Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
849/22.3T8MTA.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
II. Fundando-se o recurso da decisão de direito exclusivamente em factualidade que não ficou provada, sem invocação de norma jurídica violada, improcede necessariamente tal recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
RELATÓRIO.
A A., (…) SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES E MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, UNIPESSOAL, LDA., intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra a R., (…), COMÉRCIO, MONTAGEM E MANUTENÇÃO DE PISCINAS, LDA., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €14.792.47, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a interpelação e até integral pagamento.
Como fundamento do seu pedido, o A. alegou, em suma, que se dedica à atividade de construção, remodelação e outras obras em imóveis em geral, ao passo que a R.  tem por objeto social a compra, venda, montagem, manutenção, importação e exportação de piscinas.
Referiu também que no exercício das respetivas atividades comerciais a A. subcontratou a R. para a realização de trabalhos relacionadas com o fornecimento e montagem de tela, maquinaria, filtros, tubagens e trabalhos elétricos referentes a piscinas, sendo que em três dessas obras a R. executou o trabalho com defeitos, os quais não reparou, apesar de reclamados pela A., a qual, entretanto, teve que reparar tais defeitos por sua conta, no que despendeu as quantias de (i) €615,00, na obra de “A”, em Belverde, Amora, (ii) €1.535,53 na obra de …, no Bairro ..., Quinta …, e (iii) €6.320,97 na obra de “B”, na Rua …, Barreiro, quantias essas cujo pagamento reclama da R.
A R. apresentou contestação, impugnando a sua responsabilidade quanto aos alegados defeitos: em particular quanto à referida obra do Barreiro referiu que apenas assegurou os trabalhos de tubagem, revestimento e aplicação de bombas e filtros, tendo detetado que o fundo da piscina não estava liso e disso alertado a A. que insistiu na colocação do revestimento, nunca lhe tendo sido reportada a perda de água.
A R. concluiu pedindo a sua absolvição do pedido.
Realizou-se a audiência prévia, com prolação de saneador, identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento.
O Juízo Local Cível da Moita proferiu sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
«(…) julga-se parcialmente procedente o pedido da Autora e, em consequência;
a) Condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de €5.976,57 (cinco mil novecentos e setenta e seis euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescida de juros contabilizados desde 21/09/2023 até integral pagamento;
b) Absolve-se a Ré do demais peticionado pela Autora».
Inconformada com tal decisão, dela recorreram ambas as partes.
A R. apresentou as seguintes conclusões:
«A. A Apelante não se conforma com a Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, pelo que dela decorre;
B. O Tribunal de 1ª instância fez uma interpretação errada da prova produzida e junta;
C. A Recorrida não faz prova nos autos de que contratou terceiros - empresa Irrisado - para reparar os defeitos de obra que eram responsabilidade, alegadamente, da Recorrente.
D. A Recorrida não faz prova de que adjudicou à referida empresa a obra em causa, não faz prova de que os trabalhos foram por esta executados, nem faz prova de por esta foram faturados e a esta pagos.
E. A Recorrida não faz prova do efetivo "prejuízo" que teve com a reparação dos alegados defeitos, na obra em discussão no presente recurso.
F. Os factos " Em 30/03/2022, a Autora contratou a empresa Irrisado para realização de teste hidráulico para verificação de fugas e reparação das mesmas, fornecimento e aplicação de tela armada, acessórios de montagem de tela, colocação de sal e remoção da tela aplicada, trabalhos num valor €5.361,57. ", só poderiam ser dados como NÃO PROVADOS e não ao contrário.
G. Não sendo meros orçamentos prova cabal de tais factos.
H. Tirando-se daí as devidas ilações nomeadamente a absolvição da Recorrente desta parte do pedido, por absolutamente não provado.
I. Também no que respeita aos factos não provados, esteve mal o tribunal ao entrar em contradição de raciocínio ao admitir em abstrato que a Recorrida pudesse ser aqui concorrente na responsabilidade pelos alegados defeitos, mas a ainda assim condenar na totalidade do valor a Recorrente.
J. Se é verdade que na teoria e por mera hipótese académica a Recorrente se podia ter recusado a realizar o trabalho com os defeitos supervenientes, é um facto, mas também é verdade que no mercado de trabalho é realidade que o cliente, neste caso a Recorrida, é que manda na obra e por esse mesmo motivo, a Recorrente avançou nesses termos, mesmo alertando para os defeitos prévios.
