Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1697/16.5PSLSB-A.L1-3
Relator: ANA PAULA GRANDVAUX
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- A taxa sancionatória excepcional visa sancionar o mau cumprimento do dever de cooperação e diligência das partes, penalizando o uso indevido do processo com expedientes meramente dilatórios ou a omissão de actos que deveriam ser praticados.

II - Apenas deve ser aplicada quando se verifiquem condutas que efectivamente entorpeçam o andamento do processo ou impliquem uma disposição substancial de tempo e meios injustificadamente (no sentido de real ausência de motivo atendível para tal comportamento) com efeitos perniciosos visíveis na marcha processual, devendo por isso o Juiz ser especialmente cuidadoso na análise das situações concretas susceptíveis de reclamar tal sanção.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1 – No âmbito do processo de inquérito nº 1697/16.5PSLSB que correu os seus termos na 15ª secção do DIAP de Lisboa, por despacho proferido em 30.11.2016 pelo M.P foi determinado o arquivamento ao abrigo do artº 277º do C.P.P, por falta de indícios que permitissem descobrir a identidade do autor do ilícito denunciado, sem prejuízo de imediata reabertura, caso surgissem novos elementos de prova, designadamente a identificação do agente pelo visionamento do CD/DVD.
Esse inquérito tinha sido aberto na sequência de uma queixa apresentada por AL... contra desconhecidos (fls7 e 8) por furto de vários artigos de higiene masculina no interior do seu estabelecimento (farmácia) e ficou a constar do auto de notícia “Foi efectuada a preservação de imagens de vídeo-vigilância da zona do local onde é possível detectar o ilícito praticado, conforme cópia que se anexa”.
Com efeito consta dos autos que em 12.10.2016, na data da ocorrência denunciada pela ofendida, foi esta notificada no sentido de ser necessária a preservação de Imagens de Sistema de Videovigilância.
Assim consta dessa certidão de notificação “nos termos do artº 55º/2 do C.P.P a ofendida AL..., proprietária da FARMÁCIA M..., não pode danificar destruir, alterar ou desgravar as imagens da Câmara localizadas na entrada (do estabelecimento alegadamente furtado), referentes ao sistema de videovigilância desse estabelecimento, no período compreendido entre as 13h25m do dia 12.10.2016 e as 13h40m do dia 12.10.2016, devendo entregar o suporte de imagens (cassete/CD/DVD) quando determinado pela autoridade judiciária competente, sob pena de não fazendo, incorrer em responsabilidade criminal, uma vez que essas imagens poderão ser relevantes e vir a servir como meio de prova no âmbito do presente processo crime” 
 
A referida decisão de arquivamento foi oportunamente notificada à ofendida por ofício enviado em 5.12.2016, notificação essa que nos termos legais se considerou efectuada no 5º dia útil posterior à data da expedição (fls 9).
De igual modo foi o Comando da P.S.P de Lisboa notificado nessa mesma data (ofício expedido em 5.12.2016) para diligenciar no sentido de proceder à obtenção de imagens de videovigilância e de visionamento das mesmas, referentes ao processo acima identificado, a fim de localizar imagens com interesse para a investigação em curso, nomeadamente para possibilitar a identificação do autor do facto ilícito denunciado.
Na sequência dessa notificação, foi a ofendida AL... pessoalmente notificada pela P.S.P em 15.3.2017 para no prazo de 10 dias, remeter à Divisão de Investigação Criminal, as imagens em suporte digital captadas pelo vosso sistema de videovigilância no período de tempo expressamente indicado na notificação para preservação das imagens.
Posteriormente, segundo informação exarada no processo em 24.4.2017 (fls 19) consta que um agente da P.S.P se deslocou pessoalmente ao estabelecimento de farmácia supra mencionado em 19.4.2017 pelas 17h, a fim de recolher as referidas imagens e que tal diligência não foi possível acontecer nessa data (sem que nessa informação se mencionem as concretas razões) e ainda que a ofendida nunca compareceu na P.S.P nem nada comunicou até dia 24.4.2017.
