Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0097714
Nº Convencional: JTRL00004407
Relator: CARLOS HORTA
Descritores: PENSÃO COMPLEMENTAR DE REFORMA
ORGANISMO CORPORATIVO
GRÉMIO DA LAVOURA
EXTINÇÃO
COOPERATIVA AGRÍCOLA
DIREITOS ADQUIRIDOS
DIREITO A PENSÃO
Nº do Documento: RL199505030097714
Data do Acordão: 05/03/1995
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T TB TORRES VEDRAS
Processo no Tribunal Recurso: 291/93
Data: 05/27/1994
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO. REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: CCIV66 ART402 ART403 ART404.
PORT 768/71 DE 1971/12/31 ART35.
DL 887/76 DE 1976/12/29.
DCM 1979/05/10 IN DR IIS DE 1979/05/10.
DL 519C1/79 DE 1979/12/29.
PRT EMPREGADOS DE ESCRITÓRIO E CORRELATIVOS IN BTE 29/79.
PRT TRABALHADORES DO COMÉRCIO IN BTE 43/79.
Sumário: I - O Estatuto dos Organismos Corporativos da Lavoura, aprovado pela Portaria n. 768/71, de 31 de Dezembro, embora com aplicação não obrigatória, previu a concessão de pensões complementares de reforma aos empregados de tais organismos.
II - O Despacho conjunto dos Ministérios da Agricultura e Pescas, do Comércio e Turismo e do Trabalho, publicado no DR, 2 Série, de 10-5-1979, ao extinguir os Grémios da Lavoura e ao transferir, para as Cooperativas Agrícolas, os bens, direitos e obrigações dos extintos Grémios, ressalvou todos os direitos dos seus empregados, nomeadamente, a remuneração e os direitos adquiridos decorrentes da antiguidade, ao mesmo tempo que obrigou as novas Cooperativas a garantir a continuidade de todos os serviços que os anteriores grémios prestavam aos seus associados.
III - Tendo a Ré - Cooperativa dos Produtores Agrícolas do Cadaval - concedido aos Autores pensões complementares de reforma, quando estes se reformaram em 31-5-1984, em 30-6-1987 e em 30-11-1991, sempre lhes tendo liquidado e pago, a cada um, um complemento de reforma, desde a data da reforma até fim de Março de 1993, tal concessão havia gerado um direito adquirido na esfera jurídica da cada um dos autores e a convicção legítima de que tal complemento fazia parte integrante das suas reformas, por ser mera prestação regular e periódica.
IV - Tendo esse benefício sido outorgado com base num diploma legislativo (a Portaria n. 768/71, já referida), muito anterior aos DL n. 519-C1/79, de 29 de Dezembro, e DL n. 887/76, de 29 de Dezembro, não podiam tais regalias ser afastadas pelas Portarias de regulamentação de Trabalho, que aprovaram novas normas de relações de trabalho dos Empregados de Escritório e dos Trabalhadores do Comércio (sem concederem tais regalias aos trabalhadores).
V - Deste modo, não podia a Ré-Apelada, por sua livre iniciativa, retirar aos Autores um direito que anteriormente lhes havia concedido, com base no art.
35 do Estatuto, aludido supra em 1., que a própria
Ré concretizou e a que voluntariamente aderiu - sem o acordo dos próprios Autores-Apelantes.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I - Os Autores, (R), casado, morador na (W), (A), solteiro, morador em Bragança, e (T), casado, morador no Areeiro, todos reformados e residentes no Cadaval, instauraram no Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, com o n. 291/93, a presente acção de condenação de processo declaratório comum, sob a forma sumária, contra a Ré, COOPAC - COOPERATIVA DOS PRODUTORES AGRÍCOLAS DO CADAVAL, CRL, com sede no Cadaval, alegando, em suma, o seguinte:
1 - Os Autores entraram para o serviço do ex-Grémio da Lavoura do Cadaval, respectivamente: o (R), em 1-6-1941; o (A), em 1-7-1944; e o (T), em 1-1-1958.
