Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA MARGARIDA ALMEIDA | ||
Descritores: | ASSISTENTE OFENDIDA CONEXÃO DE INQUÉRITOS DESAPENSAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/24/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I.–Nos presentes autos, a recorrente requereu a sua constituição como assistente, nos termos do artº 68° n° 1 al. a) e nº 3 do Código de Processo Penal, tendo tal pretensão indeferida. II.–O thema decidendum fixa-se na acusação. Define-se então o objecto do processo. Os factos que a recorrente invoca, fundadores do seu pedido, reportam-se à aquisição de produtos (acções e obrigações), sendo que em relação a tal factualidade foi determinada a cessação da conexão de inquéritos, tendo sido extraída certidão destes autos, para instauração de inquérito autónomo, que terá como objecto o apuramento das questões relacionadas com a dita aquisição desses produtos. III.–Assim, não só nos presentes autos, a recorrente não tem a qualidade de ofendida, como não é sequer lesada, uma vez que a acusação aqui formulada não insere nenhuma factualidade referente a eventuais crimes praticados, correlacionados com a aquisição de produtos…. e eventuais perdas decorrentes das mesmas; isto é, prejuízos patrimoniais sofridos como consequência de uma actuação criminalmente punida, por parte dos arguidos. Esta temática não é objecto deste processo (a referência à …. é meramente circunstancial), mas sim de um inquérito autónomo, em sede do qual a recorrente deverá averiguar se a factualidade aí eventualmente contida em sede acusatória, lhe confere a qualidade de ofendida. IV.–Poder-se-ia eventualmente cogitar a possibilidade da sua admissão como assistente, já não com fundamento na sua qualidade de ofendida, mas antes com base no constante no nº1, al. e), do artº 68 do C.P. Penal, uma vez que nestes autos se mostra imputada aos arguidos a prática de crimes de corrupção activa no sector privado, p. e p. pela Lei 20/2008, de 21.04 (integra-se no crime de corrupção nessa alínea previsto). Sucede, todavia, que não só a recorrente não pede a consideração de tal possibilidade, em sede de recurso como se ignora se teria sequer interesse na mesma pois, tanto quanto se mostra perceptível pela motivação e conclusões, o cerne da pretensão da recorrente seria a determinação da sua qualidade de ofendida nestes autos. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa I–Relatório 1.–Nos presentes autos, a recorrente HS_____ requereu a sua constituição como assistente nos presentes autos, nos termos do artº 68° n° 1 al. a) e nº 3 do Código de Processo Penal. 2.–Por despacho proferido em 9 de Abril de 2021, foi tal pretensão indeferida. 3.–Inconformada, veio a requerente interpor o presente recurso, pedindo a revogação de tal despacho e a sua substituição por outro, no qual seja admitida a constituição de assistente da recorrente. 4.–O recurso foi admitido. 5.–O Mº Pº respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido da sua improcedência, uma vez que a requerente não tem, nestes autos, qualidade de ofendida, sempre podendo ser admitida a intervir como assistente ao abrigo do que dispõe o art.° 68° n° 1 al. e) do CPP (o que não requereu), já que se procede por crimes de corrupção no sector privado. 6.–Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto subscreveu a resposta do seu colega de 1ª instância. II–QUESTÕES A DECIDIR. Da admissibilidade do requerente como assistente nos autos. III–FUNDAMENTAÇÃO. 1.–O despacho ora em apreciação tem o seguinte teor, na parte que nos importa: Fls. 63186, com referência aos Apenso Q-D108 e Q-D111 - HS_____ e CT_____, vêm requerer a constituição como assistente nos termos do art° 68° n° 1 al. a) e 3 do Código de Processo Penal. Ambos fundamentam os seus pedidos (como decorre do respectivo pedido de indemnização civil) na aquisição de obrigações da ESFG. Porém, verifica-se como aduzido pelo titular da acção penal que, aquando do encerramento do inquérito, por despacho de 14.07.2020, a fls. 47935 e segs., máxime fls. 48004 a 48006, foi determinado, para além do mais, a extracção de certidão, relativamente a factos denunciados e relacionados com a aquisição de produtos ESPÍRITO SANTO FINANTIAL GROUP, SA (acções e obrigações), com o propósito de se instaurar novo Inquérito para apuramento das circunstâncias que envolveram a aquisição destes produtos financeiros. Verifica-se, como bem refere o detentor da acção penal, que os factos relatados e que fundamentam os pedidos de constituição como assistente em causa, não são, pois, objecto destes autos. Assim, no âmbito do presente inquérito, corroboramos o entendimento sancionado pelo detentor da acção penal de que não têm os requerentes legitimidade para se constituírem assistentes, nos termos e para os efeitos do art.0 68° n° 1 al. a) do Código de Processo Penal, pelo que se indeferem os respectivos pedidos. 