, e simplesmente, ficam intimidados com o desfazer da sua autoestima e autoconfiança, dado que, lhes é dito (e frisado) que ninguém vai acreditar neles e que não passam de mentirosos, ou seja, a sua já vulnerável personalidade, por força da tenra idade, fica debilitada e diminuída. Sem descurar que, muitas vezes, nem conseguem compreender ao que estão efectivamente a ser expostas e sujeitas, só conseguindo percepcionar tais actos hediondos numa fase mais avançada do seu grau de desenvolvimento ou perante a confrontação com uma determinada realidade que serve de “gatilho” para a revelação dos factos vivenciados, como, aliás, sucedeu nos autos, com a menor ofendida BB, aquando do seu acolhimento institucional e perante a relação de afecto e confiança que construiu com a testemunha EE. E não é por o não terem contado anteriormente que esses factos não ocorreram, pois, após o espoletar do conhecimento destes factos, na instituição onde foi acolhida, sem qualquer ligação familiar à menor ofendida BB, aos seus familiares ou ao arguido, numa situação puramente fortuita e causal, a verdade é que, a menor o relatou de forma consistente, congruente e espontânea. Na verdade, as declarações de negação prestadas pelo arguido foram cabal e veementemente contrariadas pelas declarações da menor ofendida BB, prestadas para memória futura – com observância de todo o formalismo legal, cfr. fls. 203 a 205, a ........2023 - devidamente documentadas, cristalizadas nos autos, cuja franqueza, espontaneidade e consistência descritiva permitiram ao Tribunal formar a sua convicção, sem qualquer margem dúvida, que fosse razoável e objectivável, no sentido que os factos ocorreram nos moldes e nos termos dados como provados. Mais foi notório o sofrimento que a menor ainda naquela data denota quando se recorda do que vivenciou e ao que foi sujeita pelo arguido, pois, não obstante o hiato temporal decorrido e a única ocorrência, a verdade é que foi avassalador o impacto que tal realidade comportou para a BB, para o seu desenvolvimento e para o seu crescimento, por ter sido exposta e sujeita a actos sexuais de forma prematura, abusiva e manifestamente inconciliável com a sua tenra idade. Num registo simples, próprio da sua jovem idade e natural imaturidade, descreveu os gestos tidos pelo arguido, os locais do seu corpo onde o arguido lhe tocou e o que lhe fez em concreto, o que narrou de forma detalhada e factualmente congruente, apesar da sua patente vulnerabilidade, desde logo, em face da sua jovem idade e do sentimento que vivenciou ao ter que relatar os factos que, manifesta e inequivocamente, viveu, dado que, só através da vivência efectivamente experimentada se justifica que uma criança consiga descrever de forma tão pormenorizada, vívida e rigorosa os eventos acima dados como provados, como de facto a BB o fez, como resulta das declarações para memória futura que prestou e se mostram devidamente documentadas. Algumas (mas manifestamente inócuas) discrepâncias entre o declarado pela menor e as testemunhas inquiridas robustece a espontaneidade, a naturalidade e a franqueza das suas declarações, pois fácil seria o de alinhavarem uma narrativa, e não é tal que claramente resulta dos seus relatos, sendo que, essas “discrepâncias” prendem-se, não com contradições entre as declarações e os depoimentos, mas sim, com as suas próprias vivências, o que, obviamente, não mina, nem mitiga, nem sequer bule com a sua credibilidade. Como sucedeu aquando do depoimento prestado pela testemunha EE a mesma ter situado tais actos cometidos pelo arguido como ocorridos no quarto, e a menor ter declarado que foi na sala, e aliás, veja-se que o arguido fez questão de salientar a existência de “tal contradição”, numa expressão vitoriosa, como se nesse pormenor tivesse desmascarado a farsa orquestrada entre a menor e as testemunhas. Ou seja, o arguido centra a sua atenção na divisão da casa – sendo certo que se afigura perfeitamente compreensível, dado o hiato temporal entretanto decorrido, que a testemunha EE se recorde que a menor lhe disse que tal ocorreu no quarto, precisamente por ser manifesta e objectivamente o aspecto com menor relevância – mas, ignora absolutamente que a testemunha EE, sem hesitações, nem ambiguidades, nem evasivas, afirmou que a menor lhe relatou que o primo AA (o arguido) lhe tinha tocado nas “mamas e no pipi”, mexendo por dentro da roupa, o que obviamente causa o impacto para que a testemunha tenha tais factos bem presentes na sua memória e possa ter “negligenciado” em termos de perpetuação de memória a divisão da casa onde os mesmos ocorreram, sendo certo que, há claramente uma similitude espacial, no interior da casa onde a menor e o arguido viviam. Sem descurar que, as declarações do arguido se revelaram atabalhoadas e intrinsecamente inverosímeis, procurando, num registo esquivo, argumentativo e tenso, “desmontar” os factos descritos pela BB Por sua vez, do depoimento prestado pela testemunha CC, mãe da menor ofendida BB, resultou que a menor carece efectivamente de apoio especial, tendo algumas limitações cognitivas, que se reflectem na sua capacidade de expressão, mas não de entendimento, frisando ter ficado surpreendida quando teve conhecimento dos factos, embora, num juízo de retrospectiva, recorda que a sua filha, a menor ofendida BB, “já mais o fim” – sendo o fim a data em que foi acolhida na instituição, ou seja, em finais de ...de 2021, deixou de brincar com o primo AA, o aqui arguido, tendo esta testemunha reparado nessa mudança de comportamento, todavia, não associou, na altura, essa alteração de comportamento com os factos que depois veio a ter conhecimento. Precisou que, de repente, a BB deixou de brincar com o arguido, especificando que era habitual brincarem às escondidas ou a verem vídeos no telemóvel do arguido, e subitamente, passou a verbalizar que não queria brincar com o arguido, nem a estar com este, continuando, todavia, a brincar com o primo DD, o irmão mais novo do arguido, bem como, com a irmã KK, sendo certo que, esta tem apenas cerca de um ano e quatro meses de diferença de idades para com o arguido (este nascido em ........2002 e a irmã a ........2004). Esclareceu também que, quando estava, na altura, em casa, era habitual permanecer no seu quarto (que partilha com o seu companheiro), até porque a sua filha mais nova, a HH era bebé, ficando a cuidar desta, e a sua mãe, a avó materna quer da BB quer do arguido, por ter problemas de saúde, ficava pelo seu quarto, sendo que, no terceiro quarto da casa fica para a sua irmã, mãe do arguido, sendo habitual a BB ficar na sala comum. Registou igualmente que aquando do acolhimento na instituição, os desenhos representativos da família feitos pela menor ofendida BB tinham todos os primos que consigo coabitavam, à excepção do arguido, que não figurava no desenho, o que estranhou. Acresce ainda que, com espontaneidade e franqueza, admitiu que “não se dá bem” com o arguido - o que, é aliás recíproco - especificando que tal antagonismo advém do facto de o arguido não ajudar nas tarefas domésticas, ser arrogante no trato e não respeitar os limites, nomeadamente, ingerindo alimentos que não lhe eram destinados, sem respeito pelas “coisas e comida” dos demais. Foi o seu depoimento digno da maior credibilidade, atendendo ao relato autêntico e espontâneo, sem ocultar o facto de não gostar da personalidade, nem dos comportamentos do arguido, seu sobrinho, sem escamotear que as suas três filhas careceram de ser acolhidas institucionalmente, denotando algumas limitações em termos de discurso e de articulação, mas foi evidente o carinho que tem pela menor, sua filha, BB, revelando instinto protector e também a conhece bem, salientando que “acredita na sua filha”, sendo também evidente o quão difícil se torna ter que coabitar com a mãe do arguido e com este, que frequenta a casa e mantém lá a sua morada para todos os fins e efeitos, o que lhe causa desagrado. Naturalmente que o seu depoimento foi pautado por alguma emotividade, o que se afigura perfeitamente compreensível, atendendo ao sofrimento e a angústia que o relatar (e reviver) destes factos comportou para esta testemunha, mas tal não mitigou minimamente a sua credibilidade, sendo o seu depoimento merecedor de tal, atenta a franqueza, a simplicidade e a assertividade com que descreveu os factos, corroborando as declarações prestadas para a memória futura da menor, no sentido que há consistência descritiva e coerência discursiva entre as menores. Mais descreveu, num discurso simples e escorreito, o modo e a via através dos quais teve conhecimento dos factos acima descritos, o que fez de forma factualmente congruente, inexistindo qualquer contradição, ambiguidade ou discrepância factual no seu relato. É certo que perpassou alguma comoção do seu depoimento, o que se afigura manifestamente compreensível e natural, atendendo ao impacto que estes factos tiveram nas suas vivências e percepção enquanto progenitora, todavia, tal emoção em nada minou a credibilidade inerente à descrição por si efectuada. Igualmente se teve em consideração o depoimento prestado pela testemunha EE, na época, colaboradora psicossocial na instituição “...”, sendo a curadora principal da menor ofendida BB aquando do seu acolhimento institucional, no fim de ... de 2021, tendo, com