2 - Os trabalhadores do ex-Grémio da Lavoura do Cadaval, incluindo os Autores, transitaram para o serviço da Ré aquando da extinção dos Grémios da Lavoura, em 1975.
3 - Os Autores exerceram funções de empregados de escritório, auferindo nas datas em que se reformaram os seguintes vencimentos mensais: o (R), em 30-6-1987, 40329 escudos; o (A), em 31-5-1984, 24500 escudos; o (T), em 30-11-1991, 53499 escudos.
4 - As relações de trabalho em causa estiveram abrangidas pelo Estatuto dos Empregados dos Grémios da Lavoura e dos Empregados dos Organismos Corporativos e, ultimamente, pela PRT para os Empregados de Escritório.
5 - Os Autores haviam transitado do ex-Grémio para a Ré sem perda de quaisquer direitos e garantias.
6 - O Estatuto dos Empregados dos ex-Grémios da Lavoura previa que, no caso de passagem à situação de reforma, os trabalhadores tinham direito a um complemento de reforma correspondente à diferença entre a pensão recebida da Previdência Social e o vencimento auferido pelo trabalhador na data da reforma.
7 - A Ré deu cumprimento ao estabelecido naquele Estatuto, liquidando aos Autores o complemento de reforma, desde a data em que se reformaram, recebendo ultimamente da Ré o seguinte: o (R),
29762 escudos e 50 centavos; o (A), 17500 escudos, e o (T), 21805 escudos.
8 - Sucede, porém, que a Ré, a partir do mês de Abril de 1993, deixou de pagar aos Autores qualquer subsídio de reforma, comunicando-lhes, por carta de 28-4-1993, remetida a cada um deles, que "em virtude da dificuldade financeira e ainda por legalmente não estar previsto, informamos que a partir desta data não pagaremos qualquer subsídio a ex-trabalhadores" (docs. 4 e 5), de fls. 8 e 9.
9 - Ora, a legislação anterior à passagem dos Autores para a Ré previa a concessão do subsídio de reforma aos trabalhadores que se reformassem.
10 - Aliás, tendo a Ré procedido ao pagamento do complemento de reforma, situação que se verifica há vários anos, não poderá retirar este benefício aos Autores.
11 - Com efeito, o complemento de reforma é devido, nem que mais não seja, no âmbito do contrato individual de trabalho, como expressamente prevê o n. 2 do artigo 6 do DL n. 519-C1/79, de 29/12.
12 - Atento o exposto, e tendo a Ré deixado de pagar este complemento desde Abril de 1993, é devido aos Autores, até 30-6-1993, o seguinte: ao (R), 89287 escudos e 50 centavos (= 29762 escudos e 50 centavos vezes 3); ao (A), 52500 escudos (= 17500 escudos vezes 3); ao (T), 65415 escudos (= 21805 escudos vezes 3) - o que perfaz, para já, um total de 207202 escudos e 50 centavos.
13 - O Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Comércio, Serviços e Novas Tecnologias, dada a situação, escreveu uma carta à Ré, manifestando-lhe a sua discordância e solicitando-lhe a reposição do que é devido aos Autores.
14 - Todavia, a Ré manteve a sua posição de não pagar aos Autores qualquer complemento de reforma.
15 - Dada a sua recusa em pagar o citado complemento de reforma, a Ré incorreu na obrigação de pagamento de juros de mora, à taxa legal de 15% ao ano, aos Autores, desde 1-4-1993, perfazendo, já, até 30-6-1993, o montante de 7770 escudos.
Terminam, pedindo: a) - a condenação da Ré a pagar-lhes os complementos de reforma vencidos, descritos supra. b) - a condenação da Ré a pagar-lhes os complementos de reforma vincendos. c) - os juros de mora devidos, já vencidos e quantificados, supra, e os vincendos. d) - a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de preparos e das custas - que lhes foi concedido pelo despacho de fls. 26 e V.
II - A Ré contestou regularmente e em tempo, tendo alegado o seguinte:
1 - O Autor, (T), contrariamente ao que afirma, nunca foi empregado de escritório, mas sim Fiel de Armazém, exercendo as suas funções no armazém.
