Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
398/21.7T8BRR-A.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO DE FACTO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TRIBUNAL CÍVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I.–A partir de 2006, a união de facto entre estrangeiro e nacional português passou a ser rigorosamente equiparada ao casamento, no que ao regime de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade diz respeito.

II.–Mantendo-se na Lei da Nacionalidade a atribuição de competência específica ao tribunal cível, constante do artigo 3.º, n.º 3 da Lei da nacionalidade ( Lei nº 37/81, na redacção operada pela Lei Orgânica nº 2/2006) e sendo esta norma, uma norma especial, a mesma não foi tacitamente revogada pela alteração que ocorreu na distribuição de competências pela lei geral de enquadramento e organização do sistema judicial.

III.–Dispondo tal preceito, especificamente, que a competência pertence aos tribunais cíveis, não é possível aplicar a regra geral constante do artigo 122.º, n.º 1, g), da LOSJ, e considerar competente os juízos de família e menores, uma vez que o disposto numa norma especial prevalece sobre uma norma geral.


(Sumário elaborado pelo Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–Relatório:


N… e V…, identificados nos autos, intentaram a presente acção declarativa de reconhecimento de união de facto, pedindo o reconhecimento da união de facto nos termos e para os fins da Lei n.º 7/2001 e da Lei n.º 37/81.

Em abono da sua pretensão alegam, em síntese, que mantêm entre si uma condição de conviventes de facto, análoga à dos cônjuges desde Setembro de 2013, na morada que é propriedade do pai do A., e fruto desta relação amorosa nasceram dois filhos, ambos menores. Alegam ainda que nutrem uma relação familiar, social, afectiva e sexual, partilham refeições e contribuem ambos para o sustento do lar, pelo que desde 2013 os AA. são vistos juntos em eventos sociais e partilham a relação afectuosa e marital publicamente. Pretendem assim, o reconhecimento judicial da situação de união de facto exigido pelo artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 37/81 e pelo artigo 14.º, n.º 2, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, Decreto-Lei nº 237-A/2006.

Citado o Mº Pº em representação do Estado-Colectividade, nos termos do disposto no artigo 24º do Código de Processo Civil e nos artigos 3º, nº1, alínea a) e 5º, nº1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, veio o mesmo apresentar contestação arguindo, além do mais, a incompetência material do Juízo de Família e Menores, dizendo que tal competência não resulta da norma contida no artigo 122º, nº1, alínea b), da LOSJ, já que não estamos perante um processo de jurisdição voluntária. Por outro lado, entende que tal competência também não se extrai do artigo 122º, nº1, alínea g), da LOSJ, nos termos do qual compete aos Juízos de Família e Menores preparar e julgar “outras acções relativas ao estado civil e família”. Concluindo que por não existir norma que preveja a competência de tribunal de competência especializada, valeria a competência residual do Juízo Local Cível – artigos 80º, nº2, e 130º, nº1, alínea a), da LOSJ. Além disso, argumenta que tal competência resulta expressamente do disposto no artigo 3º, nº3, da Lei da Nacionalidade.

Por despacho proferido nos autos a 09/06/2021, decidiu-se quanto a esta excepção, na parte relevante, o seguinte: «(…) A questão que se coloca é a de saber se, com a consagração da alínea g) do art. 122.º supra referida quis o legislador atribuir ao juízo de família e menores competência material para tramitação e julgamento da presente ação.
Nos termos do disposto no art. 9.º do Código Civil:“1.- A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2.- Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3.- Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Para que seja possível interpretar se no espírito, letra e história da atribuição de competência aos juízos de família e menores se incluem as ações que visam reconhecer as situações de união de facto, importa analisar o diploma que consagrou este estado.
Nos termos do disposto no art. 1.º n.º 2 da Lei n.º 7/2001, de 11.05: “A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.” Para aferir se duas pessoas se encontram em situação de união de facto necessário se torna analisar os deveres próprios dos cônjuges.
Desta forma, se a violação dos deveres próprios dos cônjuges fundamenta uma ação cuja competência para tramitação e julgamento é o juízo de família e menores (art. 122.º n.º 1 alínea c) supra referido), por maioria de razão é este mesmo juízo quem tem competência para conhecer a verificação da existência destas situações.
Efetivamente, onde o legislador não distinguiu não deve o intérprete distinguir, fazendo uma interpretação restrita do conceito de “estado civil”.Neste sentido acompanhamos a jurisprudência do Tribunal na Relação de Coimbra (Acórdão de 15.07.2020) e do Tribunal da Relação de Lisboa (Acórdão de 11.12.2018, ambos in www.dgsi.pt).
Em face do exposto, entendemos, como nos referidos arestos, ser este o juízo competente, razão pela qual improcede a invocada exceção dilatória de incompetência
absoluta deste juízo.».

