Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1470/08.4TVLSB.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
CONVOCATÓRIA
ABUSO DE DIREITO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - A convocação de condómino, em prazo inferior ao legalmente previsto, para a respectiva Assembleia de Condóminos, não dá aquele o direito de impugnar as deliberações aí tomadas, nomeadamente, quando o referido condómino participou activamente naquele reunião magna, através de procurador.
(sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

“A”, residente na Rua ..., Condomínio ..., Bloco 4, 6°, Lisboa, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra:

1.Condomínio ..., do prédio sito na Rua ..., n°…, bloco 1 a 6 Lisboa, representado pelo seu Administrador, “B”;
2.”C”, residente na Rua ..., bloco 2, 6° D, Lisboa;
“D”, residente na Rua ..., bloco 5° D, Lisboa;
3.”E”, residente na Rua ..., bloco 6, 9°B, Lisboa;
4.”F”, residente na Rua ..., bloco 2, 1ºA, Lisboa;
5.”G”, residente na Rua ..., bloco 3, 5°D, Lisboa;
6.”H”, residente na Rua ..., bloco 3, 79 C, Lisboa;
7.”I”, residente na Rua ..., bloco 3, 3° S, Lisboa;
8.”J”, residente na Rua ..., bloco 5, 72 B, Lisboa:
9.”L”, residente na Rua ..., bloco 6, 39 B, Lisboa;
10.”M”, residente na Rua ..., bloco 1, 82 A, Lisboa;
11.”N”, residente na Rua ..., bloco 3, 32 E, Lisboa.

Pedindo: A procedência da acção, a anulação de todas as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos que teve lugar no dia 12/03/08 ou, caso assim não se entenda, a anulação das deliberações correspondentes aos pontos 2,3,6 e 7 da ordem de trabalhos.

Alegando que:

- No dia 12/03/09, pelas dez horas reuniu a respectiva Assembleia;
- A convocatória a Assembleia de Condóminos foi conhecida pela A. apenas 6 dias antes da data designada;
- Quanto às deliberações tomadas sobre os pontos 2,3 e 7 da ordem de trabalhos são contrárias à lei por violação das normas que identifica.

Contestaram os RR invocando excepção de ilegitimidade passiva do Réu condomínio e dos demais RR e impugnado os factos alegados pela Autora.

Replicou a Autora pugnando pela improcedência das excepções invocadas.

Aquando do Saneamento da causa, decidiu-se que:

Impõe-se decidir se os RR são partes legítimas, da legitimidade da Autora quanto à totalidade do pedido formulado e se as deliberações tomadas na Assembleia de condóminos são anuláveis.
-…-
Alegam os Réus a ilegitimidade do réu Condomínio, bem como dos demais RR. Quanto ao primeiro deveria estar representado pelo Administrador, como resulta do disposto nos artigos 1433, 6 C. Civil e 69, e) CPC. Quanto aos demais, cabendo a legitimidade passiva exclusivamente ao Administrador, não têm os condóminos que votaram a favor da deliberação esta legitimidade.
Respondeu a Autora pugnando pela improcedência da excepção invocada.
A legitimidade é um pressuposto processual que exprime a relação entre a parte e o objecto do processo. Há que aferir a titularidade de interesses em jogo, pelo interesse directo (nos termos do nºs1 e 2 do artigo 269 CPC), na procedência ou improcedência da acção e pela titularidade da relação material controvertida (269, 3 CPC). O critério da legitimidade das partes deu lugar a uma querela, já resolvida no CPC revisto em 95, que teve por base as teses sufragadas por Barbosa de Magalhães e Alberto dos Reis. Sempre foi unânime que as partes legítimas seriam os sujeitos da relação jurídica. O problema levanta-se quando se questiona: que relação jurídica? A que é configurada pelo A. ou a relação tal como se apresenta a tribunal depois de ouvidas ambas as partes e realizadas as diligências necessárias? O artigo 269, 3 na redacção dada pelo DL nº 329-A/95 de 12-12, consagra a tese subjectiva de Barbosa de Magalhães. Nesta perspectiva, para o apuramento da legitimidade interessa apenas considerar o pedido e causa de pedir, abstraindo da efectiva existência do direito ou interesse material e da efectiva titularidade.
A questão relacionada com a legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, como é o caso presente, tem sido objecto de alguma controvérsia.
Para uns devem ser demandados os condóminos individualmente considerados por serem estes os titulares do interesse directo em contradizer, já que votaram favoravelmente a deliberação e são afectados pela vigência ou anulação da deliberação.
Segundo outra tese, com a qual nos identificamos, tem legitimidade passiva nestas acções o condomínio representado pelo Administrador. Este é o representante orgânico do condomínio, sendo a deliberação a expressão do condomínio, de um grupo. Estando em causa um acto do condomínio, a legitimidade passiva tem que caber ao administrador.
Do art. 1433º, nº6 do C. Civil resulta que ao administrador cabe a representação em juízo dos condóminos nas acções em que sejam demandados. Por sua vez, o artigo 6 e alínea e) do Código Processo Civil, na redacção introduzida pelo DL 329/95 de 12-12, veio reconhecer personalidade judiciária ao Condomínio nas acções em que, por ele, pode intervir o administrador – artºs 1436 e 1437 C. Civil. A interpretação destes dois artigos terá que ser conjugada, não sendo suficiente a mera interpretação literal. Com a concessão da personalidade judiciária ao condomínio pela reforma processual de 1995/1996 (DL 329-A/95 de 12-12 e DL nº 180/96 de 25-09), deixou de haver razão para demandar individualmente os condóminos quando esteja em causa a administração do condomínio relativamente às decisões que toma. O nº 6 do art. 1433 CC, terá que ser objecto de uma interpretação extensiva, no sentido de regular a representação judiciária dos condóminos nas acções em que são demandados, já que o condomínio não é mais que o conjunto dos condóminos e as deliberações tomadas em assembleia exprimem a vontade do condomínio e não de cada um dos condóminos individualmente considerados.
Como nos ensina Aragão Seia in Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios, 2ª edição, p. 216 e 217, “face à actual redacção da al. e) do artigo 69 do CPC, em consonância com o nº 6 citado, diversamente do que acontecia antes da Reforma de 1995, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo o administrador ser citado como representante legal do condomínio – nº1, do artigo 231º, do CPC -, embora a assembleia possa designar outra pessoa para prosseguir a acção.”
Também Moitinho de Almeida in Propriedade Horizontal, p. 98, afirma que “Além das funções enumeradas no art. 1436, compete também ao administrador, nos termos do art. 1433º, nº6, a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas acções anulatórias de deliberações de condóminos.”
Sandra Passinhas, por sua vez, defende que o administrador “age como representante orgânico do condomínio” e que a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados). E, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador (cfr. Assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, p. 337).
Estando nos presentes autos em causa a impugnação de deliberações tomadas em Assembleia de condóminos, que a Autora pretende que sejam anuladas, impunha-se que demandasse o Administrador em representação do condomínio. Sucede que para além deste Réu (veja-se que a Autora identifica o administrador do condomínio que foi pessoalmente citado, na sua qualidade de administrador - cfr. aviso de recepção de fls. 42), demanda ainda, individualmente, cada um dos condóminos que votou favoravelmente as deliberações em causa.
Em face do exposto, julgo procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva invocada pelos RR quanto aos condóminos individualmente considerados, julgando-os parte ilegítima, a saber, “C”, “D”, “E”, “G”, “H”, “I”, “J”, “L”, “M”, “N” E “F”, julgando-os partes ilegítimas.
Improcede a invocada excepção dilatória de ilegitimidade passiva do condomínio, sendo o mesmo, parte legítima, representado pelo administrador.
-…-”