espontaneidade, rigor e isenção, descrito o contexto em que a BB iniciou o relato do que o arguido lhe tinha feito, precisando, com detalhe e assertividade, o contexto em que tal veio a suceder. Com efeito, salientou que se apercebeu que a BB tinha comportamentos impróprios para a sua jovem idade, pois tinha nove anos, na altura, e que estranhou, não só pela idade que a menor tinha, como também por comparação com as outras crianças da sua idade que não manifestavam tais comportamentos. Assim, denotou esta testemunha conhecimento directo e presencial quanto aos comportamentos que a menor tinha e manifestava não consentâneos com a sua idade e com o seu grau de desenvolvimento, ficando atenta, no sentido de tentar compreender a menor, precisando que a mesma tocava de forma frequente na zona da vagina, lavando-se com maior (e desnecessária) profundidade quando tomava banho, ou quando dormia colocava objectos junto à zona vaginal, fazendo pressão, comportamentos que por serem desajustados lhe chamaram a atenção. Frisou que nunca orientou o discurso da BB e esclareceu que o relato dos factos acima descritos surgiu durante uma conversa que manteve com a menor, porquanto, por vezes, acompanhavam os menores no banho, por seu mais rápido e prático, e foi enquanto a BBtomava banho que esta espontaneamente lhe mostrou como lhe tinham tocado (na zona dos seios e da vagina) fazendo os gestos e os movimentos, e verbalizando que tinha sido por debaixo da roupa, tendo a mesma dito, sem pressão, nem qualquer orientação, que tinha sido o primo AA, o arguido. Sendo certo que, não resulta do depoimento desta testemunha que os factos ocorreram no banho, mas sim, que foi durante o banho na instituição que a BB contou o que lhe tinha acontecido e quem é que lhe tinha tocado daquela forma, e aliás, a descrição sincera, segura e rigorosa levada a cabo por esta testemunha é inteiramente sustentada pelas declarações para memória futura prestadas pela menor ofendida BB, sendo irrelevante a ligeira (e única) discrepância de a testemunha ter mencionado que os factos ocorreram no quarto da casa, ao invés de mencionar a sala. Efectivamente, se atentarmos ao depoimento prestado por esta testemunha nota-se o cuidado que a mesma teve em não dirigir, nem orientar o relato da BB, sempre com perguntas abertas e sem qualquer indicação, e depois comunicou à directora e à psicóloga da instituição, sentindo, todavia, não foi devidamente valorizado o relatado pela menor, mas sabe que foi participado. Ora, estando a BB acolhida na aludida instituição não se compreende o que motivaria a mesma a “inventar” tais factos e a imputá-los ao arguido, especialmente atendendo à descrição e aos gestos concretamente feitos objectivamente incompatíveis com a normal vivência de uma criança de nove anos de idade. Foi o seu depoimento digno da maior credibilidade, atendendo ao discurso assertivo, detalhado e franco, resultando a constatação de vinculação afectiva à menor e de conhecimento das características da personalidade e temperamento da mesma, frisando que a menor se expressava de forma inteligível, tendo melhorado bastante com a terapia e o acompanhamento que passou a ter na instituição. Igualmente se ponderou, concatenando-se criticamente com os meios de prova acima descritos, o teor de: - fls. 3 a 10, certidão extraída do processo de promoção e protecção n.º 2245/20.8..., que deu origem ao presente processo, constatando-se que a mesma se mostra datada de ........2021, ou seja, quando a BB tinha nove anos de idade; - fls. 16 a 17, consta a certidão do assento de nascimento da menor ofendida BB, demonstrando a sua idade e relação familiar com o arguido (veja-se os ascendentes comuns, a avó materna é a mesma II, bem como o é o avô materno); - fls. 18 a 19 e 22, constam as certidões dos assentos de nascimento das irmãs uterinas da ofendida menor, GG e HH, respectivas datas de nascimento e filiação; - fls. 29 a informação psicossocial elaborada pela instituição onde a menor estava acolhida, cujo teor foi inteiramente sustentado pelo depoimento isento, seguro e coerente prestado pela testemunha EE; - fls. 114 a 116, relatório de acompanhamento e de avaliação da BB elaborado pelo Gabinete de Informação e Atendimento à Vítima; - fls. 258 a, certidão do processo de promoção e protecção n.º 17363/23.2..., sendo mantida a medida de acolhimento residencial à BB, sendo mencionada a necessidade de esclarecer o relatado pela menor relativamente ao tio materno, o que em nada influi com os factos destes autos, apesar de arguido ter procurado criar a convicção que a menor ofendida tinha um perfil de mentirosa compulsiva e maliciosa, no sentido de acusar outros elementos da família de abusos sexuais; - fls. 264 a 265, consta a certidão do assento de nascimento do arguido; - fls. 266 a 269, certidões dos assentos de nascimento da mãe e dos irmãos do arguido. No que se refere ao dolo o mesmo baseia-se na matéria de facto provada e nas regras da experiência comum, e nos factos objectivos dados como provados, que atentos tais meios de prova permitem concluir que ao agir da forma descrita, actuava de forma deliberada e consciente e, do que estava plenamente ciente, bem sabendo a idade da menor e das relações familiares/de coabitação em causa, estando ciente que tais gestos libidinosos e sexuais são objectiva, manifesta e legalmente incompatíveis com a idade daquela e com o seu desenvolvimento quer físico, quer psicológico, quer emocional, bem como sabia o arguido que ao expor, nos moldes em que o fez, prejudicava a infância saudável, própria e adequada da BB, apenas centrado na satisfação dos seus impulsos libidinosos, apesar de saber perfeitamente que a menor tinha apenas nove anos de idade (até por ser da mesma idade do seu irmão mais novo, para além de coabitar na mesma casa). No que se reporta à ausência de condenações sofridas, teve-se em consideração o teor do respectivo certificado de registo criminal do arguido, documento autêntico, constante de fls. 296-A e verso dos autos e no que tange à situação económica, social, familiar e profissional do arguido, bem como o enquadramento vivencial do mesmo, teve-se em consideração o teor do relatório social de fls. 304 a 306 verso.” II.3.G. Da fundamentação jurídica exarada no acórdão recorrido relativamente à pena (cfr. ref.ª 444368369 de 04-04-2025): Por fim, é a seguinte a fundamentação da decisão recorrida no que respeita à pena: “Assente que está que o arguido praticou, em autoria material, na forma consumada, o crime acima elencado, há que proceder à dosimetria da pena que, em concreto, lhe deve ser aplicada, dado que, a natureza da pena se mostra já definida pelo legislador, visto que, o crime só é punido com pena de prisão, e assim reflectindo a gravidade e a censurabilidade deste tipo de factos criminosos. O crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo Art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal, é punível com pena de prisão de um a oito anos. Sendo tal moldura penal agravada de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima se encontrar numa relação familiar do agente e o crime for praticado com aproveitamento dessa relação (cfr. alínea b) do n.º 1 do Art.º 177.º, do Código Penal), como sucedeu nos autos. Se no mesmo comportamento concorrerem mais do que uma circunstância agravante, só é considerada para efeito de determinação da pena aplicável a que tiver o efeito agravante mais forte, sendo as demais valoradas na medida da pena, cfr. n.º 8 do Art.º 177.º, do Código Penal. Assim, no que respeita ao crime de abuso sexual, previsto e punido pelos Arts.º 171.º, n.º 1 e 177.º n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, os mesmos, em abstracto, são puníveis com pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de prisão. Para haver responsabilização jurídico-penal do arguido não basta a mera realização por este de um tipo-de-ilícito (facto humano anti-jurídico e correspondente ao tipo legal), torna-se necessário que aquela realização lhe possa ser censurada como culpa, o mesmo é dizer, que aquele comportamento preencha também um tipo-de-culpa (como se referem Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, vol. I, 2002, p. 205). De acordo com o Art.º 40.º, n.º 2 do Código Penal «A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa», sendo a culpa um dos elementos fundamentais em sede de aplicação de penas. A punição visa a protecção dos bens jurídicos e a intimidação para a prática de futuros delitos (prevenção geral positiva e negativa) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), cfr. n.º 1 do Art.º 40.º do Código Penal. Tais finalidades, de acordo com o que preceitua o Art.º 40.º, n.º 1, do citado Código, são a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo, em caso algum, a pena exceder a medida da culpa do agente, sob pena de se postergar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal que é a dignidade humana (cfr. Art.º 40.º, n.º 2, do Código Penal). Considerando que o arguido não tinha completado os 21 (vinte e um) anos de idade, aquando da prática dos factos exige-se, igualmente, a ponderação consagrada no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, pois, o arguido era maior de dezasseis anos e menor de vinte e um anos de idade, pelo que, se enquadra tal situação no Art.