Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA SANTOS | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO PERÍODO EXPERIMENTAL ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/13/2021 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I– As partes não têm de invocar as razões da denúncia do contrato durante o período experimental. II– No entanto, tal denúncia não pode decorrer de qualquer motivação abusiva, arbitrária, como, por exemplo, as características pessoais do trabalhador, ou preferências, sem reflexo na relação laboral, os gostos pessoais, as convicções religiosas, ideológicas, de orientação sexual, filiação sindical, etc. III– É ao trabalhador que incumbe alegar e provar os factos subjacentes ao abuso de direito, por serem constitutivos do seu direito (artigo 342º nº1 do C.Civil). IV– O envio de uma carta a denunciar o contrato no período experimental, por alguém que não tem poderes para representar o empregador, não significa que tenha sido essa pessoa a decidir o negócio jurídico denúncia, tratando-se de uma mera comunicação. Ainda que assim fosse, a falta de poderes aproveitava à Ré e não ao Autor – artigo 268º nº1 C.Civil. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam em conferência na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa 1–Relatório Nestes autos de acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, que AAA instaurou contra BBB proferida que foi decisão singular pela relatora, vem o Autor pedir que sobre ela recaia acórdão. *** AAA instaurou a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, a seguir a forma de processo comum, contra BBB pedindo seja a Ré condenada a pagar-lhe a importância, respectivamente, de € 6800,00, ou, em alternativa, se, pela tese da ineficácia da decisão de cessação do contrato, de 68000,00, sempre deduzidas da importância recebida pelo Autor da Segurança Social, como subsídio de desemprego, actualmente no montante de cerca de €18000,00,acrescidas daquela que forem apurada a final, sempre , em alternativa, a ser o Autor reintegrado ao serviço da Ré ou a desta receber indemnização calculada nos termos do artº 391º do Código do Trabalho, opção a fazer até ao encerramento da discussão da causa, tudo com as legais consequências quanto a custas e procuradoria. Alega que - celebrou com a Ré, e ambos cumpriram, nos dias nos quais se manteve a relação de trabalho entre eles, contrato individual de trabalho, por tempo indeterminado, com início em 7 de Outubro de 2019, e com um período experimental de 180 dias; - tinha a categoria profissional de Country Sales Director e auferia de retribuição mensal ilíquida € 2720,00, acrescida de € 680,00, a título de complemento de isenção de horário de trabalho, enquanto neste regime estivesse; - a existência de período experimental previsto no contrato individual de trabalho, com cobertura legal, não implica que a Ré faça cessar o contrato por dá lá aquela palha, pois tal período tem como finalidade e fundamento o permitir que as partes se apercebam, pelo conhecimento mútuo adquirido, do interesse na manutenção do contrato; - sendo tal conhecimento e interesse confirmados, terá a ver com a capacidade pessoal e profissional demonstrada pelo trabalhador contratado; - devem as declarações negociais emitidas, com efeitos na relação contratual celebrada, partir e serem firmadas pelos legais representantes da Ré, identificados no contrato, ou por quem tenha poderes conferidos para os efeitos, e serem estes conhecidos do destinatário contratante; - deixou um trabalho onde estava integrado para ir trabalhar para um projecto que lhe haviam apresentado como aliciante, ao qual se adaptara perfeitamente, integrando normalmente a equipa de trabalho e com eles interagindo plenamente quer no tempo e funções de trabalho, quer no normal convívio exterior, sem que nada fizesse prever a tormenta que o ia atingir ; - a Ré, no período experimental, lançou mão desse expediente, para se libertar da presença de quem se estava a integrar no trabalho com a qualificação, a motivação e o curriculum de que dispunha, sendo apanhado num «fogo cruzado» que não lhe dizia respeito, muito menos esperava; - porém, o recurso ao instituto do período experimental não é aqui aceitável, pois constitui um flagrante desvio e até confronto com o fim económico e social do citado instituto, lapidarmente descrito no artigo 111º do CT e, como tal, constitui um flagrante abuso de direito, conforme refere o artigo 334º do Código Civil, pois, repete-se, a cessação nada teve a ver com a actividade do Autor, e a Ré continuou a admitir trabalhadores no mesmo âmbito; - a pessoa que terminou o seu contrato de trabalho não tinha poderes para o fazer; - ao fazer cessar a prestação de trabalho e o contrato de trabalho que a ligava ao Autor, com efeitos a partir de 7/11/2019, estava a Ré a fazer cessar o contrato de trabalho que a ligava a um trabalhador por ela contratado sem qualquer relacionamento com a fase que invoca, o que constitui uma cessação de contrato de trabalho sem justa causa nem fundamento , e sem instauração de processo disciplinar, nem recurso a procedimento adequado; - a Ré suspendeu o pagamento da retribuição devida. *** Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação. *** A Ré apresentou requerimento, afirmando que “1.- Desde o final de Março de 2020, em virtude da situação pandémica que se vive – que a equipa administrativa, de apoio e back-office da Ré tem estado a trabalhar em regime de teletrabalho. 2.- A Ré acabaria mesmo por deixar de ter escritórios no imóvel da Travessa A... n.º..., tendo devolvido o imóvel (“…”) ao Senhorio / Proprietário no dia 5 de Novembro de 2020 e todas as chaves e meios de acesso no dia seguinte, 3.- E portanto, a Ré já não era arrendatária, já não usava, e já nem tinha acesso à correspondência recebida naquele imóvel quando a citação lá foi depositada (o que aconteceu a 6 de Novembro de 2020) ou quando foi notificada da acta da audiência de partes (a 27 de Novembro de 2020), razão pela qual não lhes teve acesso, apenas delas tendo tomado conhecimento há cerca de uma semana atrás. Da total falta de fundamento da Petição Inicial 4.