Inconformado veio o Ministério Público recorrer, apresentado as seguintes conclusões:
«-Nos autos acima identificados, por despacho datado de 09/06/2021, foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e, em consequência, considerou este juízo de família e menores competente para apreciação da presente acção, em que se visa o reconhecimento de união de facto, tendo em vista a ulterior aquisição da nacionalidade portuguesa;
 - O Ministério Público mantém e reitera o entendimento de que os Juízos de Família e Menores são materialmente incompetentes para o conhecimento da acção;
- Por um lado, tal competência não resulta da norma contida no artigo 122º, nº1, alínea b), da LOSJ, já que não estamos perante um processo de jurisdição voluntária;
- Por outro lado, entende-se que tal competência também não se extrai do artigo 122º, nº1, alínea g), da LOSJ, nos termos do qual compete aos Juízos de Família e Menores preparar e julgar “outras acções relativas ao estado civil e família”;
- A referência constante da parte final do citado artigo 122º, nº1, alínea g), da LOSJ à palavra “família” deve entender-se como respeitante às acções que são reguladas pelo Direito da Família, por referência à norma do artigo 1576º do Código Civil e ao Livro IV do Código Civil e no qual não está regulada ou prevista a união de facto como fonte de relações familiares, o que exclui a presente acção da competência dos Juízos de Família e Menores;
- Não obstante a diversidade das ditas relações parafamiliares e a regulamentação/protecção legal que, entretanto, mereceram as uniões de facto, manteve-se inalterado o Código Civil, nomeadamente no que concerne artigo 1576º do Código Civil e ao Livro IV do Código Civil, sendo certo que, caso assim tivesse pretendido, o legislador certamente teria introduzido, também, tal inovação legislativa, o que não fez;
- Acresce ainda um outro argumento, no entender do Ministério Público decisivo e inultrapassável, para excluir a presente acção da norma prevista no artigo 122º, nº1, alínea g) e, consequentemente, a competência dos Juízos de Família e Menores: o teor expresso do artigo 3º, nº3, da Lei da Nacionalidade, instituída pela Lei nº37/81, de 03 de Outubro, na redacção introduzida pela Lei Orgânica nº9/2025, de 29 de Julho;
- É que nos termos do artigo 3º, nº3, da Lei da Nacionalidade “o estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após acção de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível(sublinhado nosso);
- Ora, tendo o legislador expressamente consagrado que é competente para a apreciação destas acções o tribunal cível, não se vislumbra como, ao arrepio dessa norma legal, se poderá defender que a competência pertence aos Juízes de Família e Menores;
- Uma tal interpretação da norma legal consagrada no artigo 122º, nº1, alínea g), da LOSJ configura interpretação manifestamente contra legem e contrária à unidade do sistema jurídico e, por isso, não consentida – cfr. o artigo 9º, nºs 1 e 2, do Código Civil;
- Não existindo norma que preveja a competência de tribunal de competência especializada, valeria a competência residual do Juízo Local Cível – artigos 80º, nº2, e 130º, nº1, da LOSJ;
- Mas, não só não existe norma expressa que preveja a competência do tribunal de família e menores, como, reitera-se, exige regulamentação legal expressa que atribui a competência para o conhecimento da acção à jurisdição cível – no caso, o artigo 3º, nº3, da Lei da Nacionalidade, em conjugação com o artigo 130º, nº1, alínea f), da LOSJ;
 - Com efeito, nos termos, também expressos, do artigo 130º, nº1, alínea f), da LOSJ, pertence aos Juízos Locais Cíveis a competência para “exercer as demais competências conferidas por lei”, como é o caso expressamente consagrado pelo legislador no artigo 3º, nº3, da Lei da Nacionalidade;
- Entende, por isso, o Ministério Público que a competência para o conhecimento da presente causa pertence ao Juízo Local Cível do Montijo, pelo que este tribunal é absolutamente incompetente em razão da matéria para o conhecimento da acção, o que teria de ter conduzido à absolvição do réu da instância;
 - Ao decidir que o juízo de família e menores é competente para o conhecimento da presente acção, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 3º, nº3, da Lei da Nacionalidade, 80º, nº2, 122º, nº1, alínea g) e 130º, nº1, alínea f), da LOSJ e 9º, nºs 1 e 2, do Código Civil.».