º 1.º, de tal diploma legal. Impondo-se assim a ponderação, em concreto, do estatuído nos Arts.º 4.º, ou 6.º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/09, o que as finalidades da punição, nas suas vertentes especial, quer positiva, quer negativa, exigem, por um lado, e por outro lado, atendendo à personalidade do jovem arguido, bem como as circunstâncias concretas dos factos resultantes como provados, e tudo ponderado, afigura-se que é de afastar a aplicação ao caso concreto do regime penal especial para jovens, não se bastando as finalidades visadas com a punição com a aplicação de medidas de correcção, especialmente, tendo em conta gravidade dos comportamentos preconizados pelo arguido, em contexto familiar e na residência comum, o que revela energia criminógena intensa, para além do discurso de desvalorização das vivências da menor ofendida, o que é denotativo de uma personalidade desconforme à Lei e ao Direito e propensa ao cometimento de crimes, circunstâncias que revelam que, a manterem-se, são potenciadoras de uma recidiva, e assim, há necessidades prementes de prevenção especial positiva e negativa que urge acautelar de forma eficaz e dissuasora. Na verdade, afigura-se que da aplicação do instituto da especial atenuação da pena (cfr. Art.º 4, do Regime Penal Especial para Jovens) não existem reais e sérias vantagens que contribuam de forma significativa para a reinserção social deste jovem arguido, sem olvidar que, se denota a necessidade de aplicação de pena adequada, tendo em vista o forçar este arguido a adoptar comportamentos consentâneos com os valores penais e ético-legais vigentes e evitar, de forma eficaz, por um lado, que voltem a delinquir e, por outro lado, promover de forma eficaz a reintegração deste arguido na comunidade jurídica e no tecido social envolventes. Efectivamente, atento os crimes, e a sua natureza, as vicissitudes e implicações, praticados pelo arguido, tal denota uma postura de desafio e de contestação às normas instituídas. Assim, considerando a personalidade do arguido e as circunstâncias dos factos, afigura-se não ser consentâneo com os fins das penas a aplicação das medidas de correcção estatuídas no Art.º 6.º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/09, nem qualquer outro instituto previsto neste diploma legal, visto que, os contornos subjacentes ao caso concreto e a gravidade inerente aos comportamentos do arguido não se compaginam com o aplicar de medidas tutelares educativas, sendo assim de afastar o regime especial para jovens. Estatui o Art.º 71.º, n.º 1 do Código Penal que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». Importa, por isso, ponderar as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir. No caso vertente, são particularmente elevadas as exigências de prevenção geral, uma vez que, este tipo de crime, pela sua ínsita violência, assume relevantes proporções, com graves consequências, no seio da comunidade, as quais provocam grande alarme social e sentimento generalizado de insegurança e medo para além de situações análogas à dos autos sucederem com grande frequência, especialmente nesta comarca, o que provoca justificado temor na comunidade, abala a confiança que esta deve ter na eficácia do sistema penal, e impõe, consequentemente, uma necessidade acrescida de dissuadir a prática destes factos pela generalidade das pessoas e de incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes. A ilicitude assume intensidade elevada, atentas as consequências dela resultantes no que respeita à lesão de bens de natureza pessoal. O dolo, atenta a reflexão necessária ao empreendimento da acção, assume intensidade significativa, por revestir a sua modalidade mais intensa, de dolo directo. Nestes termos, a operação a efectuar na determinação da pena consiste na construção de uma moldura penal de prevenção geral de integração (em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legitimas expectativas da comunidade, com vista ao restabelecimento da paz jurídica) e cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena, sem colocar em causa a sua função de tutelar bens jurídicos. Por outro lado, a culpa fornecerá o limite máximo inultrapassável das exigências de prevenção – a culpa como fundamento da pena e não como finalidade. Dir-se-á, assim, que a culpa é a ratio da pena. Dentro dos limites abstractamente definidos na lei, a medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se igualmente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele (cfr. Arts.º 71.°, n.°s 1 e 2, e 40.°, n.º 1, do Código Penal). É com base neles que ao juiz cabe “uma dupla (ou tripla) tarefa, dentro do quadro condicionante que lhe é oferecido pelo legislador. Determinar, por um lado, a moldura penal abstracta cabida aos factos dados como provados no processo. Em seguida, encontrar, dentro desta moldura penal, o quantum concreto da pena em que o arguido deve ser condenado. Ao lado destas operações – ou em seguida a elas -, escolher a espécie ou o tipo de pena a aplicar concretamente, sempre que o legislador tenha posto mais do que uma à disposição do juiz”, assim o ensina o Prof. Jorge Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, pág. 193. Sem condescender que, os factos em causa se revelam particularmente graves e são profundamente censuráveis, porquanto denotam um significativo desprezo pela dignidade da pessoa e uma ausência absoluta de respeito pela humanidade, bem como não se pode ignorar que o crime (de abuso sexual de crianças) em referência, pela extrema frequência com que vem sendo praticado e pelos traços de insuportável violência de que geralmente se reveste, constitui uma das infracções criminosas que causam maior alarme social, contribuindo, claramente, para aumentar o sentimento geral de insegurança em que vive a sociedade portuguesa dos nossos dias, o que se impõe ponderar. No respeitante à culpa do arguido, deve atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, sob pena de haver uma dupla valoração da culpa, depuserem a favor ou contra o arguido, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que o determinaram e as suas condições pessoais. Com efeito, têm de ser ponderadas, de forma equilibrada, todas as circunstâncias para a individualização da pena aplicada ao arguido. Assim, nas circunstâncias que antecederam, contemporâneas ou posteriores ao cometimento do delito e que influenciam a determinação da pena, de modo a concretizar-se o tipo e a gravidade da mesma, têm de ser ponderadas as circunstâncias, desfavoráveis e as favoráveis: As primeiras: - o grau elevado de ilicitude dos factos, atendendo ao circunstancialismo em que os mesmos ocorreram, em local de protecção para a menor, no interior da residência, o que agrava a censurabilidade da conduta do arguido, em face da absoluta indiferença pela dignidade daquela criança, da sua inerente imaturidade, vulnerabilidade e incapacidade de compreensão/explicação de tais gestos, tendo a menor, na data, nove anos de idade, o que agrava a reprovabilidade das condutas do arguido, para além de se ter aproveitado da sua proximidade afectiva e acessibilidade física, sendo primo direito do lado materno e sabendo quer da idade, quer das limitações cognitivas, o que torna a menor ainda mais vulnerável; - a existência de dolo directo (na sua forma mais intensa); - a ausência de comportamentos exteriores consentâneos com a interiorização do desvalor da conduta; - a assunção de uma postura auto complacente e de auto justificações e de indiferença ao impacto que as condutas têm na pessoa das ofendida, revelando falta de sentido crítico e de autocensura; - a postura de desvalorização das repercussões sentidas pela ofendida e de minimização dos sentimentos vivenciados por esta; - o discurso autocentrado e sem revelar pensamento consequencial, pois, o arguido revela preocupação com o impacto e as repercussões que estes seus actos comportaram para si, para a sua vida e no seu relacionamento com a mãe e os irmãos, denotando assim ter capacidade de descentração (mãe e irmãos), mas não para com a ofendida, o que acentua de forma severa as necessidades de prevenção especial. A favor do arguido depõem as seguintes circunstâncias: - a integração social e profissional, bem como a sua juventude, nascido a ........2002, sendo certo que, apesar do arguido se encontrar inserido social e profissionalmente, a verdade é que o seu discurso é revelador de ausência de capacidade de empatia para com a ofendida enquanto vítima e pessoa que vivenciou sofrimento intenso na sequência dos actos sexuais levados a cabo pelo arguido, sendo que a ofendida tinha nove anos de idade, ou seja, apesar de o arguido ter alterado a sua vida pessoal e profissional, a verdade é que o seu discurso não é coincidente com interiorização da gravidade e censurabilidade dos seus comportamentos, o que aliado ao facto de insistir em manter a sua residência no mesmo local (apesar de viver num quarto com a namorada) e manter relações familiares próximas, acentua de forma severa uma recidiva; - o facto de nada constar do seu certificado de registo criminal. Ora, a factualidade sob colação revela-se extremamente censurável, visto que a conduta do arguido denotou total desrespeito pelas normas penais vigentes, bem como o crime em causa se