2.–A recorrente aduz as seguintes conclusões, em discórdia quanto ao decidido: I.-O presente recurso tem como objecto o Douto Despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo, que indeferiu o pedido de constituição de assistente. II.-Considerou o Douto Despacho que a recorrente e outra requerente de constituição de assistente fundamentam os seus pedidos (como decorre do pedido de indemnização civil) na aquisição de obrigações da ESFG. III.-Considerou igualmente o Douto Despacho que, aquando do encerramento do inquérito foi determinado a extracção de certidão, relativamente a factos denunciados e relacionados com a aquisição de produtos Espírito Santo Finantial Group, SA (acções e obrigações), com o propósito de se instaurar novo Inquérito, não tendo os requerentes legitimidade para se constituírem assistentes. IV.-No requerimento de pedido de indemnização civil e constituição de assistente veio a recorrente indicar que, em 02.02.2011, adquiriu € 1.700.0,00 (um milhão setecentos mil euros) em Obrigações da Espírito Santo Financial Group (ESFG), em concreto no produto designado “ESF 6,875%” tendo o produto o ISIN XS0.........1. V.-A ESFG era detentora de uma participação qualificada da ESF (Espírito Santo Financial Portugal) e, quer directa quer indirectamente, no Banco Espírito Santo (BES). VI.-O que levou a que a recorrente mobilizasse valores detidos em outras aplicações e contas de depósito a prazo para investir nas obrigações ESFG. VII.-Chegada a data de maturidade do produto em apreço, não houve reembolso do capital, tendo o título em apreço ficado bloqueado e destituído de valor. VIII.-Conforme resulta da acusação, no final de 2009 já a ESI se encontrava em bancarrota (Fls. 300 da Acusação), facto que era do conhecimento dos arguidos. IX.-Ao invés de apresentarem a ESI à insolvência, o arguido RS_____, coadjuvado pelos demais co-arguidos, utilizou a ESI como demais entidades, entre as quais a RIOFORTE, para se financiar junto de terceiros, nomeadamente através da colocação no mercado de produtos financeiros, que bem sabiam serem destituídos de valor. X.-De modo a aparentar uma realidade que sabiam não existir, para que fosse possível manter a emissão de produtos financeiros da ESI, os arguidos ordenaram ou executaram actos de manipulação das contas desta entidade por recurso a documentos que falsificaram ou mandaram falsificar. XI.-Para manterem a aparência de regularidade das contas da ESI os arguidos fizeram também uso do BESI, o qual, com intervenção de LD____ , fizeram avaliações ad hoc da ESFG para que, em termos contabilísticos, a ESI parecesse financeiramente mais robusta, tendo para tanto apresentado a registo comercial contas que sabiam ser falsas. XII.-A 31.12.2012 a ESI encontrava-se inquestionavelmente insolvente, o que levou a que as obrigações adquiridas não tivessem, como não têm, qualquer valor. XIII.-A ESFG, entidade emitente do produto em apreço, faz parte do ramo financeiro do GES. XIV.-As suas contas estariam regulares não fosse a contaminação gerada pela ESI e RIOFORTE que determinaram a queda do valor de cotação dos produtos financeiros do Grupo GES, e consequente perda e danos na esfera patrimonial da recorrente, os quais estão diretamente relacionados com os factos descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público. XV.-Por força da comunhão de esforços realizada entre todos os arguidos na prática dos crimes dos quais vêm formalmente acusados, a recorrente foi prejudicada patrimonial e moralmente. XVI.-Os arguidos agiram com intenção de obter para si, ou para entidades do Grupo Espírito Santo, um enriquecimento ilegítimo (Fls. 3128 da Acusação), tendo, para o efeito utilizado, entre outras, a ESFG de modo a que comercializassem produtos financeiros que sabiam não deter valor ou serem pouco fiáveis. XVII.