Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2028/19.8T8CSC-A.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
CAUSA DE PEDIR
CUMULAÇÃO
ARTICULADO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1- Nada obsta à modificação unilateral do pedido ou da causa de pedir, com fundamento em factos supervenientes nos termos do art.º 588º do CPC, mesmo que não estejam preenchidos os requisitos enunciados no art.º 265º nºs 1 e 2 do CPC.

2- Assim, os autores podem, mediante articulado superveniente, em acção de despejo pendente baseada em resolução do contrato, cumular uma nova causa de pedir, baseada na comunicação da oposição à renovação do contrato e, ampliar o pedido por rendas devidas desde a data em que consideram cessado esse contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.

1-VBR e outros, melhor identificados nos autos, instauraram acção declarativa, com processo comum, contra BGF e outra, melhor identificada nos autos, pedindo:
a) Ser decretada a resolução do contrato de arrendamento, nos termos do art.º 1083.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), c) e e), e n.º 4 e 6 do Cód. Civil, por motivo de práticas reiteradas e continuadas de incumprimento contratual por parte do Réu, que se têm vindo a verificar e que à presente data se mantêm, violadoras do disposto no artigo 1038.º, nas suas alíneas a), c), f) e g) do Código Civil, com a subsequente entrega aos Autores do locado livre de pessoas e bens;
b) Serem os Réus condenados a pagar aos Autores a diferença de valores de renda em falta, correspondente à diferença entre os valores pagos pelos Réus a título de rendas desde junho do ano de 2013, até ao presente, e os valores realmente devidos, calculados de acordo com o aditamento ao contrato, no valor global de 16.916,29€;
c) Serem os Réus condenados a pagar a indemnização correspondente ao valor da renda em dobro, contados desde a data da sentença e até à efetiva entrega do locado, sendo os valores a apurar em execução de sentença.
d) Sejam os Réus condenados a pagar uma sanção pecuniária compulsória.
Alegaram em síntese, que em 01.09.2007 os autores na qualidade de titulares da herança indivisa celebraram um contrato que visava substituir um outro contrato de arrendamento celebrado com a sociedade B, Comércio de Telemóveis, Lda em 01.10.2000, por intermédio do qual deram de locação ao réu BGF, a loja sita na Rua…, pelo prazo de cinco anos, pela renda mensal de €597,79 euros, passando a ser de €616,32 euros a partir de Outubro de 2000, sendo a Ré MSG fiadora.
Mais alegaram que em 30.03.2009 celebraram um aditamento para redução da renda que à data com as atualizações era de €631,73 euros, passando a renda a ser de €500,00 euros mensais, desde fevereiro de 2009 a janeiro de 2010, retomando a renda ao seu valor anterior após esta data.
Alegaram ainda que decorrido esse período de tempo, o Réu não voltou a proceder ao pagamento de renda conforme o montante acordado, pagando apenas €400,00 euros, quando deveria pagar €631,73 euros para o que foi interpelado pelos Autores, acumulando diferenças que no período de 2013 a 2019 perfazem o valor de €16.916,29 euros.
Alegaram também que no ano de 2018 e 2019 o Réu pagou as rendas de forma atempada, na data do seu vencimento, não pagando o acréscimo de 20% para fazer cessar a mora. Mais alegaram que o Réu em data não concretamente determinada cedeu o locado de forma não autorizada a terceiros, sendo no mesmo explorado um minimercado, tendo ainda sido edificada sem autorização dos Autores uma área de natureza desconhecida no piso superior do locado, a qual se encontra a ser subarrendada sem autorização dos senhorios, o que constitui fundamento de despejo, motivo pelo qual peticionam a resolução do contrato de arrendamento, com a subsequente entrega do locado e a condenação solidária dos Réus, a pagar os valores de diferença de renda em dívida e os valores de renda que se venceram até efectiva entrega do locado, acrescidos da indemnização a que houver lugar e ainda que seja fixada uma sanção pecuniária compulsória.

2- Citado, o réu BGF, apresentou contestação, impugnando os fundamentos de facto e de direito alegados pelos autores, que em seu entender, justificam a improcedência da ação, alegando que o valor de €400,00 em pagamento corresponde a uma renda acordada, o que foi comunicado à cabeça-de-casal da herança, e que a cedência de exploração do estabelecimento comercial foi solicitada à proprietária e autorizada por esta, o mesmo sucedendo com as obras, que consistiram na adaptação da garagem para uma loja, com atribuição de licença de utilização. Conclui pela improcedência da acção.