Não foram apresentadas contra alegações.

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º .ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa, assim, saber é de considerar o Tribunal de Família e Menores materialmente competente para conhecer do reconhecimento judicial da união de facto, para efeito da aquisição da nacionalidade portuguesa.

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II.–Fundamentação:
Os elementos fácticos relevantes para a decisão são os constantes do relatório cujo teor se reproduz.

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III.–O Direito:
Assenta a decisão na interpretação da atribuição da competência do juízo de família conjugada com a situação concreta da união de facto, ou seja, o que subjaz a tal consideração pelo legislador ou a relevância social actual de tal situação de facto, elevando-a a uma espécie de estado civil. Concluindo que face à consagração da alínea g) do art. 122.º da LOSJ quis o legislador atribuir ao juízo de família e menores competência material para tramitação e julgamento da acção  de reconhecimento da união de facto.
Para tal interpretação analisou o tribunal recorrido o diploma que prevê a consagração e reconhecimento das situações de união de facto, a saber, o artº 1.º n.º 2 da Lei n.º 7/2001, de 11.05, preconizando que para aferir se duas pessoas se encontram em situação de união de facto necessário se torna analisar os deveres próprios dos cônjuges. E logo, “(d)esta forma, se a violação dos deveres próprios dos cônjuges fundamenta uma ação cuja competência para tramitação e julgamento é o juízo de família e menores (art. 122.º n.º 1 alínea c) supra referido), por maioria de razão é este mesmo juízo quem tem competência para conhecer a verificação da existência destas situações.”.

Convoca a decisão o defendido no Acórdão da Relação de Coimbra de 15/07/2020, e ainda o decidido no Acórdão desta Relação de 11/12/2018, baseando-se na interpretação menos restrita do conceito de “estado civil”.

Com efeito, a competência dos juízos de família e menores está prevista nos artigos 122.º a 124.º da Lei n.º 62/2013, de 26.08, prevendo-se no Artº 122.º que:

1Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar:
a)-Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges;
b)-Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum;
c)-Ações de separação de pessoas e bens e de divórcio;
d)-Ações de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil;
e)-Ações intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966;
f)-Ações e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges;
g)- Outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família.
2–Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.”

Ora, como bem evidencia o Ministério Público no âmbito deste recurso manifestamente a competência afirmada pelo Juiz a quo não tem suporte na norma contida no artigo 122º, nº1, alínea b), da LOSJ, pois os autos não são de jurisdição voluntária, constituindo uma acção declarativa sob a forma comum de simples apreciação positiva.

Haverá então que apreciar se tal competência se extrai do artigo 122º, nº1, alínea g), da LOSJ, nos termos do qual compete aos Juízos de Família e Menores preparar e julgar “outras acções relativas ao estado civil e família”.

Entende o recorrido que a referência constante da parte final do citado artigo 122º, nº1, alínea g), da LOSJ à palavra “família” deve entender-se como respeitante às acções que são reguladas pelo Direito da Família, por referência à norma do artigo 1576º do Código Civil e ao Livro IV do Código Civil e no qual não está regulada ou prevista a união de facto como fonte de relações familiares, o que exclui a presente acção da competência dos Juízos de Família e Menores. Sustentando que não obstante a diversidade das ditas relações para-familiares e a regulamentação/protecção legal que, entretanto, mereceram as uniões de facto, manteve-se inalterado o Código Civil, nomeadamente no que concerne artigo 1576º do Código Civil e ao Livro IV do Código Civil, sendo certo que, caso assim tivesse pretendido, o legislador certamente teria introduzido, também, tal inovação legislativa, o que não fez.