K. O Tribunal a quo não poderia, a nosso ver, desvalorizar o depoimento da testemunha “C”, apenas com o argumento de que o mesmo é parcial, por ser funcionário da Recorrente dando como não provado parte do que esta testemunha demonstrou, sob juramento, em julgamento.
Pelo exposto, deverá ser revogada a Sentença recorrida pelos motivos supra descritos, farão Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, uma vez mais, a costumada e esperada JUSTIÇA!».
Por sua vez, a A. findou as suas conclusões nos seguintes termos:
«Em face do exposto, deve o presente ser atendido e em consequência ser a decisão parcialmente recorrida, parcialmente revogada, substituída por outra que reconheça:
a) O manifesto e incontestável lapsus calami do Tribunal a quo, rectificando-se a alínea a) da decisão proferida, de molde a que os juros de mora devidos pela r/r à A/R, sejam contabilizados desde 21/09/2021, data em que terminou o prazo conferido por esta, àquela, para eliminação dos defeitos que deixou nas obras realizadas, sem que o tivesse feito e;
b) Deve ser revogada a sentença aqui posta em crise, na parte em que dá como não provado que a A/R solicitou à r/r a reparação dos problemas comunicados por Áurea Lis, devendo passar a constar dos factos provados que a A/R assim fez e em consequência, ser a r/r condenada a pagar à A/R o montante por esta despendido com a empresa Irrisado, para eliminação dos defeitos deixados pela r/r e por ela não eliminados, no montante de €1.535,53 (mil quinhentos e trinta e cinco euros e cinquenta e três cêntimos, acrescido de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde 21/09/2021 até integral e efectivo pagamento».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Aquando do despacho que recebeu os recursos, em 06.12.2023, o Juízo Local Cível da Moita proferiu a seguinte decisão:
«Compulsada a sentença proferida, verifica-se o manifesto lapso de escrita a que se refere a Autora no recurso interposto, pelo que se procede à sua correcção nos seguintes termos: na sentença proferida onde se lê “13/09/2023” deverá ler-se “13/09/2021”, e onde se lê “21/09/2023” deverá ler-se “21/09/2021”».
Neste Tribunal da Relação de Lisboa, o aqui Relator suscitou a questão da rejeição do recurso da A. por a decisão objeto do mesmo não o admitir, em razão da sucumbência em causa.
Notificadas as partes, a A. nada disse, ao passo que a R. concluiu pela rejeição do recurso da A., por «o valor da sucumbência não o permitir».
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
*
* *
No recurso interposto pela A., requereu esta (i) a retificação do erro material constante da sentença recorrida no que respeita ao termo inicial da contagem dos juros moratórios e (ii) a condenação da R. no pagamento da quantia de €1.535,53, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde 21.09.2021 até integral e efetivo pagamento.
Ora, quanto àquele primeiro segmento, do apontado erro material, em despacho de 06.12.2023 o Tribunal recorrido procedeu à suscitada retificação nos termos pretendidos pela A., sem qualquer oposição da R., pelo que o recurso da A. deixou de ter tal objeto. 
No que respeita à pretendida condenação da R. igualmente quanto ao montante de €1.535,53, acrescida de juros moratórios, importa considerar o disposto no artigo 629.º, n.º 1, do CPCivil.
Segundo aquela disposição legal, «[o] recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa».
Nos termos do artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26.08, Lei da Organização do Sistema Judiciário, «[e]m matéria cível, a alçada dos tribunais (…) de primeira instância é de €5.000,00».
Ou seja, em conformidade com o apontado normativo, a recorribilidade da decisão do Tribunal de Comarca para o Tribunal da Relação pressupõe que:
· A causa tenha valor superior a €5.000,00 e
· O valor da sucumbência seja superior a €2.500,00.
Ora, no caso em apreço o recurso da A. não observa o último daqueles pressupostos, pelo que o recurso da A. não pode ser admitido, o que importa decidir, prosseguindo a instância recursiva tão-só para apreciação do recurso da R. no que respeita à condenação desta no montante de €5.361,57, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde 21.09.2021 até efetivo e integral pagamento, pois quanto ao montante de €615,00 e respetivos juros de mora a R. aceita a sua condenação nos termos constantes da decisão recorrida.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela R., não havendo questões de conhecimento oficioso a apreciar, nos presentes autos está em causa apreciar e decidir:
· Da impugnação da decisão de facto;
· Do direito de indemnização da A.
