Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1178/19.5TELSB-A.L1-9
Relator: MARLENE FORTUNA
Descritores: DISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS NA 1.ª INSTÂNCIA
JUIZ NATURAL
DEFENSOR DO ARGUIDO
SALVAGUARDA DE DIREITOS DE DEFESA DO ARGUIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. Não estão legalmente previstas a notificação e a obrigatoriedade da presença do(s) mandatário(s)/defensor(es), constituído(s)/nomeado(s), do(s) arguido(s) no acto da distribuição processual na 1.ª instância.
II. Se assim fosse, o legislador tê-lo-ia dito, de forma expressa, aquando da última reforma que levou a cabo quanto aos actos processuais sujeitos à distribuição.
III. A legalidade do acto da operação de distribuição na 1.ª instância, que visa salvaguardar a garantia do juiz natural, está assegurada com a presença do juiz, do magistrado do Ministério Público e do Funcionário de Justiça, cuja presença é obrigatória.
IV. Tal salvaguarda está, ainda, reforçada, nos termos do art.º 204.º, n.º 3, do Cód. de Proc. Civil, pela possibilidade de a Ordem dos Advogados designar um advogado para estar presente nesta operação, estando, porém, na disponibilidade deste profissional do foro (indicado/nomeado) comparecer ou não à mesma.
(sumário da inteira responsabilidade da relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Por sorteio público datado de 22.04.2024, o processo comum colectivo n.º 1178/19.5TELSB (autos principais) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi distribuído ao Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 5.
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Inconformado com a realização de tal sorteio sem a presença do seu mandatário, veio o arguido AA interpor recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«I. O presente recurso vem interposto do despacho proferido a 19.04.2024 que se pronunciou sobre requerimento apresentado pelo Arguido a 18.04.2024 e do despacho proferido a 27.05.2024 que decidiu sobre o requerimento apresentado pelo Arguido a 17.05.2024, ambos os despachos notificados a 28.05.2024.
II. Os despachos em crise fazem uma incorreta interpretação da lei violando de forma inequívoca os direitos da defesa em sede de processo criminal, consagrados nos artigos 32.º n.º 1 e 7 da CRP e 6.º n.º 1 da CEDH.
III. No que concerne ao primeiro despacho sob recurso, o mesmo é a absoluta negação de um direito do Arguido a se assegurar do correto funcionamento do sistema de justiça num momento particularmente sensível — a distribuição do processo para julgamento — tendo especialmente em conta toda a factualidade de conhecimento público e notório que antecedeu a aprovação e publicação das Leis n.º 55/2021 de 13 de agosto e n.º 56/2021 de 16 de agosto, regulamentadas pela Portaria n.º 86/2023, de 27 de março.
IV. Na verdade, os mandatários signatários, requereram expressamente, a 18 de Abril de 2024, a sua notificação do dia e hora agendados para a diligência de distribuição do processo, por pretenderem estar presentes na mesma.
V. Na sequência da apresentação do referido requerimento, os mandatários do Arguido ficaram a aguardar despacho que sobre o mesmo recaísse com a informação do dia e hora agendados para a distribuição do processo, como já sucedera noutros processos, contudo vieram a saber, por acaso, e sem que de tal tenham sido notificados, que o processo já havia sido distribuído e que a Sra. Juíza de Instrução se recusara a pronunciar-se sobre o pedido da Defesa, ordenando, de imediato, a remessa dos autos a distribuição, assim impedindo a Defesa de exercer um direito que a lei lhe confere.
VI. Tinha o Arguido, não só o direito a que os seus mandatários estivessem presentes naquela diligência, como o direito a ser notificado do despacho que desconsidera tal requerimento e determina a remessa imediata dos autos para julgamento sem notificação dos mandatários para estar presentes na diligência.
VII. Foi intenção do legislador, com a publicação da lei 55/2021, instituir maior transparência no que concerne a distribuição dos processos judiciais – “o escrutínio efetivo do resultado das operações de distribuição” - considerando que é por via da distribuição que, a fim de repartir com igualdade o serviço judicial, se designa a secção, a instância e o tribunal em que o processo há de correr ou o juiz que há de exercer as funções de relator.
VIII. Não há dúvidas - e assim tem ocorrido nos tribunais de 1.ª instância - de que aos mandatários das partes assiste, inequivocamente, o direito a estar presentes nos atos de distribuição que digam respeito aos seus constituintes, se assim o entenderem e requererem e, como é por demais evidente, a serem notificados de despacho que lhes negue essa possibilidade — precisamente o caso do despacho proferido pela Exma. Senhora Juíza de Instrução que, perante requerimento em que se requer a notificação dos mandatários do dia e hora da distribuição para que possam estar presentes, decide que ”nada há a ordenar” quanto a esse requerimento e que remete ”de imediato os autos à distribuição para julgamento", impedindo sequer que os mandatários do Arguido tenham conhecimento da sua decisão.