Da ilegitimidade activa

Sendo a mesma de conhecimento oficioso (art. 495º CPC), importa ainda conhecer da ilegitimidade activa para impugnação das deliberações sobre os pontos 2 e 6 tal como é peticionado.
Com relevância para conhecer desta excepção dilatória, atenta a confissão resultante dos articulados e a prova documental junta, está assente que:
-…-
Nesta Assembleia a Autora, moradora no 6º andar D, bloco 4, correspondente à fracção "EU", fez-se representar por procurador, onde exerceu o seu direito de voto, tendo votado mediante abstenção na deliberação quanto ao 1º ponto da ordem de trabalhos respeitante à entrega a novos advogados do processo S... e ao mandato da Comissão de representantes para a escolha do grupo técnico, votou contra o 2º ponto da ordem de trabalhos (aprovação das contas do ano de 2007), votou contra o 3º ponto da ordem de trabalhos (proposta de orçamento para 2008), absteve-se quanto aos pontos 4º (eleição da comissão de representantes e administração) e 5º (alteração da conta poupança condomínio para urna conta a prazo), votou favoravelmente o ponto 6º (proposta de retirar a providência cautelar contra o condómino “O”), votou contra a deliberação do ponto 7º (proposta em avançar com participação criminal e eventual constituição de assistente e eventual pedido de indemnização cível contra “P”, “A” e “Q”), absteve-se quanto ao ponto 8º (procedimentos a adoptar contra devedores).
A legitimidade activa para a acção impugnatória das deliberações cabe aos condóminos que não tenham votado a favor da sua aprovação ou, caso contrário, não terão interesse em agir. Torna-se óbvio que se um condómino vota favoravelmente uma deliberação, concordando necessariamente com a mesma e com a regularidade do acto em causa, não terá interesse na sua impugnação.
No caso em análise, a Autora votou a favor da deliberação que identifica sobre o ponto 6º, relativamente à qual não tem legitimidade para a impugnar. Quanto às demais, correspondentes aos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 7º e 8º a Autora tem legitimidade para a sua impugnação.
Pelo exposto, declaro a autora parte ilegítima quanto à peticionada anulação da deliberação correspondente ao ponto 6º, ou seja, a deliberação que decidiu sobre a providência cautelar e respectiva acção principal a intentar contra o condómino “O” proprietário da fracção HP, com vista ao acesso ao seu interior para instalação de infra-estrutura da A....
-…-”

Não há nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito, nem excepções que por ora cumpra conhecer.

Com relevância para a decisão da presente causa, por prova documental e confissão estão assentes os seguintes factos
(…)

DECISÃO (quanto à questão de fundo)

Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, declaro a anulação das seguintes deliberações tomadas na Assembleia do Condóminos do Condomínio do ... do prédio sito na Rua ..., nº ..., blocos 1 a 6, Lisboa, que teve lugar no dia 12 de Março de 2008: Deliberação que aprovou a entrega a novos advogados do processo S... e o mandatar a Comissão de representantes para a escolha do grupo técnico; Deliberação que aprovou as contas referentes ao ano de 2007; Deliberação que aprovou a proposta de orçamento e principais objectivos para 2008; Deliberação que elegeu eleição da Comissão Representantes e Administração; Deliberação que aprovou a alteração da Conta Poupança Condomínio para conta a prazo; Deliberação que aprovou a participação criminal e eventual constituição de assistente e eventual pedido de indemnização civil contra “P”, “A” e “Q” relativo a irregularidades detectadas na emissão do recibo ... do transacto ano de 2007; Deliberação que aprovou procedimentos a adoptar contra condóminos devedores.
-…-”