3- Citada a ré MSG (fiadora), contestou impugnando os fundamentos de facto e de direito alegados pelos autores, que em seu entender, justificam a improcedência da ação e a absolvição da ré do pedido, alegando que o valor de €400,00 em pagamento corresponde a uma renda acordada, o que foi comunicado à cabeça-de-casal da herança, que nada disse em contrário, motivo pelo qual peticiona a sua absolvição do pedido.

4- Em 23/01/2020, teve lugar a audiência prévia.

5- Na 1ª sessão da audiência final, os autores apresentaram articulado superveniente, no qual, em síntese, invocam que após a audiência prévia notificaram os réus da oposição à renovação do contrato de arrendamento para efeitos dos art.ºs 1110º nº 1 e 1097º nº 1, al. b) do CC.
Não obstante, o réu BGF não desocupou o locado, quando o devia ter devolvido a 31/07/2021; permanecendo no locado, deveria pagar o equivalente à renda nos termos do art.º 1045º nº 1 do CC; há que contabilizar o valor das rendas vencidas e não pagas desse Agosto de 2021, bem como o valor indemnizatório referido no art.º 1045º nº 2 do CC.
Terminam pedindo:
- Seja decretado o despejo imediato por efeito da cessação do contrato por oposição à renovação, a partir de 31/07/2021;
- Seja decretada a entrega imediata do locado livre de pessoas e bens;
- Sejam contabilizadas todas as rendas vencidas e vincendas até à entrega do locado bem como o valor indemnizatório do art.º 1045º nº 2, considerando para efeito do cálculo o valor de 400€ ou outro que se vier a apurar;
- Sejam solidariamente imputados juros remuneratórios aos réus desde 31/07/2021.

6- Por despacho de 19/04/2022 foi decidido indeferir liminarmente o articulado superveniente.

7- Inconformados, os autores interpuseram o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I- Foi proposta ação de despejo, com a apresentação de um articulado superveniente, Refª 136730610.
II- Na ação, que é de despejo, está subjacente um contrato de arrendamento validamente celebrado e com prazo certo.
III- Os Réus foram notificados, em 07/04/20220, data posterior à propositura da acção principal da oposição à renovação do contrato de arrendamento e que deveriam entregar o locado livre de pessoas e bens;
IV- Os réus ainda permanecem no locado.
V- A entrega do locado é uma obrigação que juridicamente decorre do contrato de arrendamento e da Lei.
VI- Não está em causa uma acção de reivindicação, não estão em causa os pressupostos deste regime, nomeadamente, o reconhecimento da propriedade, não haver título, não haver justificação para a ocupação do locado e não haver esbulho.
VII- O nº 6 do art.º 265º CPC prevê a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique conflito na relação controvertida.
VIII- O objecto e a causa de pedir são os mesmos na ação principal e no articulado superveniente, não existindo incompatibilidade na cumulação dos pedidos, não existindo objecto diverso dos demais pedidos, não existindo pedido diverso dos demais pedidos, pois o que se pede é o despejo com fundamentos em factos supervenientes à propositura da ação de despejo, sustentada na oposição à renovação do contrato de arrendamento.
IX- Deverá observar-se o princípio da cooperação e intervenção no processo. Deve o Tribunal e as partes cooperarem entre si concorrendo para se obter com brevidade e eficácia a justa composição do litígio.
X- Disposições legais violadas:
Artigo 3º nºs 3 e 4 CPC – Princípio do contraditório;
Artigo 6º do CPC – Dever de Gestão processual;
Artigo 7º CPC – Princípio da cooperação;
Artigo 265º nº 2 – Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo;
Artigo 547º do CPC – Adequação formal.
X- Nos termos e ao abrigo do nº 1 do art.º 646 CPC, indicam-se as peças processuais…
(…)
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser julgado procedente por provado o presente RECURSO e, em consequência, ser proferida decisão que, a contrário do despacho com refª 136790973 (que deverá ser revogado no que a esta matéria tange), admita o articulado superveniente refª Citius 136730610), prosseguindo o processo nos precisos termos peticionados pelos AA, aqui apelantes.

8- Não foram apresentadas contra-alegações.
***
II-FUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (art.ºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações, caso as haja, em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
- Saber se há fundamento para revogar o despacho que rejeitou liminarmente o articulado superveniente apresentado pelos autores.
***
2- Matéria de Facto.
Relevam as circunstâncias de facto referidas no Relatório que antecede.
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3- A Questão Enunciada: Saber se há fundamento para revogar o despacho que rejeitou liminarmente o articulado superveniente apresentado pelos autores.
3.1- O fundamento do recurso.
Os autores apresentaram articulado superveniente, na audiência final, invocando que após a audiência prévia comunicaram aos réus a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento e solicitaram a devolução do locado a 31/07/2021; o réu inquilino permanece no locado; concluem pedindo o despejo do locado com base na cessação do contrato por via da oposição à renovação e na condenação dos réus a pagarem o valor de rendas desde 01/08/2022, nos termos do art.º 1045º nº 2 do CC.

