Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
938/2006-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- O princípio da igualdade entre os cidadãos obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não expropriados.
II- Enquanto intervenientes no processo expropriativo, aos peritos compete prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos expropriados e demais interessados, estando sujeitos a observarem determinados princípios, designadamente o da imparcialidade.
III- Em matéria de expropriações, salvo existindo violação da lei aplicável, o laudo pericial unânime é um indicador seguro da fixação judicial da prestação indemnizatória, cabendo ao Tribunal, de harmonia com a particularidade de cada caso, introduzir-lhe, ou não, os ajustamentos que se imponham.

(IS
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa  

I – RELATÓRIO

L.[…] S A - expropriante - e – S. ]…]Ldª expropriados – recorreram ambas do acórdão do tribunal arbitral que fixou a indemnização no montante de Esc. 1.403.335$00 relativa à parcela  13.3, com a área de 3.005 m2 cuja expropriação foi necessária à construção da nova travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa.

Não tendo sido possível a expropriação amigável, a expropriante organizou o respectivo processo expropriativo e remeteu os autos ao Tribunal da Comarca do Montijo.

Proferiu-se de seguida despacho de adjudicação do qual a expropriada interpôs recurso de agravo, recebido nessa espécie e subida diferida.
 
No decurso da instrução dos autos a expropriada reagiu ainda contra a decisão que não admitiu a pretendida junção de documentos, recurso de agravo que igualmente subiu com o recurso da sentença final.

Realizada a perícia e várias diligências probatórias, o tribunal de 1ª instância, por sentença proferida no dia 24 de Maio de 2005, concedeu provimento aos recursos interpostos, fixando a indemnização devida no montante global de € 3.837,15, acrescido da actualização, sob o fundamento de parcela de terreno expropriada ser de classificar com solo apto para outros fins e ter potencialidades para a piscicultura extensiva, e não já para a exploração agrícola, designadamente, por estar integrada em zona de protecção especial de aves selvagens.

Apelou a expropriada que em síntese de conclusão alegou: 

1ª A apelação é precedida por dois agravos, ambos essenciais e materialmente determinantes do seu julgamento, o primeiro dos quais coloca em causa a própria instância, por considerar que a DUP estava caduca à data da arbitragem-matéria que a decisão ora em recurso voltou a apreciar, ilegalmente, porque já estava esgotado, quanto a isso, o sue poder jurisdicional.

2ª Em si mesma, a sentença não passa de uma homologação do relatório do perito da expropriante, ao qual aderiram os do Tribunal, e cujo resultado final teve a chancela do Mº Senhor Juiz - pois, avaliam a parcela para um uso possível, em detrimento do efectivo, desse modo fixando metade da indemnização que, neste uso, era calculada pela arbitragem.

3ª Deve julgar-se nulo o relatório conjunto dos peritos do Tribunal e o da L[…] SA quanto ao resultado económico a que chega, e ilegal a sentença que o homologa, por violação grosseira dos pressupostos legais que invoca, por falta de fundamentação dos pressupostos numéricos de que parte, e ainda por tal resultado, isto é, 256$00/m2 ser muitíssimo inferior aos 500$00/m2 que o G.[…] começou por oferecer à expropriada a 650$00/m2 a outros na mesma zona; aos 300$00/m2 com simultânea exploração piscícola que a L[…] SA propôs; aos preços oferecidos /pagos pela L.[…] em terrenos da mesma zona; ao valor de 900$00/m2 obtido em parcelas das salinas avaliadas, unanimemente por peritos judiciais e pelo da L[…] SA para agricultura nos processos […] deste Tribunal, confirmado já por acórdão do Tribunal da Relação, ao valor de 1.704$00/m2 atribuído em parcela 12.1 pela primeira arbitragem – violando-se assim de modo chocante o princípio da igualdade.