Quer a decisão, quer a jurisprudência citada na mesma aborda a questão sob tal prisma, o mesmo ocorre com o decidido recentemente no Acórdão da Relação de Coimbra (proc. nº 2998/19.6T8CBR.C1) de 08-10-2019, no qual se alude que: «I– A ação intentada com vista à obtenção do reconhecimento judicial da situação de união de facto, nos termos e para efeitos dos nos 2 e 4, do art. 14º, do DL nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro [“Regulamento da nacionalidade portuguesa” ], integra a previsão do art. 122º, nº1, al.g), da “Lei da organização do sistema judiciário” [Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto - LOSJ]. II– É que, ao aludir a referida al.g) do nº 1 do art. 122º da LOSJ, a acções relativas ao “estado civil” das pessoas, o legislador utilizou tal expressão - na sua acepção mais restrita - atendendo ao seu significado na linguagem corrente e apenas para se reportar a situações em que esteja em causa o posicionamento das pessoas relativamente ao casamento, união de facto ou economia comum, mas sempre com o sentido e desiderato de abranger toda e qualquer acção que se relacione com essas situações e cuja inclusão nas demais alíneas pudesse, eventualmente, suscitar algum tipo de dúvida.» ( in www.dgsi.pt/jtrc).

Foi também este o entendimento propugnado no Acórdão da Relação do Porto ( proc. nº 12397/20.1T8PRT.P1) de 26-04-2021, ao dizer que: «I– A Constituição não admite a redução do conceito de família à união conjugal baseada no casamento, isto é, à família “matrimonializada”; constitucionalmente, o casal nascido da união de facto juridicamente protegida também é família; II– O Juízo de Família e Menores, face à previsão da alínea g) do nº1 do art. 122º da LOSJ, é o materialmente competente para a preparação e julgamento de uma acção em que é pedido o reconhecimento da existência de união de facto.».

Igual entendimento resulta do Acórdão desta Relação e secção (proc. nº590/18.1T8CSC.L1-6) de 11-12-2018, referido na decisão, nos mesmos moldes supra aludidos. Também no Acórdão desta Relação, datado de 30/06/2020 ( Proc. nº 23445/19.8T8LSB.L1-7) e sob a mesma perspectiva, se defende que:«(…) O conceito de família não é estanque, antes se mostrando recetivo a fenómenos que pela sua evidência social mereçam o seu abrigo. A união de facto atingiu uma proeminência tal que a sua aceitação social como entidade familiar não pode já ser posta em causa, sobretudo a partir do momento em que, nos termos do n.º 1 do art. 36.º da CRP, passou a beneficiar de proteção constitucional, devendo, por isso, ser considerada uma relação familiar, apesar de não constar do elenco das fontes jurídico-familiares do art. 1576.º, do Código Civil. 5. Por conseguinte, os Juízos de Família e Menores são os materialmente competentes para a preparação e julgamento de uma ação em que é pedido o reconhecimento da união de facto.».

É insofismável que a união de facto tal como vem sendo entendido quer em termos legais, quer jurisprudenciais, pode ser elevada a uma questão idêntica à que ocorre no âmbito das relações familiares. No entanto o que se pretende aferir é em concreto a competência do Tribunal, perante a acção que foi intentada e seu escopo.

Ora, entendemos que haverá que trazer à colação o teor do artigo 3º, nº3, da Lei da Nacionalidade, instituída pela Lei nº37/81, de 03 de Outubro, com a redacção da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril , que prevê: “o estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após acção de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível”.

Com efeito, importa apreciar se tendo o legislador expressamente consagrado que é competente para a apreciação destas acções o tribunal cível, haverá ou não uma derrogação ou revogação tácita de tal preceito, considerando, tal como defende o tribunal recorrido e as decisões aludidas, que a competência pertence aos Juízos de Família e Menores.

A Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de outubro) foi pela quarta vez alterada em 2006. Foram numerosas as modificações então introduzidas ao regime inicialmente fixado em 1981.