3.2- A Fundamentação da 1ª instância.
A 1ª instância decidiu rejeitar liminarmente o articulado superveniente, fundamentando:
Despacho liminar:
Os Autores apresentaram articulado superveniente, alegando em suma que após a propositura da presente ação de despejo, notificaram judicialmente os Réus em 07.04.2020 de que se opunham à renovação do contrato de arrendamento, considerando o contrato caducado a partir de 31.07.2021, mais devendo os Réus proceder à sua entrega a partir dessa data.
Mais alegaram que os Réus não entregaram o locado, e mantêm-se ilicitamente no uso do mesmo, sem ter pago qualquer indemnização pelo tempo correspondente à ocupação, mais requerendo que sejam condenados no pagamento de valor a apurar em execução de sentença.
Procurando apreciar o articulado apresentado pelos Autores, cumpre em primeiro lugar salientar que os factos nele descritos são objetivamente e subjetivamente supervenientes, pelo que se mostra preenchido o requisito temporal da superveniência (art.º 588.º, n.º 2 CPC).
Porém, os factos alegados, não constituem factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito de resolução contratual invocado na presente ação, o qual consiste numa ação de despejo por motivo de incumprimento contratual, nos termos do art.º 1038.º, alínea a), c), f) e g) do Cód.Civil (art.º 588.º, n.º 1 do CPC).
Na verdade, os factos alegados são factos constitutivos da caducidade do contrato de arrendamento, e poderiam fundamentar uma eventual ação de reivindicação, a qual não se confunde com a presente ação de despejo.
Logo, a admissão dos factos alegados, constituiria uma alteração da causa de pedir e do pedido, fora das condições legais do art.º 265.º, n.º 1 do CPC, aditando uma segunda causa de pedir e um segundo pedido, caso os pedidos principais improcedessem, o que não é admissível.
Deste modo, não se mostra, infelizmente, possível admitir o presente articulado superveniente.
Pelo supra exposto, e por os factos não interessarem à boa decisão da causa e constituírem uma alteração do pedido e da causa de pedir, nos termos do art.º 588.º, n.º 4 do CPC, rejeito liminarmente o presente articulado superveniente.
Custas pelos Autores.
Ou seja, a argumentação da 1ª instância baseia-se em que os factos novos alegados – a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento – “…não constituem factos constitutivos do direito de resolução do contrato invocado na acção de despejo…” e, por isso constituem “…uma alteração da causa de pedir e do pedido fora das condições legais do art.º 265º nº 1 do CPC, aditando uma segunda causa de pedir e um segundo pedido, caso os pedidos principais improcedessem, o que não é admissível.”
Será assim?
3.3- A Análise da Questão.
Para responder à questão, importa analisar as seguintes problemáticas:
a)- Se podem ser cumuladas na mesma acção de despejo diferentes causas de pedir de cessação do contrato de arrendamento;
b)- A alteração do pedido e da causa de pedir.
c)- A modificação do objecto do processo com base em factos supervenientes.

Vejamos cada uma delas.

