Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CARLOS VALVERDE | ||
| Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA DEFEITO DA OBRA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 03/11/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Sumário: | Nos termos do art. 1222º do CC, a redução do preço e a resolução do contrato de empreitada dependem do facto de não terem sido eliminados os defeitos ou construída de novo a obra. Só então se abre a possibilidade de redução do preço ou de resolução do contrato, estando vedada ao dono da obra a eliminação dos defeitos por sua conta. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: M.P.O., Máquinas Para Obras, Ldª (Lisboa), intentou acção, com processo sumário, contra Central Máquinas, Ldª, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 1.435.264$00, acrescida de juros de mora, sendo os já vencidos de 73.378$00, para o que alegou, em síntese, que prestou serviços de assistência técnica a máquinas da Ré no valor da quantia peticionada, sendo certo que a interpelou para o pagamento desse valor, nada tendo sido pago. Citada, contestou a Ré, alegando, também em síntese, o cumprimento defeituoso da A. e, em sede de em reconvenção, peticionou que o preço da reparação da escavadora giratória marca O&K, modelo MH 6 fosse objecto de redução a fixar por avaliação. Não houve resposta da A.. Frustrada uma tentativa de conciliação, elaborou-se o despacho saneador e procedeu-se à condensação da factualidade tida por pertinente, que não foi objecto de reclamação. Procedeu-se a julgamento com observância das legais formalidades, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a reconvenção e parcialmente procedente a acção, condenando, em consequência, a Ré a pagar à A. a quantia de 7.159, 07 euros, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Inconformada com esta decisão, dela apelou a Ré, apresentando, oportunamente, alegações, em cujas conclusões, devidamente resumidas - artº 690º, 1 do CPC -, a questiona na parte em que julgou improcedente o pedido reconvencional. Contra-alegando, a recorrida pugna pela manutenção do julgado. Cumpre decidir. Os factos provados foram os seguintes: 1- Em 24-1-2000 a Ré solicitou à Autora serviços de assistência técnica para reparação de uma máquina escavadora giratória, marca O&K, modelo MH6, tendo a Autora efectuado trabalhos de reparação da máquina. - alínea A dos factos assentes. 2 - Em 23-2-2000 a Ré solicitou novamente à Autora serviços de assistência técnica para reparação da mesma máquina, tendo a Autora efectuado trabalhos de reparação da máquina. - alínea B dos factos assentes. 3 - Em 24-3-2000 a Ré solicitou à Autora serviços de assistência técnica para reparação de uma máquina escavadora giratória, marca O&K, modelo RH16, tendo a Autora efectuado trabalhos de reparação da máquina. - alínea C dos factos assentes. 4 - Aquando da solicitação referida em A, a Ré efectuou um depósito de 120.000$00 junto da Autora. - alínea D dos factos assentes com a correcção do lapso de escrita dela constante e mencionado na acta de julgamento. 5 - A Autora exerce a actividade de comercialização, reparação e assistência técnica de máquinas para obras de construção civil e obras públicas. - resposta dada ao quesito 1°. 6 - A Ré dedica-se à comercialização de máquinas e equipamentos de movimentação de terras. - resposta dada ao quesito 2°. 7 - O valor dos trabalhos referidos em A é de 621.525$00, incluindo mão de obra e material. - resposta dada ao quesito 3°. 8 - O valor dos trabalhos referidos em B é de 72.830$00, incluindo mão de obra. - resposta dada ao quesito 4°. 9 - O valor dos trabalhos referidos em C é de 860.908$00, incluindo mão de obra e material. - resposta dada ao quesito 5°. 10- Os trabalhos referidos em A terminaram em 27-1-2000. - resposta dada ao quesito 7°, 11 - Os trabalhos referidos em B terminaram em 23-2-2000. - resposta dada ao quesito 8°. 12 - Os trabalhos referidos em C terminaram em 5-4-2000. - resposta dada ao quesito 9°. 13 - O pedido de reparação referido em A deveu-se à existência de problemas no sistema hidráulico, traduzidos na falta de força e lentidão do braço mecânico. - resposta dada ao quesito 10°. 14- Após a realização dos trabalhos referidos em C a Ré entregou a máquina a uma empresa de construção civil, denominada "João Conde & Filhos, Limitada", que a veio a adquirir. - resposta dada ao quesito 14°. 