A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, veio dar nova redação a doze dos quarenta artigos que compunham a Lei n.º 37/81. Todavia, apesar de as modificações terem incidido sobre aspetos diversos do regime (substantivo e adjetivo) da atribuição, aquisição e perda da nacionalidade portuguesa, nem por isso implicaram o surgimento, neste domínio, de um Direito novo e diferente, assente sobre outros princípios que não aqueles que estruturaram o regime a partir de 1981.

Assim, em 2006 não se escreveu uma nova lei da nacionalidade, apenas se alterou  a lei já existente desde 1981, tal resulta, quer da epígrafe da Lei Orgânica n.º 2/2006, quer do seu artigo 8.º, que mandou republicar, com as alterações por ela introduzidas, a Lei n.º 37/81.

No domínio da aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, a alteração mais significativa é aquela que agora consta do n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 37/81. De acordo com a redação actual do preceito, o estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor em tribunal cível.

Quer isto dizer que, a partir de 2006, a união de facto entre estrangeiro e nacional português passou a ser rigorosamente equiparada ao casamento, no que ao regime de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade diz respeito. Na verdade, verificada que seja a constância da união de facto por período superior a três anos - período esse que é idêntico ao que é previsto para a duração do casamento, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º -, basta a mera declaração do interessado para desencadear o processo de aquisição da nacionalidade portuguesa. O mesmo sucede com o casamento, uma vez que o estrangeiro (casado há mais de três anos com nacional português) pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração de vontade feita na constância do matrimónio (artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 37/81). Em ambas as circunstâncias (casamento ou união de facto) a comunhão de vida com nacional português é um pressuposto de facto que permite a aquisição de nacionalidade por declaração de vontade: quem viva more uxorium com cidadão ou cidadã nacional, ou quem com ele ou ela esteja casado, pode, se quiser e se o declarar como tal, tornar-se também membro da comunidade política portuguesa através do vínculo da nacionalidade.

Nos termos do artigo 16.º da Lei n.º 37/81, as declarações de que dependem a aquisição da nacionalidade (tal como aquelas de que dependem a sua atribuição ou perda) devem constar do registo central da nacionalidade, a cargo da Conservatória dos Registos Centrais. Na sequência desta determinação, o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, sendo a sua versão mais recente operada pelo D.L. nº 71/2017, de 26/06) veio definir, com maior precisão, os procedimentos a seguir junto da Conservatória, incluindo " O estrangeiro que coabite com nacional português em condições análogas às dos cônjuges há mais de três anos, se quiser adquirir a nacionalidade deve igualmente declará-lo, desde que tenha previamente obtido o reconhecimento judicial da situação de união de facto” – cf. artº 14º nº 2 do Regulamento.

Por outro lado, e nos termos do artigo 26.º da Lei da Nacionalidade, "ao contencioso da nacionalidade são aplicáveis, nos termos gerais, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais e demais legislação complementar." A redação do preceito foi também introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006. Antes dessa altura, e desde a primeira versão da Lei n.º 37/81, cabia ao Tribunal da Relação de Lisboa conhecer dos recursos interpostos "de quaisquer atos relativos à atribuição, aquisição, ou perda da nacionalidade portuguesa." Os recursos podiam ser interpostos pelo Ministério Público ou pelos "interessados diretos", que para tanto tinham legitimidade (artigos 25.º e 26.º da Lei n.º 37/81).

 O caso que nos ocupa não se prende com o procedimento administrativo de aquisição da nacionalidade e suas vicissitudes, mas sim a questão a montante – o reconhecimento da união de facto.

Como vimos através da Lei Orgânica n.º 2/2006, na quarta alteração à Lei da Nacionalidade, veio o legislador equiparar, neste domínio, a união de facto ao casamento.

A propósito da apreciação da constitucionalidade do artº 3º nº 3 da Lei da nacionalidade, na redacção da Lei orgânica, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 605/2013, de 24/09/2013 (Diário da República n.º 225/2013, Série II de 2013-11-20) analisa-se a alteração quanto à possibilidade de aquisição da nacionalidade tendo por base a união de facto, justificando-se tal preceito no sentido de:« A homenagem a princípios constitucionais como os princípios da igualdade e da não discriminação é evidente. Mas também é evidente a necessidade de impedir (à semelhança do que acontece com o casamento) que a via de acesso à condição de nacional português que assim - e em consonância com soluções idênticas propugnadas por direitos estrangeiros e por convenções internacionais - se abre a estrangeiros que tenham laços vivenciais com a comunidade nacional seja fraudulentamente manipulada, através da invocação de estados de união de facto que sejam, na realidade, inexistentes. Foi por isso que se estabeleceu, no n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 37/81, na redação dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, que, nestes casos, a declaração de vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa fosse necessariamente precedida de ação de reconhecimento da situação de união de facto, a interpor no tribunal cível.».