2 - A relação de trabalho entre os Autores e a Ré nunca esteve abrangida pelo Estatuto dos Empregados dos Grémios da Lavoura e dos Empregados dos Organismos Corporativos porque, pura e simplesmente, nunca existiu aquele estatuto que regulasse as relações de trabalho dos Autores com a Ré.
3 - Tais relações de trabalho estavam sujeitas ao disposto na PRT para os Trabalhadores de Comércio, publicada no BTE, de 22-11-1979, e CCT, publicado em 29-4-1991.
4 - Não é verdade o que consta do art. 7 da PI, mas sim que os Autores transitaram do ex-Grémio para a Ré, sem prejuízo das retribuições e de direitos adquiridos, decorrentes da antiguidade, conforme consta do despacho conjunto, de 30-3-1979, publicado na II Série do Diário da República, n. 107, de 10-5-1979.
5 - É completamente falso o que consta do art. 8 da PI, pois a Ré pagou aos Autores até Março de 1993 os complementos de reforma, não porque legalmente estivesse obrigada a tal, ou o fizesse por imperativo de qualquer Estatuto.
6 - É falso o que consta dos artigos 13 a 22 da PI.
7 - As prestações pecuniárias complementares, para além das garantidas pelo regime geral da Segurança Social, estão previstas na Lei da Segurança Social n. 28/84, de 14 de Agosto, e regulamentadas pelo
DL n. 225/89, de 6 de Julho.
8 - A Ré não tem possibilidades económicas de continuar a pagar aos Autores qualquer quantia, sob pena de deixar de pagar os salários aos seus actuais trabalhadores e vir a ser declarada falida.
Termina, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição.
III - Foi, em seguida, designado dia para julgamento, tendo tido lugar a respectiva audiência, em 19-5-1994, no fim da qual o Mmo. Juiz deu como provada a matéria de facto, sem que tivesse havido quaisquer reclamações.
Em 27-5-1994, foi proferida a sentença de fls. 33 a 36 V, que julgou a causa improcedente e absolveu a Ré do pedido.
IV - Desta sentença vieram os Autores, inconformados com ela, interpor recurso de apelação, tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:
1 - O complemento de reforma foi instituido pelo art. 35 do Estatuto dos Organismos Corporativos da Lavoura, transitando para o regime actual, no âmbito do contrato individual de trabalho, por força do estabelecido no n. 2 do art. 6 do DL 519-C1/79, de 29 de Dezembro.
2 - O Grémio da Lavoura do Cadaval, a cujos quadros os Autores pertenciam, foi extinto por despacho ministerial de 10-5-1979 - DR, II Série.
3 - Este despacho ministerial refere expressamente que os Autores transitam para o serviço da Ré sem prejuízo da retribuição e dos direitos adquiridos decorrentes da antiguidade.
4 - No exercício destes direitos está compreendida a prestação do complemento de reforma.
5 - Em cumprimento do estabelecido na regulamentação do trabalho anterior e tendo em conta o citado despacho ministerial, a Ré a partir do momento em que os Autores se reformaram, concedeu-lhes um complemento do subsídio de reforma, que vigorou até 31-03-1993, deixando de lhes conceder qualquer prestação a este título a partir dessa data.
6 - A Ré, comprometendo-se a pagar o citado complemento de reforma, como prestação regular e periódica, aceite pelos Autores, vinculou-se ao cumprimento integral de um acordo emergente do contrato individual de trabalho de natureza sinalagmática e por adesão.
7 - Não podendo, unilateralmente, desvincular-se do cumprimento da obrigação a que se propôs.
8 - Porquanto, após a sua concessão regular, o complemento de reforma instituido, passou a fazer parte integrante da retribuição dos Autores (art. 82 e segs. da LCT), sendo certo que a manutenção da retribuição é de interesse e ordem pública.