Assim.
III.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
1. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do CPCivil,
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».

Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163 e 169, o legislador optou «por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente», sendo que as exigências decorrentes do apontado regime legal «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.  Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)».
2. No caso vertente.
A R. cumpriu os indicados ónus de impugnação da matéria de facto, insurgindo-se quanto ao facto provado 24, que entende não estar provado, e requerendo que os factos não provados v e vi sejam dados como provados.
Vejamos.
Em causa estão tão-só obras relativas à piscina de “B”, na Rua …, no Barreiro, identificada como obra c).
Relativamente a tais obras, além do mais, o Tribunal recorrido deu como provado que:
«24. Em 30/03/2022, a Autora contratou a empresa Irrisado para realização de teste hidráulico para verificação de fugas e reparação das mesmas, fornecimento e aplicação de tela armada, acessórios de montagem de tela, colocação de sal e remoção da tela aplicada, trabalhos num valor €5.361,57».
O mesmo Tribunal deu como não provado que:
«v. Durante a execução das obras de revestimento, a Ré detectou que o fundo da piscina não estava liso.
vi. A Autora insistiu na colocação do revestimento sem que o fundo da piscina estivesse liso».
O Tribunal recorrido fundamentou o facto provado 24. a partir da conjugação (i) das declarações de parte da A., na pessoa do seu legal representante, “D” (ii) do depoimento da testemunha “B”, cliente, dono da obra, e (iii) do «orçamento de 30/03/2022, junto com a petição inicial», elementos probatórios dos quais decorre «que a Autora contratou a empresa Irrisado para efectuar os trabalhos constantes deste último orçamento, nesse valor», segundo a decisão recorrida.
No que respeita à apontada factualidade dada como não provada em v. e vi., o Tribunal recorrido justificou tal nos seguintes termos:
«Quanto à obra c), a alegação da Ré foi no sentido de que, inicialmente, o problema era apenas a rugosidade no fundo da piscina, consequência dos trabalhos de alvenaria realizados pela Autora, e que, só depois de retirada e recolocada a tela, é que surgiram novos problemas. Mais alegou que a responsabilidade era, em qualquer caso, da Autora, uma vez que logo de início alertou a mesma para as rugosidades existentes e, depois de reportada a situação pelo cliente, recomendou-lhe a colocação de uma tela nova, o que a mesma recusou.
Nessa matéria, a Ré apresentou a testemunha “C”, técnico de piscinas da Ré, o qual confirmou essa versão. No entanto, a prova por declarações dessa testemunha foi pautada por alguma falta de isenção, sempre na tentativa de imputar responsabilidades à Autora, e não foi corroborada por outra prova. Pelo contrário, essa versão foi negada peremptoriamente pela Autora, na pessoa do seu Legal Representante. A tal acresce que a testemunha “B” afirmou que os problemas só apareceram quase um ano depois da piscina estar pronta (se as rugosidades eram assim tão patentes e problemáticas, porque razão não seriam detectadas de imediato?!...) e, segundo as regras de experiência comum, é pouco compreensível que uma empresa especializada na construção de piscinas coloque tela sobre uma superfície não lisa e recoloque uma tela anteriormente removida, sabendo que não o deve fazer e que, a haver problemas, os mesmos vão reflectir-se nessa tela e poder-lhe-ão ser imputados. Por fim, a mensagem de correio electrónico de 25/05/2021, junta com a petição inicial, lança dúvidas sobre se o “fundo novo da tela da piscina” significa uma tela totalmente nova, uma tela parcialmente nova ou uma reformulação (rectificação do tamanho) da tela já existente, e, consequentemente, sobre o alcance do acordo da Autora com essa solução.
Assim, na falta de outra prova esclarecedora para corroborar essa versão da Ré, o Tribunal ficou na dúvida insanável sobre a credibilidade das declarações da testemunha “C” e, por isso, deu os factos v-ix como não provados (cfr. artigo 414.º do Código de Processo Civil)».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).
Por sua vez, a R., fundado nos mesmos elementos probatórios, mas retirando deles compreensão diversa, entende conforme recorre.