4ª Mesmo que tal relatório e sentença, nessa parte, não se julgue nulo-além de em si mesmos conduzirem a um resultado absurdo e tecnicamente inadmissível face ao disposto no artº26, nº2 do CE (anterior 23, nº2), deve concluir-se que, tal resultado, no contexto, e comparando com outros valores acima referidos, revela-se como meramente simbólico, substancialmente violador do princípio da igualdade quer entre expropriados, quer relativamente à obrigação de suportar encargos públicos-princípios de direitos tutelados desde logo nos artº63 e 13 da CRP, como já reconhecido em muito recente acórdão da Relação acima identificado.

5ª A sentença viola as regras sobre o julgamento dos factos essenciais à discussão da causa, porquanto, oculta e não explicita com razoabilidade, que existem estatísticas oficiais para a produção piscícola, as quais referem que a produtividade possível em 1997, foi entre 1.000 a 1.500 Kg por hectare, e que o preço médio da comercialização do pescado foi de 1.378$00/kg.      

6ª A relevância da não consideração destes factos decorre da circunstância de, assim, pela sua ocultação, e com base em misteriosos desígnios de um desconhecido “inquérito generalizado e de abordagens tidas por práticos que conhecem o local ”, a sentença (e o relatório que “assinou”) terem manipulado e adulterado o valor da indemnização, pois, fixam, com aquela paródia de fundamento, a produtividade de 500kg/hec/ano, e o preço em 750$00/ kg.

7ª Assim, impõe-se dar prevalência ao relatório do perito da expropriada, por estar fundado em dados controláveis-nomeadamente, os referentes às médias estatísticas de produtividade de piscicultura, e aos preços médios da comercialização respectiva.

8ª Por força do princípio da igualdade, nunca deverá – deve fixar – se a indemnização por valor inferior a 900$00/m2 como já fixou definitivamente a Relação para a parcela 13.1, por força de que tal princípio aplicado em expropriações, nos mesmos imóveis, no âmbito da mesma DUP, não pode autorizar descriminação prejudicial aos expropriados como foi ali sublinhado.

A expropriante apresentou contra-alegações, tendo extraído as seguintes conclusões que sumariamos:

1ª A sentença sob recurso decidiu pela atribuição de uma indemnização à expropriada no montante de Euros 3.873,15, fundando tal valor no laudo de avaliação unânime dos peritos escolhidos pelo Tribunal, laudo que, conforme é hoje pacífico na Jurisprudência, deve merecer a preferência do Juiz, não só pelas garantias de imparcialidade que aqueles peritos oferecem, como pela competência técnica que o julgador ao escolhê-los lhes reconhece (….).

2ª A afectação piscícola da parcela dos autos foi considerada pelo Tribunal em benefício da expropriada, note-se, como crível e provável, porquanto a verdade é que a avaliação da parcela atendendo ao seu uso efectivo-a exploração de sal-representaria uma indemnização diminuída, face à crise que o sector atravessa (…).

3ª Não é pois verdade que a sentença haja fixado um valor do imóvel  inferior ao seu uso efectivo (….).

4ª No que se refere à alegada violação do” princípio da igualdade entre expropriações”, reafirma-se, em primeiro lugar, que o Juiz não está adstrito ou vinculado a avaliações que tenham sido feitas em processos de expropriações relativos a parcelas distintas (…).

5ª O Tribunal refere a questão expressamente na sentença”…esse valor parte de um uso agrícola da parcela que… neste caso não deve ser tomado em conta.”

6ª A opção do Tribunal pela desconsideração de uma avaliação da parcela como terreno agrícola fez uma opção, fundadamente tomada (…).

7ª Ao exposto, acresce que tal afectação não pode, pura e simplesmente ser considerada como um uso possível à luz do artº26 doCE, porquanto no estado existente à data da DUP a parcela estava dividida em tanques de salinas pelo que, ao contrário da prática da piscicultura, não seria possível extrair deles rendimentos agrícolas (…).

8ª Quanto à alegada violação das regras sobre o julgamento dos factos por “ocultação de estatísticas oficiais”, o Juiz ponderou os dados embora no caso não são aplicáveis (…).