- O contrato de trabalho que vinculava o Autor à Ré, desde 7 de Outubro de 2019, cessou durante o período experimental (de 180 dias), por comunicação de que o Autor teve conhecimento no dia 7 de Novembro de 2020, conforme o próprio explica. 5.-A Dra. (…), que subscreveu aquela comunicação, é representante da Ré desde 30 de Outubro de 2018, 6.- Adicionalmente, importa esclarecer que a Ré efectivamente fez cessar mais alguns contratos de trabalho em Novembro de 2020, no âmbito da reestruturação que é comum em época baixa no sector hoteleiro, deixando claro que não contratou qualquer trabalhador para substituição / ocupação do posto de trabalho que o Autor deixou vago. 7.- Não são facilmente perceptíveis nem a causa de pedir, nem o pedido formulado pelo Autor, mas facilmente se conclui que os fundamentos que invoca não têm qualquer substância jurídico-legal que justifique responsabilizar a Ré, seja pelo que for e/ou em que quantitativo for. Em conformidade, Requer-se a V. Exa. que se digne aceitar e considerar as explicações aduzidas supra pela Ré, requerendo-se ainda que se digne conceder um novo prazo de defesa à Ré para que possa exercer a sua defesa e assim seja possível ao Tribunal decidir, fazendo justiça.” *** Foi proferido despacho que indeferiu a requerida concessão de novo prazo à Ré para apresentar contestação. *** Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré dos pedidos. *** Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que “Quanto às custas: 1-Não existindo ainda qualquer decisão definida e definitiva quanto aos efeitos pecuniários da presente ação para as partes, carece de fundamento e oportunidade para a decisão a douta sentença recorrida neste ponto, bem como para o critério que adoptou, 2-Assim tendo violado os artigos 296º,297º, 303º e 306º do Código de Processo Civil Quanto ao fundo da causa 3-A matéria provada nos autos é inequívoca no sentido de ter a denuncia pela recorrida do contrato de trabalho que a ligava ao recorrente sido feita sem atenção ao estipulado nos artigos 111º-1 e 2 do Código de Trabalho, pois, conforme resulta dos artigos 4º, 5º, 11º e 12º da matéria de facto lavrada nos autos, desde logo, nada teve a ver com a prestação profissional do ora recorrente. 4-É que, ao contrário do que se refere na douta sentença recorrida, nem existe um direito absoluto de a entidade patronal (é o que interessa in casu) fazer cessar ad nutum o contrato de trabalho que a liga a um trabalhador no período experimental, que sempre teria de ser feito com fundamentos ligados ao artigo 111º-1 e 2 acima referidos 5-E em condições, no plano legal, quer de respeitar o fim social para o qual fora conferido com formulação e comunicação adequadas, por pessoa física ou jurídica com poderes de representação, pois além das atinentes normas de direito de trabalho, deverá sempre ter como referência as normas legais que as conformam e que, in casu, são as que regulam o abuso do direito conforme dispõe o artigo 334º do Código Civil e que são estar o exercício do direito (de denúncia do contrato) vinculado ao fim económico e social do direito. 6-E é, assim, que é travejante do quadro legal da cessação por denúncia patronal do contrato de trabalho que ao trabalhador ora recorrente a ligava neste circunstancialismo, ter como fundamento um qualquer facto ou qualidade ligada à prestação do trabalhador, aqui o ora recorrente, ou à sua integração na estrutura empresarial que o contratara ou até, admite-se, uma revisão da decisão empresarial. 7-Ora, aqui provado ficou que a decisão comunicada nada tinha a ver com a prestação do recorrente ou à sua pessoa, tendo-o apanhado de surpresa ou mesmo com algum fundamento. 8-E incontestável é que a cessação lhe foi comunicada assinada por uma senhora que não era gerente e o foi efemeramente, nem tal foi ratificado (ver números 7, 8, 9, 10 da matéria de facto). 9-E nem se pretenda elaborar como que um distinguo entre decisão e comunicação, pois esta transcreve inteiramente a decisão e é subscrita e assinada pela não gerente na altura 10-Assim, está na factualidade da decisão exata e incontroversa a ausência de poderes para o ato da subscritora e havendo algo que o contradissesse a recorrida, por certo, o alegaria e teve intervenção para isso 11-Para mais, existe jurisprudência no sentido defendido pelo recorrente e nas circunstâncias deste caso 1-Acórdão da Relação do Porto de 11.10.2018, com a refª RP201810114937/16.7T80AZ.P1 que o direito conferido «não poderá ser exercido arbitrária ou abusivamente»(Ponto II do sumário/conclusões) e «há abuso do direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses de que esse direito é instrumento e na negação de sensíveis de outrem» (Ponto III do sumário/conclusões) 2-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 498/12.4TTVCT.G1.SI-4ª Secção, no qual, «a denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental, nos termos do artigo 111º do Código de Trabalho, não depende da invocação (note-se invocação) de um motivo válido que a justifique, (neste caso, nem em justificação se falou,) estando, contudo, sujeita aos limites decorrentes do artigo 334º do Código Civil. 3-Acórdão da Relação do Porto no processo nº 1114/09.7TTPRT.P1 DE 05.03.2012, -4ª Secção do qual resulta que se durante o período experimental de um contrato de trabalho não foi dado ao trabalhador a possibilidade de demonstrar as suas qualidades ou aptidões para o desempenho das funções para as quais foi contratado ou não tiver tido a oportunidade de efetuar a sua prestação (ou, por identidade ou até maioria de razão quando a cessação se não funda em motivo ligado à prestação, entende o recorrente) a cessação da relação laboral, por parte do empregador, nesse período experimental, constitui uma denúncia abusiva, correspondendo a um despedimento ilícito. 