Então mediante prévia promoção do M.P (fls 20), o Sr. JIC colocado no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa – Juiz 2, decidiu por despacho de 4.5.2017 que se efectuasse a notificação da ofendida AL... para no prazo de 5 dias proceder à entrega das imagens de videovigilância como lhe havia sido pedido pela P.S.P, sob pena de não o fazendo, ser condenada em multa por falta de colaboração com a justiça, ao abrigo do preceituado no artº 521º/2 do C.P.P. (fls 23 dos autos).
Esta notificação foi efectuada por via postal registada com prova de recepção, por ofício datado de 9.5.2017 (fls 24) encontrando-se junto ao processo o talão do registo assinado, com data de 10.5.2017 (fls 28).
Na sequência dessa notificação nada tendo sido feito nem dito pela ofendida veio a mesma a ser condenada no pagamento de uma multa de 500 euros, por decisão do Sr. JIC proferida em 29.5.2017, nos termos do artº 417º/1/2 do C.P.Civil e artº 4º e 521º/1/2 do C.P.P e ainda artº 27º/1 do Regulamento das Custas Processuais.
2- A ofendida não se conformando com essa decisão judicial (de condenação em multa) veio dela interpor recurso, extraindo da sua motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto do despacho do Exmo. Juiz de Instrução Criminal de Lisboa, de 29 de maio de 2017, que aplicou à Ofendida – aqui Recorrente – uma multa no valor de € 500,00 (quinhentos euros);
B. A alegada sanção foi aplicada à Recorrente pela alegada violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade, cf. artigo 417.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC, ex vi artigos 4.º e 521.º, n.º 1, do CPP, e artigo 27.º, n.º 1 do RCP, por não terem sido juntas ao processo as imagens de videovigilância solicitadas para efeitos de prova em inquérito;
C. Sucede que a Recorrente encarregou a ex-colaboradora da FARMÁCIA M... (Senhora Ana M...) de dar sequência à solicitação levada a cabo pelas Autoridades;
D. Só tendo tido conhecimento de que as referidas imagens não tinham sido juntas ao processo aquando da notificação do despacho que a condenou em multa, em manifesta violação das ordens anteriormente transmitidas pela aqui Recorrente à referida colaboradora;
E. Ora, como é evidente, era do maior interesse da Recorrente que tais imagens tivessem sido juntas aos autos com a maior brevidade possível, o que faz neste momento por ser a primeira vez em que para tal teve oportunidade;
F. Pelo que, se requer, muito respeitosamente, a absolvição da Recorrente do pagamento da multa da qual vem condenada;
G. Ou, subsidiariamente, por mera cautela de patrocínio e sem conceder, requer-se que o montante da multa a aplicar à Recorrente seja reduzido para o mínimo.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser revogado o despacho do Exmo. Juiz de Instrução Criminal de Lisboa, de 29 de maio de 2017, que aplicou à Recorrente uma multa no valor de € 500,00 (quinhentos euros), ou subsidiariamente ser a referida multa substituída por outra de valor correspondente ao mínimo legal.
Pois, só assim se fará JUSTIÇA!
JUNTA: duplicados legais e CD com as imagens de videovigilância para efeitos de prova em inquérito.

3- Este recurso foi admitido por decisão proferida em 6.7.2017 (fls 44).
4- O M.P na primeira instância respondeu ao recurso apresentado (fls 45 a 47) alegando que o Tribunal “a quo” fez uma correcta aplicação do Direito e atendeu a todas as circunstâncias legalmente exigíveis.
Que a ofendida foi notificada pelo menos 3 vezes e mesmo assim não procedeu à entrega das imagens como lhe fora determinado, pelo que o despacho recorrido não merece reparo tendo sido proferido com respeito pelas disposições legais aplicáveis e nele referidas.