IX. A omissão da notificação daquele despacho configura, no mínimo, uma irregularidade processual, assumindo especial gravidade porque veda, de forma incontornável, a possibilidade de os mandatários dos Arguidos sequer tomarem conhecimento do momento em que se vai concretizar a operação de distribuição e de saberem que o processo foi distribuído.
X. Por sua vez, o segundo despacho pese embora tenha determinado que o despacho de 19.04.2024 fosse notificado ao Arguido, bem como a ata lavrada na sequência da distribuição dos autos, decidiu que a omissão de notificação ao arguido do despacho proferido em 19.04.2024, pelo TCIC, não determinava a invalidade da distribuição efetuada a este Juízo Central Criminal de Lisboa.
XI. Sendo certo que a verdade é que não era apenas a omissão da notificação ao Arguido do despacho de 19.04.2024 que determinava a invalidade da distribuição, mas também o facto de a distribuição ter sido realizada sem a presença dos mandatários do Arguido, quando os mesmos expressamente requereram estar presentes nesse ato, tendo sido negado, de forma absoluta, injustificada e ilegal o exercício do direito dos mandatários do Arguido de estarem presentes na distribuição.
XII. O Arguido, ora Recorrente, não pode, porém, conformar-se com o teor de nenhum dos despachos proferidos e identificados por considerar que os mesmos violam frontalmente o disposto nos artigos violam os artigos 123.º, 203.º nº 1, 204.º, 213.º, nº 2, última parte, todos do CPC e 32.º n.º 1 e 74.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH).
XIII. Os presentes autos têm sido - e vão, naturalmente, sê-lo de forma particularmente reforçada em sede de julgamento - objeto de intenso escrutínio, tanto nacional como internacional, sendo particularmente importante que não nasçam com um “pecado original” criando dúvidas sobre a seriedade e imparcialidade da justiça portuguesa.
XIV. Num processo como o dos autos, é especialmente importante que sobre o funcionamento da justiça, a atribuição do processo a determinado juízo e os mecanismos de funcionamento dos Tribunais, não recaiam quaisquer dúvidas ou exista qualquer tipo de opacidade.
XV. É certo que o despacho de 27.05.2024 proferido pela Exma. Senhora Juiz de Julgamento veio a ordenar a notificação do Arguido de tal despacho, mas, nessa altura, já a distribuição estava realizada e a situação factualmente ultrapassada, tendo sido decidido no despacho em causa que a falta de notificação ao Arguido daquele outro despacho não determinava a invalidade dos atos subsequentes - ou seja, os mandatários dos Arguidos têm o direito de estar presentes na distribuição, mas se tal lhes for vedado... não se passa nada.
XVI. O TEDH tem consistentemente enfatizado que os direitos e liberdades garantidos pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos não devem ser meramente teóricos ou ilusórios, mas devem ser efetivos e práticos.
XVII. Os mandatários do Arguido tinham o direito de ter sido notificados do dia e hora da realização da distribuição e de estar presentes nesse momento, vedado que lhes foi esse direito, com conhecimento do pedido expresso dos mesmo para o exercer, é necessariamente inválida a distribuição realizada - só assim se garantindo a efetiva possibilidade de ser exercido o direito.
XVIII. A atual distribuição dos processos, resultado da legislação dos últimos anos, demonstra bem a desconfiança em relação à anterior distribuição tornando, na verdade, e bem, a distribuição um ato público.
XIX. Na primeira instância, inexistindo a imposição legal da assistência obrigatória do MP e advogado da OA se possível, mantém-se, como é evidente, o direito dos mandatários das partes a estar presentes, se o pretenderem, sendo assim aplicável à distribuição da primeira instância a última parte do nº 2 do artigo 213.º do CPC.
XX. Sempre será inconstitucional por violação do disposto nos nºs 1 e 7 do artigo 32.º da CRP a interpretação do disposto na parte final do nº 7 do artigo 213.º no sentido em que o direito do Arguido/dos seus mandatários a estar presente no ato de distribuição do processo não está incluído no direito de intervir no processo, nos termos do nº 7 do artigo 32.º da CRP, analogicamente aplicável também ao Arguido, a quem são asseguradas todas as garantias de defesa no processo criminal.
XXI. Em face de tudo o exposto, conclui-se que ambas as decisões sob recurso – uma na parte em que entende nada ter a determinar quanto ao requerido pelo arguido e ordena a remessa imediata para julgamento e a outra na parte em que decide que a falta de notificação ao arguido daquele despacho não determina a invalidade da distribuição - violam os artigos 203.º nº 1, 204.º, 213.º, nº 2, última parte, todos do CPC e 32.º n.º 1 e 75.º da CRP e 6.º n.º 1 da CEDH.