12-E sempre claro decidida por quem tenha poderes para tal, e isto foi alegado e resulta indubitavelmente provado que a subscritora e comunicadora não o tinha decisão. 13-E nestes autos não houve motivo ou justificação, nem tal foi referido nem o decisor tinha nem provou ter poderes para o que decidiu e comunicou, há evidente abuso do direito e quem o decidiu e comunicou não tinha poderes para isso. 14-E as consequências para a recorrida não podem ser senão a do despedimento ilícito, até porque outra previsão para a cessação por iniciativa unilateral patronal existe. 15-E deixa-se de lado, por irrelevantes quanto ao recurso outras questões que tenham perturbado a elaboração da sentença, como sejam os efeitos gravosos para quem despede ilicitamente (que seria uma inversão do paradigma do direito do trabalho para favor patronalis) ou a necessidade/obrigação de promoções de diligências à porta 16-Neste quadro parece incontestável que a cessação do contrato de trabalho comunicada ao recorrente foi sem fundamento e em manifesto abuso de direito e decidida por quem não tinha poderes para tal. 17-Assim não tendo entendido, violou a douta sentença recorrida os artigos em que se fundou, os artigos 111º-1 e 2296º,297º, 303º e 306º do Código de Trabalho e o artigo 334ºdo Código Civil. Termos em que e no mais de direito, deve ao presente recurso ser dado provimento e revogada a decisão quanto a custas e o valor mantido como consta da petição inicial e revogada também a decisão quanto ao fundo da causa e condenada a recorrida no pedido, com as legais consequências quanto a custas e procuradoria.” *** A Ré contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso, com todas as consequências legais, considerando que não devem as pretensões do Recorrente determinar qualquer modificação na Douta Sentença Recorrida, devendo a mesma manter-se integralmente. *** Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos. *** II–Objecto Considerando as conclusões de recurso apresentadas, cumpre decidir se o tribunal a quo errou ao considerar que não ocorreu abuso de direito por parte da empregadora, ao fazer cessar o contrato do trabalhador durante o período experimental, se a pessoa que comunicou a decisão da denúncia do contrato tinha poderes para o efeito e se o tribunal a quo errou na condenação em custas. *** III–Fundamentação de Facto São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância 1.-O Autor e a Ré celebraram e cumpriram, nos dias nos quais se manteve a relação de trabalho entre ambos, o contrato individual de trabalho junto a fls. 8-12, cujo teor se dá por reproduzido. 2.-O referido contrato foi celebrado por tempo indeterminado, com início em 7/10/2019 e com um período experimental de 180 dias. 3.-O Autor tinha a categoria profissional de (…)e auferia de retribuição mensal ilíquida € 2.720,00, acrescida de € 680,00, a título de complemento de isenção de horário de trabalho, enquanto neste regime estivesse. 4.-O Autor foi contactado directamente por um responsável da Ré que o convidou a deixar um lugar onde tinha a situação estabilizada e a sua vida organizada em conformidade, o que fez tendo em conta as necessidades da Ré e as capacidades do Autor, que conhecia. 5.-O Autor deixou um trabalho onde estava integrado para ir trabalhar para um projecto que lhe haviam apresentado como aliciante, ao qual se adaptou, integrando a equipa de trabalho e com ela interagindo plenamente, quer no tempo e funções de trabalho, quer no normal convívio exterior, sem que nada fizesse prever o que se iria suceder. 6.-A Ré dirigiu ao Autor a missiva junta a 16, datada de 7/11/2019, que se dá por reproduzida, onde se lê, para além do mais, o seguinte: «Caro Colaborador, Nos termos e para os efeitos do disposto na Cláusula SEXTA (6ª) do Contrato de Trabalho celebrado no dia 26 de Setembro de 2019, que iniciou no dia 07 de Outubro de 2019, vimos comunicar a decisão da (…), de denunciar o contrato durante o período experimental. Esta comunicação é enviada com observância do prazo de aviso prévio previsto no Artigo 114º, do Código do Trabalho, pelo que o contrato cessará, deixando de produzir quaisquer efeitos, a partir do dia 07 de Novembro de 2019.» 7.-A carta referida em 6 tem aposto o carimbo da Ré e mostra-se assinada manualmente por (…). 8.-Em 7/11/2019 era gerente da Ré (…), por deliberação de 30/07/2019, o qual foi destituído em 13/11/2019. 9.-Por deliberação de 13/11/2019, foi nomeado gerente da Ré (…), o qual foi destituído em 11/08/2020. 10.-Por deliberação de 19/12/2019, foi nomeada gerente da Ré (…) a qual cessou funções por renúncia em 29/02/2020. 11.-A cessação do contrato que ligava Autor e Ré não teve por fundamento qualquer facto ligado ao Autor e à sua prestação de trabalho, tendo o Autor sido apanhado de surpresa. 12.-A Ré continuou a admitir trabalhadores. 13.-O Autor ficou fortemente abalado com a comunicação referida em 6, afectado na sua auto-estima e deprimido, o que só superou pelo apoio de amigos, colegas e familiares. *** IV–Decisão Sumária É a seguinte a decisão sumária “Vejamos se a Ré, ao afastar o Autor durante o período experimental, dando por findo o contrato de trabalho que haviam firmado, agiu em abuso de direito. A primeira instância decidiu da seguinte forma “Vale isto por dizer que o facto de a ré ter denunciado o contrato de trabalho sem invocar qualquer inadaptação do trabalhador e apesar de o mesmo se ter integrado plenamente na equipa de trabalho na ré, não significa que tenha actuado em abuso de direito. Com efeito, o autor nada alega que nos permita concluir que a decisão da ré foi motivada em facto diverso daqueles que justificam a figura do período experimental e que acima deixamos explanadas. Na missiva em questão, a ré não invoca qualquer fundamento para denunciar o contrato de trabalho no período experimental, nem tinha a obrigação de o fazer, bastando a simples comunicação de denúncia. Também dos factos provados nada resulta que permita compreender as razões que levaram a ré a tomar essa decisão. É certo que o autor alude na petição inicial a um «rolar de cabeças», alegação que não constitui qualquer facto objectivo, susceptível de ser considerado provado. Apenas se pode concluir, em face do provado, que se desconhece a motivação que levou a ré a denunciar o contrato, sem que a sua conduta possa ser censurável. Com efeito, a ré usou da faculdade que a lei concede a qualquer das partes no contrato de trabalho, de poderem denunciar o contrato de trabalho durante o período experimental sem necessidade de justa causa, ou seja, sem necessidade de revelar as razões que motivam essa decisão (art.