Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3893/2007-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: INTERVENÇÃO PROVOCADA
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: Não tendo a parte que deduziu incidente de intervenção principal provocada, em articulado da causa, junto ao processo documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial correspondente, deverá ser notificada para em dez dias efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC

(M.J.M)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - C M A N L intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra a «Companhia de Seguros ».
Tendo sido proferido despacho que declarou não escrita a matéria de dedução de incidente de intervenção principal em que era requerente a ora R., atenta a falta de pagamento do preparo inicial do incidente, agravou esta do referido despacho, concluindo pela seguinte forma a respectiva alegação de recurso:
- O douto despacho violou o estabelecido no art. 486 A do CPC pelo que deve ser alterado por outro em que seja a R. notificada para efectuar o pagamento do preparo omitido com acréscimo de multa de igual montante.
Não foram deduzidas contra alegações.
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II - Tendo em conta que nos termos dos arts. 684, nº 3, 690, nº 1, e 660, nº 2, todos do CPC o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, a única questão que se coloca no presente agravo é a de se, ao invés de ter sido declarada não escrita a matéria de dedução do incidente de intervenção principal deveria a R. ter sido notificada para efectuar o pagamento da taxa de justiça inicial relativa àquele incidente, acrescida da multa respectiva.
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III - Com interesse para a decisão resultam dos autos as seguintes circunstâncias de facto:
1 – O A. propôs a presente acção contra a aqui R. alegando a existência de um contrato de seguro que com ela celebrara abrangendo os danos próprios de uma viatura automóvel e pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 39.350,92, bem como juros desde a citação.
2 – A R. contestou e, em simultâneo, requereu a intervenção principal nos autos, na posição de RR., de «A V P» e de J C E G.
3 – Procedeu a R. ao pagamento da taxa de justiça inicial referente à dedução da contestação no montante de € 244,75, demonstrando-o nos autos, mas não procedeu ao pagamento da taxa de justiça inicial pela dedução do incidente.
4 – Na sequência foi proferido o despacho recorrido, do seguinte teor:
«Uma vez que a ré não demonstrou o pagamento da taxa de justiça inicial devida pelo incidente de intervenção principal formulado, nos termos conjugados dos arts. 14º, nº 1, alínea x), 28º do Código das Custas Judiciais, 150º-A, nº 2 e 467º, nºs 3 e 5 do Código de Processo Civil (estes por identidade de razão), declaro não escrita a matéria de dedução daquele incidente».
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IV - Consoante decorre do nº 1-x) do art. 14 do CCJ em conjugação com o art. 23 do mesmo Código é devida taxa de justiça inicial autoliquidada nos incidentes de intervenção principal.
Tendo a R. deduzido incidente de intervenção principal provocada haveria, pois, lugar ao pagamento daquela taxa de justiça.
Do disposto no art. 28 do CCJ resulta que é a lei processual que regulará as consequências da eventual omissão do pagamento da taxa de justiça inicial.
Determina o nº 1 do art. 150-A do CCJ: «Quando a prática de um acto processual exija, nos termos do Código das Custas Judiciais, o pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos».
Ora, não sendo caso de concessão de apoio judiciário, a R., tendo embora demonstrado o pagamento da taxa de justiça inicial correspondente à apresentação da contestação, não o fez no que respeita ao incidente de intervenção principal.
No que se refere às consequências da falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, dispõe o nº 2 do aludido art. 150-A: «Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486º-A, 512º-B e 690º-B» (evidenciado nosso).
A propósito refere Salvador da Costa (Código das Custas Judiciais, 6ª edição, pag. 212) que «a ressalva deste normativo do disposto na lei quanto à petição inicial tem a ver com o facto de, em regra, a petição inicial não ser recebida se não for apresentado o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão de apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária (art. 474º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Civil)».