É certo que no caso em apreciação estava em causa a consideração da matéria puramente administrativa ou não, bem como o juízo efectuado que tal preceito ( artº 3º nº 3 da Lei nº37/81) "nada tem que ver com as competências dos tribunais, plasmadas nos n.os 1 e 2 do artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa", uma vez que se entendia que estaria em causa "matéria eminentemente administrativa", a ser resolvida "por acto administrativo" do qual, quando muito, "cabe recurso para os tribunais administrativos".

Todavia, tal Acórdão também se revela importante para a apreciação da competência, considerando os três argumentos constantes do mesmo e que permitem concluir pela constitucionalidade de tal norma, a saber: «Em primeiro lugar, o argumento segundo o qual nele (nesse entendimento) se confundiu o procedimento de aquisição da nacionalidade portuguesa por declaração de vontade, cuja tramitação junto da Conservatória dos registos centrais é, como vimos, definida pelo Regulamento da Nacionalidade, com o pressuposto de facto que permite que se atribua a essa declaração o efeito pretendido. O reconhecimento da existência ou inexistência desse pressuposto (neste caso, a união de facto, jurisdicionalmente verificada) é apenas um dos elementos que, de acordo com o que determinam os artigos 14.º e 37.º do Regulamento da Nacionalidade, devem instruir o processo, conducente à aquisição da nacionalidade portuguesa. O que funda este último é a declaração de vontade do estrangeiro que pretende tornar-se cidadão português.

Em segundo lugar, o argumento segundo o qual não é precisa a interpretação que se faz dos n.os 1 e 2 do artigo 202.º da Constituição da República. Diz-se, na decisão recorrida, que o reconhecimento do pressuposto de aquisição, por vontade, da condição de nacional português, nada tem que ver com as competências dos tribunais, tal como estão plasmadas nos n.os 1 e 2 do artigo 202.º da Constituição da República. Não vale a pena, a este propósito, recordar a abundante jurisprudência constitucional sobre a matéria de definição substancial de função jurisdicional e sua reserva aos tribunais, matéria essa que é a própria do artigo 202.º da CRP. Basta que se diga que no elemento literal constante da primeira frase do n.º 2 do artigo ("na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos interesses e direitos legalmente protegidos dos cidadãos") se incluem, naturalmente, as ações para o reconhecimento de direitos. Tanto mais em domínios como este, em que esse reconhecimento surge como pressuposto de exercício de um outro direito que, como vimos, tem uma clara implicação jusfundamental.

Finalmente, o argumento segundo o qual é igualmente imprecisa a "qualificação" que o tribunal a quo faz da "matéria" que tem perante si para julgar, ao considerá-la "matéria eminentemente administrativa", que "quando muito entronca em matéria de direito da família"(…) a solução hoje inserta no artigo 26.º da lei (com a atribuição da competência à jurisdição administrativa) é exógena face ao direito de nacionalidade.».

Manifestamente o que ocorre nos autos não é tanto aferir da “matéria” que compõe a acção, mas sim qual a intenção do legislador ao definir no artº 3º nº 3 da Lei nº 37/81 que a “ação de reconhecimento dessa situação (é) a interpor no tribunal cível”.

Com efeito quer a jurisprudência citada, quer a decisão recorrida tem como enfoque a questão de se tratar ou não de matéria de família, sem cuidar que o legislador quando pretendeu atribuir especificamente competência ao tribunal de família, mesmo nos casos de união de facto, fê-lo de forma expressa, como consta da alínea b) do artº 122º da LOSJ, mas estando em causa processos de jurisdição voluntária, que não é o caso. No caso o que ocorre é que nesta situação há norma expressa quanto à competência, pelo que antecipando é de proceder o recurso.