º 114.º, n.º 1, do Código do Trabalho). É certo que o autor também alega, e prova, que deixou uma situação estável para abraçar outro projecto, na ré, sendo as suas expectativas goradas com a denúncia contratual no período experimental. Ressalta do alegado que o autor tinha determinadas expectativas no que concerne ao contrato celebrado com a ré que se goraram quando a empregadora, fazendo uso de um instituto jurídico admitido e expressamente previsto no nosso direito laboral, decidiu colocar termo ao contrato durante o respectivo período experimental. Qualquer trabalhador que outorgue um contrato de trabalho tem legítimas expectativas que o mesmo perdure no tempo. Mas, na verdade, na fase inicial do contrato, durante o período experimental, a situação do trabalhador é necessariamente precária em face do regime legal que vigora nesse período, e cujos fundamentos se sobrepõem à segurança no emprego. O legislador reconhece que nesse período qualquer das partes pode, legitimamente, pôr termo ao contrato de trabalho, necessariamente gorando as expectativas que a celebração do contrato gerou na esfera jurídica dos contraentes. Acresce que em momento algum o autor afirma que a empregadora lhe garantiu que não seria colocado termo ao contrato durante o período experimental nem isso se pode afirmar em face do teor do contrato celebrado. O autor bem sabe que assinou um contrato de trabalho que não dispensou o período experimental, conforme permitido pelo art.º 111º, n.º 3, do Código do Trabalho, antes o fixou em 180 dias, nos termos consentidos pelo art.º 112º, n.º 1, al. b). O autor não coloca em causa a licitude dessa estipulação, mas ainda que a sua validade fosse questionada, tal seria irrelevante no caso dos autos, pois a denuncia ocorreu no prazo geral de 90 dias, previstos na al. a) do n.º 1 do citado art.º 112º. Ora, a existência de um período experimental clausulado entre as partes deixa antever que nenhuma delas tinha a certeza de que a relação laboral se iria consolidar para além desse período de tempo. Se assim não fosse, teriam excluído o período experimental. Neste quadro, não existe qualquer facto provado que permita concluir que a ré actuou em abuso de direito, o qual tem que ter sustento em factos e não em meras conjecturas ou conclusões não minimamente concretizadas. Cabia ao autor, de acordo com as regras gerais de repartição do ónus de prova, alegar e demonstrar os factos necessários para que se pudesse concluir nesse sentido (art.º 342.º do Código Civil), propósito que não logrou alcançar.” Nos termos do disposto no artigo 111.º do CT - Noção de período experimental - 1- O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção. 2- No decurso do período experimental, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho. 3- O período experimental pode ser excluído por acordo escrito entre as partes. Ou seja, o período experimental corresponde à “[1]primeira fase do ciclo vital do contrato, fase em que em que o vínculo jurídico-laboral revela ainda uma grande fragilidade, apresentando fraca consistência e sendo facilmente dissolúvel por qualquer das partes. O período de experiência consiste, na verdade, numa figura cautelar, numa medida de “precaução ou de prudência”, como escreve Jorge Leite[2], possibilitando uma certificação mútua: o empregador certifica-se de que o trabalhador possui as aptidões laborais requeridas para o cabal desempenho das funções ajustadas; o trabalhador certifica-se de que as condições (humanas, logísticas, ambientais, etc.) de realização da sua atividade profissional são as esperadas. Compreende-se por isso que, em princípio, durante o período experimental qualquer das partes possa denunciar o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar a qualquer indemnização (artigo 114.º/1 do CT. (…) O período experimental traduz-se, pois numa espécie de válvula de escape de um sistema que tutela a estabilidade no emprego e restringe os despedimentos, servindo basicamente para que o empregador aprecie o desempenho profissional e avalie as capacidades laborais do trabalhador recém-contratado . Por isso e para isso a lei concede ao empregador a faculdade de denunciar o contrato, dispensando-o de invocar justa causa para romper o vínculo. Esta ampla liberdade patronal de denúncia não poderá, porém, redundar em práticas discriminatórias: assim, se o empregador “aproveita” o período experimental para se “desembaraçar” de um trabalhador em virtude das suas convicções ideológicas ou religiosas, da sua orientação sexual, do seu estado de gravidez, da sua filiação sindical, etc – aí teremos outras tantas práticas abusivas e discriminatórias, sindicáveis judicialmente através da figura do abuso de direito (isto muito embora a prova da real motivação patronal constitua, amiúde, uma dificuldade insuperável.”[3] Como também se afirma no acórdão desta Secção de 15-02-2012[4], o “período experimental corresponde a um período de fragilidade de um contrato, por regra estável, em que as normas de ordem pública que o dominam, limitam a sua ruptura pelo empregador. Assim, se durante esse período as partes são livres de pôr fim ao contrato, essa liberdade não é absoluta (pode esconder, por exemplo, práticas discriminatórias), podendo ser aferida à luz da teoria do abuso do direito.” O Autor invoca a figura do abuso de direito, para concluir pela ilicitude da denúncia do contrato no decurso do período experimental, alegando que, não só não existe um direito absoluto de a entidade patronal fazer cessar o contrato no período experimental, antes teria de o fazer com fundamentos ligados ao artigo 111º nº1 e 2 do CT, como, segundo resulta dos factos 4.