-Tendo com isso levado a recorrente a subscrever obrigações, o que lhe causou um prejuízo patrimonial correspondente ao montante investido. XVIII.-Para lograrem obter este resultado os arguidos orquestraram ainda a fabricação de documentos, nomeadamente as contas da ESI entre 2009 e 2013 com o que conseguiram manter a aparência de uma entidade saudável. XIX.-Tendo os arguidos ademais violado o dever de apresentação da ESI à insolvência, o que teria impacto na ESFG. XX.-Os arguidos com as suas condutas, bem sabiam que ao emitirem obrigações da ESFG e ao instruírem os funcionários do Banco BES no sentido de estes promoverem e comercializarem a venda daquele produto, iriam causar prejuízos aos adquirentes dos produtos financeiros. XXI.-Atentaram contra a formação de preços e decisões de investimento em valores mobiliários, interferindo no regular e transparente funcionamento deste mercado como instrumento essencial do desenvolvimento da economia. XXII.-Os arguidos desenvolveram sucessivamente comportamentos destinados a impedir que a regulação interna e externa pudesse tomar conhecimento do modo anómalo como funcionavam. XXIII.-As condutas dos arguidos, patentes na Acusação pública, tiveram efeitos nefastos na vida da recorrente. XXIV.-A conduta dos Arguidos gerou na recorrente a perda do montante de € 1.700.000,00, respeitante ao capital investido em resultado de actos ilícitos perpetrados pelos arguidos. XXV.-Considerou o Douto Despacho recorrido que que os factos relatados e que fundamentam os pedidos de constituição como assistente em causa não são objecto dos autos. XXVI.-As condutas dos arguidos relatadas no pedido de constituição de assistente dizem respeito a factos constantes da Acusação (fls. 300, 303, 308, 2483 e 3128 da Acusação). XXVII.-Os factos descritos no despacho de acusação dão corpo ao texto que os concretiza em sede de acusação, na qual são imputados os crimes de associação criminosa para a prática de crimes de falsificação, previsto no art.0 256°, burla (qualificada), previsto nos art.°s 217° e 218°, infidelidade, previsto no art.0 224°, branqueamento, previsto no art.0 368o- A, todos do Código Penal, e de corrupção ativa e passiva no setor privado, previstos nos art.° 8o e 9o da Lei 32/2008, de 21.04, e de manipulação de mercado, previsto no art.0 379° do Código de Valores Mobiliários. XXVIII.-De acordo com o Acórdão TRL de 03.02.2016, proferido no âmbito dos presentes autos (processo 324/14.0TELSB-L.L1-3), “Têm legitimidade para se constituírem assistentes, os lesados por uma instituição bancária onde se investigam os crimes de burla simples e qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal, e cujo processo tem como arguido, entre outros, o Presidente do respectivo Banco. XXIX.-No referido acórdão estava em causa um conjunto de factos vertidos na denúncia apresentada no âmbito do NUIPC 822115.8PKLSB, relacionados com a subscrição, num balcão do então BES, de um produto financeiro. XXX.-Concluiu o referido Acórdão, perante a factualidade descrita pelos requerentes aquando do pedido para constituição como assistentes ser perfeitamente aceitável admitir os recorridos na qualidade de assistentes, como titulares dos interesses que a incriminação visou especialmente proteger, uma vez que, na sua óptica, viram o seu património afectado pelas condutas. XXXI.-Nas condutas referidas no requerimento de constituição de assistente e na acusação estão em causa crimes de burla qualificada e de infidelidade, tendo estas condutas produzido directamente impacto na recorrente, confrontado com um prejuízo patrimonial elevado. XXXII.-A recorrente é o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato dos crimes de burla qualificada e infidelidade, interesse próprio e directo que não se consubstancia somente na pessoa do lesado. XXXIII.-O mesmo se conclui relativamente a eventuais crimes de falsificação e de abuso de confiança, atenta a descrição da factualidade alegada pela recorrente. XXXIV.-Com efeito, o crime de falsificação de documento é um crime contra a vida em sociedade, em que o bem jurídico segurança e confiança do tráfico probatório, mas não é o único bem jurídico particularmente protegido com a correspondente incriminação, atendendo ao conjunto do tipo. XXXV.