reveste de particularmente acentuada e veemente gravidade e é profundamente atentatório dos bens jurídicos fundamentais de índole eminentemente pessoal, devassando esses bens pessoais, revelando desprezo pela natureza humana, pelo desenvolvimento de uma criança e pelo bem-estar da mesma. A que a acresce um discurso autocentrado, desculpabilizante e de vitimização, revelando falta de sentido crítico e uma postura de indiferença para com os sentimentos vivenciados pela menor ofendida, bem como procura denegrir a sua imagem – denotativo de incapacidade de distinguir as especiais características intrinsecamente distintivas de uma criança com nove anos de idade -, o que, manifestamente, lhe é irrelevante, o que agrava acentuadamente as necessidades de prevenção especial, quer positiva, quer na sua vertente negativa. Face a tanto, conclui-se serem por demais prementes as necessidades de prevenção especial que urge acautelar de forma eficaz e adequada, mas justa. Com efeito, o arguido denota um desrespeito pelos valores jurídicos penalmente tutelados, denota um total alheamento ao facto da ofendida ser criança e indiferença às repercussões que tais actos comportam para o seu crescimento, desenvolvimento e bem-estar, o que denota, claramente, uma ausência de interiorização do desvalor da conduta e desprezo pela norma penal incriminadora dos crimes sob colação. Assim, coloca-se com bastante premência a necessidade óbvia de dissuadir aquele de cometer futuros crimes, atenta a natureza impulsiva que está na génese deste tipo de crime, o que aumenta significativamente o perigo de uma recidiva, sendo patente o seu sistemático desrespeito pelas normais vigentes. Tal denota uma personalidade desconforme ao direito bem como revela uma postura de indiferença para com a mesma, não surtindo o efeito dissuasor pretendido, sobretudo na sua vertente de prevenção especial negativa e positiva, no sentido de evitar que o arguido volte a delinquir e forçá-lo a adoptar comportamentos consentâneos com os valores penais vigentes. O arguido revela dificuldade em lidar com a crítica e a adversidade, é defensivo, desculpabilizante, e tem dificuldade em se descentrar. Assim, em face de todas as circunstâncias expostas, entende-se ser adequado, justo e consentâneo quer com as finalidades ínsitas à punição, quer com a medida da culpa e da consciência da ilicitude, aplicar ao arguido, em autoria material e na forma consumada, a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos Arts.º 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal. * Cumpre neste momento indagar, visto ter sido aplicada ao arguido uma pena de prisão em medida não superior a cinco anos, se as finalidades da punição exigem, ou não, o cumprimento de prisão efectiva. Desde logo, atendendo ao facto de a medida concreta da pena de prisão aplicada ser superior a dois anos, mostra-se legalmente inadmissível a sua substituição por multa (que sempre se revelaria inadequada para salvaguardar os fins das penas), por trabalho a favor da comunidade (que igualmente se afigura ser insuficiente para as mencionadas finalidades) ou mesmo o cumprimento em regime de permanência na habitação, pois que, considerando as necessidades de prevenção especial acutilantes que urge acautelar, tal forma de cumprimento se afigura ser insuficiente para as acautelar. Impõe-se assim, equacionar da, eventual, suspensão da execução da pena de prisão. Na verdade, estatui o Art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Ponderando os fins das penas, mormente as finalidades de prevenção especial positiva, de reintegração do arguido na sociedade, afigura-se que o caso concreto exige o cumprimento de prisão efectiva. Com efeito, da globalidade ponderada das circunstâncias que militam em benefício e em desfavor do arguido não se mostra exequível, nem justo, nem razoável, formular um juízo de prognose favorável, no sentido que ameaça de cumprimento de uma pena de prisão efectiva será adequada e suficientemente dissuasora para evitar que o arguido volte a praticar crimes e para o obrigar a adoptar comportamentos conformes à Lei e ao Direito. É certo que o arguido denota inserção social, laboral e familiar, o que, naturalmente, surge em seu abono, o que se pondera, mas, é igualmente certo que, a conduta praticada pelo arguido é manifestamente gravosa, ocorrendo precisamente em contexto familiar e o cometimento deste crime é particularmente censurável e reprovável, atentando contra bens jurídico-penais de dignidade pessoal, o que denota um desrespeito absoluto pelos valores penais vigentes, um alheamento manifesto para com os terceiros, mais frágeis e vulneráveis, pois que se trata de uma criança com apenas nove anos de idade, prima do arguido e com este residente na mesma casa, e uma indiferença para com as consequências dos seus actos, e tal conjugação de circunstâncias não permite o equacionar de um juízo de prognose favorável. Para além do arguido não denotar qualquer esforço de interiorização do desvalor da conduta, nem revela capacidade de descentração para tanto, na verdade, denota impulsividade, dificuldades ao nível do controlo dos impulsos, em avaliar as consequências das suas acções e de compreensão dos limites e dos riscos de condutas abusivas e desajustadas. Pois, o arguido reage de uma forma artificial, teatral e hiperbólica mesmo perante simples gestos de mero afecto e interajuda entre familiares que residem na mesma casa, como, por exemplo, rejeitar sequer pegar uma criança ao colo, porque tem medo, bem como revela volatilidade quando confrontado com algumas inconsistências, denotando incapacidade absoluta de descentração e de empatia, pois, não consegue sequer verbalizar qualquer pensamento de entendimento ou de compreensão para com o relatado pela menor ofendida, na data apenas com nove anos de idade, aliás, o arguido revela desvalorização total pelos sentimentos e emoções da ofendida, perpassando desprezo, dado que, podia cingir-se a negar os factos, mas opta, com arrojo e impetuosidade, por descrever a menor ofendida como uma mentirosa, manipuladora e com problemas mentais e psicológicos, sendo incapaz de estabelecer uma ligação empática para com o sofrimento vivenciado pela menor ofendida, o que acentua as necessidades de prevenção especial, atendendo, e desde logo, ao pendor compulsivo e pernicioso subjacente à resolução criminosa deste tipo de crime, sendo em concreto particularmente aviltante e censurável em face da tenra idade da menor ofendida (nova anos de idade), sendo prima direita do arguido e partilhando o mesmo espaço residencial, estando o arguido ciente quer da sua imberbe idade, quer das limitações cognitivas da menor ofendida BB, e por esse motivo também se revela mais censurável a conduta do arguido precisamente por saber que a menor tinha dificuldades em se expressar, colocando-a numa posição ainda mais vulnerável, mais desprotegida e frágil. É certo que, entretanto, decorreram já cerca de quatro anos e é igualmente certo que nada consta do certificado de registo criminal do arguido, sendo e mantendo-se primário, todavia, o passar do tempo não esbateu, nem atenuou o desvalor da conduta do arguido, nem a sua ínsita censurabilidade, intrínseca ilicitude e manifesta gravidade, e o passar do tempo não teve eco na vida da menor ofendida, pois, que se mantém bem viva e actual a memória do reviver destes factos, como se constata das declarações prestadas para memória futura, sendo notório o impacto que esta experiência comportou para o crescimento, para o desenvolvimento e para a formação da personalidade da menor ofendida. Destarte, o passar do tempo não se sente, nem se vê, nem se escuta no relato, no timbre, no semblante da menor ofendida BB, cuja dor e sofrimento vivenciados se repercutem nas pausas, no olhar, na vergonha que (injustamente) sente, afigurando-se incompreensível, à luz dos valores penais e axiológicos vigentes, que um ser humano, com a idade do arguido, exponha uma criança de nove anos (ainda para mais sua prima, com esta habitante na mesma casa, integrando no mesmo núcleo familiar e ciente das limitações cognitivas desta, logo mais vulnerável) a actos sexuais como os acima descritos. Acresce ainda que, o arguido mantém a ligação à mesma residência da menor ofendida, pois, veja-se que mantém a mesma morada indicada neste processo, para além das ligações familiares próximas que mantém com a menor ofendida, pois, a mãe do arguido é irmã da mãe da ofendida e a residência em causa é da mãe destas duas, que mantêm contactos e proximidade, urgindo salvaguardar as necessidades de prevenção especial também de índole negativa. Pois, não se pode descurar a manutenção das ligações familiares e de proximidade entre as progenitoras e a avó materna do arguido e da menor ofendida, potenciando o acesso do arguido ao mesmo ambiente e enquadramento residenciais e familiares. Vejamos, então, o que podia sustentar com justiça e razoabilidade um juízo de prognose favorável, no sentido que a ameaça de cumprimento de uma pena de prisão efectiva será suficiente e adequada para evitar que o arguido volte a delinquir (prevenção especial negativa) e obrigar o arguido a adoptar comportamentos conforme a Lei e o Direito (prevenção especial positiva), para além das necessidades de prevenção geral que atendendo ao tipo