- O Autor foi contactado directamente por um responsável da Ré que o convidou a deixar um lugar onde tinha a situação estabilizada e a sua vida organizada em conformidade, o que fez tendo em conta as necessidades da Ré e as capacidades do Autor, que conhecia. - 5.- O Autor deixou um trabalho onde estava integrado para ir trabalhar para um projecto que lhe haviam apresentado como aliciante, ao qual se adaptou, integrando a equipa de trabalho e com ela interagindo plenamente, quer no tempo e funções de trabalho, quer no normal convívio exterior, sem que nada fizesse prever o que se iria suceder. - 11.- A cessação do contrato que ligava Autor e Ré não teve por fundamento qualquer facto ligado ao Autor e à sua prestação de trabalho, tendo o Autor sido apanhado de surpresa. - 12.- A Ré continuou a admitir trabalhadores, a decisão em causa nada teve que ver com a prestação do recorrente ou com a sua pessoa. O artigo 114º nº1 do CT dispõe que durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização. Desta desnecessidade de invocar justa causa retiram autores como Jorge Leite e Júlio Gomes a conclusão de que se trata de situação distinta de inexistência de justa causa. Salienta o primeiro que “sendo o período de experiência estabelecido em função de determinados motivos, a denúncia deverá ter como seu fundamento algum deles, não podendo, por isso, qualificar-se como arbitrária”[5]. Idêntica conclusão é retirada pelo segundo.[6] “Ora, permitindo o período experimental, para além do “exame” mútuo dos sujeitos, a avaliação das condições de execução do contrato, de modo a que cada um deles verifique se lhe convém a continuação da relação laboral, a ponderação que o empregador faça da continuação dessa relação não pode deixar de atender ao contexto e vicissitudes da própria estrutura empresarial onde se desenvolve a prestação do trabalhador. Nesta medida, como tem sido entendido, uma situação de crise inesperada da empresa, determinando o seu previsível encerramento ou a redução dos postos de trabalho, constitui circunstância justificativa da cessação do contrato de trabalho no período experimental, mesmo que a avaliação do trabalho seja positiva.”[7] Ora, não tendo as partes de invocar as razões da denúncia do contrato durante o período experimental, a questão que se coloca é se ocorreu qualquer motivação abusiva, fora do quadro da avaliação das aptidões do trabalhador. “[8]A liberdade de desvinculação consagrada no artigo 114º tem a ver com as razões que são determinantes para a consagração legal do período experimental, daí que possamos dizer que não será lícita a denúncia motivada por causas completamente estranhas a tais razões. Contudo, a apreciação que se pretende com o período experimental é uma avaliação global dos termos concretos do desenvolvimento da relação laboral estabelecida. As partes podem avaliar da adequação entre os termos de certo negócio jurídico e os respetivos interesses na manutenção desse mesmo negócio a longo prazo. Importa atentar nas caraterísticas da relação a estabelecer – duradoura e intuitus personae -, implicando um relacionamento humano, onde intercorre a lealdade e a confiança, bem como intercorre um relacionamento por parte do trabalhador com os restantes trabalhadores e colaboradores da empresa, importando o modo como ele se insere nessa “comunidade”. Pretende-se dar às partes a possibilidade de um conhecimento mais aprofundado sobre as vantagens na manutenção do vínculo, tendo em conta o que esperam do contrato e os seus interesses; conhecimento esse que resulta da própria execução do contrato, da sua vivenciação, tendo em vista sobretudo (mas não só), por parte do empregador, avaliar as aptidões do trabalhador. O empregador avalia a “compatibilidade do contrato com os respetivos interesses, conveniências ou necessidades.” No seu cerne está uma avaliação do desempenho, mas com uma abrangência mais lata que a simples aptidão para o cargo”. Não se trata de uma pura apreciação das qualidades técnicas. O trabalho vai ser desenvolvido no âmbito de uma empresa, de uma organização de um conjunto de fatores, incluindo humanos. A apreciação da própria interação com os restantes elementos humanos da estrutura releva aqui, ou seja; a avaliação da sua integração e conjugação da sua prestação no quadro da organização empresarial. Relevará também a ponderação por parte da empresa de novas estratégias, alterações de mercado, etc… que tornem a manutenção do contrato desaconselhável do ponto de vista dos seus interesses e necessidades empresariais. Isto ainda que a apreciação da competência e inserção do trabalhador se mostrem positivas. Não teria sentido por exemplo que em face de uma súbita crise de mercado que aconselhe uma diminuição de mão-de-obra, se obrigasse a empresa a manter o contrato em período experimental, obrigando-a a um sempre demorado e burocrático processo de despedimento por justa causa objetiva. Apenas se exclui daquela apreciação o que possa redundar em arbítrio, tais como características pessoais sem reflexo na relação, ou que não devam relevar por obediência a princípios caros à Comunidade e ao Estado. Excluídas estão pois razões motivadas por preferências, gostos pessoais, orientações do trabalhador não relacionados com o seu desempenho profissional, e todos as circunstâncias cuja apreciação implica tratamento discriminatória desse trabalhador. Neste quadro é proibida a utilização abusiva das faculdades concedidas no âmbito do período experimental, em por termo à relação. Causas estranhas à verificação da “compatibilidade do contrato com os respetivos interesses, conveniências ou necessidades”, decorrente do conhecimento que a execução do contrato fornece, tornarão abusiva a denúncia.” Portanto, se durante o período experimental, em princípio, o empregador, tem a faculdade de despedir o trabalhador sem aviso prévio e sem invocação de justa causa e sem que este tenha direito a indemnização, a denúncia não deve obedecer a meros caprichos do mesmo, antes corresponder a uma realidade objectiva. Mas o abuso de direito na denúncia, por o exercício do respectivo direito ter excedido manifestamente os limites impostos pela boa-fé ou pelo fim social ou económico do mesmo direito (art. 334.