-Como requisito subjectivo, se exige que o agente tenha atuado com a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou Estado ou alcançar para si ou para terceiro benefício ilegítimo. XXXVI.-Quando for o caso, verificados os elementos materiais do iter criminis, é essa especial direcção de vontade do agente: prejudicar outra pessoa, que dita o completamento do crime. XXXVII.-O que impõe a conclusão, face a este elemento subjectivo, de que o tipo em causa visa proteger aqueles valores, mas (também) em razão do prejuízo que os atentados contra eles podem causar a interesses de particulares. XXXVIII.-Esses interesses particulares, se bem que não exclusivamente, são pois protegidos de modo particular pela incriminação, constituindo um dos objectos imediatos da incriminação. XXXIX.-Assim, se num caso concreto os arguidos visaram com a falsificação causar prejuízo aos interesses particulares de determinada pessoa, neste caso todos os adquirentes de obrigações PT, estes poderão constituir-se assistentes. XL.-No tipo legal de falsificação de documento do artigo 256.° do Código Penal, a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afastou, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, aquele cujo prejuízo o agente visava, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente. XLI.-O Acórdão n.° 1/2003 - Processo n.° 609/02 - do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in www.dgsi.pt concluiu, quanto ao crime de falsificação: «No procedimento criminal pelo crime de falsificação de documento, previsto e punido pela alínea a) do n.° 1 do artigo 256 0 do Código Penal, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente tem legitimidade para se constituir assistente.» XLII.-Assim, o Acórdão 1/2003, estabelece que o vocábulo “especialmente” usado pela lei significa “de modo especial, num sentido de particular e de não exclusivo” de sorte que” quando os interesses imediatamente protegidos pela incriminação, sejam, simultaneamente, do Estado e de particulares...a pessoa que tenha sofrido danos em consequência da sua prática tem legitimidade para se constituir assistente.” XLIII.-O direito penal tem por encargo proteger os bens jurídicos e todos os preceitos penais podem reconduzir-se à protecção de um ou vários bens jurídicos que podem ser lesados cumulativamente ou alternativamente, sendo, neste caso, os interesses particulares também objecto imediato da protecção pela norma incriminadora. XLIV.-A ampliação do conceito de ofendido, não deixando de estar ligada ao conceito de bem jurídico, consagrado no artigo 68°, n.°l alínea a) do CPP acarreta o correto equilíbrio entre a necessidade de punir a necessidade que esta punição seja feita de forma justa e ponderada contribuindo assim para a realização de um processo penal mais equitativo e pacificador, uma vez que a participação da vítima é um factor de extrema importância para o saudável funcionamento da Administração da Justiça pelo que, nunca deve ser menosprezada e abandonada. XLV.-Neste contexto, a Recorrente apresenta-se com legitimidade para se constituir assistente nos presentes autos. XLVI.-O Douto Despacho violou assim a al. a) do n.° 1 do artigo 68.° do Código de Processo. 3.–Apreciando. Faz-se constar que se procedeu à consulta do despacho integral proferido no âmbito destes autos, em 14 de Julho de 2020, pelo Mº Pº, em que se insere a acusação, despacho este disponibilizado a este TRL pelo tribunal “a quo” por via electrónica, uma vez que não foi oportunamente feito constar na certidão remetida em sede deste apenso. 4.–Determina o artº 68 nº1 al. a) do C.P. Penal que podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito: a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos; 5.–Entendeu o tribunal “a quo” que, nestes autos, a recorrente não se incluía nesta figura jurídica e, como tal, não poderia ser admitida a sua constituição como assistente, com fundamento na sua condição de ofendida. A recorrente discorda, considerando que o é e invoca determinados factos constantes na acusação segundo os quais, em seu entender, resulta essa sua condição. 6.