3.3.1- Se podem ser cumuladas, na mesma acção de despejo, diferentes causas de pedir de cessação do contrato de arrendamento.
Ora bem, do art.º 1086º nº 1 do CC, precisamente com epígrafe “Cumulações”, decorre “A resolução é cumulável com a denúncia ou com a oposição à renovação, podendo prosseguir a discussão a ela atinente mesmo despois da cessação do contrato, com a finalidade de apurar as consequências que ao caso caibam.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (Tópicos sobre a acção de despejo, Temas de Direito de Arrendamento, AAVV, Cadernos O Direito, nº 7, 2013, pág. 111 e segs., concretamente pág. 119 e seg.) “O que realmente se estabelece naquele preceito é um concurso de causas de pedir, dado que a cessação do contrato de arrendamento pode fundamentar-se quer na resolução, quer na denúncia, quer ainda na oposição à renovação. A particularidade deste regime é que nem a denúncia, nem a oposição à renovação justificariam, por si sós, o recurso à ação de despejo, por falta de interesse processual do senhorio para a propor. No entanto, devendo ser proposta uma acção de despejo destinada a provocar a resolução do contrato de arrendamento, nada justifica que o seu objecto não possa abranger outras causas de cessação desse mesmo contrato.” (…) “…nada pode impedir que o autor de uma acção cumule um pedido relativo à desocupação do imóvel locado com fundamento na caducidade do contrato de arrendamento com um pedido de cessação desse contrato com fundamento numa das causas da sua resolução (…) Uma ação na qual sejam cumulados estes pedidos não é apenas uma acção de despejo, mas é também uma acção de despejo, pelo que se lhe aplica o regime que consta dos nºs 2 a 5 do art.º 14º do NRAU.” (…) “Se o autor pretende invocar a extinção do contrato de arrendamento por denúncia, oposição à renovação ou resolução, todos estes pedidos são compatíveis entre si, pelo que o autor pode apresenta-los como alternativos…” (…) “Se o autor alegar, na acção de despejo, várias causas de cessação do contrato de arrendamento, o tribunal não tem de apreciar todas, se a ação houver de proceder por aquela que fundamenta o pedido principal ou por qualquer dos vários fundamentos alternativos: se o pedido principal ou qualquer dos pedidos alternativos for procedente, não há que apreciar os pedidos subsidiários ou os demais pedidos alternativos. No entanto, a ação não pode ser julgada improcedente sem que o tribunal aprecie todas as causas de pedir concorrentes e todos os pedidos a elas respeitantes.”
Pois bem, daquele art.º 1086º nº 1 do CC e deste ensinamento resulta que, contrariamente ao que entendeu a 1ª instância, a circunstância de a comunicação da oposição à renovação do contrato não constituir fundamento, rectius, causa para a resolução do contrato – trata-se, antes, de um outro modo de cessação do contrato de arrendamento - não impede que seja cumulada esta causa de pedir baseada na oposição à renovação com a causa de pedir baseada na resolução do contrato

3.3.2- A Alteração do pedido e da causa de pedir: regime geral.
Estabelece o art.º 265º do CPC, com epígrafe “Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo”:
1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.
4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.
5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.
6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.”
O preceito estabelece o regime-regra da modificação do objecto do processo na situação em que não há acordo das partes para essa alteração.
Em termos simples, a alteração do objecto do processo pode consistir na ampliação ou na redução.
A ampliação do objecto do processo pode ocorrer em duas situações distintas, a sequencial e a cumulativa.
A cumulação sequencial verifica-se dentro do mesmo objecto: o autor pediu 100 e passa a pedir 150. A cumulação cumulativa verifica-se quando ao objecto inicial se cumula um novo objecto; por exemplo, inicialmente o autor deduziu reivindicação de imóvel, posteriormente cumula pedido de indemnização pela ocupação do imóvel.
A alteração do pedido verifica-se quando o pedido passa a ser outro, por exemplo, o autor pediu inicialmente anulação do contrato de compra e venda de bem onerado e pede depois redução do preço
A alteração da causa de pedir ocorre quando a causa de pedir passa a ser outra.
Na ampliação o pedido passa a ter outra dimensão seja quantitativa seja qualitativa.
A ampliação da causa de pedir só pode ser cumulativa e só se verifica quando é acrescentada uma nova causa de pedir.
De acordo com o nº 1 do art.º 265º do CPC, a causa de pedir pode ser alterada ou ampliada na sequência de uma confissão feita pelo réu e aceita pelo autor.
O pedido pode ser ampliado como desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo. A ampliação pode ser quantitativa ou qualitativa.
A ampliação cumulativa é válida quando o pedido é desenvolvimento do pedido inicial. A ampliação cumulativa também é válida quando é uma consequência do pedido inicial.
Finalmente, a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir está submetida a um critério de conexão: a modificação é admitida se o novo objecto for conexo com o anterior. (para outros desenvolvimentos, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, CPC online, Livro II, blog do ippc, págs. 6 e segs, que aqui seguimos de perto).
Todas estas regras, se aplicam ao regime-regra de alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo.
Porém, a alteração do objecto do processo com base em factos supervenientes segue o regime especial previsto nos art.ºs 588º e segs. do CPC, que se mostra menos exigente, como veremos.

3.3.3- A modificação do objecto do processo com base em factos supervenientes.