Termos em que vedado o referido direito ao Arguido, nos termos já expostos, deve ser julgado procedente o presente recurso, consequentemente:
i. revogado o despacho que determinou a remessa para distribuição, sem notificação dos mandatários do Arguido da data e hora da distribuição;
j. declarada a invalidade do ato de distribuição já realizado e determinada a realização de nova operação de distribuição, sendo conferida a efetiva possibilidade aos mandatários do Arguido de estarem presentes naquela operação;
k. consequente revogação do despacho subsequente de 27.05.2024, na parte em que decidiu não padecerem de invalidade os atos subsequentes ao despacho de 19.04.2024.»
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho datado de 04.07.2024, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, tendo formulado as seguintes conclusões [transcrição]:
«1º) O arguido apresenta o recurso com os seguintes fundamentos:
• Da negação ao recorrente do direito de estar presente no acto de distribuição, por intermédio de advogado, com vista a assegurar o correcto funcionamento do sistema de justiça e da consequente Invalidade processual da Distribuição.
• Inconstitucionalidade da interpretação do previsto no art.º 213.º/2 (parte final) do CPC, no sentido em que, o direito do arguido/dos seus mandatários a estar presente no acto de distribuição do processo, não está incluído no direito de intervir no processo, nos termos do previsto no art.º 32.º/7 da CRP, analogicamente aplicável ao arguido, a quem são asseguradas todas as garantias de defesa no processo criminal.
• Violação dos art.º 203.º/1, 204.º/2, 213.º/2, última parte, todos do CPC e art.º 32.º/1 e 7 da CRP e art.º 6.º/1 do CEDH.
2º) O facto de o arguido, não ter sido notificado do despacho de remessa à distribuição, nem do acto de distribuição, não configura a violação de qualquer direito de defesa do arguido.
3º) As garantias de defesa do arguido(art.º 32.º/1 da CRP) legalmente definidos são: direito de defesa, de presença, de audiência, de silêncio, de assistência por defensor, de oferecer e de requerer provas e de recorrer, sendo informado de todos os direitos que lhe assistem. ; estão compreendidos o direito de audição e ao contraditório, bem como o direito a um processo justo e equitativo, como imposto pelos art.º 20.º/4 da CRP e 6.º/3 da CEDH.
4º) Decorre da noção de processo equitativo que devem ser dadas ao acusado as devidas oportunidades para o mesmo se poder defender, não o colocando, de forma directa ou indirecta, numa posição de desvantagem face aos seus oponentes.
5º) Ora, não se vislumbra de que forma, o acto da distribuição, realizado na ausência do mandatário do recorrente possa violar as suas garantias de defesa, sendo um argumento inócuo e sem qualquer sentido e fundamento.
6º) Acresce que, o direito que assiste a arguido de “Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias” (art.º 61.º/1, al. g) do CPP), não decorre a obrigatoriedade de ser convocado para estar presente na distribuição.
7º) Atento o disposto no art.º 203.º e 204.º do CPC (ex vi art.º 4.º do CPP), a finalidade primacial da distribuição é a repartição com igualdade do serviço judicial.
8º) As Leis da Assembleia da República n.º 55/2021, de 13 de agosto, e n.º 56/2021, de 16 de agosto, vieram prever novos mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais e dos processos da jurisdição administrativa e fiscal.
9º) De acordo com as regras instituídas, passa a ser necessário, que se reúnam diariamente para assistir às operações de distribuição: - O juiz que preside à distribuição (designado pelo presidente do tribunal);- Um magistrado do Ministério Público (designado pelo magistrado do Ministério Público coordenador ou pelo magistrado do Ministério Público que assegure a coordenação do Ministério Público nos tribunais superiores); Um oficial de justiça, que secretaria (designado pelo administrador judiciário ou pelo secretário do tribunal superior);E, caso a Ordem dos Advogados manifeste essa vontade, um advogado (designado pela Ordem dos Advogados).
10º) Dos citados normativos e diplomas não consta a obrigatoriedade da presença do(s) mandatário(s)/Defensor(es) do(s) arguido(s) no acto da distribuição, nem tal interpretação decorre do teor das normas que preveem as garantias de defesa do arguido.
11º) Com efeito, a presença obrigatória de dois magistrados no acto é garante da legalidade do mesmo e do cumprimento do princípio do “juiz natural”.
12º) Por outro lado, não se vê em que é que a confiança na imparcialidade da justiça sai abalada por uma alegada vicissitude da distribuição processual e de que forma tal interpretação viole qualquer preceito constitucional, uma vez que o recorrente não a concretiza as inconstitucionalidades, nem demonstra factualmente em que é que se traduziu a violação dos princípios constitucionais invocados.
13º) Termos em que não ocorre qualquer inconstitucionalidade por violação dos art.ºs 32.º/1, 202.º/1 e 2 e 203.º, da CRP, pelo que deve o recurso improceder.
Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.
Porém, Vª. Exas. como sempre, farão a costumada JUSTIÇA!»