15 - A Autora efectuou nova intervenção. - resposta dada ao quesito 17°. 16- A Autora exigiu de "João Conde & Filhos, Limitada" o pagamento do preço dessa nova intervenção. - resposta dada ao quesito 18°. A recorrente limitou a censura que fez à sentença sindicanda ao segmento em que nesta se julgou, por não provada, a reconvenção, para o que adiantou que a factualidade em que suportava o pedido desta se tem, ao contrário do decidido, de ter como assente, seja, provada, por não ter sido impugnada pela A., face à ausência de resposta à contestação. Neste particular tem, efectivamente razão a recorrente. Na falta de resposta da A. à reconvenção, há que ter como assente a factualidade alegada no âmbito desta, como é impositivo da lei adjectiva (arts. 505º, 490º e 463º, 1 do CPC), não obstante a ausência de reclamação contra a peça condensadora do processo, que não tem o cunho da definitividade, estando, ao contrário, imbuída do princípio da refundibilidade sempre que necessário (cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 427); e o mesmo se passa com a decisão sobre a matéria de facto, tenha ou não sido objecto de reclamação (artº 712º, 4 do CPC). Pode, pois, este Tribunal alterar a decisão factual, no sentido pretendido pela recorrente que, diga-se, cumpriu satisfatoriamente os ónus que lhe impunha o artº 690º-A do CPC e, ao abrigo do disposto no artº 712º, nº 1, al. b), do mesmo Código, ter como provados os alegados defeitos na reparação efectuada na máquina O&K, modelo MH 6, as tentativas da A. para a sua eliminação e reparação levada a cabo pela própria Ré. Nem, por isso, todavia, é de julgar, como se pretende, procedente o pedido reconvencional de redução do preço da reparação daquela máquina facturado pela A.. Aceita-se que entre a A. e a Ré foi celebrado um contrato de empreitada pelo qual uma das partes (a A.) se obrigou em relação à outra (A Ré) a realizar certa obra, mediante um determinado preço - artº 1207º do Código Civil (como os demais que vierem a ser citados sem outra referência). Para que haja empreitada é essencial que o contrato tenha por objecto a realização de uma obra, não existindo um vínculo de subordinação do empreiteiro em relação ao dono da obra, devendo aquele obedecer às prescrições do contrato e a respeitar também as regras da arte ou profissão em cujo âmbito se integra a execução da obra (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in C. C. Anotado, vol. II, 2ª ed., pág. 703). Nos termos do artº 1208º, “o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.” O não cumprimento das obrigações previstas neste normativo dá lugar a variadas sanções. O empreiteiro pode ser compelido à eliminação dos defeitos - artº 1221º -, ou ficar sujeito à redução do preço - artº 1222º -, à resolução do contrato - ainda artº 1222º -, ou a uma indemnização pelos danos causados - arts. 1223º e 1225º. O contrato dos autos, como qualquer outro, deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei - artº 406º, nº 1. Pese a existência de defeitos na obra da responsabilidade da empreiteira, a sua não eliminação por esta não tinha como consequência, sem mais, a extinção do contrato. Não se alegou e, logo, provou que tal tivesse sido acordado, nem tal resulta da lei, onde se prevê, como excepção à regra geral da extinção convencional, apenas a possibilidade da resolução do contrato quando, “não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina” - artº 1222º. A obra deve considerar-se inadequada ao fim a que se destina, observa Rubino, quando “é completamente diversa da encomendada, quando lhe falta uma qualidade essencial pela própria natureza da obra, objectivamente considerada, ou quando lhe falta uma qualidade essencial porque, como tal, foi prevista e querida pela partes” (citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in C.C. Anotado, vol. II, 4ª ed., pág. 897). Não foi, todavia, nesta base que a Ré suportou a sua defesa nem a sua pretensão reconvencional. Antes, na alegação da má execução dos trabalhos acordados, pretendeu ver reduzido o seu preço. Acontece, porém, que, pela regra do artº 1222º, a redução do preço só é de autorizar depois de se verificar que não foram pelo empreiteiro eliminados os defeitos da obra ou que a mesma não foi por ele construída de novo. A este respeito, referem expressamente Pires de Lima e Antunes Varela que "o artº 1222º torna o exercício daqueles direitos – o