Conclui assim que deve ser negado provimento ao recurso e manter-se na íntegra o douto despacho impugnado que não merece qualquer censura.
5- Subidos os autos, a Digna PGA nesta Relação de Lisboa, quando o processo lhe foi com vista nos termos do artº 416º do C.P.P, não emitiu qualquer parecer (fls 53).
6- Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos legais, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artº 419º/3 do C.P.P, cumprindo agora apreciar e decidir.

II- Fundamentação
1- Delimitação do Objecto do recurso (questões a decidir):
7 – Do artº 412º/1 do C.P.P resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso (cf. Germano Marques da Silva em “Curso de Processo Penal” III edição 2º edição, 2000 pág. 335 e Ac. do S.T.J de 13.5.1998 em B.M.J 477º 263), exceptuando aquelas que sejam do conhecimento oficioso (cf. artº 402º, 403º/1, 410º e 412º todos do C.P.P e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J de 19.10.1995 in D.R I – A série, de 28.12.1995).
8- Assim atenta a motivação da recorrente, o objecto deste recurso resume-se à seguinte questão, a apreciar por este Tribunal ad quem: saber se pode haver lugar à condenação da ofendida em taxa sancionatória excepcional.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Analisando
Questão prévia: da admissibilidade do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa desta decisão condenatória em taxa sancionatória excepcional – sendo que o facto de ter sido recebido na 1ª instância não vincula este Tribunal superior como decorre do preceituado no artº 414º/3 do C.P.P.
Ora nesta matéria, perfilhamos o entendimento expresso por unanimidade no Ac. do S.T.J proferido em 26.3.2015 no âmbito do processo nº 2992/13.OTBFAF-A.E1.S1, tendo por relator Manuel Tomé Soares Gomes: “ Assim nos termos do nº 6 do artº 27º do RCP, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, das decisões que condenem em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, mas apenas em um grau, por paralelismo com o disposto no nº 3 do artº 452º do C.P.P”
Quanto ao mérito do recurso.
Antes de mais, não pode desde logo deixar de referir que sobre esta matéria versando uma situação não exactamente idêntica mas análoga, se pronunciou já o Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão decidido por unanimidade, datado de 4.5.2016 e relatado pelo Desembargador Luís Ramos no âmbito do processo nº 12/14.7TBCLD.C1 em termos que se têm por inequivocamente correctos, Acórdão esse publicado e disponível em www.dgsi.pt, a cuja fundamentação aderimos por inteiro e cujo sumário aqui reproduzimos aqui em síntese:
“I - Com este normativo [artº 521º do CPP e artº 531º do CPC] acentua-se a necessidade de sancionar o mau cumprimento do dever de cooperação e diligência das partes, penalizando o uso indevido do processo com expedientes meramente dilatórios.
II - Sendo tão genéricos os pressupostos do artº 531º do Código de Processo Civil, cabe ao juiz limitar a sua utilização discricionária de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual, bem como, ainda que em face de algum excesso, limitar o sancionamento a situações que tenham algum relevo na normal marcha processual.

A situação concreta a que se reporta o Acórdão da Relação de Coimbra acabado de citar, respeita a uma situação em que o mandatário da recorrente aproveitou o momento em que requeria a junção de determinados documentos ao processo para fazer uma espécie de mini alegações para a acta, o que evidenciou o propósito de praticar um acto que, necessariamente, sabia não lhe ser permitido.
E com tal comportamento processual, o Tribunal de 1ª instância entendeu que se justificava a sua condenação numa taxa sancionatória excepcional por se verificar um mau cumprimento das regras processuais e ter sido feito um uso indevido do processo que estorvou o seu andamento normal.
Contudo, o Tribunal da Relação em sede de apreciação do recurso interposto, entendeu não se justificar a condenação em taxa sancionatória excepcional.
A fundamentação do Tribunal da Relação de Coimbra a propósito dessa situação concreta é aqui aplicável inteiramente mutatis mutandis.