–Resta então apurar, face aos elementos de facto que a recorrente invoca, se lhe assiste ou não razão. A recorrente começa por afirmar que, em 02.02.2011, adquiriu € 1.700.0,00 (um milhão setecentos mil euros) em Obrigações da Espírito Santo Financial Group (ESFG), em concreto no produto designado “ESF 6,875%” tendo o produto o ISIN XS0........1. A ESFG, entidade emitente do produto em apreço, fazia parte do ramo financeiro do GES e as suas contas estariam regulares não fosse a contaminação gerada pela ESI e RIOFORTE que determinaram a queda do valor de cotação dos produtos financeiros do Grupo GES, e consequente perda e danos na esfera patrimonial da recorrente, os quais estão directamente relacionados. Mais alega que nas págs. 300, 303, 308, 2483 e 3128 da acusação, esta matéria se mostra descrita. 7.–Os pontos de facto a que a ora recorrente alude, em sede acusatória têm, na parte que nos importa, o seguinte teor: (…) 3.6.- ESFG 186.- A actividade da ESI, RFI e ESR envolvendo as unidades bancárias ESPÍRITO SANTO e ESFIL, tinha por efeito a exposição patrimonial e reputacional destas, com possibilidade de perdas que afectavam o seu valor, e por contaminação o valor dos activos investidos pela ESFG nestas empresas. 187.- Este impacto nunca foi medido por auditores da ESFG e os riscos em causa nunca foram identificados nas contas desta companhia que foram tornadas públicas, ou na demais informação privilegiada divulgada ao mercado. 188.- Apenas no final de maio de 2014, após o reconhecimento de uma provisão nas contas da ESFG de 31.12.2013 decidida em Fevereiro de 2014, no prospecto do aumento de capital do BES seriam revelados dados gerais em torno da existência de irregularidades nas contas da ESI que afectavam negativamente a sua situação patrimonial. (…) 7878.- E até lá prosseguia o processo de “reestruturação” do GES, com a venda do activo ESFG do grupo de empresas ESI/ESR para a RIOFORTE, num negócio que não incorporaria os achados da auditora quanto à situação aproximadamente real da ESI, e os seus potenciais impactos no valor de todo o negócio ESFG. (…) 8.1.1.- RS_____ 10127.- No período compreendido entre os anos de 2008 a 2104, RS_____, com o NIF 1.......9, foi sempre residente em território nacional. 10128.-Neste mesmo período de tempo, RS_____auferiu rendimentos do trabalho dependente (Categoria A), pagos pela ESFG, com o NIPC 5........, pelo BANCO ESPÍRITO SANTO SA, com o NIPC 5........ e pelo NOVO BANCO SA, com o NIPC 5........, que foram devidamente declarados à Autoridade Tributária, nos termos da tabela seguinte: (...) 8.–Por seu turno, olvida-se a recorrente de mencionar o que consta a fls. 65 e segs. da dita acusação, designadamente: Foram apresentadas denúncias pelos subscritores das obrigações emitidas pela ESFG. SA. Os acima indicados denunciantes apresentaram queixa contra os membros do Conselho de Administração da ESFG, SA, gestores de conta do BES, gestores do BPI, DIF Broker e BIZ Valor (relativamente aos títulos adquiridos em mercado secundário) alegando, em síntese, que tomaram a decisão de aplicar o seu dinheiro na compra de obrigações da ESFG em erro sobre a verdadeira situação patrimonial da empresa; os responsáveis pela administração da ESFG sabiam que a sociedade não tinha capacidade para solver as suas dívidas; e com a declaração de insolvência as obrigações da ESFG detidas pelos denunciantes ficaram sem valor, o que lhes causou um prejuízo patrimonial equivalente ao montante despendido na sua subscrição/aquisição. À semelhança daqueles, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), no âmbito de processo que contra-ordenação cuja cópia integra o Apenso AX, identifica a exposição da TRANQUILIDADE à ESFG, por força da subscrição, em 06.06.2014, de papel comercial emitido ao abrigo do programa de ECP conjunto ESFG/ESFIL, com o ISIN XS1........1, no valor de 50.000.000,00€, que ficou por reembolsar. Foram também apresentadas denúncias contra os administradores da ES CONTROL, ES INTERNATIONAL, ESFG,SA, BES, SA e BESA, relativamente à aquisição de acções da ESFG, por: AM____ (Apenso Q1, fls. 256), adquiriu 1000 acções do ESFG no 1.