de redução do preço e o de resolução do contrato – dependentes do facto de não terem sido eliminados os defeitos ou construída de novo a obra. Dá-se, portanto, ao empreiteiro a possibilidade de, querendo, manter o contrato pelo preço estipulado, eliminando os defeitos da obra ou construindo outra de novo; só na hipótese de ele não fazer nem uma coisa nem outra, se abre a possibilidade de redução do preço ou de resolução do contrato" ( cfr. ob. e loc. citados). Mas a Ré, dona da obra, não se limitou a pedir a redução do preço; perante as dificuldades da A. na eliminação dos defeitos da reparação contratada, procedeu ela mesmo à reparação das anomalias apresentadas pela obra, substituindo-se à A., empreiteira. Isso não é, todavia, legalmente permitido. "Ao empreiteiro não pode ser imposta a eliminação dos defeitos ou a realização de nova obra, porque nemo ad factum praecise cogi potest. Perante a recusa do empreiteiro, pode o dono da obra requerer a execução específica da prestação de facto, nos termos do art. 828º, se ela for fungível. A execução específica prevista no art. 828º opera por via judicial, pelo que só após a condenação do empreiteiro à eliminação do defeito ou à realização de nova obra, e perante a recusas deste, pode o comitente encarregar terceiro de proceder à realização dos trabalhos necessários para fazer suprir o defeito, a expensas do empreiteiro. Sendo requerida a execução específica nos termos do art. 828º, os defeitos são eliminados ou a obra realizada de novo por outrem à custa do empreiteiro. Não é, porém, admissível que o dono da obra proceda, em administração directa, à eliminação dos defeitos ou à realização de nova obra, pois isso seria uma forma de auto-tutela não consentida na lei" (Pedro Romano Martinez, Contrato de Empreitada, 1994, págs. 205 e 206). A previsão legal aponta para a condenação prévia do empreiteiro e só na sequência desta a exigência da eliminação dos defeitos da obra ou duma nova construção pelo próprio dono ou por terceiro, à custa daquele, ou da redução do preço e ou da indemnização pelo danos sofridos. O dono da obra nem sequer poderá pedir cumulativamente a eliminação dos defeitos e a redução do preço no caso do empreiteiro estar disposto a eliminar os defeitos ou, na impossibilidade dessa eliminação, a realizar de novo a obra. Estamos perante pedidos alternativos; quando muito, a redução do preço poderá ser pedida subsidiariamente (cfr. Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 209). Seja como for, ao dono da obra está vedada a eliminação dos defeitos desta por iniciativa e conta própria (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 896). Esta solução, diz Vaz Serra, citando Rubino, "justifica-se também sob o aspecto substancial da valoração dos interesses em conflito: de facto, se o comitente tem direito à reparação, é também justo que comece por deixar ao empreiteiro a possibilidade de proceder a ela por si, porque este último pode ter nisto um legítimo interesse, para evitar as maiores despesas que habitualmente derivam da intervenção de um terceiro. E é verdade que não há que preocupar-se demasiado com o interesse de um inadimplente; mas, de tal modo, não se sacrifica sequer o interesse do credor, que nada perde substancialmente, pois não se trata de lhe subtrair a possibilidade de fazer realizar os trabalhos por um terceiro com consequente reembolso, mas só de deslocar isto para uma ulterior fase processual, isto é, para a da execução forçada, quando o empreiteiro se tenha recusado a cumprir voluntariamente a sentença de condenação. De facto, é também justo que o devedor, antes de tomar a sua decisão definitiva, saiba com segurança ser ainda devedor, isto é, que seja posto em face de uma sentença de condenação" (in BMJ, 146, pág. 45). Enfim, há que concluir que não pode a Ré exigir da A. a redução do preço da reparação da obra e, por outro lado, também não pode recusar o pagamento do preço em falta, opondo à A. a excepção do não cumprimento contratual - arts. 428º e segs. -, já que, eliminando ela própria os defeitos, comprometeu definitivamente a possibilidade da sua eliminação pela Ré.. Sendo assim, há que confirmar, ainda que por diferentes fundamentos, também a sentença no segmento sindicado. Nestes termos, negando provimento ao recurso, confirma-se a decisão recorrida. Custas pela apelante. Lisboa, 11/3/04 Carlos Valverde Granja da Fonseca Alvito Sousa |