9 - Não lhe sendo permitido, atento o princípio da estabilidade e da garantia da retribuição, constitucionalmente previstos, retirar ou diminuir tal retribuição por infracção ao art. 51 da Constituição e al. c) do n. 1 do art. 21 da LCT.
10 - A concessão do complemento de reforma não tem a natureza de obrigação natural, dado que emerge de uma obrigação no âmbito do contrato individual de trabalho, tendo por pressuposto e contrapartida a prestação de uma retribuição regular e periódica de carácter obrigatório, sujeita ao regime e sanções previstos na lei geral do trabalho.
11 - A Ré está a locupletar-se ilicitamente com o complemento de reforma dos Autores, enriquecendo à custa do seu património.
12 - O seu comportamento constitui um autêntico abuso do direito.
13 - Uma vez que, nos termos do art. 7 da LCT, os Autores aderiram expressamente à vontade contratual da Ré de lhes conceder o subsídio de reforma, não lhe sendo lícito alterar, unilateralmente, o contrato de adesão (art. 7, referido).
14 - Por último, está vedado à Ré retirar, diminuir ou extinguir quaisquer regalias de carácter regular, permanente e habitual, por força do previsto no art. 12 da LCT, mesmo no período de reforma dos Autores, Por isso, a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 7, 12, 13, al. c) do n. 1 do art.
21, 82, 83, 84 e 85 da LCT (aprovada pelo DL n. 49408, de 24-11-1969), e n. 2 do art. 6 do DL n. 519-C1/79, de 29 de Dezembro, pelo que deve ser revogada e substituida por outra que condene a Ré no pedido.
Termina, pedindo a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida.
V - A Ré contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado e concluindo pela improcedência do recurso.
VI - O Exmo. Representante do Ministério Público junto desta Relação teve vista nos autos e emitiu o douto parecer n. 3057, de fls. 61 a 62 v, sendo de opinião que o presente recurso merece provimento.
VII - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. a) - Matéria de facto -
É a seguinte a matéria de facto provada nos autos:
1 - Os Autores entraram para o serviço do ex-Grémio da Lavoura do Cadaval, respectivamente, em: 1-6-1941 (o (R)); 1-7-1944 (o (A)); 1-1-1958 (o (T)).
2 - Estes trabalhadores do ex-Grémio da Lavoura do Cadaval transitaram para o serviço da Ré aquando da extinção dos Grémios da Lavoura em 1975.
3 - Os Autores, (R) e (A) , exerceram funções de empregados de escritório, auferindo na data em que se reformaram, respectivamente, 40329 escudos e 24500 escudos.
4 - O Autor, (T), exerceu funções de fiel de armazém auferindo em Maio de 1991 o vencimento ilíquido de 55179 escudos.
5 - Os Autores deixaram de prestar serviço à Ré por se terem reformado, respectivamente, em: 30-6-1987 (o (R)); 31-5-1984 (o (A)); e 30-11-1991 (o (T)).
6 - A Ré liquidou aos Autores um complemento de reforma desde a data em que se reformaram até Março de 1993.
7 - A partir do mês de Abril de 1993, a Ré deixou de pagar aos Autores qualquer complemento de reforma.
8 - A Ré, por carta enviada aos autores em 28-4-1993, declarou que: "em virtude da dificuldade financeira e ainda por legalmente não estar previsto, informamos que a partir desta data não pagaremos qualquer subsídio a ex-trabalhadores".
9 - O Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Comércio, Serviços e Novas Tecnologias, dada a recusa da Ré em pagar aos Autores o complemento de reforma, escreveu-lhe uma carta, cujo teor constante de fls. 10 dos autos, aqui se dá por integralmente reproduzido. b) - Enquadramento jurídico -
O único problema em discussão, no presente recurso,
é o de saber se os Autores, ora Apelantes, têm, ou não, direito à pensão complementar de reforma, que lhes vinha sendo paga pela Ré, aqui Apelada, e deixou de o ser ex-abrupto, a partir de Abril de 1993, conforme comunicação transmitida através da carta de 28 desse mesmo mês, de fls. 8 e 9 dos autos.