Seguindo de perto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-06-2021( proc. nº 286/20.4T8VCD.P1.S1), que vai no sentido ora propugnado, depois de aludir à jurisprudência citada refere:« Estes arestos não têm, porém, valorizado a menção de atribuição de competência específica aos tribunais cíveis para decidir estas ações que consta do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, sendo certo que nada impede o legislador de atribuir competência específica para o julgamento de determinadas ações, contrariando as regras gerais de competência dos diferentes tribunais judiciais especializados constantes da LOSJ.».

Nesse mesmo aresto percorrendo a intenção do legislador aquando da alteração operada pela Lei orgânica a que se aludiu, expõe-se que: «A redação daquela Lei Orgânica teve na sua origem um texto de substituição elaborado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para onde, após a sua aprovação em Plenário, haviam baixado a Proposta de Lei n.º 32/X e os Projetos de Lei n.º 18/X, 31/X, 40/X, 170X, 173/X e 32/X, que propunham alterações à Lei da Nacionalidade, o qual foi aprovado, primeiro nessa Comissão, e posteriormente em Plenário. Relativamente à parte final da redação do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, onde se determinou o tribunal competente para o julgamento destas ações, a mesma reproduziu o texto do Projeto de Lei n.º40/X, da autoria do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, o qual atribuía essa competência ao tribunal cível ( Dos restantes projetos, apenas o apresentado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (Projeto de lei n.º 18/X) previa a existência destas ações, limitando-se a referir que as mesmas deviam ser julgadas pelo tribunal competente.).

Na época em que foi aprovada a Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, estava em vigor a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro. Na altura, o artigo 64.º, n.º 1, da LOFTJ, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, determinava que podiam existir tribunais de 1.ª instância de competência especializada e de competência específica, esclarecendo o n.º 2, do mesmo artigo, que os tribunais de competência especializada conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável, enquanto os tribunais de competência específica conhecem de matérias determinadas pela espécie de ação ou pela forma de processo aplicável.

Por sua vez o artigo 65.º do mesmo diploma dispunha: 1– Os tribunais judiciais podem desdobrar-se em juízos. 2– Nos tribunais de comarca os juízos podem ser de competência genérica, especializada ou específica. 3– Os tribunais de comarca podem ainda desdobrar-se em varas, com competência específica, quando o volume e a complexidade do serviço o justifiquem.

Aos juízos de competência genérica era atribuída competência para preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outro tribunal (artigo 77.º, n.º 1, a), da LOFTJ, na redação da Lei n.º 42/2005, de 29 de agosto), e entre os tribunais de competência especializada contavam-se os tribunais de família (artigo 78.º, b), da LOFTJ), que tinham a competência atribuída nos artigos 81.º e 82.º da LOFTJ, a qual não incluía as ações do tipo das referidas pelo artigo 3.º, n.º 3, da Lei na Nacionalidade.

Podiam ser criados juízos de competência especializada cível (artigo 93.º da LOFTJ), aos quais competia a preparação e julgamento dos processos de natureza cível não atribuídos a outros tribunais (artigo 94.º da LOFTJ, na redação da Lei n.º 38/2003, de 8 de março).

Podiam ainda ser criados varas cíveis, juízos cíveis e juízos de pequena instância cível de competência específica (artigo 96.º, a) e c), da LOFTJ), competindo às primeiras preparar e julgar as ações declarativas cíveis de valor superior à alçada do tribunal da Relação em que a lei preveja a intervenção do tribunal coletivo (artigo 97.º, n.º 1, a), da LOFTJ, na redação da Lei n.º 42/2005, de 29 de agosto), aos juízos cíveis preparar e julgar os processos de natureza cível que não sejam da competência das varas cíveis e dos juízos de pequena instância cível (artigo 99.º da LOFTJ), e aos juízos de pequena instância cível preparar e julgar as causas cíveis a que corresponda a forma de processo sumaríssimo e as causas cíveis não previstas no Código de Processo Civil a que corresponda processo especial e cuja decisão não seja suscetível de recurso ordinário (artigo 101.º da LOFTJ).