de crime se revelam particularmente intensas, até pela ocorrência significativa deste tipo de crime, quer pelas consequências devastadoras e, muitas vezes, irreparáveis, que têm para os menores ofendidos. Ora, como já salientado, afigura-se que o passar do tempo, cerca de quatro anos, não esbate a ilicitude, nem a gravidade, nem tem qualquer efeito reparador na pessoa da ofendida, pois, a sujeição da menor, com nove anos de idade, com limitações cognitivas, no interior da sua própria casa e perpetrados por familiar próximo, a este tipo de actos sexuais de relevo tem um impacto que se perpetua no tempo, como se pode atestar pelas declarações que prestou para memória futura. Bem como não atenua as necessidades de prevenção especial o facto de, desde então, não haver registo no certificado de registo criminal de qualquer condenação, pois, a gravidade e censurabilidade deste tipo de comportamentos advém precisamente da potencialidade de acesso às crianças, ao estabelecimento de relações de confiança e de proximidade com as mesmas e com os seus cuidadores e a oportunidade dessas condições, e a verdade é que, o arguido perante essa oportunidade cometeu estes factos, sujeito a sua prima menor, no interior da residência desta, a actos sexuais de relevo, com consequências gravosas e destruturantes na formação da personalidade da mesma. Não sendo também de ignorar, a subjacente compulsão para o cometimento deste tipo de crimes e o ímpeto que o mesmos exigem, bem como não se pode descurar que há um inerente retardar entre o cometimento deste tipo de crimes e o relato da sua descoberta, em face do sabido secretismo e manto de silêncio/intimidação que enformam este tipo de crimes. Quanto ao facto de ter estar a viver com a actual namorada, a verdade é que, o arguido mantém a mesma morada e mantém ligações à mesma residência, e o agregado familiar onde na data dos factos se encontrava inserido, ou seja, preexistente ao cometimento dos factos, não surtiu o efeito contentor adequado, nem essa inserção social e familiar cumpriu um efeito dissuasor necessário. A que acresce a personalidade manifestada pelo arguido aquando das suas declarações prestadas em audiência de julgamento que revelou total ausência de sentido crítico, mesmo tendo em conta o contexto de negação do cometimento dos factos, considerando a caracterização que fez da menor, da ausência de empatia para com o sofrimento da mesma, apelidando-a de mentirosa, manipuladora, frisando que até já acusou o tio de lhe ter feito o mesmo e frisando que a mesma tem problemas mentais, assumindo um nítido discurso de desprezo, de indiferença e de alheamento para com os sentimentos e as vivências relatadas pela menor, o que podia equacionar, mesmo negando a autoria dos factos. Destarte, afigura-se serem prementes as necessidades de prevenção especial a salvaguardar, tal como o são as necessidades de prevenção geral atendendo, desde logo, à intensa gravidade do crime cometido pelo arguido. Assim, dando-se primazia à prevenção especial na sua vertente positiva e negativa, entende-se ser de aplicar uma pena de prisão efectiva, visto que se afigura que sem a privação de liberdade não se irá contribuir para os fins de prevenção especial negativa, ou seja, obstar a que o arguido volte a praticar crimes, por se entender que a ameaça de cumprimento de prisão efectiva (e o cumprimento da mesma em caso de revogação, nos termos legais, da suspensão) não poderá cumprir os fins das penas, e sobretudo forçar o arguido a adoptar comportamentos conformes com a legalidade penal vigente, reintegrando-se na sociedade e dissuadindo-o da prática de novos crimes, especialmente da mesma natureza. Afigura-se que só a pena prisão efectiva poderá eficazmente dissuadir o cometimento de crimes e inculcar no arguido a interiorização da necessidade de coadunar os seus comportamentos com os valores jurídico-axiológicos vigentes. Com efeito, não existem bases factuais das quais se possa aferir um juízo de prognose favorável e legítimo, no sentido que a ameaça de privação de liberdade será suficientemente dissuasora e que esta será adequada a incutir no arguido a consciência da perigosidade ínsita às suas condutas, a fim de se abster de praticar outro tipo de crimes, o que se afigura, atendendo às circunstâncias concretas em que os crimes destes autos foram praticados, só pode ser alcançado pela efectiva privação da liberdade em contexto prisional. Na realidade, a suspensão da execução da pena de prisão é um instituto de índole pedagógica e ressocializante, podendo inclusivamente ser aplicada a arguido com antecedentes criminais, mas só quando se entender que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizará adequada e suficientemente as finalidades da punição, considerando os factos concretos e a personalidade do agente (cfr. Art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal), o que não se afigura ser o caso. A suspensão da execução da pena de prisão assenta num juízo de prognose favorável, feito à data da decisão, relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da sua execução seja adequada às finalidades da punição. Ora, no caso dos autos e tendo por base as finalidades das penas (cfr. Art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal), de protecção de bens jurídicos, não permitem a formulação desse juízo de prognose favorável, não sendo a ameaça da execução da pena suficiente, nem adequada para que o arguido se abstenha da prática de novos crimes. Pois há que averiguar se se verificam os pressupostos da suspensão da execução da pena, cujos requisitos constam do Art.º 50.º do Código Penal, no entanto, tudo ponderado, afigura-se que a suspensão da execução da pena de prisão não cumprirá de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Sendo certo que nenhum dos demais institutos jurídicos que obstam à aplicação de uma pena de prisão efectiva se revelam suficientes e adequados às finalidades da punição, desde logo, em face da medida em concreto da pena aplicada, que legalmente obsta sequer à sua aplicação, mas que sempre se revelariam inadequadas (quer a substituição por multa, quer por trabalho a favor da comunidade, quer em regime de permanência na habitação). Como já enfatizado, dispõe o Art.º 50.º, do Código Penal que “(...) o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (...). Assim, como referem Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 3ª edição, 1º vol., Rei dos Livros, pp. 637 e ss., (...) na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, uma esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. (...) Devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial (...). Pelo que, apenas a pena de prisão efectiva se revela adequada e eficaz a alcançar as finalidades da punição e a salvaguardar eficientemente os bens jurídicos que foram violados pelo arguido, afigurando-se que somente através do cumprimento de uma pena de prisão efectiva o arguido irá reflectir no desvalor das suas condutas e nas consequências que as mesmas comportam para terceiros e interiorizar a necessidade de corrigir os seus comportamentos. Pelo exposto, decide-se não suspender a execução da pena de prisão aplicada nestes autos, nem substituí-la por qualquer das formas de cumprimento em liberdade, por se entender que os fins das penas somente serão alcançados através da condenação em pena de prisão efectiva, a ser cumprida em contexto prisional. Pois, só a pena de prisão efectiva acautela de um modo idóneo as finalidades da punição, pois só desta forma se promove a interiorização do elevado desvalor da conduta do arguido, somente por esta via se inculca a dissuasão da prática de futuros crimes, bem como, apenas mediante o cumprimento efectivo da pena de prisão se assegura a premência do arguido efectuar uma reflexão profunda sobre o impacto da sua conduta na vida de terceiros e a necessidade de adoptar comportamentos consentâneos com os valores ético-jurídicos vigentes, o que só será alcançado mediante o cumprimento efectivo, em contexto prisional, da pena de prisão aplicada.” II.4. Da apreciação das questões objeto dos recursos: Cumpre agora analisar as já elencadas questões suscitadas pelos recorrentes (cfr. II.2.): II.4.A. Do erro de julgamento: A decisão da matéria de facto pode ser sindicada em sede de recurso pela designada impugnação ampla da matéria de facto a que se refere o art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do C.P.P. O erro de julgamento, não estando restringido ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Por isso mesmo é que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas (cfr. art.º 412.º, n.º 3, do C.P.P.). Sendo que, com relação às duas últimas especificações, quando as provas invocadas tenham sido gravadas, as mesmas devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (cfr. art.º 412.º, n.º 4, do C.P.P.), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (cfr. art.º 412.º, n.º 6, do C.P.P.). Sobre esta indicação que impende sobre o recorrente, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão n.