Desta decisão de fundo veio o R. recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1. O artigo 1432° nº 1 do Código Civil determina que a convocatória para a assembleia de condóminos deve ser feita com a antecedência mínima de 10 dias, contando-se essa antecedência de acordo com o disposto nos artigos 279° e 296° do Código Civil.
2. Entende-se, por pacífico que, a antecedência da convocatória se destina a proporcionar ao condómino o tempo necessário para se preparar, em termos pessoais e técnicos, para o exercício dos seus direitos na mencionada assembleia.
3. No caso sub judice, a entrega do aviso convocatório foi efectuado no dia 6 de Março de 2008 para a assembleia a realizar no dia 12 de Março de 2008, ou seja, cumprindo-se o prazo de seis dias de antecedência.
4. A recorrida esteve presente na referida assembleia tendo se feito representar e tendo exercido o seu direito de voto em todos os pontos da ordem de trabalhos, sendo que, no âmbito desse direito manifestou várias vontades que se traduziram em votos a favor, contra e abstenção.
5. A recorrida na mencionada assembleia de condóminos não manifestou nem suscitou qualquer questão pelo facto de não se ter cumprido o prazo do supra citado artigo 1432° nº 1 do Código Civil.
6. Nem em momento algum da assembleia suscitou qualquer questão de ininteligibilidade ou falta de alcance das deliberações tomadas.
7. Igualmente não suscitou em assembleia falta de tempo para se preparar em termos pessoais e técnicos face às deliberações a tomar.
8. Só assim se compreende as várias vontades expressas em votos a favor, contra e abstenção.
9. Pelo exposto, forçoso é de concluir não existir irregularidade na convocação da assembleia de condóminos do dia 12 de Março de 2008.
10. Caso assim não se entenda o que por mera hipótese de raciocínio se admite deverá a mencionada irregularidade (sem conceder) ser considerada sanada pelo facto de a Recorrida ter estado presente, ter exercido na sua plenitude todos os seus direitos sem que em momento algum tenha manifestado ou suscitado qualquer irregularidade da convocatória.

Conclui pela procedência do recurso.

Contra - alegou a recorrida, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1. A convocatória para a assembleia dos condóminos deve ser feita a todos os condóminos com a antecedência mínima de 10 dias, contando-se essa antecedência de acordo com o disposto nos artigos 279º e 296º do Código Civil, 1432°, nº 2 CC.
2. As deliberações tomadas em assembleia de condomínio irregularmente convocada são anuláveis.
3. A presença da Apelada na Assembleia e o exercício do seu direito de voto não sanam o vício que inquina as deliberações tomadas em Assembleia irregularmente convocada.
4. A presença da Apelada na Assembleia e o exercício do seu direito de voto não impedem a Apelada de impugnar deliberações em que não tenha votado a favor.
5. Ao estabelecer a possibilidade de impugnação das deliberações e estabelecer prazos para tanto, o legislador não distingue o tipo de vício – formal ou material que inquina a deliberação.
6. O legislador nesta sede também não distingue a situação de presença ou ausência do impugnante na Assembleia, ou qualquer outra situação.
7. A antecedência mínima de 10 dias da convocatória sobre a data da realização da Assembleia destina-se a proporcionar aos condóminos o tempo necessário para se prepararem e se capacitarem para o exercício do seu direito de voto.
8. Estando em causa a interpretação do nº 1 do artigo 1432°, ou do nº 1 do artigo 1433°, ambos do Código Civil, a mesma tem de ter um mínimo de correspondência verbal na letra da lei.
9. A posição defendida pelo Apelante não tem qualquer correspondência com a letra da lei, extravasando-a, termos em que não é válida nem aceitável.
10. A ratio legis do disposto no nº1 do artigo 1432° do Código Civil é garantir ao condómino que sejam dados pelo menos dez dias completos de calendário para este se preparar para a discussão e tomada de posição nas deliberações na Assembleia de Condóminos.
11. Em lado algum a lei deixa a impugnação de deliberações dependentes de qualquer menção a ilegalidades em acta da Assembleia.
12. A douta sentença não viola qualquer preceito legal.

Conclui pela improcedência do recurso.

Foram colhidos os necessários vistos

APRECIANDO E DECIDINDO

Thema decidendum:

Em função das conclusões do recurso, temos que:

- O Condomínio recorrente/R. pugna pela não anulação das deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos em causa apesar desta não ter sido convocada com a antecedência mínima de 10 dias legalmente prevista.