O Mmo. Juiz "a quo" entendeu que, no caso, havia, apenas, por parte da Ré-Apelada, uma mera obrigação natural e que, portanto, deixando esta última de pagar tais pensões complementares de reforma, os ora Apelantes não têm forma, nem jeito, de exigirem o adimplemento coercivo de tal obrigação.
Mas será assim? Vejamos!
Como se pode dizer, a propósito da garantia das obrigações, a lei dispensa, umas vezes, ao sujeito activo uma tutela directa, através da acção creditória, e outras vezes concede-lhe, apenas, uma simples tutela indirecta, por meio da irrepetibilidade da prestação voluntariamente efectuada pelo devedor (soluti retentio). No primeiro caso, estamos perante as obrigações civis ou perfeitas, e no segundo caso face às obrigações naturais.
O Código Civil ocupa-se das obrigações naturais, maxime, nos artigos 402 a 404. O primeiro desses preceitos define a obrigação natural como sendo aquela que "se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça".
O Mmo. Juiz "a quo" construiu a sentença recorrida, partindo desta ideia: o Estatuto dos Organismos Corporativos da Lavoura (a que se chamará, só,
Estatuto), aprovado pela Portaria n. 768/71, de 31 de Dezembro, embora prevendo a concessão de pensões complementares de reforma aos empregados de tais organismos, não tornou obrigatória essa concessão, outorgando, a estes últimos, simplesmente, a faculdade ("podem", diz o artigo 35 respectivo) de a outorgar - o que se não entende muito bem, por a entidade pagadora ter a possibilidade de não proceder ao pagamento...
O Despacho conjunto dos Ministérios da Agricultura e Pescas, do Comércio e Turismo e do Trabalho, in Diário da República, II Série, de 10-5-1979, veio extinguir os Grémios da Lavoura. Por força dele os bens, direitos e obrigações dos Grémios foram transferidos para as Cooperativas Agrícolas competentes - no caso dos autos, a Cooperativa dos Produtores Agrícolas do Cadaval, SCRL, para quem transitaram os Autores, ora Apelantes, com todos os direitos, nomeadamente, a remuneração e os direitos adquiridos decorrentes da antiguidade.
O Estatuto não obrigava os Organismos Corporativos ao pagamento do complemento de reforma. Mas se estes, voluntariamente, o concedessem, esse facto seria para o beneficiário um facto gerador de um direito subjectivo? E para a entidade pagadora estabeleceria um correlativo dever? Citando o Prof. MANUEL DE ANDRADE, o Mmo. Juiz "a quo" conclui que não. Que apenas se verifica, no caso dos autos, uma obrigação natural. Até porque, face ao DL n. 519-C1/79, de 29 de Dezembro, e dado que os Autores só atingiram a reforma muito depois de 1979, nessa altura era já outra a legislação aplicável (a PRT para os Empregados de Escritório e Correlativos, in BTE n. 29/79, e PRT para os Trabalhadores do Comércio, in BTE n. 43/79) - a qual não contemplava a existência desse complemento.
Dessa forma, não há, sequer, a possibilidade de se considerar que o direito a tais prestações complementares de reforma constituia um direito adquirido à face do Estatuto anteriormente aplicável.
Uma vez que o complemento não se encontra previsto na nova legislação, no âmbito da qual os Autores se reformaram, a sua concessão tem de ser encarada como obrigação natural, sem, pois, a característica da coercibilidade - o que tudo leva à improcedência da pretensão dos Autores.
Apreciação e comentário -
Pelo Despacho Conjunto já referido, supra, publicado no Diário da República, II Série, de 10-5-1979, foram extintos os Grémios da Lavoura, maxime, o do Cadaval, tendo sido transferidos para a Cooperativa dos Produtores Agrícolas do Cadaval, SCRL, ora Apelada, todos os bens, direitos e obrigações do extinto Grémio ficando a Cooperativa com o encargo de garantir a continuidade de todos os serviços que o anterior Grémio prestava aos seus associados.