º 3/2012, de 08-03-2012, fixou jurisprudência no sentido de “visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do C.P.P., a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”4. Assim, é desde logo exigida a indicação dos factos individualizados que constam da decisão recorrida e que se consideram incorretamente julgados. Por outro lado, é também exigida a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, com a explicitação da razão pela qual assim se entende. Na verdade, a utilização do verbo impor, com o sentido de “obrigar a”, não é anódina (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-05-2010, processo n.º 696/05.7TAVCD.S15). A utilização do verbo impor (cfr. art.º 412.º, n.º 3, al. b), do C.P.P.), que aponta para a obrigação de impreterivelmente se aceitar algo, e não do verbo permitir, que admite a existência de várias hipóteses, legitima a conclusão de que não basta estar demonstrada a mera possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal, o que, aliás, é comum verificar-se, sendo necessário que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo tribunal recorrido (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01-07-2025, processo n.º 114/24.1GASXL.L1-56). Deste modo, deve ser estabelecida uma relação entre o conteúdo específico de cada meio de prova ou de obtenção de prova suscetível de impor decisão diversa com o facto individualizado considerado incorretamente julgado (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16-11-2021, processo n.º 1229/17.8PAALM.L1-5). “Esta exigência corresponde, de algum modo, àquela que é exigida ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados, porque do mesmo modo que o julgador tem o dever de fundamentar as decisões, também o recorrente tem que fundamentar o recurso” (cfr. acórdão do tribunal da Relação de Coimbra, de 12-07-2023, processo n.º 982/20.6PBFIG.C17). Por fim, é exigido ainda que o recorrente refira as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na ata da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência – o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens). O recurso da matéria de facto assim formulado permite que os poderes de cognição do tribunal de recurso se estendam à matéria de facto e que, sendo o recurso, nessa parte, procedente, venha a ser modificada a decisão quanto a ela tomada na 1.ª instância (cfr. art.º 431.º, al. b), do C.P.P.). Por seu turno, o não cumprimento do ónus imposto pelo art.º 412.º, n.º 3, do C.P.P. obsta a que este tribunal de recurso possa reapreciar a matéria de facto. Cumpre esclarecer que, caso a deficiência se verificar quer na motivação (corpo) do recurso quer nas respetivas conclusões, não é sequer viável o aperfeiçoamento das conclusões do recurso interposto. Na verdade, nesse caso, trata-se de uma deficiência da estrutura da motivação, equivalente a uma falta de motivação, que coloca em crise a delimitação do âmbito do recurso. De facto, nesse caso, não se trata de uma omissão de levar as especificações constantes do texto da motivação às conclusões, o que justificaria o convite à correção (cfr. art.º 417.º, n.º 3, do C.P.P.), mas sim de uma deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, tratando-se, pois, de um vício que é insanável. Na verdade, o texto da motivação constitui o limite à correção das respetivas conclusões. Ora, nessas circunstâncias, dirigir, quanto à referida omissão, um convite de aperfeiçoamento do recurso interposto equivaleria à concessão ilegítima de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-06-2008, processo n.º 08P18848; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-02-2006, processo n.º 05P44099; acórdão do Tribunal Constitucional n.º 259/2002, de 18-06-200210; acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, de 10-03-200411). É evidente que o recorrente AA não concorda com a apreciação da prova levada a efeito pelo tribunal recorrido. Contudo, o certo é que, quer na motivação (corpo) quer nas conclusões do recurso que interpôs, não especificou quaisquer concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, tendo-se limitado a procurar substituir a valoração da prova levada a cabo pelo tribunal recorrido pela sua própria visão da mesma, sem que esta se imponha àquela. Cumpre salientar que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente” (cfr. art.º 127.º do C.P.P.). Fora dos casos em que se está em presença de limitações probatórias legalmente impostas (cfr. arts. 126.º, 129.º, 130.º, 163.º, 169.º, do C.P.P.), possibilita-se, assim, ao julgador um âmbito de liberdade na apreciação de cada uma das provas atendíveis que suportam a decisão, norteado pelo princípio da descoberta da verdade material, mas tendo que ser guiado pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação que permita objetivar a apreciação feita. Lido o acórdão recorrido mostra-se nela suficientemente objetivado e motivado o percurso adotado para a formação da convicção alcançada pelo tribunal recorrido (cfr. II.3.B.). Na verdade, no âmbito da sua decisão sobre a matéria de facto, o tribunal recorrido expôs de forma criteriosa e completa o processo de formação da sua convicção, o que se traduziu não apenas na indicação dos meios de prova utilizados, como na enunciação das razões de ciência, da lógica e da experiência, reveladas ou extraídas da conjugação das provas produzidas, permitindo que um qualquer homem médio estranho ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas, compreenda o percurso de formação da convicção do tribunal recorrido quanto à verificação ou não dos vários factos objeto do processo, mesmo que com ele não concorde. Seja como for, não tendo o recorrente AA cumprido o ónus que sobre si impendia (cfr. I.2.B.), a consequência de tal deficiência estrutural irremediável não pode, pois, deixar de ser, nessa parte, a rejeição do recurso interposto (cfr. arts. 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.). Acresce que nada impede que a rejeição seja decidida, em primeira mão, em conferência, daí não redundando qualquer dano para a defesa, uma vez que é precisamente a reclamação para a conferência (cfr. art.º 417.º, n.º 8, do C.P.P.) o direito que é conferido ao recorrente para impugnar a decisão sumária com idêntico fundamento (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-06-2023, processo n.º 121/08.1TELSB.L1.S112). Pela rejeição do recurso, porque parcial, não é devida qualquer outra importância sancionatória, uma vez que o disposto no art.º 420.º, n.º 3, do C.P.P. pressupõe que a rejeição do recurso seja total. II.4.B. Da violação do princípio do in dubio pro reo: O recorrente AA entende que foi violado o princípio do in dubio pro reo (cfr. I.2.B.), o que é afastado pelo Ministério Público (cfr. I.3.). O princípio do in dubio pro reo, manifestação do princípio da presunção de inocência (cfr. art.º 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – C.R.P.), constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida razoável sobre os factos. Na verdade, nesses casos, impõe-se decisão a favor do arguido (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03-06-2015, processo n.º 12/14.7GBSRT.C113). Contudo, a dúvida em causa não é aquela que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-12-2014, processo n.º 155/13.4PBLMG.C114). Exigindo o referido princípio que o julgador se pronuncie de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, a sua violação exige que o mesmo tenha ficado na dúvida razoável sobre factos relevantes e, nesse estado, tenha decidido contra o arguido. Mas, se assim é, a deteção da violação do referido princípio passa pela sua notoriedade, face aos termos da decisão, isto é, deve resultar inequivocamente do texto da decisão que o julgador, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao arguido, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao arguido, o considerou não provado. Ora, analisada a matéria de facto julgada provada e não provada, bem como a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, não se deteta qualquer estado de dúvida, antes dela resultando uma convicção segura, sendo que também não se vislumbra que, na concreta situação dos autos, o tribunal recorrido devesse ter tido qualquer dúvida, pelo que não havia que lançar mão do princípio in dubio pro reo. Assim, não se verifica, pois, que o acórdão recorrido haja desrespeitado o princípio do in dubio pro reo. Improcede, pois, neste segmento, o recurso interposto pelo arguido AA (cfr. I.2.B.). II.4.C. Da medida da pena: O Ministério Público pugna que a medida da pena de prisão aplicada é excessiva e desproporcional, tendo em conta que o arguido não tem antecedentes criminais, é jovem, encontra-se familiar, social e profissionalmente inserido na sociedade (cfr. I.2.A.). Também o recorrente AA entende que a medida da pena de prisão em que foi condenado é desproporcionada às circunstâncias do caso, nomeadamente a sua idade, boa inserção e ausência de qualquer outra condenação (cfr. I.2.B.). Cumpre esclarecer que o tribunal de recurso apenas deverá intervir alterando a medida das penas em casos de manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou quando os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção em face das circunstâncias do caso (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 197; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-12-2024, processo n.º 2103/22.1T9LSB.S115; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-10-2024, processo n.