Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7191/2007-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: PATROCÍNIO OFICIOSO
HONORÁRIOS
COMPETÊNCIA
INQUÉRITO
JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - Embora o Ministério Público seja um órgão de administração da justiça, não lhe estão deferidas funções definidoras de direitos.
II - Compete ao conjunto dos tribunais exercer funções jurisdicionais, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados (art.202, da C.R.P.).
III - Na fase de inquérito, as funções jurisdicionais competem ao juiz de instrução (art.17.º, do C.P.P.).
III - Apresentando a Advogada nomeada, patrona da ofendida, pedido de fixação de honorários, mesmo não tendo o processo ultrapassado a fase de inquérito, cabe ao Juiz de Instrução a apreciação desse requerimento;
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Iº 1. Nos autos de inquérito nº353/06.7GCMFR, da comarca de Mafra, na sequência de despacho de arquivamento, a ofendida, pretendendo requerer a abertura de instrução, formulou pedido de protecção jurídica, junto dos serviços da segurança social, que lhe foi concedido, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento de honorários de patrono.
A Ex.ma advogada inicialmente nomeada veio a pedir escusa (fls.43), que lhe foi deferida pelo Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, tendo sido nomeada em sua substituição a Srª Drª A (fls.48).
Nada tendo sido requerido nos autos, o Ministério Público, em 3Maio07, proferiu despacho ordenando o arquivamento dos autos.
Entretanto, em 23Maio07, a Srª Drª A, apresentou requerimento dirigido ao Mmo. JIC, pedindo a fixação dos seus honorários.
Remetido o processo, ao Mmo. JIC, este proferiu o seguinte despacho:

Entendemos que em sede de inquérito não compete ao JIC fixar honorários a advogado que nele tenha intervindo”.


2. Deste despacho recorre o Magistrado do Ministério Público, motivando o recurso com as seguintes conclusões:
2.1 O despacho recorrido carece de qualquer fundamento legal;
2.2 Não existe estipulação legal que directa ou indirectamente atribua competência ao Ministério Público para fixar honorários a advogado nomeado em sede de inquérito;
2.3 A Portaria nº1386/04, de 10Nov. contem normas que de forma expressa determinam o Juiz como entidade competente para fixação de honorários;
2.4 Inexistindo qualquer norma que de forma expressa atribua competência ao Ministério Público para fixar honorários não podia o Mmo. JIC proferir o despacho recorrido;
2.5 O despacho proferido violou o regime estabelecido pela Lei nº34/04, de 29Jun., conjugado com o que prescreve a Portaria nº1386/04, de 10Nov.
Termos em que deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que ordene que se determine a emissão de nota de honorários de acordo com a tabela anexa à Portaria nº1386/04, de 10Nov.

3. Admitido o recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e sem efeito suspensivo, não foi apresentada resposta.

4. Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora Geral Adjunta, em douto parecer, pronunciou-se pelo provimento do recurso.
5. Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência.
6. O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se é ao JIC que compete apreciar o requerimento de fixação de honorários, apresentado pelo patrono nomeado à ofendida, em fase de inquérito.
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IIº 1. Antes de mais, importa assinalar o erro em que incorre o recorrente quando, nas suas motivações, refere estar em causa a fixação de honorários a defensora nomeada ao arguido.
Com efeito, a Drª A, subscritora do requerimento que deu origem ao despacho recorrido, não foi nomeada defensora do arguido, mas sim patrona da ofendida, nomeação essa ao abrigo do regime de acesso ao direito e aos tribunais, nos termos do art.16, da Lei nº34/04, de 29Julho, como resulta de fls.40,42 e 48.
Assim, não é invocável o disposto no art.39, nº3, da citada Lei, referente, apenas, à nomeação de defensor ao arguido, como resulta da sua epígrafe[1].
A Drª A foi nomeada na sequência de requerimento de protecção jurídica formulado pela ofendida, com a finalidade de requerer abertura de instrução.
Não foi requerida instrução, nem a Ex.ma Advogada praticou qualquer acto no processo, além da apresentação de requerimento a solicitar o pagamento de honorários.
Contudo, a nomeação foi efectuada e são reclamados honorários, em requerimento dirigido ao Juiz de Instrução.
Embora o processo não tenha ultrapassado a fase de inquérito, cujo dominus é o Ministério Público, há um direito que carece de definição, o invocado direito a honorários da Ex.ma Advogada nomeada patrona da ofendida.
Ora, embora o Ministério Público seja um órgão de administração da justiça, não lhe estão deferidas funções definidoras de direitos[2].
A decisão sobre o direito a honorários da Ex.ma Advogada nomeada patrona é, nitidamente, um acto jurisdicional, que pressuporá, desde logo, a decisão sobre se os mesmos são devidos.
Ao conjunto dos tribunais compete exercer as funções jurisdicionais, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art.202, da C.R.P.).
Na fase de inquérito, as funções jurisdicionais competem ao juiz de instrução (art.17, do CPP).
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IVº DECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam em dar provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que aprecie o requerimento de fls.53.
Sem tributação.

Lisboa, 23/10/07
 (Relator: Vieira Lamim)
 (1º Adjunto: Ricardo Cardoso)
 (2º Adjunto: Filipa Macedo)


[1] Do mesmo modo, também não pode ser aproveitada a jurisprudência citada pela Ex.ma PGA no seu douto parecer, uma vez que esses acórdãos são relativos a honorários devidos a defensor oficioso de arguido, cujo sumário, acessível em www.pgdl.pt, é o seguinte:

ACRL de 27-06-2007Fixação de honorários a advogado em inquérito
Tendo sido nomeada, pelo Ministério Público, em inquérito, defensora oficiosa ao arguido, inquérito esse que findou sem qualquer intervenção judicial, é de manter o despacho recorrido que determinava ser o Ministério Público a autoridade judiciária competente para fixar honoráriuos àquela defensora oficiosa.
Proc. 3753/07 3ª Secção
Desembargadores: Teresa Féria - Moraes Rocha - Carlos Almeida”.
ACRL de 27-06-2007Honorários a defensor em inquérito. Competência do M. P. .
I – Cabe ao M. P. e não ao Juiz ou ao Juiz de Instrução ordenar o pagamento de honorários ao defensor nomeado em processo de inquérito, e que cessa nessa fase, que aliás é da exclusiva competência do M.P. .
II – No n.º 3 do art.º 39º da Lei de apoio judiciário, Lei 34/04, onde se diz que “cabe ao Tribunal … proceder ao pagamento” pretende referir-se à instituição e não ao Juiz, sendo inegável que o M. P. faz parte dos Tribunais.
Proc. 1092/07 3ª Secção
Desembargadores: Ricardo Silva - Rui Gonçalves - João Sampaio”