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As assistentes “...”, “... - Futebol SAD” e “..., SA” apresentaram resposta ao recurso, tendo formulado as seguintes conclusões [transcrição]:
«i. O Arguido vem interpor recurso dos despachos judiciais de 19.04.2024 (referência Citius 8834051) e de 27.05.2024 (referência Citius 435824946). Aquele primeiro ordenou a remessa dos autos para distribuição e considerou esgotado o respetivo poder jurisdicional do JIC, não tendo notificado o Recorrente do dia e hora da operação de distribuição do processo, como anteriormente pedido ao JIC.
ii. Inconformado, o Recorrente apresentou requerimento no qual invocava a falta de notificação da diligência de distribuição e peticionava a anulação do processado. Porém, não concedendo razão ao Recorrente, o Tribunal a quo, naquele segundo despacho, considerou que “[a] omissão de notificação ao
arguido do despacho proferido em 19.04.2024, pelo TCIC, não determina a invalidade da distribuição efectuada a este Juízo Central Criminal de Lisboa.”
iii. Nesta conjuntura, foi interposto recurso no qual o Recorrente pretende obter (i) a revogação do despacho que determinou a remessa para distribuição, sem notificação dos mandatários do Arguido e a (ii) declaração da invalidade do ato de distribuição. Como resultado, é ali (iii) peticionado que seja determinada a realização de nova distribuição, e nesta se confira a possibilidade de presença dos mandatários.
iv. Contudo, creem as Recorridas que não assiste qualquer razão ao Recorrente. Com efeito, a falta de notificação e presença na diligência de distribuição processual não acarreta uma irregularidade (nem, logicamente, outra invalidade) nos termos da disposição normativa do artigo 123.º do CPP.
v. Mas ainda antes disso, entendem as Recorridas que o recurso é extemporâneo, não podendo ser admitido e devendo ser rejeitado, o que caberá analisar em primeiro lugar atenta a precedência lógica da questão.
vi. Com efeito, o Recorrente recorre do despacho de 19.04.2024 peticionando que seja “revogado o despacho que determinou a remessa para distribuição sem notificação do Arguido da data e hora da distribuição”.
vii. Acontece que o Recorrente, como declarou expressamente no seu requerimento de 17.05.2024, tomou integral conhecimento daquela decisão no dia 16.05.2024, contra a qual inclusive veio a reagir (cf. requerimento de 17.05.2024), tendo-se iniciado o prazo para interpor recurso daquela decisão em 17.05.2024 e atingido o seu termo em 17.06.2024 (cf. artigos 411º, n.º 1 do CPP, por referência ainda aos artigos 279.º, al. b) do CC e 138.º n.º 2 do CPC), somente em 28.06.2024 tendo o Recorrente interposto O recurso a que se responde.
viii. Não obsta à contabilização de prazo acabada de referir a circunstância de ter sido proferido em 18.06.2024 despacho que declarou a excecional complexidade dos autos, uma vez que esta não se projeta retroativamente, não estando já ao tempo da sua declaração qualquer prazo para interposição de recurso ainda em curso (tendo terminado no dia anterior), nem tendo sido especialmente reservada tal afetação pelo despacho que a declarou.
ix. Estando, como se estava, perante prazo contínuo e perentório, o seu decurso extinguiu o direito a praticar o ato, sendo insuscetível de prorrogação um prazo já extinto, não concorrendo a circunstância de no dia 18.06.2024 o Recorrente ainda poder praticar o ato fora de prazo, mediante pagamento de sanção nos termos dos artigos 107.º-A do CPP e 139.º, n.º 5 do CPC, para alteração deste raciocínio, precisamente, e porque, tal possibilidade, pela própria definição, destina-se à prática de atos processuais fora de prazo (não se pode prorrogar o que já não existe).
x. De igual modo, também não obsta à contabilização do prazo naqueles termos a circunstância de nunca ter sido determinada a notificação daquele despacho de 19.04.2024, uma vez que a notificação destinar-se-ia unicamente a dar conhecimento ao Arguido daquele despacho, o qual, o Arguido já conhecia (e expressamente o declarou) e por isso, inclusive, reagiu contra o mesmo nos termos que os autos evidenciam, equivalendo a data em que declarou ter tomado conhecimento da decisão à data de notificação para os efeitos do artigo 411.º nº 1 al. a) do CPF, sob pena de serem praticados atos inúteis (proibidos pelo artigo 130.º do CPC).
xi. 0 Recurso a que se responde, sendo inequivocamente extemporâneo relativamente ao despacho de 19.04.2024, não deverá ser admitido e deverá ser rejeitado, não apenas nessa parte, mas na sua totalidade.
xii. Isto porque, o encadeamento lógico e a relação de precedência estabelecida pelo próprio Recorrente relativamente aos três pedidos formulados a final no recurso, assenta exclusivamente numa discordância com a decisão de remeter os autos para distribuição sem prévia notificação aos mandatários - precisamente o primeiro dos pedidos formulados em torno da revogação do despacho de 19.04.2024.