º do Código Civil), deve implicar uma apreciação global da situação, sob pena de vir a implicar uma inutilização do mecanismo inerente ao período experimental. No presente caso, a única coisa que se sabe é que a cessação do contrato que ligava Autor e Ré não teve por fundamento qualquer facto ligado ao Autor e à sua prestação de trabalho, e que a Ré continuou a admitir trabalhadores, desconhecendo-se para que funções, mas desconhece-se se a denúncia ficou a dever-se a qualquer incompatibilidade ou a frustração de expectativas por parte do empregador.[9], Não sabemos, pelo que os factos não permitem concluir que a denúncia do contrato no período experimental foi exercida de má-fé, visou disfarçar uma motivação ilícita para a cessação do contrato, ou mesmo, que teve um intuito sancionatório sobre o Autor. É ao trabalhador que incumbe alegar e provar os factos subjacentes ao abuso de direito que alega , por serem constitutivos do seu direito (cfr. art. 342º nº1 do Código Civil). No presente caso, o trabalhador não logrou tal prova, mas apenas que a cessação do contrato que o ligava à Ré não teve por fundamento qualquer facto ligado a si e à sua prestação de trabalho, não tendo sido apuradas quaisquer práticas discriminatórias, seja de que natureza forem, ou outras donde se possa concluir pela verificação do abuso de direito na denúncia da relação laboral operada no decurso do período experimental. Cumpre ter presente que o período experimental destina-se à apreciação, por ambas as partes envolvidas do “ interesse na manutenção” do contrato, e na carta enviada pela Ré nada resulta que nos permita concluir pela invalidade da rescisão do contrato de trabalho, aliás, nem tinha a mesma de conter qualquer facto (cfr. art 114º nº1 do CT), assim como o Autor também não alegou factos que nos permitiam concluir pelas razões que conduziram a essa denúncia operada pela Ré. Como se afirma na sentença recorrida, “É certo que o autor também alega, e prova, que deixou uma situação estável para abraçar outro projecto, na ré, sendo as suas expectativas goradas com a denúncia contratual no período experimental. Ressalta do alegado que o autor tinha determinadas expectativas no que concerne ao contrato celebrado com a ré que se goraram quando a empregadora, fazendo uso de um instituto jurídico admitido e expressamente previsto no nosso direito laboral, decidiu colocar termo ao contrato durante o respectivo período experimental. Qualquer trabalhador que outorgue um contrato de trabalho tem legítimas expectativas que o mesmo perdure no tempo. Mas, na verdade, na fase inicial do contrato, durante o período experimental, a situação do trabalhador é necessariamente precária em face do regime legal que vigora nesse período, e cujos fundamentos se sobrepõem à segurança no emprego. O legislador reconhece que nesse período qualquer das partes pode, legitimamente, pôr termo ao contrato de trabalho, necessariamente gorando as expectativas que a celebração do contrato gerou na esfera jurídica dos contraentes. Acresce que em momento algum o autor afirma que a empregadora lhe garantiu que não seria colocado termo ao contrato durante o período experimental nem isso se pode afirmar em face do teor do contrato celebrado. O autor bem sabe que assinou um contrato de trabalho que não dispensou o período experimental, conforme permitido pelo art.º 111º, n.º 3, do Código do Trabalho, antes o fixou em 180 dias, nos termos consentidos pelo art.º 112º, n.º 1, al. b). O autor não coloca em causa a licitude dessa estipulação, mas ainda que a sua validade fosse questionada, tal seria irrelevante no caso dos autos, pois a denuncia ocorreu no prazo geral de 90 dias, previstos na al. a) do n.º 1 do citado art.º 112º. Ora, a existência de um período experimental clausulado entre as partes deixa antever que nenhuma delas tinha a certeza de que a relação laboral se iria consolidar para além desse período de tempo. Se assim não fosse, teriam excluído o período experimental. Neste quadro, não existe qualquer facto provado que permita concluir que a ré actuou em abuso de direito, o qual tem que ter sustento em factos e não em meras conjecturas ou conclusões não minimamente concretizadas. “ Em face do exposto, improcede, nesta parte, o recurso. Alega ainda o Autor que quem subscreveu a carta que denunciou o contrato não era gerente, sendo-o apenas mais tarde e efemeramente, nem tal foi ratificado. Determina o artigo 268º do C. Civil, sob a epígrafe Representação sem poderes, 1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.” Ora, no presente caso, nada nos factos provados nos diz que o negócio jurídico denúncia, foi da autoria da subscritora da missiva entregue ao Autor, em cujo conteúdo se afirma “Caro Colaborador, Nos termos e para os efeitos do disposto na Cláusula SEXTA (6ª) do Contrato de Trabalho celebrado no dia 26 de Setembro de 2019, que iniciou no dia 07 de Outubro de 2019, vimos comunicar a decisão da (…), de denunciar o contrato durante o período experimental. Esta comunicação é enviada com observância do prazo de aviso prévio previsto no Artigo 114º, do Código do Trabalho, pelo que o contrato cessará, deixando de produzir quaisquer efeitos, a partir do dia 07 de Novembro de 2019.” A carta tem o carimbo da Ré e está assinada por alguém que não tem poderes de representação da Ré. Mas trata-se de uma mera comunicação. Nada nos permite concluir que a subscritora da missiva actuou, decidindo a denúncia do contrato, em nome da Ré, emitindo uma declaração de vontade desta, situação em que os seus efeitos se produziriam na esfera jurídica da Ré (cfr. art. 258º do C.Civil). E se assim fosse, a