9ª Por último quanto à pretendida correcção do valor conforme a decisão da Relação fixada para a parcela 13.1, reitera-se a impossibilidade de exploração agrícola.

Termina, pugnando pela improcedência total do recurso da expropriada.

Cumpridos os vistos, nada obsta ao conhecimento do mérito.


II – OS FACTOS

É a seguinte a factualidade declarada provada na sentença recorrida (que se mantém inalterada, por não terem sido directamente objecto de impugnação, nos termos do disposto no artº 690-A, do CPC, quer por não se verificar nenhum dos pressupostos aludidos no artº 712, nº 1, do CPC, que provocasse alteração):

1) Por despacho do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, nº6 XII/95, datado de 27/2/95 (….), foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela nº13.3, com a área de 3.005 m2, entre outras, necessária à construção da nova travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa-viaduto norte (parte) /viaduto de exposição e viaduto sul.

2) Tal parcela foi destacada dos seguintes prédios: a) 2.780 m2 do prédio urbano Marinha de Sal, denominado D.Pedro, sito na Ribeira do Samouco com a área total de 22.737 m2, descrito na CRP(….) freguesia de Alcochete, […] b)225 m2 do prédio urbano Marinha de Sal, denominado Tabuleiro ou Tabuleirinho, sito na Ribeira do Samouco, com a área total de 9.850 m2, descrito na CRP […] para construção da nova travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa, viaduto norte (parte) /viaduto de exposição sul, pertencentes à S.[…]Ldª.

3) A sobredita parcela possui as seguintes confrontações: a norte com a Marinha da Providência, a sul com Esteiro e Marinha D.Pedro, a Nascente com Esteiro e Marinha D.Pedro, e a poente, com a Marinha Contenda Grande e Marinha da Providência.

4) Do auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam consta: a) a parcela a expropriar apresenta a área de 3.005 m2;b) a parcela possui um terreno plano, estando integrada num sistema de salinas; c) a totalidade da parcela abrange parcialmente 2 lagoas que estão incluídas no sistema de preparação de águas das salinas; d) possui acesso rodoviário através de caminho privado de terra batida; e)para além da Reserva Ecológica Nacional o terreno está abrangido por Zona de Defesa e Controlo Urbano e pela Zona de Protecção Especial, tudo regimes de forte restrição à utilização para construção; g) o solo é utilizado por salina, sendo de natureza geológica do subsolo Aluviões do Holocénico.

5) Por acórdão unânime dos Árbitros nomeados, foi atribuída a indemnização global de 1.403.335$00 resultante da multiplicação da área pelo valor de 467$00 por m2 (467x3.005), tendo em conta o rendimento possível com a exploração do sal marinho.

6) Os Srs.Peritos do Tribunal e da Expropriante procederam à sua avaliação mediante estimativa dos rendimentos futuros que a posse dos bens permitiria auferir pelos seus detentores à data da DUP.

7) Neste relatório pode ler-se “A parcela expropriada apresenta elevadas limitações à sua exploração quer de ordem legal, quer de ordem prática, fundamentalmente devido à natureza do solo, área, recorte, cota, proximidade do rio Tejo, etc., que se reflectem nos agentes económicos, e como tal condiciona, os valores locais.”

8) Segundo estes peritos, a potencial actividade a desenvolver, com significado económico, é a piscicultura extensiva, já que a exploração de sal não se mostra susceptível de gerar rendimentos económicos e que confiram valor aos terrenos, dada a grave crise que atravessa desde há mais de duas décadas, o que se deve por um lado à diminuição do consumo humano e por outro, à introdução nos mercados de sal-gema a preços concorrenciais com o sal marinho.

9) Atribuem uma indemnização global de 769.280$00, a que corresponde o valor de Euros 3.837,15, resultante do valor unitário por m2 de 256$00, partindo da consideração de uma produção potencial média máxima de 500 KG de peixe pró hectare ao ano, com uma taxa de actualização de 6%, sendo o valor por KG de 750$00, atendendo à ocorrência de espécies de valor comercial reduzido como a tainha, para além de serem exemplares criados em viveiros com um valor comercial inferior ao dos criados naturalmente.