Com efeito, também ali naquela situação em apreço, a Relação de Coimbra se debruçou sobre um alegado estorvo para o andamento normal do processo, que havia sido sancionado em 1ª instância, com condenação no pagamento de uma taxa sancionatória excepcional, acabando por concluir afinal, que não era legítima tal condenação.
Dispunha o artº 531º do Código de Processo Civil que esta sanção é aplicada por despacho fundamentado “quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”
Nos termos do então 531º do C.P.C (hoje artº 432º do CPC) e artº 529º do C.P.C (hoje artº 430º do C.P.C) então em vigor, tal conduta era penalizada nos termos do artº 519º (hoje artº 417º/1/2 do C.P.C) para o qual remetia o artº 529º do C.PC, sendo exactamente na previsão do artº 417º/2 do C.P.C que podemos agora também enquadrar a situação em análise nestes autos, como melhor veremos adiante
A Relação de Coimbra decidiu (com sublinhados nossos) que nestes casos de aplicação destas sanções monetárias, se estava “perante “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados”, pelo que é atribuído ao juiz do processo o poder-dever de, em tais situações, “fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador” (extrato do preâmbulo do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro), ou seja, com este normativo acentua-se a necessidade de sancionar o mau cumprimento do dever de cooperação e diligência das partes, penalizando o uso indevido do processo com expedientes meramente dilatórios.
A este respeito, podemos ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de janeiro de 2013 que "a taxa sancionatória em causa – de seu nome, “excepcional” – aplica-se a condutas que entorpeçam o andamento do processo ou impliquem a disposição substancial de tempo e meios injustificadamente, no sentido de ausência de motivo atendível para tal comportamento processual" e no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de fevereiro de 2012 que “os pressupostos de aplicação de tal preceito são de tal forma genéricos que cabe ao julgador a preocupação de limitar a sua utilização discricionária de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual e, apenas sancionar o que está para lá dessa defesa.
Assim, as questões processuais têm de ser manifestamente improcedentes ou dilatórias, ou seja, despidas de qualquer interesse atendível na prática do acto.
E, as questões de mérito hão-de ser manifestamente improcedentes, não apenas por inexistir qualquer jurisprudência que as suporte, pois que, quantas vezes, novas posições se tomam nos tribunais com base na sua defesa pelas partes, apoiadas em outra sustentação que não apenas a jurisprudência, mas porque não há leitura possível para as mesmas, e quando ainda, resultarem exclusivamente da falta de prudência e diligência da parte.”
Determina o artº 521º/1 do Código de Processo Penal que “à prática de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excecional”, a qual pode ser fixada pelo juiz entre 2 e 15 UC (artºs 524º do Código de Processo Penal e 10º do RCJ).
E dispõe o nº 2 do artº 521º do C.P.P: “Quando se tratem de actos praticados por pessoa que não for sujeito processual e estejam em causa condutas que entorpeçam o andamento do processo ou impliquem a disposição substancial de tempo e meios, pode o juiz condenar o visado ao pagamento de uma taxa fixada ente 1 UC e 3 UC”
Dispõe por sua vez o artº 417º/2 do C.P.P actualmente em vigor: “Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o Tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil. (sublinhado nosso)
Quid júris?
No caso “sub Júdice” importa fazer o “histórico” dos eventos que conduziram ao despacho recorrido de 29.5.2017 e nessa medida resulta dos autos o seguinte:
- Em 12.10.2016 o recorrente apresentou queixa na PSP, por um indiciado crime de furto, tendo nessa mesma data sido notificada cfr. fls. 4, que deveria preservar as imagens de videovigilância do local onde ocorreram os factos;
- Os autos foram arquivados neste DIAP de Lisboa, a 30.11.2017, tendo sido proferido despacho no sentido da PSP, nos termos do disposto no artº 249° do CPP, proceder ao visionamento do CD/DVD, no mais curto espaço de tempo, com vista a apurar a identidade dos autores dos factos denunciados nos autos;
- Mais foi determinado que elaborado o respectivo auto e recolhidas as imagens pertinentes deveria esse OPC informar-se nos autos da possibilidade/viabilidade de identificar o autor dos factos.