falta de poderes, aproveitava, não neste caso ao Autor , mas à própria Ré, como resulta do citado preceito legal – artigo 268º nº1 – quando é certo que toda a postura da Ré no âmbito deste processo, nos conduz a uma ratificação da decisão de denúncia , sendo certo também que o Autor não concedeu à Ré qualquer prazo, nos termos do artigo 268º nº3 do C. Civil. Improcede, pois, também nesta parte, o recurso. *** Quanto a custas, insurge-se o recorrente acerca do seu valor, alegando que “Veio a douta sentença de fls. estabelecer um novo valor de custas que, se é certo cabe no âmbito dos poderes do julgador e lhe está mesmo imposto, carece, smo, de qualquer fundamento legal e adequado à situação e acabando apenas por ter uma natureza eventualmente dissuasória do ora recorrente, quando entende este, pelo contrário, que está a agir dentro dos poderes que a lei lhe confere e balizado num quadro legal irrefutável até em termos gerais de direito, conforme infra se desenvolverá. E isto porque não estão sequer definidos os efeitos pecuniários da ação para o recorrente, pois está até em aberto, dada a decisão de que ora se recorre e a opção feita reintegração ao serviço da recorrida, pois, no limite das disposições invocadas, o está no valor de € 6800,00, não existe fundamento para o valor fixado que, não sendo essa a intenção, acaba por agravar substancialmente a taxa de justiça a suportar pelo recorrente, pelo que não se justifica tal decisão, cabendo antes esta no valor inicialmente fixado na petição inicial ou do acima referido, resultante, aliás, do valor referência, ou, no limite com a liquidada conhecida à data da prolação da sentença, dada a indefinição das consequências pecuniárias para as partes. Assim não tendo entendido, violou a douta sentença recorrida os artigos em que se fundou, os artigos 296º,297º, 303º e 306º do Código de Processo Civil.” A decisão recorrida decidiu nos seguintes termos: “As custas serão suportadas pelo autor, porque integralmente vencido (art.º 527º, n.os1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho).” E fixou o valor da causa em 17.000€, justificando-o da seguinte forma: “O autor atribuiu à acção o valor de € 5.000,01. Cumpre apreciar. A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, sendo que se pela acção se pretende obter quantia certa em dinheiro é esse o valor da causa; se se pretende obter beneficio diverso, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício; cumulando-se vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles (art.ºs 296º, n.º 1, e 297º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil). Conforme se consignou supra, entende-se que os pedidos formulados pelo autor se encontram em relação de subsidiariedade. Assim sendo, nos termos do art.º 297º, n.º 3, segunda parte, a fixação do valor terá em consideração apenas os pedidos formulados em primeiro lugar (a título principal), isto é, de condenação da ré na reintegração e no pagamento das retribuições intercalares desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento. O pedido de reintegração não é quantificável, mas já o é o pedido formulado em alternativa a esse, de pagamento de uma indemnização de antiguidade consoante aquela que viesse a ser a opção do autor, sendo este o valor sucedâneo do pedido de reintegração (art.º 397º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Considerando a antiguidade do autor (um mês), o valor do seu vencimento (€ 2.720,00 + € 680,00) e o disposto no art.º 391º, n.º 3, do Código do Trabalho, a indemnização por antiguidade à data da propositura da acção cifra-se em € 10.200,00. Por outro lado, o valor das retribuições intercalares que foi peticionado como estando vencido à data da propositura da acção ascende a € 6.800,00. Deste modo, o valor da acção corresponderá à soma de todos estes montantes, ou seja, ao valor de € 17.000,00, que importa fixar na presente sentença (art.ºs 296º, 297º, 303º e 306º do Código de Processo Civil).” Nada cumpre censurar à decisão recorrida. O Autor afirma que até à data da propositura da acção, venceram-se 6.800€, a título de retribuições intercalares. Como pedido subsidiário à reintegração, formula o pedido de indemnização por antiguidade. Dado que trabalhou um mês e auferiu 3,400€, e visto o disposto no artigo 391º nº3 do CT, teria haver a quantia de 10.200€ de retribuição por antiguidade, a que acrescem as retribuições intercalares já vencidas, o que perfaz a quantia 17.200€. É esse o valor da acção, de acordo com o disposto no artigo 297º nº1 e 3 do CPC, E não os 5.001,00€ pugnados pelo recorrente, improcedendo, também nesta parte, o recurso. *** V–Decisão Face a todo o exposto, o Tribunal decide julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por AAA e confirmar a sentença recorrida. Custas a cargo do Apelante.” *** V–Decisão da Reclamação São três as questões a decidir 1)-Se ocorreu abuso de direito por parte da empregadora ao fazer cessar o contrato com o Autor durante o período experimental. De acordo com a lei – artigo 114º nº1 do CT – bastava à empregadora a simples comunicação do terminus do contrato de trabalho durante o período experimental, sem necessitar de qualquer justificação. É o que resulta do referido preceito legal, nos termos do qual “1 - Durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.”. Não houve acordo escrito em contrário. Por outro lado, o Autor bem sabe que assinou um contrato de trabalho e que não dispensou o período experimental, conforme permitido pelo art.º 111º, n.