º semestre de 2014, pelo preço de 2.300,00€ em dois lotes de 500 acções cada, por datas e valores diferentes, através da conta 8....6 do Banco Carregosa; HR____ (Apenso Q1, fls. 324), comprou em 19.03.2014, através do serviço de homebanking do BPI, 1000 acções ESFG a 2,73€ a unidade, no total de 2 730,00€ e a assistente Madre - SGPS SA (Apenso Q 142, admitida a fls. 12009-12011 dos autos), adquiriu no dia 02.12.2008, 442.000 acções da ESFG no valor de 4.420.000,00€, depois de, no mesmo dia, ter negociado um financiamento com o BES SA no valor de 5.000.000,00€, amortizado no dia 03.02.2009. Por despacho proferido pelo Mmo. Juiz de Instrução, datado de 10 de Julho de 2020, que deferiu a promoção do Ministério Público, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 30.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, foi ordenada a cessação da conexão de inquéritos e determinada a tramitação em separado, em inquérito autónomo, para a investigação da, eventual, prática dos crimes de abuso de confiança qualificado, burla qualificada e infidelidade p. e p. respectivamente pelos arts. 205.º, n.º 1 e n.º 4, alínea b), 217.º e 218.º n.º 2 e 224.º, n.º 1 pelos responsáveis pelas decisões de colocar instrumentos de dívida da ESFG, SA em clientes e de proceder ao aumento de capital da sociedade. Deste modo, de acordo com a decisão judicial referida, extraia certidão da mesma, da promoção do Ministério Público, dos Apensos Q1, Q2, Q3, Q74, Q112, Q 135, Q142, Q152, Q153, Q156 e Q 182, Apenso AX, com todas as pastas e volumes, do Apenso AG1 e suporte informático respectivo e do presente despacho, para a instauração de inquérito autónomo, para os efeitos acima indicados. Comunique aos denunciantes. 9.–O thema decidendum fixa-se na acusação. Define-se então o objecto do processo. Como se constata pelo excerto do despacho acusatório que acabámos de transcrever, os factos que a recorrente invoca, fundadores do seu pedido, reportam-se à aquisição de produtos ESPÍRITO SANTO FINANTIAL GROUP, SA (acções e obrigações), sendo que em relação a tal factualidade foi determinada a cessação da conexão de inquéritos, tendo sido extraída certidão destes autos, para instauração de inquérito autónomo, que terá como objecto o apuramento das questões relacionadas com a dita aquisição desses produtos. 10.–Não restam assim quaisquer dúvidas que, não só nos presentes autos, a recorrente não tem a qualidade de ofendida, como não é sequer lesada, uma vez que a acusação formulada nestes autos não insere nenhuma factualidade referente a eventuais crimes praticados, correlacionados com a aquisição de produtos ESPÍRITO SANTO FINANTIAL GROUP, SA e eventuais perdas decorrentes das mesmas; isto é, prejuízos patrimoniais sofridos como consequência de uma actuação criminalmente punida, por parte dos arguidos. Esta temática não é objecto deste processo (a referência à ESFG é meramente circunstancial), mas sim de um inquérito autónomo, em sede do qual a recorrente deverá averiguar se a factualidade aí eventualmente contida em sede acusatória, lhe confere a qualidade de ofendida. 11.–Face ao que se deixa dito, constata-se que, no que toca ao pedido de constituição como assistente, formulado pela recorrente, com fundamento na sua qualidade de ofendida, o mesmo se mostra desprovido de fundamento, precisamente por lhe faltar tal qualidade e, como tal, com essa base, o recurso não poderá proceder. 12.–Poder-se-ia eventualmente cogitar a possibilidade da sua admissão como assistente, já não com fundamento na sua qualidade de ofendida, mas antes (como aliás consta da resposta apresentada pelo Mº Pº), com base no constante no nº1, al. e), do artº 68 do C.P. Penal, uma vez que nestes autos se mostra imputada aos arguidos a prática de crimes de corrupção activa no sector privado, p. e p. pela Lei 20/2008, de 21.04 (integra-se no crime de corrupção nessa alínea previsto). Sucede, todavia, que não só a recorrente não pede a consideração de tal possibilidade, em sede de recurso como, em bom rigor, ignora-se se teria sequer interesse na mesma pois, tanto quanto se mostra perceptível pela motivação e conclusões, o cerne da pretensão da recorrente seria a determinação da sua qualidade de ofendida nestes autos. 13.–Concluímos, assim, que não assiste razão à recorrente na crítica que dirige ao decidido e, como tal, a decisão proferida deve ser mantida. IV–DECISÃO. Face ao exposto, acorda-se em considerar improcedente o recurso interposto pela recorrente HS_____, mantendo-se o despacho recorrido. Condena-se a recorrente na TJ de 3 UC. Lisboa, 24 de Novembro de 2021 Assinaturas Digitais: Margarida Ramos de Almeida - (relatora) Ana Paramés |