O art.º 588º nº 1 do CPC estabelece:
1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.”
Do preceito decorre que depois do último articulado e mesmo fora da fase normal dos articulados, é admissível a apresentação de articulados supervenientes, que se destinam, em termos simples, à invocação de factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos que sejam supervenientes.
De acordo com a doutrina processualista mais autorizada, os articulados supervenientes destinam-se ainda “À modificação unilateral do pedido ou da causa de pedir, com fundamento em factos supervenientes, mesmo que não estejam preenchidos os requisitos enunciados no art.º 265º nºs 1 e 2 do CPC.” (Cf. João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de processo Civil, Vol. II, AAFDL, 2022, pág. 76, sublinhado nosso).
Relativamente ao autor, os factos constitutivos cuja alegação superveniente aqui se prevê tanto podem destinar-se a completar a causa de pedir inicial, como podem implicar uma efectiva alteração ou modificação da causa de pedir, o que significa que a superveniência é critério bastante para afastar as restrições fixadas no art.º 265º.” (Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 696, anotação 6).
No mesmo sentido Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC anotado, vol. 2, 3ª edição, pág. 616) “O princípio da economia processual, a consideração de que, reduzida a sua previsão, quanto ao autor, aos factos que completem a causa de pedir já invocada, o alcance da norma seria quase nulo e até a inexistência, no artigo anotado, dum preceito como o do art.º 590º nº 6, levam a perfilhar a solução da não limitação pelo disposto nos art.ºs 264º e 265º.
Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, vol. I) “Tem-se discutido se a dedução de actos constitutivos que sejam supervenientes, ao abrigo do art.º 588º nº 1, podem suportar a alteração da causa de pedir. A resposta deve ser positiva, em abono da economia processual e da verdade material (…) Por exemplo, se pendente acção de despejo por falta de pagamento de rendas sobrevém abandono do locado deve o senhorio ser admitido, a ampliar (por cumulação) a causa de pedir. A posição oposta implica entender que em sede do art.º 588º apenas podem ser trazidos factos supervenientes dentro da mesma causa de pedir, isto é, que a densifiquem. A ser assim, obrigar-se-ia o autor a colocar uma nova acção com causa de pedir diversa para a mesma pretensão: por exemplo, sobrevindo novo fundamento de despejo, o senhorio teria de colocar outra acção, ao lado da já pendente.
Na jurisprudência, veja-se o ac. do STJ, de 13/05/1999 (Ferreira de Almeida):
II - Nas acções de despejo, a causa de pedir é complexa, sendo constituída não só pelo contrato de arrendamento (título jurídico) como também pelo facto que, em face da lei, constitui fundamento da cessação do arrendamento.
III - Pedida (além de indemnização) a resolução do contrato de arrendamento e o consequente despejo com fundamento no uso do locado para a prática da prostituição e na realização de alterações não autorizadas na estrutura interna do prédio, é legal a simultânea ampliação ou modificação da causa de pedir (perda total da coisa locada entretanto ocorrida) e do pedido (declaração da caducidade, ou, subsidiariamente, resolução do novo arrendamento decorrente de trespasse).”
Portanto e em suma: nada obsta à modificação unilateral do pedido ou da causa de pedir, com fundamento em factos supervenientes, mesmo que não estejam preenchidos os requisitos enunciados no art.º 265º nºs 1 e 2 do CPC.

Em face desta conclusão, resta concluir que os autores podiam, mediante o articulado superveniente, em acção de despejo pendente baseada em resolução do contrato, cumular uma nova causa de pedir, baseada na comunicação da oposição à renovação do contrato e, ampliar o pedido por rendas devidas desde a data em que consideram cessado o contrato.
Não havia, assim, motivo para rejeitar liminarmente o articulado superveniente.  
Se a nova pretensão cumulada, assim deduzida, pode ou não proceder é questão que tem a ver com o mérito da pretensão que será oportunamente apreciada.

Conclusão: o recurso procede e, por consequência, resta revogar o despacho em causa e determinar que seja dado cumprimento ao disposto no art.º 588º nº 4, 2ª parte do CPC, notificando-se a parte contrária para responder em 10 dias.
Como é evidente, esta decisão tem consequência na realização da audiência final e na sentença entretanto proferida. Ou seja, a sentença não pode subsistir e, a audiência final incidirá sobre a factualidade superveniente alegada, não se justificando se repita o julgamento quanto aos restantes factos já instruídos.
***
III-DECISÃO.

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam o despacho em causa e determinam seja dado cumprimento ao disposto no nº 4, 2ª parte, do CPC, notificando-se a parte contrária para responder em 10 dias.
A sentença entretanto proferida não pode subsistir e, a audiência final terá de realizar-se e incidirá sobre a factualidade superveniente alegada, não se justificando se repita o julgamento quanto aos restantes factos já instruídos.

Custas no recurso: sem custas, visto que as custas relativas à taxa de justiça se mostram previamente satisfeitas, não há lugar a encargos nem a custas de parte dado a não intervenção dos réus no recurso.

Lisboa, 24/11/2022
Adeodato Brotas
Vera Antunes
Jorge Almeida Esteves