º 3, do Código do Trabalho. Excepção a esta regra ocorre se dos factos se concluir que o empregador exerceu esse direito de denúncia do contrato no período experimental, excedendo os limites da boa-fé ou do fim social e económico do mesmo direito, ou seja, se o empregador agiu em abuso de direito (artigo 334º do C.Civil). Quanto a esta questão, não resulta dos factos provados, qualquer facto que nos permita concluir pela existência de uma qualquer situação de abuso de direito, e que a decisão da Ré foi motivada em facto diverso daqueles que justificam a figura do período experimental, a saber, o período durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção, devendo agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho (artigo 111º nº1 e 2 CT). Simplesmente, o Tribunal desconhece das razões da denúncia do contrato pelo empregador durante o período experimental. Se o trabalhador acalentou expectativas neste novo emprego, elas correm por sua conta e risco, já que ao não providenciar e garantir, nos termos do disposto nos artigos 114º nº1 e 111º nº3 do CT, por um acordo que lhe garantisse que não seria dispensado durante o período experimental, ou que dispensasse o próprio período experimental, assumiu, como, e bem, afirma a primeira instância que nenhuma das partes tinha a certeza de que a relação laboral se iria consolidar para além desse período de tempo. Como se sabe, durante o período experimental, a situação do trabalhador é necessariamente precária em face do regime legal que vigora nesse período, e cujos fundamentos se sobrepõem à segurança no emprego. Portanto, carece de razão o Autor, mantendo-se a decisão sumária, quanto a esta questão. 2)-Quanto à subscrição da carta que denunciou o contrato não ser feita por gerente, que apenas o foi mais tarde e efemeramente, nem ter sido ratificada. Não ocorre dizer mais do que já resulta da decisão sumária. De facto, nada nos factos provados nos diz que o negócio jurídico denúncia, foi da autoria da subscritora da missiva entregue ao Autor. Trata-se de uma mera comunicação. E como se refere na decisão sumária, nada nos permite concluir que a subscritora da missiva actuou, decidindo a denúncia do contrato, em nome da Ré, emitindo uma declaração de vontade desta, situação em que os seus efeitos se produziriam na esfera jurídica da própria Ré ( cfr. art. 258º do C.Civil). E se assim fosse, a falta de poderes, aproveitava, não neste caso ao Autor, mas à própria Ré, como resulta do artigo 268º nº1, quando é certo que toda a postura da Ré no âmbito deste processo, nos conduz a uma ratificação da decisão de denúncia , e sendo certo também que o Autor não concedeu à Ré qualquer prazo, nos termos do artigo 268º nº3 do C. Civil. 3)-Quanto ao valor da acção Considerando - o disposto nos artigos 296º nº 1, e 297º nº 1, 2 e 3, segunda parte do CPC, - que o pedido de reintegração não é quantificável, mas já o é o pedido formulado em alternativa a esse, de pagamento de uma indemnização de antiguidade, consoante aquela que viesse a ser a opção do autor; - que o valor da indemnização por antiguidade, em função da antiguidade do autor (um mês), e o valor do seu vencimento (€ 2.720,00 + € 680,00), e considerando o disposto no art.º 391º nº 3, contabiliza-se em € 10.200,00; - que o valor das retribuições intercalares, que foi peticionado como estando vencido à data da propositura da acção, ascende a € 6.800,00; cumpre concluir, tal como a decisão sumária, que o valor da acção corresponderá à soma de todos estes montantes, ou seja, corresponderá ao valor de € 17.000,00, que importa fixar na presente sentença (art.ºs 296º, 297º, 303º e 306º do Código de Processo Civil). *** VI–Decisão Face a todo o exposto, acorda-se, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em manter a decisão sumária proferida pela relatora. *** Custas a cargo da reclamante. Registe e notifique. Lisboa, 2021-10-13 (Paula de Jesus Jorge dos Santos) (1ª adjunta – Filomena Manso) (2º adjunto – Duro Mateus Cardoso) Declaração de voto: Votei vencido porquanto incumbindo ao trabalhador o ónus de alegar e provar que a cessação do contrato não se deveu a qualquer facto ligado à prestação de trabalho, já incumbia à empregadora a alegação e prova de quaisquer outras razões que tenham levado à cessação do contrato e que não foram comunicadas ao trabalhador, a fim de se poder aferir da existência ou não de uma cessação abusiva durante o período experimental. Como pode o trabalhador alegar e provar que necessariamente desconhece? Adivinhando? O período experimental não é período em que o empregador tem total e absoluto arbítrio quanto à manutenção do contrato de trabalho. Duro Mateus Cardoso //////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// [1]João Leal Amado – Contrato de Trabalho, 3ª edição, reimpressão, pá. 183 e 186. [2]Direito do Trabalho, vol. II, P. 75. Trata-se, segundo refere o autor, de permitir a certificação a posteriori daquilo que não é possível certificar a priori.” – nota de rodapé do Autor que vimos citando, a pág 183. [3]“Com efeito, o empregador dispõe aqui de um “direito ao silêncio”, isto é, de um direito de nada dizer quanto às razões da denúncia, o que transforma a prova da discriminação numa tarefa quase impossível.” – nota de rodapé do Autor que vimos citando – pág. 186. [4]Processo 896/03.7TTLSB.L1-4 [5]” Direito do Trabalho, Vol. II, Serviços de Acção Social da UC, Coimbra 2004, pg. 66. [6]Em artigo publicado na Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano 2000, pg. 259 – Do uso e abuso do período experimental. [7]Processo 896/03.7TTLSB.L1-4 [8]Acórdão da Relação de Guimarães de 30-04-2015 – Processo 809/13.5TTBRG.G1. [9]Como refere Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, pág, 489 “no período experimental tanto poderão ser testadas as competências profissionais e técnicas do trabalhador, como aspectos mais pessoais que a prestação de trabalho co-envolve. Na realidade, a inserção do trabalhador numa determinada estrutura organizativa, uma vez que a pessoa do trabalhador será chamada a interagir com uma multiplicidade de outros sujeitos (colegas, superiores hierárquicos, fornecedores, clientes), justifica que certos aspectos da personalidade do trabalhador possam ser também relevantes para que o empregador tome uma decisão definitiva quanto à conveniência em contratá-lo, pelo que tais facetas da sua personalidade poderão também ser avaliadas durante o período experimental”. | ||
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Decisão Texto Integral: |