Apuraram-se os seguintes FACTOS:

A. No dia 12 de Março de 2008, pelas 22h00, reuniu em 2ª Convocatória, a Assembleia de Condóminos do Condomínio do ... do prédio sito na tua ..., n9 4, blocos 1 a 6, Lisboa, com a seguinte ordem de trabalhos: 1.informação sobre actividades de 2007;2. Apresentação de contas 2007; 3.Proposta de orçamento e principais objectivos para 2008; 4.Eleição da Comissão Representantes e Administração; 5.Alteração da Conta Poupança Condomínio para conta a prazo; 6. Providência cautelar e respectiva acção principal a intentar contra o condómino “O” proprietário da fracção HP, com vista ao acesso ao seu interior para instalação de infra-estrutura da A...; 7.Participação criminal e eventual constituição de assistente e eventual pedido de indemnização civil contra “P”, “A” e “Q” relativo a irregularidades detectadas na emissão do recibo nº ... do transacto ano de 2007; 8.Procedimentos a adoptar contra condóminos devedores; 9.Outros assuntos de interesse geral.
B. Na referida Assembleia foram tomadas deliberações sobre os pontos, 1º a 8º da ordem de trabalhos.
C. Nesta Assembleia, a Autora, moradora no 6º andar D, bloco 4, correspondente à fracção "EU", fez-se representar por procurador, onde exerceu o seu direito de voto, tendo votado mediante abstenção na deliberação quanto ao 1º ponto da ordem de trabalhos respeitante à entrega a novos advogados do processo S... e ao mandato da Comissão de Representantes para a escolha do grupo técnico; votou contra o 2º ponto da ordem de trabalhos (aprovação das contas do ano de 2007); votou contra o 3º ponto da ordem de trabalhos proposta de orçamento para 2008); absteve-se quanto aos pontos 4º (eleição da comissão de representantes e administração) e 5º (alteração da conta poupança condomínio para uma conta a prazo); votou favoravelmente o ponto 6º (proposta de retirar a providência cautelar contra o condómino “O”); votou contra a deliberação do ponto 7º (proposta em avançar com participação criminal e eventual constituição de assistente e eventual pedido de indemnização cível contra “P”, “A” e “Q”; absteve-se quanto ao ponto 8º (procedimentos a adoptar contra devedores).
D. A Autora teve conhecimento da convocatória 6 dias antes da data designada para a sua realização.

O DIREITO

Entende o recorrente/Condomínio R., ao contrário do decidido que, as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos em discussão devem ser consideradas válidas, apesar da convocação daquela reunião magna não ter obedecido ao estipulado no artº1432º nº1 do CPC no que ao prazo diz respeito.

Por sua vez, a recorrida/A. tem o entendimento de que, o desrespeito do prazo de dez dias previsto naquele preceito legal constitui um vício inultrapassável que inquina definitivamente tais deliberações, concretamente, as que, não tiveram a anuência da A..

Quid juris?

A este propósito argumentou-se na decisão objecto de recurso, o que se segue:

“-…-
No caso presente está em causa a impugnação de deliberações votadas em Assembleia de Condóminos por violação de uma norma legal respeitante à sua convocação que impõe a convocação dos condóminos com uma antecedência mínima de 10 dias - artigo 1432º, 1 Código Civil. Nos termos do art. 1433º, nº1 do CC são anuláveis a deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamento anteriormente aprovado, onde se incluem as deliberações afectadas por vícios formais atinentes à convocação da assembleia.
Como já ficou dito, a legitimidade activa para a acção impugnatória das deliberações cabe aos condóminos que não tenham votado a favor da sua aprovação e que podem intentar a respectiva acção, dentro dos prazos definidos na lei, não se exigindo actuação coligada, qualquer deles o podendo fazer. O prazo de caducidade do direito de interpor a acção é de 60 dias contados desde a data da deliberação (art.1433º, 4 CPC).
Ê um facto, como o Réu alega, que a autora fez-se representar na referida Assembleia de condóminos, tendo inclusive exercido o deu direito de voto. Mas esta presença e o exercício do seu direito não pode coarctar-lhe a possibilidade de impugnar as deliberações que não tenha votado a favor, ainda que estas possam estar apenas afectadas por um vício formal inerente à convocação ilegal da assembleia. Com efeito, o legislador prevê prazos para impugnação das deliberações, sem distinguir o vício que as possa afectar, para presentes e ausentes na assembleia. Por outro lado, o fundamento deste prazo mínimo de 10 dias previsto na lei para a convocação da assembleia assenta na possibilidade dos condóminos conhecerem antecipadamente a ordem de trabalhos para que possam preparar-se para a discussão e votação. Se o condómino não teve o tempo mínimo indispensável para se preparar, ainda que tenha estado presente na assembleia e votado, tal não pode implicar a sanação de um vicio e a impossibilidade de impugnação de uma deliberação sobre a qual esse condómino não teve, por exemplo, possibilidade de apresentar o seu ponto de vista por falta de preparação.
No caso em análise, a Autora foi convocada para a Assembleia de condóminos apenas 6 dias antes da data da sua realização, o que viola nitidamente o prazo legal previsto no artigo 1432º, 1 C. Civil.
O vicio formal atinente à convocação da assembleia de condóminos implica a anulação da deliberação - art. 1433º, 1 CC.
Nestes termos, impõe-se a anulação das seguintes deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos de 12/03/2008: (…)
-…-”