º 2390/18.0T9AVR.P1-S116; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-11-2023, processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S117; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-05-2022, processo n.º 1537/20.0GLSNT.L1.S118; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-04-2022, processo n.º 192/19.5JAPDL.S119). No presente caso, incorrendo o arguido numa pena de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão (cfr. arts. 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, al. b), do C.P.), tendo sido afastado o regime especial aplicável aos jovens previsto nos arts. 1.º, n.ºs 1 e 2, e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23-09, o que não vem questionado, o tribunal recorrido condenou-o numa pena de 2 anos e 4 meses de prisão. Afigura-se que se mostram observados os critérios da culpa do agente e das exigências de prevenção a que se terá que atender na tarefa de determinação da medida da pena, de acordo com a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico (cfr. art.º 71.º, n.º 1, do C.P. e ANTUNES, Maria João, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, pág. 41 e segs.), onde: - A prevenção geral de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar (cfr. art.º 40.º, n.º 1, do C.P.); - A culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (cfr. art.º 40.º, n.º 2, do C.P.); - Cabendo à prevenção especial, dentro dos referidos limites assim definidos, a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente. Na verdade, a pena de prisão concretamente encontrada não se mostra excessiva ou desproporcional em face: - Das elevadas exigências de prevenção geral ligadas a este género de criminalidade e que se fazem sentir, atentas as suas consequências nefastas, a sua inquietante frequência e ao eco e ressonância social de repulsa que provoca na comunidade, sendo suscetível de gerar forte alarme social, intranquilidade e insegurança, sendo mais vincada a necessidade de desmotivar a prática desde género de criminalidade; - Da elevada ilicitude dos factos cometidos e da gravidade do seu modo de execução. Na verdade, foram diversos os atos praticados, numa intensidade e gravidade crescente, todos em contacto direto com a pele da vítima, por baixo da roupa que esta envergava. Acresce que a vítima contava apenas com 9 anos de idade e padecia de dificuldades relativamente às competências cognitivas globais, sendo pois maior a sua vulnerabilidade. Acresce que, para além manter com o recorrente AA uma relação familiar, também com ele coabitava, tendo os factos sido cometidos na residência comum; - Da elevada culpa com que o recorrente atuou. Na verdade, o recorrente AA agiu com a modalidade mais intensa do dolo, que se mostra direto, relevando os factos cometidos uma forte resolução criminosa e persistência na resolução tomada; e - Das medianas exigências de socialização que o caso denota. O facto de não terem ficado demonstradas quaisquer circunstâncias reveladoras de um sentimento de arrependimento sincero por parte do recorrente AA impede, desde logo, a atenuação especial da pena (cfr. art.º 72.º, n.º 2, al. c), do C.P.). No entanto, dos factos cometidos transparece uma falta de sensibilidade e de empatia para com a vítima e, assim, características desvaliosas da sua personalidade que militam contra o referido recorrente. No entanto, e militando a seu favor, os factos foram cometidos quando o mesmo contava com 17/18 anos de idade, mantém boa inserção, não possuindo antecedentes criminais. Tudo ponderado, afigura-se que a medida concreta da pena de prisão fixada pelo tribunal recorrido não é manifestamente desproporcional, não impondo os critérios de determinação das penas concretas a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção em face das circunstâncias do caso acima elencados. Improcedem, pois, neste segmento, os recursos interpostos. II.4.D. Da suspensão da execução da pena de prisão: Por fim, ambos os recorrentes pugnam que a execução da pena de prisão seja suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, acompanhada por regime de prova, por entenderem que tal é adequado e suficiente para realizar as finalidades da punição, acrescentando o recorrente AA que tal suspensão deveria ser condicionada ao pagamento, durante o mencionado período, da quantia de EUR 2 000 à menor e à frequência de programa transversal de intervenção técnica com enfoque na área da sexualidade, sob a égide dos serviços de reinserção social (cfr. I.2.A. e I.2.B.). Ora, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art.º 50.º, n.º 1, do C.P.). Uma vez que, no caso, está preenchido o pressuposto formal de que a suspensão da execução de uma pena de prisão está dependente, tendo em conta a medida concreta da pena de prisão fixada, cumpre averiguar se igualmente se verifica o pressuposto material de que fica dependente a aplicação de tal pena de substituição. Na verdade, é necessário que, por reporte ao momento da decisão e não à data dos factos, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias do caso, se conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente de um crime, ou seja, que se conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, acompanhadas ou não da imposição de deveres (cfr. art.º 51.º do C.P.), regras de conduta (cfr. art.º 52.º do C.P.) e/ou regime de prova (cfr. art.º 53.º do C.P.), bastarão para o afastar da prática futura de crimes. Cumpre salientar que a formulação de tal juízo de prognose não exige uma certeza, aceitando-se um certo risco, calculado e fundado, de que a socialização possa ser lograda em liberdade (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português – as consequências jurídicas do crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 344 § 521). Atento o risco de reincidência associado aos crimes sexuais, sendo estes caracterizados por uma atitude marcadamente egoísta do perpetrador, que procura a satisfação dos desejos próprios, pela imposição da sua própria vontade ao outro e por uma insensibilidade ao sofrimento da vítima, as desvaliosas características da personalidade do recorrente AA que transparecem dos factos por ele cometidos e a relação familiar que o une à vítima são um inegável fator de risco de voltar a praticar atos semelhantes com esta ou com outra menor com quem mantenha ou venha a manter relação próxima. Contudo, o recorrente AA, que atualmente conta com 22 anos de idade, mesmo após os factos, que ocorreram há mais de 4 anos, manteve boa conduta, não lhe sendo conhecida qualquer outra condenação, está integrado profissionalmente, tendo-se autonomizado do seu agregado familiar de origem, constituído família autónoma, já não vivendo com a vítima. Desta forma, é fundada a esperança de que a socialização do recorrente AA possa ser lograda em liberdade, afigurando-se possível que a simples censura do facto e a ameaça da prisão o afastem definitivamente da prática de crimes, e deste género de criminalidade em particular, vivendo no seio da comunidade que o viu delinquir. Embora as elevadas exigências de prevenção geral associadas a este género de criminalidade demandem que o recorrente AA sinta algum sacrifício e interiorize a censurabilidade da sua conduta para que de futuro se abstenha de adotar comportamentos semelhantes, o certo é que, nas apontadas circunstâncias, a defesa irrenunciável do ordenamento jurídico ou o sentimento de reprovação social do crime, não exigem que tal seja alcançado em contexto prisional. No entanto, atento o contexto e a facilidade com que os factos foram cometidos, importa consciencializar o recorrente AA para a necessidade de assumir a responsabilidade pelos seus atos, interiorizando a necessidade de adequação comportamental nas relações pessoais, sobretudo com menores, reconhecendo o impacto de comportamentos intrusivos/abusivos no âmbito das interações, designadamente com menores, para o que se torna necessário sujeitar a suspensão da execução da pena de prisão a condições a vigorar durante um período superior à medida desta, o que se reputa essencial para tal alcançar. Ora, o período da suspensão é fixado entre 1 e 5 anos (cfr. art.º 50.º, n.º 1, do C.P.), sendo que o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, que podem ser impostos cumulativamente, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova (cfr. art.º 50.º, n.ºs 2 e 3, do C.P.). A suspensão da execução da pena de prisão pode ficar subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, sendo o elenco que a lei penal faz dos mesmos meramente exemplificativo, entre eles se contando expressamente o de pagar, dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado (cfr. art.º 51.º, n.º 1, al. a), do C.P.). Por outro lado, segundo a lei penal, podem ainda ser impostas ao condenado, pelo tempo de duração da suspensão, regras de conduta de conteúdo positivo e negativo, destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, sendo o elenco que aquela faz das mesmas também meramente exemplificativo, ai estando incluída a frequência de certos programas ou atividades cuja duração, em regra, é prolongada no tempo (cfr. art.º 52.º, n.º 1, do C.P.). Por fim, o tribunal pode até determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade, que é até obrigatório sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade ou quando o agente seja condenado pela prática de crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, do C.P., cuja vítima seja menor (cfr. arts. 53.