Analisemos.
Em termos documentais, releva o apontado documento n.º 8 junto pela A. com o seu requerimento de 09.08.2022: constitui um orçamento de 30.03.2022, emitido pela Irrisado, Lda., relativo à «Piscina do Sr. “B”», sita na «Rua Alto da Paiva», «Barreiro», no valor total de €5.361,57, correspondente ao somatório das seguintes parcelas (i) €350,00, relativamente a teste de carga hidráulico para verificação de fugas e reparação das mesmas, (ii) €2.990,00, referente ao fornecimento e aplicação de tela armada branca 1,5mm x 1,65 x 25 m (iii) €345,00 relativo a acessórios de montagem de tela, (iv) €174,00, quanto a sal refinado, 12 unidades de 25 kg, (v) €500,00 relativamente à remoção de tela aplicada e (vi) €1.002,57 correspondente a IVA à taxa de 23%.
Dos documentos n.ºs 5, 16, 17, 18, 19 e 20 juntos com a petição inicial, bem como do documento n.º 1 junto com o requerimento da A. de 09.08.2022, decorre que a piscina ora em causa foi objeto de reclamação pelo menos entre 04.05.2020 e 22.07.2021, apresentando ainda a esta última data problemas nas partes laterais e junto aos degraus  
Do ponto de vista da prova pessoal, considerando as declarações de parte da A. e o depoimento das testemunhas “B” e “C”, sócio-gerente da A., dono da piscina em causa e empregado da R., respetivamente, retém-se como aspeto comum àquelas declarações e depoimentos a existência e persistência por mais de um ano e meio de problemas decorrentes da execução da referida piscina, relacionados com rugosidades na piscina e perdas de água desta: o primeiro, o sócio-gerente da A., assacando as responsabilidades da execução deficiente da piscina à R., o último, a testemunha “C”, responsabilizando a A. das deficiências apontadas e a testemunha “B” esmiuçando os sucessivos problemas ocorridos com a piscina, sendo que os relacionados com as rugosidades na tela da piscina foram já resolvidos por empresa diversa da R.
Do confronto crítico da apontada prova documental e pessoal à luz das regras da experiência comum e da lógica afigura-se de manter a decisão de facto constante da sentença recorrida, por os apontados elementos probatórios não imporem decisão diversa da recorrida, conforme disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPCivil.
Com efeito, a testemunha “C”, nomeadamente minutos 01:54 a 02:45 e 20:45 a 44:45 do respetivo depoimento, o qual prestou os serviços da R. na piscina em causa, revelou-se manifestamente parcial no seu depoimento, pois referiu que os problemas com a piscina em causa decorreram exclusivamente de ordens da A. e da execução de trabalhos desta, não logrando, contudo, justificar minimamente a razão pela qual aceitou colocar e recolocar tela na piscina numa situação contrária àquela que impunham as boas técnicas na matéria e sem se acautelar de alguma forma quanto a tal.
A circunstância de procurar fazer crer que os problemas acabaram por ser resolvidos pela R., tendo deixado de haver reclamações por parte da A., quando é certo que a A. teve que contratar os serviços de terceiro para resolver tais problemas face ao silêncio e à inércia da R. perante as reclamações da A., denota a manifesta tendenciosidade do depoimento da testemunha “C”.
Na matéria factual aqui em causa, as declarações de parte da A., na pessoa de “D”, nomeadamente minutos 06:28 a 07:00, 12:50 a 18:00, 22:40 a 29:30 e 36:20 a 36:43, revelaram-se sinceras, objetivas e absolutamente coerentes em si mesmo, tendo sido corroboradas quer pelos apontados elementos documentais, quer pelo depoimento da testemunha “B”, dono da piscina em causa.
Aquela testemunha foi perentória em afirmar que os problemas relativos à piscina só ficaram definitivamente resolvidos com intervenção de terceiro, designadamente com a colocaram de uma nova tela em toda a piscina, conforme nomeadamente minutos 05:45 a 06:32, 07:40 a 07:45 e 19:03 a 19:18, o que confere ao documento n.º 8 do requerimento da A. de 09.08.2022, o referido orçamento, natureza probatória adicional, nomeadamente quando se considera a respetiva data, 30.03.2022, as verbas aí descriminadas, supra referidas, e o dele constante: «Os bens e/ou serviços foram realizados e/ou colocados à disposição do adquirente nesta data».