xiii. Os segundo e terceiro pedidos formulados a final, não são mais do que a própria repercussão daquela discordância, orbitando no feixe de efeitos legais que se produziriam com a (eventual) procedência do primeiro dos pedidos.
xiv. Por outras palavras, na configuração dada pelo Recorrente ao próprio recurso, não é possível declarar a invalidade do ato de distribuição (2.º pedido) ou revogar o despacho de 27.05.2024 na parte em que decidiu que não padecerem de invalidade os atos subsequentes ao despacho de 19.04.2024 (3.º pedido) sem revogar previamente o despacho de 19.04.2024 (1.º pedido).
xv. Perdurando nos autos o despacho de 19.04.2024 e ponderando que os efeitos por aquele produzidos não podem mais ser impugnados, não sobra ao Recorrente qualquer interesse em agir relativamente ao remanescente do seu recurso - razões estas que apontam à não admissão da totalidade do recurso e à sua rejeição liminar, como se requer. Sem conceder,
xvi. Ainda que assim não se entenda, (i.e., ainda que o recurso preenchesse os requisitos necessários à sua admissão, que não preenche), mesmo nessa hipótese, estaria votado à improcedência por ausência de razão substantiva. Com efeito, no entender do Recorrente, o mesmo tinha “não só o direito a que os seus mandatários estivessem presentes naquela diligência [a de distribuição], como o direito a ser notificado do despacho que desconsidera tal requerimento e determina a remessa imediata dos autos para julgamento sem notificação dos mandatários para estar presentes na diligência” (cf. ponto VI. das Conclusões). Por estas formalidades não terem sido respeitadas, advoga pela Violação do disposto nas normas constantes nos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, 213.º, n.º 2, todos do CPC, e nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 7 da Constituição e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
xvii. Porém, à semelhança do decidido pelo Tribunal a quo no despacho recorrido de 27.05.2024, a falta de notificação do despacho que incidia sobre a remessa à distribuição - e, consequentemente, a não comparência nesse ato -, não obnubila os direitos de defesa do Arguido.
xviii. Nos termos dos artigos 203.º e 204.º do CPC (aplicáveis ex vi artigo 4.º do CPP), na distribuição de processos na 1.ª instância, a presença dos mandatários das partes não é obrigatória e, nem sequer, é um direito atribuído pelo legislador. Por isso que, não prossegue o entendimento do Recorrente quando refere que “[n]ão há dúvidas - e assim tem ocorrido nos tribunais de 1.ª instância - de que aos mandatários das partes assiste, inequivocamente, o direito a estar presentes nos atos de distribuição que digam respeito aos seus constituintes” (cf. ponto VIII. das Conclusões).
xix. A referência à possibilidade de os mandatários das partes, se assim o entenderem, estarem presentes, apenas surge aquando da distribuição de processos sob a alçada das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça (cf. artigo 213.º n.º 2 do CPC), que não é o caso dos autos.
xx. Portanto, o legislador, ao pretender introduzir mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais, entendeu criar a regra geral onde não se confere a possibilidade de presença dos mandatários das partes. Esta prerrogativa é reservada para a norma especial constante no artigo 213.º, n.º 2 do CPC.
xxi. Sobre a invocada inconstitucionalidade pelo Recorrente sempre se dirá, em primeiro lugar, que nunca a interpretação normativa resultante do artigo 213.º do CPC seria inconstitucional. Quando muito, poder-se-ia invocar uma inconstitucionalidade da norma geral presente no artigo 204.º, n.º 3 do CPC quando interpretada no sentido de não permitir aquilo que a norma especial permite. Conquanto se adote esta visão, não se compreende em que moldes a não consagração da presença dos mandatários na diligência em causa acarreta uma violação do direito de defesa de intervenção.
xxii. Em segundo lugar, a invocação da inconstitucionalidade através de um argumento analógico baseado no disposto no n.º 7 do artigo 32.º da Constituição não tem o mínimo de sentido. É que, havendo uma norma que regule a situação em causa, não tem o mínimo de sentido - e é juridicamente incurial e ilógico - fundamentar o seu pedido apelando ao instituto da integração de lacunas (cf. artigo 10.º do Código Civil).
xxiii. Tudo razões para que a invocação da alegada inconstitucionalidade seja, material e formalmente errónea e improcedente. Assim se demonstrando, mais uma vez, o manifesto intuito dilatório do Recorrente com a apresentação do recurso em apreço.
xxiv. Não se vislumbram razões para que a diligência de distribuição que o Recorrente pretende impugnar tenha afetado os seus direitos de defesa. Efetivamente, para além do mais, a obrigatoriedade de presença de dois magistrados (um judicial e outro do Ministério Público) e a possibilidade de estar presente um advogado nomeado pela Ordem dos Advogados, concede total legitimidade ao procedimento e afirma o respeito pelo princípio do juiz natural.