Está assente, com interesse para este recurso, que:

A Autora teve conhecimento da convocatória 6 dias antes da data designada para a sua realização.

Segundo o artº1432º nº1 do CC tal convocação tem que ser feita com a antecedência de 10 dias.

Concordamos que, esse prazo tem a ver com a necessidade dos condóminos se inteirarem dos assuntos a discutir.

Contudo, o que agora é pertinente para a boa decisão da causa é saber se estamos, ou não, na presença dum vício insanável, desde logo, face à intervenção activa da A. na Assembleia, através dum procurador.

Será que, como se diz na decisão recorrida, “essa presença e o exercício do seu direito não pode coarctar-lhe a possibilidade de impugnar as deliberações que não tenha votado a favor, ainda que estas possam estar apenas afectadas por um vício formal inerente à convocação ilegal da assembleia”?

Ou, como sustenta o recorrente/R. estamos perante uma mera irregularidade sanada quer pelo facto da A. se ter feito representar activamente na Assembleia quer porque esse seu procurador não suscitou a questão agora em análise nem no início nem no decurso da mesma Assembleia de Condóminos, antes sentiu-se completamente habilitado a tomar posição sobre os vários pontos agendados.

Como refere Sandra Passinhas, estudiosa do tema em análise, “as eventuais irregularidades do procedimento da convocação – e, em particular, as atinentes à observância do prazo e à iniciativa da convocação (das assembleias de condóminos) – não podem dar lugar senão a deliberações contrárias à lei e, como tal, sujeitas a anulação. Nas deliberações resultantes de assembleias irregularmente convocadas há uma violação literal, através do processo formativo da assembleia. Serão, por isso, de acordo com o regime regra, deliberações meramente anuláveis. O desrespeito dos limites impostos pela lei importa a anulabilidade da decisão adoptada, com a consequência que, não sendo esta tempestivamente impugnada, o vício de que é afectada considera-se sanado” – in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2ª edição de Janeiro de 2002, pag.222.

Face à citação feita parece linear a conclusão tirada na sentença recorrida: as deliberações em causa são anuláveis, por impugnadas nos termos do artº1433º do CC.

Contudo, não concordamos com essa conclusão pois, não é o caso que se tem de moldar ao direito abstractamente previsto antes é o caso que chama o direito a aplicar.

Por isso, a vox populi diz que: cada caso é um caso.