º e 54.º do C.P.). O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social (cfr. art.º 53.º, n.º 2, do C.P.), podendo o tribunal impor os deveres e regras de conduta referidos nos arts 51.º e 52.º do C.P. e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado (cfr. art.º 54.º, n.º 3, do C.P.). Pelo exposto, tendo em conta as circunstâncias do caso, julga-se adequado suspender a execução da pena de prisão pelo período de 4 anos, ficando tal suspensão subordinada a regime de prova, assente num plano de reinserção social, a definir e a executar com vigilância e apoio pelos serviços de reinserção social, de forma a alcançar os seguintes objetivos: a) Prevenir o cometimento no futuro de factos de idêntica natureza; b) Permitir o confronto do arguido com as suas ações e tomada de consciência das suas condicionantes e consequências; c) Objetivar a diminuição da reincidência; d) Procurar o confronto do arguido com os problemas de que padeça, procurando alcançar formas de os eliminar/minorar; e) Alcançar o conhecimento de alternativas de comportamentos mais integrados e a tomada de consciência das vantagens de adoção de tais comportamentos, ficando desde já condicionada: a. À obrigação de frequentar programa para agressores de violência sexual; b. Proibição de contacto, por qualquer forma, com a vítima BB; c. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; d. Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos dos seus meios de subsistência, se tal for determinado; e. Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a 8 dias e sobre a data do previsível regresso; e f. Proceder à entrega a BB, através de transferência bancária para IBAN/NIB que venha a ser fornecido, após notificação para o efeito, pelo seu legal representante, do montante de EUR 2 000, que foi arbitrada àquela a título de reparação pelos prejuízos que lhe foram causados, no prazo de 1 ano a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, devendo, sem qualquer notificação para o efeito, juntar aos autos principais documento comprovativo de tal entrega. Não se desconhece que os deveres impostos como condição da suspensão da execução da pena de prisão não poderão representar para o condenado uma obrigação cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir (cfr. art.º 51.º, n.º 2, do C.P.), prevendo-se ainda a modificação dos deveres por ocorrência de circunstâncias relevantes supervenientes (cfr. art.º 51.º, n.º 3, do C.P.). O Tribunal Constitucional sempre se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante do art.º 51.º, n.º 1, al. a), do C.P., na parte em que permite condicionar a suspensão da pena de prisão à efetiva reparação dos danos causados (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 596/99, de 02-11-199920; acórdão do Tribunal Constitucional n.º 440/87, de 04-11-198721). Ora, atento o que se conhece do modo de vida do recorrente AA, bem como a sua situação económica e financeira e os seus encargos pessoais, afigura-se que as ditas condições são, nos seus exatos contornos, razoáveis e com franca possibilidade de cumprimento pelo mesmo, sendo que uma suavização das mesmas seria desacreditar a própria suspensão da execução da pena de prisão e criar no espírito daquele e na comunidade em geral, um mau sentimento de impunidade. Procedem, pois, neste segmento, os recursos interpostos. II.5. Das custas: O Ministério Público está isento de custas (cfr. art.º 522.º, n.º 1, do C.P.P.). Por sua vez, no que concerne ao arguido, só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso (cfr. art.º 513.º, n.º 1, do C.P.P.), sendo aquele condenado em uma só taxa de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo (cfr. art.º 513.º, n.º 2, do C.P.P.), devendo a condenação em taxa de justiça ser sempre individual e o respetivo quantitativo ser fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.) (cfr. art.º 513.º, n.º 3, do C.P.P.). Ora, na área do processo penal, tendo em conta o seu primacial interesse público, que escapa à vontade privada, bem como o estatuto do arguido enquanto sujeito processual e as garantias de defesa que lhe são reconhecidas, nomeadamente o direito ao recurso (cfr. art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P.), o legislador entendeu que o arguido só poderia ser responsabilizado pelo pagamento das custas, em sede de recurso, caso decaísse totalmente. Ora, assim sendo, como não houve decaimento total, não há lugar a condenação em custas. III. Decisão: Julgam-se parcialmente procedentes os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido AA e, em consequência: Revoga-se o acórdão recorrido na parte em que determinou o cumprimento efetivo da pena de prisão aplicada e suspende-se a sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, ficando tal suspensão subordinada a regime de prova, assente num plano de reinserção social, a definir e a executar com vigilância e apoio pelos serviços de reinserção social, de forma a alcançar os seguintes objetivos: a) Prevenir o cometimento no futuro de factos de idêntica natureza; b) Permitir o confronto do arguido com as suas ações e tomada de consciência das suas condicionantes e consequências; c) Objetivar a diminuição da reincidência; d) Procurar o confronto do arguido com os problemas de que padeça, procurando alcançar formas de os eliminar/minorar; e) Alcançar o conhecimento de alternativas de comportamentos mais integrados e a tomada de consciência das vantagens de adoção de tais comportamentos, ficando desde já condicionada: g. À obrigação de frequentar programa para agressores de violência sexual; h.Proibição de contacto, por qualquer forma, com a vítima BB; i. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; j. Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos dos seus meios de subsistência, se tal for determinado; k. Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a 8 (oito) dias e sobre a data do previsível regresso; e l. Proceder à entrega a BB, através de transferência bancária para IBAN/NIB que venha a ser fornecido, após notificação para o efeito, pelo seu legal representante, do montante de EUR 2 000 (dois mil euros), que foi arbitrada àquela a título de reparação pelos prejuízos que lhe foram causados, no prazo de 1 (um) ano a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, devendo, sem qualquer notificação para o efeito, juntar aos autos principais documento comprovativo de tal entrega (cfr. II.4.D.); mantendo-se, no mais, o acórdão recorrido. Sem custas. Após trânsito em julgado do presente acórdão, em 1.ª instância, deverá ser notificado o legal representante de BB, a fim de o mesmo indicar o NIB/IBAN para onde pretende ver ser transferida a quantia devida a esta que, uma vez facultado, deverá ser fornecido ao arguido AA e, face à proibição de contactos imposta, ser tal regra de conduta comunicada aos órgãos de polícia criminal competentes da área de residência do arguido AA e da vítima BB. Lisboa, 07-10-2025 Pedro José Esteves de Brito Ester Pacheco dos Santos Paulo Barreto ______________________________________________________ 1. https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/021-037-Recurso-mat%C3%A9ria-de-facto.pdf 2. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/458ff4110b557ba080258ac5002d2825?OpenDocument 3. https://files.dre.pt/1s/1995/12/298a00/82118213.pdf 4. https://files.diariodarepublica.pt/1s/2012/04/07700/0206802099.pdf 5. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9ef00b0801a870188025773c004a035a?OpenDocument 6. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/e199bed9a8ea1bd280258cc300469742?OpenDocument 7. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/a9590b9e5e74c3c7802589fd0039aad7?OpenDocument 8. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a64f4961e6c64dd880257460002d2ac5?OpenDocument 9. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0ae30252aba119ee8025710f00448a14?OpenDocument 10. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020259.html 11. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040140.html 12. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c7e5ce62886e3e83802589c900398b8a?OpenDocument 13. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e5eed034eb473c2380257db3004dbb26?OpenDocument https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f97055e17739201d80257e62003405ff?OpenDocument 14. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e5eed034eb473c2380257db3004dbb26?OpenDocument 15. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4f8f78e27d6cebf180258bea00384a26?OpenDocument 16. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8d23bfe6933133c680258bcb0050fff2?OpenDocument 17. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cd6d98b804277dc080258a6200375c3b?OpenDocument 18. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/deea6d084a733dfa802588470031b727?OpenDocument 19. http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a04a546a8b81bb3b8025881d00304eca?OpenDocument 20. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19990596.html?utm_source=chatgpt.com 21. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19870440.html |