Com a extinção do Grémio, os três Autores, ora Apelantes, transitaram para a Cooperativa, sem prejuizo da retribuição e dos direitos adquiridos decorrentes da antiguidade.
Enquanto trabalhadores do Grémio, e, pelo menos, a partir de 1972, as relações de trabalho entre os Autores e aquele organismo corporativo eram reguladas pelo Estatuto (já referenciado, aprovado pela Portaria n. 768/71, de 31 de Dezembro).
O dito Estatuto, no seu artigo 35, previa a possibilidade de estes organismos concederem aos seus empregados pensões complementares de reforma ou invalidez, segundo o cálculo estabelecido nos seus ns. 1 e 2.
E, na verdade, esta possibilidade foi concretizada, em relação a cada um dos três Autores, quando se reformaram, respectivamente, em 31-5-1984, o (A) , em 30-6-1987, o (R) , e em 30-11-1991, o (T) - pela Cooperativa, que lhes liquidou, a cada um, um complemento de reforma, desde a data da reforma até fim de Março de 1993.
A integração deste complemento na reforma, por parte, e por iniciativa, da Ré, gerou o nascimento de um direito adquirido na esfera jurídica de cada um dos ora Apelantes e a convicção legítima de que fazia parte integrante da sua reforma, por ser uma prestação regular e periódica, feita em dinheiro - à semelhança do que se passa com a retribuição, ex vi artigo 82 da LCT (como escreve o Exmo. Procurador da República, no seu douto parecer n. 3057).
Por outro lado, tendo sido este benefício outorgado por um diploma legislativo, emanado de três membros do Governo, muito anterior aos DL 519-C1/79, de 29 de Dezembro, e DL n. 887/76, de 29 de Dezembro - o último dos quais veio estabelecer uma proibição de os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho incluirem benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência - de hierarquia superior às próprias convenções colectivas, não podiam tais regalias ser afastadas pelas posteriores PRTs invocadas, que aprovaram as novas normas de relações de trabalho dos Empregados de Escritório e dos Trabalhadores do Comércio (sem concederem tais regalias aos trabalhadores).
É que, além do mais, quer o DL n. 887/76, quer o DL n. 519-C1/79, ressalvam a continuação dos benefícios anteriormente fixados por convenção colectiva, os quais se terão por reconhecidos, no mesmo âmbito, em termos de contrato individual de trabalho. E é indubitável que, para este efeito, se deverá interpretar extensivamente a expressão convenção colectiva, de molde a nela se incluir a regulamentação colectiva imposta pela Portaria n. 768/71, de 31 de Dezembro, ou seja, pelo apontado Estatuto.
Deste modo, não podia a Ré-Apelada retirar aos Autores um direito que anteriormente lhes havia concedido, com base no artigo 35 do já citado Estatuto - diploma que, efectivamente, concedeu aos Autores um tal direito, que a própria Ré concretizou e a que voluntariamente aderiu - não lhe sendo lícito, agora, afastar, por sua livre iniciativa, sem o acordo dos próprios Autores, tal benefício!
Em conclusão - Procede, por inteiro, a presente apelação, devendo a Ré pagar aos trabalhadores, ora Apelantes, com efeitos desde 1 de Abril de 1993, os complementos de pensão de reforma, já vencidos, com os juros de mora à taxa legal, contados desde a cessação do pagamento até efectivo cumprimento, acrescidos dos complementos de pensão de reforma que se vencerem, entretanto.
8 - Nestes termos, acordam no Tribunal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao presente recurso de apelação e em revogar a sentença recorrida, condenando a Ré no pedido, ou seja, a pagar, a cada um dos Autores-Apelantes, com efeitos desde 1 de Abril de 1993, os complementos de pensão de reforma, já vencidos, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 15%, devidos desde aquela data até efectivo pagamento, bem como os complementos de pensão de reforma que, entretanto, se vencerem - se necessário, a liquidar em execução de sentença.
Custas, nas duas instâncias, a cargo da Ré-Apelada.
Lisboa, 3 de Maio de 1995.