Ora, in casu, também se provou, igualmente com interesse para este recurso, que:

Nesta Assembleia, a Autora, moradora no 6º andar D, bloco 4, correspondente à fracção "EU", fez-se representar por procurador, onde exerceu o seu direito de voto, tendo votado mediante abstenção na deliberação quanto ao 1º ponto da ordem de trabalhos respeitante à entrega a novos advogados do processo S... e ao mandato da Comissão de Representantes para a escolha do grupo técnico; votou contra o 2º ponto da ordem de trabalhos (aprovação das contas do ano de 2007); votou contra o 3º ponto da ordem de trabalhos proposta de orçamento para 2008); absteve-se quanto aos pontos 4º (eleição da comissão de representantes e administração) e 5º (alteração da conta poupança condomínio para uma conta a prazo); votou favoravelmente o ponto 6º (proposta de retirar a providência cautelar contra o condómino “O”); votou contra a deliberação do ponto 7º (proposta em avançar com participação criminal e eventual constituição de assistente e eventual pedido de indemnização cível contra “P”, “A” e “Q”; absteve-se quanto ao ponto 8º (procedimentos a adoptar contra devedores).

Como já foi decidido e transitou em julgado (vide relatório supra/saneamento da causa) estão apenas em causa as deliberações em que o procurador da A. votou contra, reconhecida que foi a ilegitimidade activa da mesma A. no que se reporta à deliberação que votou favoravelmente.

Acontece que a questão não pode ser vista nesse prisma do interesse meramente individual.

Antes, temos que, apreciar a natureza do detectado vício: Convocação da Assembleia no prazo de 6 dias e não de dez dias como prevê a lei.

Estamos na presença duma irregularidade mas, ao contrário do decidido, entendemos que a mesma ficou sanada com a presença sem protesto da A. na Assembleia de Condóminos.

Sendo a ratio do prazo para convocação das assembleias de condóminos, a plena formação duma opinião dos condóminos sobre os pontos agendados para essa reunião magna, constituiria autêntico venire contra factum proprium, alguém participar activamente e conscientemente numa assembleia para a qual foi convocado com 6 dias de antecedência – e não, dez – e depois impugnar as decisões desfavoráveis, com fundamento na falta atempada de convocação para essa assembleia.

Estamos pois, na presença duma conduta processual a raiar o denominado abuso de direito – artº334º do CC e a nível jurisprudencial, o acórdão do STJ de, 2.10.97, in BMJ 470, pag.495, que “considerou abuso do direito de reclamar por em contradição com uma conduta anterior no sentido da conformação com uma deliberação tomada em assembleia de credores” -.

A idêntica conclusão chegou a citada autora, Sandra Passinhas, a pag.223 da citada obra, nos seguintes termos: “Obviamente que a participação do(s) condómino(s) na reunião sana a irregularidade ou a falta de convocação. Não basta a mera presença na assembleia; o condómino pode dirigir-se ao local da reunião numa tentativa de adiar a assembleia, pois apesar de ter tomado conhecimento da sua realização, não beneficiou do prazo mínimo concedido por lei e que, no caso concreto seria indispensável, por exemplo para aconselhamento jurídico.”

Tudo visto, improcede o presente recurso.

Concluindo e em síntese (sumário deste acórdão):

- A convocação de condómino, em prazo inferior ao legalmente previsto, para a respectiva Assembleia de Condóminos, não dá aquele o direito de impugnar as deliberações aí tomadas, nomeadamente, quando o referido condómino participou activamente naquele reunião magna, através de procurador.

DECISÃO:

- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar procedente o recurso e consequentemente, revogam a decisão recorrida, julgando válidas as deliberações em causa (deliberação que aprovou a entrega a novos advogados do processo S... e o mandatar a Comissão de representantes para a escolha do grupo técnico; deliberação que aprovou as contas referentes ao ano de 2007; deliberação que aprovou a proposta de orçamento e principais objectivos para 2008; deliberação que elegeu eleição da Comissão Representantes e Administração; deliberação que aprovou a alteração da Conta Poupança Condomínio para conta a prazo; deliberação que aprovou a participação criminal e eventual constituição de assistente e eventual pedido de indemnização civil contra, “P”, “A” e “Q” relativo a irregularidades detectadas na emissão do recibo nº ... do transacto ano de 2007; deliberação que aprovou procedimentos a adoptar contra condóminos devedores).

Custas pela apelante.

Lisboa, 9 de Março de 2010

Relator: Afonso Henrique Cabral Ferreira
1º Adjunto: Rui Torres Vouga
2º Adjunto: Maria do Rosário Barbosa