De qualquer modo, no que respeita à petição inicial, face à sua recusa pela secretaria, nos termos do art. 474-f) do CPC por não ter sido junto documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, atento o disposto no art. 476 do CPC sempre o A. poderá juntar tal documento nos 10 dias seguintes.
Não se tratando de petição inicial (ou de requerimento inicial) a que são aplicáveis os nºs 3 a 5 do art. 467 do CPC e o art. 474, nº 1-f) do mesmo Código – nem de taxa de justiça subsequente, nos termos do art. 512-B ou de taxa de justiça de justiça referente a interposição de recurso a que respeita o 690-B – e não procedendo a parte à junção do documento comprovativo nos 10 dias subsequentes à prática do acto as cominações previstas são as constantes do art. 486-A do CPC. Ou seja: num primeiro momento e nos termos do nº 3 do art. 486-A, a secretaria notificará o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
No caso que nos ocupa estamos perante o requerimento de dedução de um incidente da instância.
O “incidente” pode ser definido como «a ocorrência extraordinária, acidental, estranha, surgida no desenvolvimento normal da relação jurídica processual, que origine um processado próprio, isto é, com um mínimo de autonomia, ou, noutra perspectiva, uma intercorrência processual secundária, configurada como episódica e eventual em relação ao processo próprio da acção principal ou do recurso» (Salvador da Costa, «Os Incidentes da Instância», 3ª edição, pag. 10). O “incidente” é uma «forma processual secundária que apresenta, em relação ao processo da acção, o carácter de episódio ou acidente» (Alberto dos Reis, «Comentário», vol. III, pags. 563-566). Com a sua dedução ficam existindo, a par um do outro, o processo principal e o processo incidental.
Nesta perspectiva, o requerimento de intervenção principal apresentado pela R. conjuntamente com a respectiva contestação corresponde a um requerimento inicial daquela «parte de processo», podendo embora ser requerido em «articulado da causa» (art. 326 do CPC).
Mas a verdade é que sendo requerido em articulado da causa – no caso, na oportunidade da apresentação da contestação – não faria sentido o seu não recebimento pela secretaria (nos termos do art. 474-f) do CPC), embora sempre com a possibilidade de utilização do benefício aludido no art. 476 do CPC.
O que aponta para que se entenda que a “petição inicial” contemplada nas disposições acabadas de referir seja entendida como a correspondente a uma peça processual “autónoma” e não àquela que, por opção oferecida pelo legislador e que a parte poderá exercer, é susceptível de se poder inserir materialmente numa outra peça processual.
Do preâmbulo do dl 324/2003, de 27 de Dezembro, diploma que procedeu às alterações das quais decorreram os arts. 150-A e 486-A na actual redacção consta: «… volta a ser consagrada a regra do desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas, a operar apenas após a mesma ter sido sucessivamente notificada para o efeito, e salvaguardando-se o caso em que esteja comprovado o pedido de concessão do benefício do apoio judiciário».
Foi esta a pretensão do legislador subjacente às disposições acabadas de referir.
Pelo que se afigura que haverá que aplicar a regra resultante do nº 2 do art. 150-A em conjugação com as decorrentes dos nºs 3 e seguintes do art. 486-A do CPC. Ou seja, no caso concreto, deveria a parte que não juntou ao processo documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial correspondente ao incidente de intervenção de terceiros ser notificada para em dez dias efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
Mesmo que se seguisse o entendimento expresso no despacho proferido pelo tribunal de 1ª instância e sustentação respectiva – assimilação do requerimento do incidente a petição inicial para este concreto efeito - a verdade é que atento o teor do art. 476 do CPC não se justificaria a não concessão à parte de oportunidade para proceder ao pagamento da taxa de justiça inicial em falta.
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V - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, revogando a decisão recorrida que se substitui por outra determinando a notificação da requerente do incidente para em 10 dias proceder ao pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
Sem custas.
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Lisboa, 17 de Maio de 2007

Maria José Mouro
Neto Neves
Isabel Canadas