xxv. Mais a mais, dos artigos 61.º, n.º 1, alíneas a) e g) do CPP não decorre a obrigatoriedade ou a concessão de um direito quanto à presença do arguido (ou seu mandatário) na distribuição. O legislador entendeu que, na 1.ª instância, eventuais irregularidades na distribuição sempre seriam solucionadas mediante a atribuição de acesso aos mandatários das atas das operações de distribuição (cf. artigo 204.º, n.º 5 do CPC).
xxvi. De referir que não só o Recorrente foi notificado da respetiva ata como a mesma se encontra disponível na plataforma Citius (com a referência n.º 436206738) e dela foram feitas constar todas as exigências legais previstas nos n.ºs 4 e 5 do artigo 204.º do CPC.
xxvii. Do exposto resulta que, por um lado, a diligência não enfermou de qualquer vício e, por outro, o Recorrente não tinha o direito de nela estar presente. Por isso que, o presente recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se, integralmente, a decisão recorrida.
xxviii. A pretensão do recorrente esbarra ainda frontalmente na própria impossibilidade e inaptidão dos meios de que o Recorrente se socorre para fazer valer a sua pretensão, incorrendo o Recorrente em equívoco sobre as regras e regime de distribuição. Mais, não se vislumbra sequer a necessidade ou a utilidade do recurso uma vez que não existe tutela substantiva ajustada à sua pretensão.
xxix. A pretensão suscitada pelo Recorrente e agora repetida no recurso insere-se no domínio do procedimento materialmente administrativo de administração da justiça, sendo essa matéria alheia ao Juiz de Instrução Criminal o qual não realiza a distribuição dos autos para julgamento, não é responsável, não dirige, nem por qualquer outro modo, interfere ou tem conhecimento do dia e hora em que irá ser realizada a operação de distribuição.
xxx. A matéria atinente à distribuição de processos e no que para aqui importa, encontra a sua regulação no artigo 204.º do CPC, na Portaria n.º 280/2013 de 26.08 (artigos 16.º e 18.º na redação introduzida pela Portaria n.º 86/2023 de 27.03), mas não só; também no Regulamento Interno do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa publicado em 20.03.2024 (artigo 24.º) e no Regulamento da Distribuição, por meios eletrónicos, dos processos e demais procedimentos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa publicado em 19.03.2024 (artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 14.º e 15.º), ambos, melhor id. nas motivações, e, no caso concreto, importando ainda o próprio teor da Ata das Operações de Distribuição de Processos que consta dos autos.
xxxi. Das regras aplicáveis, resulta que o pedido formulado pelo Recorrente, em 18.04.2024 ao JIC, deveria ter sido formulado ao Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e/ ou à própria Unidade Central do Edifício A do Campus da Justiça (local ondeo0 Recorrente sabe, por se encontrar publicado, ser realizada a distribuição todos os dias úteis às 14H00).
xxxii. Se o Recorrente nunca se deslocou ou dirigiu à Unidade Central e/ ou ao Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa em conformidade com as regras que disciplinam o procedimento de distribuição, se nunca solicitou que fosse admitida a sua presença, forçoso será concluir que nunca diligenciou e nunca pretendeu verdadeiramente assistir a qualquer distribuição sendo o pedido apresentado em 18.04.2024 de impossível realização (pelo JIC) e inapto/inútil ao pretendido (impossibilidade e inutilidade essa que agora pretende continuar a prosseguir com o presente recurso).
xxxiii. O Recorrente concorda e não contesta a distribuição realizada, não invoca qualquer desvio de operação de distribuição, não coloca em causa o resultado da distribuição, não coloca em causa a imparcialidade do juiz distribuído e/ ou o próprio juiz natural distribuído, não tendo igualmente observado o disposto no artigo 205.º do CPP.
xxxiv. Se assim é, como nos parece ser, o exercício do direito ao recurso no caso concreto não visa tutelar qualquer posição jurídica concreta, servindo apenas finalidades meramente dilatórias.
Nestes termos, e nos demais de Direito que VV. Ex.as doutamente suprirão, deverá a presente resposta ser recebida, e em consequência, rejeitado o recurso do Arguido e, subsidiariamente, se assim não se entender, ser julgado integralmente, improcedente o recurso interposto pelo Arguido AA, mantendo-se inalteradas as decisões proferidas pelo Tribunal a quo. Com todas as consequências legais.»
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Nesta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso dever “ser julgado improcedente.”.
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Foi cumprido o estabelecido no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP).
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Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJECTO DO RECURSO
Questão prévia: tempestividade do recurso interposto pelo arguido:
Vieram os assistentes “...”, “... - Futebol SAD” e “..., SA” invocar a intempestividade do recurso pelos fundamentos supra enunciados que aqui damos por integralmente reproduzidos.
Vejamos se lhes assiste razão.
No dia 18.04.2024, o Il. mandatário do arguido apresentou, finda a fase de instrução, um requerimento a solicitar a sua notificação do dia e hora designados para a distribuição – cfr. requerimento sob a Ref.ª 213183.