Não se vislumbra contradição entre o facto provado 21 e factos não provados v e vi: a colocação de um produto no fundo da piscina pela A. entre 25.05 e 07.06.2021 não significa que este não estivesse liso quando a R. colocou pela primeira vez a tela na piscina em causa e até assim continuasse quando a R. recolocou a tela, desconhecendo-se a natureza do produto e os fins da sua colocação.  
Em suma, importa manter a decisão de facto recorrida nos seus precisos termos, pelo que improcede nesta parte o recurso.
*
* *
Em função do exposto, este Tribunal da Relação de Lisboa tem, pois, como provada a seguinte factualidade:
1. A Autora é uma sociedade constituída sob a forma comercial que se dedica, entre outras, à atividade de construção, remodelação e outras obras em edifícios e imóveis em geral;
2. A Ré é uma sociedade constituída sob a forma comercial que se dedica à atividade de compra, venda, montagem, manutenção, importação e exportação de piscinas;
3. No âmbito da sua atividade comercial, a Autora obrigou-se, mediante o pagamento de uma quantia, à realização de diversas obras perante:
a) “A”, na Rua …, Amora [doravante obra a)];
b) “E” na Rua ..., Bairro …, Quinta …, Palmela [doravante obra b)];
c) “B”, na Rua …, Barreiro [doravante obra c)];
4. Nesses trabalhos estavam incluídos, entre outros, o fornecimento e montagem de equipamento próprio para piscinas, tela armada para o revestimento das mesmas e a execução das respetivas obras;
5. Autora e a Ré acordaram na realização pela Ré dos trabalhos de encastramento de tubagem, revestimento e bombagem das piscinas;
6. Pela execução dos trabalhos acordados pela Ré, esta cobrou à Autora e esta pagou-lhe:
a) Por conta da obra a) - €6.240,00,
b) Por conta da obra b) - €3.840,00,
c) Por conta da obra c) - €4.821,99;
7. As obras foram entregues aos respetivos donos e pelos mesmos aceites;
8. Por carta datada de 09/09/2021, remetida em 10/09/2021, a Autora, através do seu Il. Advogado, interpelou a Ré para reparação e eliminação dos defeitos nas obras a) e c), num prazo de 8 dias;
9. Por carta datada de 08/04/2022, remetida em 12/04/2022, a Autora, através do seu Il. Advogado, interpelou a Ré para pagamento das quantias de €8.356,50, a título de custos com a eliminação de defeitos, e de €5.000,00, a título de indemnização por danos na imagem e bom nome da Autora;
Factos relativos à obra a) – “A” (…)
10. Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 04/05/2020, até 27/07/2021, “A” reclamou à Autora a perda de água da piscina e falta de funcionamento dos skimmers;
11. Desde 04/05/2021, por diversas vezes, a Autora reclamou à Ré a reparação dos problemas invocados por “A”;
12. Em data não concretamente apurada, entre 11/03/2021 e 07/04/2021, a Ré deslocou-se ao local e procedeu à substituição dos skimmers e reparação da tubagem;
13. Após, “A” reclamou junto da Autora novas perdas de água na piscina e falhas na iluminação;
14. Por várias vezes desde 25/05/2021, a Autora reclamou à Ré a reparação desses problemas;
15. Em setembro de 2021, com o acordo da Autora, “A” contratou a empresa CLC para reparação dos problemas detetados;
16. A Autora pagou €500,00 (sem IVA) à empresa CLC para reparação de dois skimmers, com colocação de nova tubagem;
Factos relativos à obra b) – “E” (…)
17. “E” reclamou à Autora a perda consistente e gradual de água da piscina;
18. A Autora contratou a empresa Irrisado para realização de teste de carga hidráulico para verificação de fugas e reparação das mesmas, lavagem da piscina e colocação de sal, trabalhos num valor de €1.535,53;
Factos relativos à obra c) – “B” (…)
19. Em data não concretamente apurada, anterior a 15/03/2021, “B” denunciou a existência de rugosidades no fundo da piscina;
20. Desde 15/03/2021, por diversas vezes, a Autora reclamou à Ré a reparação dos problemas invocados por “B”;
21. Em data não concretamente apurada, entre 25/05/2021 e 07/06/2021, a Ré retirou a tela da piscina, a Autora colocou um produto no fundo da piscina e a Ré recolocou a mesma tela (após ajustes na dimensão da mesma);
22. Em 05/07/2021[1], Luís Rendeiro reclamou à Autora o surgimento de pregas e bolhas nas paredes laterais e escadas da mesma (por baixo da tela) e perdas de água na piscina;
23. Em 22/07/2021[2], a Autora comunicou à Ré a reclamação de “B” e solicitou a reparação dos problemas verificados;
24. Em 30/03/2022, a Autora contratou a empresa Irrisado para realização de teste hidráulico para verificação de fugas e reparação das mesmas, fornecimento e aplicação de tela armada, acessórios de montagem de tela, colocação de sal e remoção da tela aplicada, trabalhos num valor €5.361,57.