- Dessa determinação foi a recorrente notificada pessoalmente, em 15.03.2017 - cfr. fls. 17, no entanto no prazo estipulado de 10 dias, nada disse, entregou ou requereu;
- A 10.05.2017 foi novamente notificada, desta vez pelo Tribunal de Instrução Criminal, - cfr. fls. 28, do despacho onde este Tribunal de 1ª instância determinava que deveria proceder à entrega das imagens de videovigilância, no prazo de 5 dias, sob pena, de condenação em multa, de acordo com o disposto no artigo 521°, nº 2, do Código de Processo Penal. Mais uma vez nada disse ou requereu.
- Assim e em 29.05.2017, o Mmº Juiz a quo proferiu o despacho de que agora a ofendida vem recorrer.
***
Alega em suma a recorrente AL... que encarregou a sua ex-colaboradora da FARMÁCIA M... - Ana M... de dar sequencia à solicitação da PSP.
Só tendo tido conhecimento que as imagens de videovigilância não tinham sido entregues aquando da notificação do despacho que a condenou em multa.
Mais referiu que era do seu interesse que tais imagens tivessem sido juntas aos autos.
Tendo em atenção todos os factos supra enunciados no histórico da situação que finalizou com a condenação da ofendida em multa, podemos concluir após análise crítica e conjugada dos mesmos, o seguinte:
- a conduta da ofendida foi sem dúvida negligente e atrasou de alguma forma a entrega das imagens pretendidas pelas autoridades policiais, que poderiam ter sido entregues mais cedo se a ofendida tivesse actuado de forma diligente e pessoalmente tratado do assunto em vez de delegar em terceiros;
 - a ofendida tinha efectivo interesse na entrega das imagens de vídeo-vigilância solicitadas pelo Tribunal, por ser ela interessada directa na descoberta da verdade;
- a sua conduta porém não “estorvou ou  empatou o normal andamento do processo, que poderia ter corrido de forma mais célere não fosse a sua actuação leviana” pela simples razão de que não havia já nessa altura nenhum processo de inquérito a correr, pois que o M.P já se havia determinado pelo arquivamento do inquérito (arquivamento condicional, é certo, como já ficou dito).
Desta forma a conduta da arguida ainda que censurável, não preenche quanto a nós o condicionalismo exigido por lei para poder ser sancionada nos termos do artº 521º/2 do C.P.P e artº 417º/2 do C.P.C.
Com efeito, é indiscutível que a ofendida tinha efectivo interesse na entrega das imagens de vídeo-vigilância solicitadas pelo Tribunal, por ser ela interessada direta na descoberta da verdade, mais concretamente no apuramento da identidade do autor do furto praticado dentro da sua farmácia, ilícito por si denunciado às autoridades policiais – resultando dos autos haver sido por sua iniciativa que o inquérito havia sido aberto.
Assim sendo, dificilmente se poderá considerar que a sua conduta tenha sido clara e dolosamente direcionada “para empatar ou estorvar o normal andamento do processo”, tendo-o aliás demonstrado claramente a ofendida, ao entregar o CD com as imagens de vídeovigilância para efeitos de prova, juntamente com o seu requerimento de interposição de recurso.
Alega assim na sua motivação de recurso, que se houve na realidade um atraso nessa entrega das imagens de vídeo-vigilância pedidas, o mesmo apenas aconteceu por ter confiado, numa sua funcionária, Ana M..., em quem havia delegado tal tarefa.
Acrescentou ainda que essa funcionária afinal se revelou pouco diligente e organizada, acabando mesmo por ser despedida por esse motivo, tendo deixado de integrar o quadro do pessoal da FARMÁCIA M... desde 18.5.2017.