A 19.04.2024, a Sr.ª Juiz de Instrução proferiu despacho no sentido de que o seu poder jurisdicional havia cessado com a prolação da decisão instrutória e remeteu os autos à distribuição – cfr. Ref.ª 8834051.
A 22.04.2024, foi efectuada a distribuição dos autos principais, tendo sido sorteado o Juiz 5 do JCC de Lisboa.
Entretanto, mediante requerimento apresentado ao JCC, Juiz 5, a 17.05.2024, o Il. mandatário do arguido veio:
a) invocar a irregularidade da não notificação ao arguido do despacho de 19.04.2024 com a consequente invalidade de todos os termos subsequentes, uma vez que todos foram afetados pela negação do direito ao arguido a estar presente na distribuição dos presentes autos; e, ainda,
b) solicitar que fosse ordenada a notificação ao arguido do despacho proferido a 19.04.2024 pela Sr.ª JIC.
Por despacho de 27.05.2024, a Sr.ª Juiz [de julgamento] entendeu que a omissão de notificação ao arguido do despacho de 19.04.2024 não determinava a invalidade da distribuição efectuada ao Juízo Central Criminal de Lisboa 5 e que o Il. Mandatário fosse notificado da acta de distribuição – cfr. Ref.ª 435824946.
Foi com a notificação deste último despacho que o arguido interpôs recurso, sendo certo que, em bom rigor e pese embora não fosse legalmente imposto e tenha tido conhecimento do seu teor ao consultar o citius, é verdade é que, formalmente, só dele teve conhecimento com o despacho que sobre ele recaiu a 27.05.2024.
Por tudo o exposto, e sem mais considerações, entendemos que o recurso é tempestivo, razão por que se analisará, já de seguida, os fundamentos por aquele apresentados.
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O âmbito do recurso é definido, como é sobejamente sabido, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação(1), sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso(2).
Assim, no caso vertente, a questão que constitui objecto do recurso consiste em saber se o Il. Mandatário do arguido devia, ou não, ser notificado do dia da realização da distribuição nos autos em causa.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
Por despacho de 19.04.2024 foi ordenada, pela Sr.ª JIC, a remessa dos autos à distribuição como processo comum colectivo.
Por despacho 22.04.2024, foi determinado pela Juíza nomeada para o acto de distribuição que os autos deveriam ser distribuídos na complexidade de "especialmente complexo sem arguidos presos", em cumprimento da deliberação do CSM.
Em seguida e neste mesmo dia, foi realizada a distribuição, tendo os autos sido distribuídos, por sorteio, ao Juízo Central Criminal de Lisboa, Juiz 5.
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APRECIAÇÃO DO RECURSO
De acordo com o preceituado pelo art.º 205.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi art.º 4.º do CPP, «a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final».
Por «decisão final» há de por certo entender-se a última decisão proferida pelo juiz ou juízes cuja(s) falta ou irregularidade de distribuição estiver suscitada.
No caso, o arguido, após a prolação da decisão instrutória, solicitou junto do Tribunal Central de Instrução Criminal que fosse notificado para o dia e hora da distribuição, tendo a Sr.ª Juiz de Instrução Criminal proferido despacho no sentido do seu poder jurisdicional, naquele momento, se ter esgotado e determinado a remessa dos autos à distribuição pelo JCC de Lisboa, o que veio a ser feito.
E face ao que resulta da análise dos autos, há que dizer que a distribuição do processo no JCC de Lisboa teve lugar com respeito por todos os comandos normativos aplicáveis e decorrentes das Leis n.ºs 55/2021, de 13 de Agosto e 56/2021, de 16 de Agosto e, ainda, de acordo com o Regulamento da distribuição, por meios eletrónicos, dos processos e demais procedimentos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, de 15 de Março de 2024(3), em particular o seu art.º 7.º, n.º 1, al. d) relativo “à unidade central do edifício A do Campus de Justiça (referente ao Juízo central criminal de Lisboa), às 14.00 horas”.
Aqui chegados há que convocar o teor do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 25.01.2024(4) (pese embora se reporte à distribuição no Tribunal da Relação, o mesmo tem aqui plena aplicação no tocante à salvaguarda das garantias defesa do arguido), que nos permitimos citar, no qual se diz, de forma absolutamente clara e translúcida, o seguinte:
«É certo que o Requerente não foi convocado para o ato de sorteio eletrónico, mas não tinha de o ser: essa convocação não resulta de nenhuma das apontadas normas, nem tão pouco nos surge como imposta por qualquer preceito constitucional ou da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH).»
Neste ponto, como bem assinalam o Ministério Público (da 1.ª e 2.ª instâncias) e os assistentes, não consta dos diplomas e normativos que citaram a obrigatoriedade da presença do(s) mandatário(s)/Defensor(es) do(s) arguido(s) no acto da distribuição na 1.ª instância, nem tal interpretação decorre do teor das normas que prevêem as garantias de defesa do arguido, em particular o art.º 61.º , n.º 1, al. a) do CPP, pois que se assim fosse, o legislador tê-lo-ia dito expressamente aquando da última reforma que levou a cabo quanto aos actos processuais sujeitos à distribuição.