*
Este Tribunal da Relação de Lisboa considera que não ficou provado que:
Factos relativos à obra a) – “A” (…)
i. Antes de iniciar a obra, a Ré alertou o Legal Representante da Autora que o aterro não tinha ficado bem executado, devido a um declive considerável;
ii. A perda de água verificada após as reparações efetuadas pela Ré era consequência da evaporação;
Factos relativos à obra b) – “E” (…)
iii. A Autora solicitou à Ré a reparação dos problemas comunicados por “E”;
iv. A Ré fez testes à piscina e a mesma não apresentava perdas de água;
Factos relativos à obra c) – “B” (…)
v. Durante a execução das obras de revestimento, a Ré detetou que o fundo da piscina não estava liso;
vi. A Autora insistiu na colocação do revestimento sem que o fundo da piscina estivesse liso;
vii. Após a recolocação da tela, “B” aceitou a obra como ficou, de forma a não incorrer em mais custos e demoras;
viii. A Ré sugeriu à Autora a colocação de uma tela nova;
ix. A Autora recusou a colocação de uma tela nova;
x. A Autora despendeu €959,40 pela remoção de azulejos e de mosaicos danificados em escada, fornecimento e aplicação de novos azulejos, betumagem e limpeza;
xi. As obras referidas no facto anterior foram consequência da perda de água da piscina.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Com o presente recurso a R., aqui Recorrente, pretende a absolvição quanto à sua condenação no montante de €5.361.57, acrescido de juros moratórios.
Fundamentou tal pretensão exclusivamente na alteração da decisão de facto recorrida.
Ora, conforme resulta do exposto, improcede o recurso da decisão de facto interposto pela R., pelo que revela-se inconsistente o recurso da decisão de direito por ela interposto, sendo certo que na matéria a R. não invocou uma única regra de direito substantivo violada pelo Tribunal recorrido e a decisão deste mostra-se conforme ao regime legalmente aplicável ao caso, conforme designadamente artigos 1207.º, 1208.º, 1213.º, 1221.º, 1223.º, 762.º, n.ºs 1 e 2, 799.º, n.º 1, 805.º, n.º 1, 806.º, n.ºs 1 e 2, e 808.º, n.º 1, todos do CCivil.
Improcede, pois, o recurso.
*
Quanto às custas dos recursos.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, na relação jurídico-processual recursiva A. e R. configuram-se como partes vencidas quanto aos recursos que interpuseram, termos em que cada uma das partes deve suportar as custas dos respetivos recursos.
V. DECISÃO  
Pelo exposto,
1. Não se admite o recurso da A.;
2. Julga-se improcedente o recurso da R., mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, com a retificação constante do despacho de 06.12.2023, no que respeita ao termo inicial da contagem dos juros moratórios em causa, os quais são contados, pois, desde 21.09.2021.
As custas do recurso da A. são da sua exclusiva responsabilidade.
As custas do recurso da R. são por ela suportadas.

Lisboa, 23 de maio de 2024
Paulo Fernandes da Silva
Rute Sobral
Higina Castelo
_______________________________________________________
[1] A decisão recorrida refere «22/07/2021», mas tal decorre de manifesto lapso, atento o documento n.º 20 junto com a petição inicial e a sequência cronológica em causa.
[2] A decisão recorrida refere «06/07/2021», mas tal decorre de manifesto lapso, atento o documento n.º 20 junto com a petição inicial e a sequência cronológica em causa.