Argumenta ainda que se a ofendida tivesse tido conhecimento de que tais imagens não tinham ainda sido juntas ao processo, o teria feito sem mais delongas, porquanto a recorrente, tem como sempre teve todo o interesse em colaborar com as autoridades na descoberta da verdade, porquanto foi lesada no seu direito de propriedade.
Quid Juris?
Da análise cuidada e crítica dos vários elementos documentais constantes dos autos, afigura-se-nos ser difícil sustentar como fez a recorrente, que só tomou conhecimento que as referidas imagens não tinham sido juntas ao processo, aquando da notificação do despacho ora recorrido que a condenou em multa, datado de 29.5.2017.
Isto porque a ofendida fora notificada pessoalmente em 15.3.2017 para juntar no prazo de 10 dias as referidas imagens (fls 18) - havendo também informação nos autos (fls 19) de que já teria sido notificada em 19.12.2016 pela autoridade policial para o mesmo efeito, mas a verdade é que em 24.4.2017 ainda nada tinha sido entregue às autoridades.
Contudo a tese apresentada pela ofendida, de que delegou tal tarefa numa sua funcionária e que esta é que teve uma conduta de falta de zelo e de incúria, é verosímil e suportada pelas regras da experiência e da normal ocorrência dos acontecimentos da vida, sendo ainda comprovada pela assinatura aposta no talão do registo junto a fls 28 (talão este que se reporta à notificação do despacho do Sr. JIC de 4.5.2017, onde expressamente se advertia a ofendida para proceder à entrega das imagens de video-vigilância, com a cominação de não o fazendo ser condenada em multa ao abrigo do artº 521º/2 do C.P.P).
Do confronto dessa assinatura com outras assinaturas da ofendida, apostas no auto da notificação que foi efectuada em 12.10.2016 (fls 4 e 5 dos autos) e aposta no auto de notificação pessoal efectuada em 15.3.2017 (fls 18), resulta claramente que essa assinatura do talão de registo de fls 28 não se trata da assinatura da ofendida.
Pode por isto este Tribunal aceitar como verdadeira a sua justificação de que o atraso na entrega das imagens solicitadas se deveu à incúria de uma sua funcionária, em cuja diligência a ofendida confiou, não devendo confiar.
Aliás, diga-se em abono da verdade, que o M.P poderia logo desde o início da sua investigação ter visualizado tais imagens e só depois partir para a decisão de arquivamento do inquérito, caso entendesse não terem sido reunidos indícios suficientes da prática do ilícito denunciado, não se compreendendo porque razão arquivou “sob condição de reabertura” a qual fez depender do visionamento das referidas imagens, deixando nas mãos do particular ofendido, essa diligência de posterior entrega às autoridades das imagens que lhe interessavam analisar.
De todo o modo e por tudo o acima exposto, não vemos como possa ser entendido que a conduta da ofendida evidencia um notório, injustificado e mau cumprimento do dever de cooperação ou o uso indevido do processo, através de expedientes meramente dilatórios não obstante a falta de diligência por ela revelada.
Assim sendo, por resultar da sucessão de eventos de facto acima relatados, que a ofendida incorreu numa conduta meramente negligente (porventura negligência inconsciente - artº 15º b) do C.P), na colaboração que lhe foi solicitada pelas autoridades, não se justifica a penalização que lhe foi aplicada na 1ª instância e que se impõe por isso revogar por não ter a mesma substracto/fundamento legal.
Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e consequentemente revoga-se o despacho recorrido, ficando por isso sem efeito a condenação da ofendida em taxa sancionatória excepcional.
IV – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar provido o recurso da ofendida AL... e consequentemente revoga-se o despacho recorrido, ficando por isso sem efeito a condenação da mesma em taxa sancionatória excepcional.
 b) Sem custas.

Lisboa 14.3.2018
(Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, que assina a final - artº 94º, nº 2 do CPP).

Ana Paula Grandvaux Barbosa

Maria da Conceição Simão Gomes