E não podemos olvidar que, de acordo com o art.º 204.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, tal garantia está, igualmente, assegurada e/ou reforçada pela possibilidade de a Ordem dos Advogados designar um advogado para estar presente na operação de distribuição processual, estando, no entanto, na disponibilidade deste profissional do foro (indicado/nomeado) comparecer ou não à mesma(5).
Mas prosseguindo com o aludido acórdão «No que especificamente respeita à garantia do juiz natural, consagrada no art.º 32º, nº 9 da Constituição da República Portuguesa, importa notar que tem ele por finalidade evitar a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo e constitui um subprincípio concretizador do princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º) no domínio da administração da justiça, inscrevendo-se assim como garante da independência e imparcialidade dos Tribunais (artigo 203.º) e traduzindo-se o seu conteúdo material, para o que aqui releva, na proibição da criação ad hoc, ou da determinação arbitrária ou discricionária, de um juízo competente para a apreciação de uma certa causa penal (cfr. Acs. do TC nºs 614/2003, 365/2019 e 656/2022, in www.tribunalconstitucional.pt).
No plano da CEDH, a distribuição dos processos é matéria cuja concretização prático-jurídica inscreve-se claramente na margem de liberdade dos Estados, conquanto os procedimentos seguidos não signifiquem uma ofensa à garantia de um tribunal independente e imparcial (cfr. os Acs. do TEDH Moiseyev v. Russia, nº 62936/00, § 176, de 9/10/2008 e Bochan v. Ukraine, nº 7577/02, § 72, de 3/05/2007, in https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22documentcollectionid2%22:[%22GRANDCHAMBER%22,%22CHAMBER%22]})
Ora, a garantia de um tribunal independente e imparcial e o respeito pelo princípio do juiz natural, pressupostos de um processo equitativo, no que à distribuição dos autos concerne, é atingida por via da observância de um sorteio, feito a partir de critérios gerais e abstractos previamente estabelecidos e conhecidos.
E tudo isso ocorreu no caso concreto, nomeadamente porque: (i) o sorteio teve lugar de forma aleatória, com recurso a mecanismos electrónicos, (ii) à hora prevista em Provimento geral de 4 de maio de 2023 [no caso vertente, à hora prevista no regulamento da Comarca do Tribunal de Lisboa, de 15 de Março de 2024, pelas 14h00m], (iii) sob a presidência do juiz de turno, (iv), com a presença das pessoas legalmente impostas, (v) de tudo tendo sido lavrada acta, (vi) e havendo sido o resultado do acto objecto de publicitação.»
E foi isto que sucedeu no caso que nos ocupa, como se colhe da “Acta da operações de Distribuição de Processos”, datada de 22.04.2024, em que estiveram presentes um Juiz, um magistrado do Ministério Público e um Funcionário de Justiça, cuja presença e comparência, essas sim, são obrigatórias nesta operação por imperativo legal.
Finalmente há que dizer que, além dos Acs. do TC mencionados naquele aresto, o Tribunal Constitucional já se pronunciou mais recentemente sobre a questão e no mesmo sentido, nomeadamente nos Acs. n.ºs 640/2024(6) e 165/2024(7).
Concluindo, não descortinamos em que medida poderá ter sido ferido qualquer dos princípios aludidos pelo recorrente.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar não verificada a arguida invalidade da distribuição e, consequentemente, julgar improcedente o requerido.
Custas do incidente pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s – cfr. art.º 7.º, n.º 4 do RCP e Tabela II anexa ao mesmo.
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Lisboa, 21 de Novembro de 2024
Os Juízes Desembargadores,
Marlene Fortuna
Jorge Rosas de Castro
Eduardo de Sousa Paiva
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1. Cfr. Acórdão do STJ, de 15.04.2010, acessível em www.dgsi.pt/jstj
2. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão n.º 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28.12.95.
3. https://comarcas.tribunais.org.pt/comarcas/pdf2/lisboa/pdf/Regulamento%20Distribui%C3%A7%C3%A3o%20Processual_TJC%20Lisboa_V4_15.03.2024.pdf
4. Referente ao processo n.º 605/21.6JAPDL.L1, Rel., Juiz Desembargador Jorge Rosas de Castro, e agora, 1.º Adjunto nestes autos.
5. Na prática, há que dizê-lo com frontalidade, tal comparência raramente se tem verificado. Porém, tal responsabilidade não pode ser assacada aos tribunais, pois que de forma publicitada em cada uma das 23 Comarcas, todos os causídicos sabem, em concreto, o dia, a hora e os respectivos núcleos onde tais operações terão lugar.
6. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240640.html
7. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240165.html