Era esta a estrutura e o regime dos tribunais judiciais, quando o legislador, pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, previu a necessidade do reconhecimento da situação de união de facto como pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa por pessoa estrangeira e atribuiu a competência para esse reconhecimento ao tribunal cível. (…)

O legislador quando previu a possibilidade de a união de facto com cidadão nacional ser fator de aquisição da nacionalidade portuguesa, optou por definir a competência para o reconhecimento dessas situações de união de facto, atribuindo-a aos tribunais cíveis.

Com essa definição não se pretendeu efetuar uma atribuição diferente daquela que na altura resultava da aplicação das regras gerais da LOFTJ, uma vez que, não existindo a atribuição aos tribunais de família e menores da competência que hoje consta da alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º da LOSJ, a competência para o julgamento daquelas ações sempre competiria a um tribunal cível (podia ser uma vara cível, um juízo cível e, onde não existissem estes tribunais de competência específica, os juízos de competência genérica).

O legislador com a indicação específica de qual o tribunal competente para decidir este tipo de ações, sem que essa atribuição de competência constituísse uma exceção à atribuição que resultava da aplicação das regras gerais de distribuição de competência, em razão da matéria, pelos diferentes tribunais judiciais, terá procurado afastar a possibilidade de se entender que a competência pertencia aos tribunais administrativos, face à atribuição do contencioso da nacionalidade a estes tribunais em resultado da alteração da solução do artigo 26.º da Lei na Nacionalidade, pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Poderia tê-lo feito, dizendo que a competência pertencia aos tribunais judiciais, deixando que as aplicações das regras gerais de distribuição de competências nesta ordem jurisdicional definissem o tribunal competente em razão da matéria.  No entanto, optou por ser mais específico e, de entre os diferentes tribunais judiciais, definiu que seriam os tribunais cíveis os competentes, o que, como já vimos, se encontrava de acordo com a aplicação das regras gerais da LOFTJ, não constituindo esta definição uma exceção a essas regras.

No entanto, com a aprovação da LOSJ, pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, a qual passou a definir as normas de enquadramento e organização do sistema judiciário português, na nova distribuição de competências dos tribunais judiciais, a competência para julgar este tipo de ações passou a ser dos tribunais de família e menores, devido ao aditamento da nova competência constante da alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º da LOSJ - as ações relativas ao estado civil das pessoas e família.

Contudo, mantendo-se na Lei da Nacionalidade a atribuição de competência específica, constante do artigo 3.º, n.º 3 – o estrangeiro que à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível – e sendo esta norma, uma norma especial, ela não foi tacitamente revogada pela alteração que ocorreu na distribuição de competências pela lei geral de enquadramento e organização do sistema judiciário»( sublinhado nosso) (in www.dgsi.pt/jstj).

Com efeito, tal como se decidiu em tal Acórdão do Tribunal superior o disposto no referido artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade mantém-se vigente e aplicável, definindo uma competência específica dos tribunais, em razão da matéria, para o julgamento das ações de reconhecimento das situações de união de facto, com duração superior a três anos, como requisito de aquisição da nacionalidade portuguesa, por declaração, passando a constituir uma exceção às novas regras gerais da distribuição de competências dos tribunais judiciais entretanto aprovadas.

Donde, dispondo este preceito, especificamente, que a competência pertence aos tribunais cíveis, não é possível aplicar a regra geral constante do artigo 122.º, n.º 1, g), da LOSJ, e considerar competente os juízos de família e menores, uma vez que o disposto numa norma especial prevalece sobre uma norma geral.

Decorre assim, que no caso dos autos a apelação é procedente, devendo considerar-se que a competência em razão da matéria de reconhecimento da união de facto nos termos e para os efeitos do artº 3º nº 3 da Lei nº 37/81, na redacção operada pela Lei orgânica nº 2/2006, é da competência dos Juízos cíveis, pelo que tal determina a incompetência absoluta do Tribunal de Família e Menores com a consequente absolvição da ré da instância ( cf. artº 577º a), 278º a), 96º a) todos do CPC).

***

IV.–Decisão:

Por todo o exposto, Acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, declaro procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal de Família e Menores e absolvo a ré da instância.
Custas pelos apelados.
Registe e notifique.



Lisboa, 2 de Dezembro de 2021



Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Vera Antunes