10) O Sr.Perito da Expropriada elaborou relatório constante de fls.721 a 758, entendendo como correspondente à justa indemnização o valor global de Euros 52.046,60, partindo do valor de expropriação da parcela por m2 de Euros 17,32, que resulta do rendimento obtido numa unidade económica de exploração de piscicultura extensiva.

11) Este perito calcula um rendimento anual de produção de peixe  de 1.400 KG por hectare, sendo o valor médio ponderado por KG de 1.378$00 (resultante do valor médio ponderado e fornecido pelo INE para o linguado, dourada, robalo, tainha e enguia), com uma taxa de capitalização de 3%.

12) De acordo com os esclarecimentos prestados pelos peritos do Tribunal e da Entidade expropriante a fls.883/9: - a ponderação das condições concretas da hipotética actividade piscícola a desenvolver na zona associada à troca de impressões com práticos que conhecem a zona, conduziu a que se considerasse a taxa de capitalização de 6%; foi considerada a produção de 500KG de peixe por hectare e ano, atendendo às condições específicas da área em apreço; a alteração de uso de solo para utilização exclusivamente agrícola implicaria encargos estimados em 2.000$00 m2, face aos trabalhos que seria necessário efectuar, desde remoção dos solos existentes na zona, passando pela aquisição, colocação e espalhamento de terra arável, fertilização etc.

13. Todos os Srs. Peritos classificaram a parcela como “solo para outros fins.”

   
III - O DIREITO

O primeiro AGRAVO.

 Tem por objecto o despacho de adjudicação da parcela expropriada e a agravante ( expropriada) culminou a alegação nas seguintes conclusões:

1ª A parcela 12.3 cuja expropriação total é o objecto dos presentes autos, foi objecto da DUP de expropriação parcial, do MOPTC (..) e como aí consta, o imóvel corresponde ao nº […]

2ª Porém, nestes autos não está em causa a parte restante deste imóvel, como o artº 53, nº2 do CExp e actual 55, determinam, mas sim, uma área igual a destacar de dois outros prédios que a beneficiária da expropriação decidiu, em planta que auto-elaborou.

3ª Tal área parcelar, não foi, ela nem os respectivos prédios, objecto daquela ou de qualquer outra DUP.

4ª Sem prejuízo do que antecede, a própria DUP sobre o verdadeiro imóvel parcialmente objecto da expropriação, já caducou, nos termos das duas hipóteses previstas pelo nº3 do artº10 do CEXP.

5ª Pois, desde a DUP até à arbitragem e até à remessa desta ao Tribunal, decorreram mais de um e, mais de dois anos, respectivamente.

6ª Por outro lado, não havendo acordo da expropriante é óbvio que a expropriação litigiosa, não pode prosseguir sem uma DUP que a sustente.

7ª Assim, o despacho de adjudicação da propriedade sobre a nova parcela 12.3, viola nomeadamente as normas que proíbem expropriações sem  DUP- artº1, nº2  artº10 do CEx anterior, bem como viola o nº3 desde artº10 quanto à caducidade da DUP referente ao imóvel realmente identificado como parcela 12.3, combinado com o disposto no nº4 do artº50 do CEx- o que tudo são garantias do cumprimento do artº62 da Constituição, assim ofendido na decisão recorrida.

8ª A falta de DUP ou, a não conformidade do imóvel objecto dos autos com o que daquela consta, deveria ter determinado, face ao dever imposto pelo nº4 do arº50 do CEX combinado com o artº287 e) do CPC, a liminar extinção da instância por impossibilidade do seu prosseguimento sem aquele seu pressuposto processual indispensável.        

A expropriante apresentou contra-alegações, sustentando em síntese e ao contrário da expropriada a regularidade e tempestividade da DUP.

O Sr.Juiz sustentou tabelarmente a  decisão.

Cuida-se em saber neste agravo:

- da adequação da DUP tida em conta  à parcela expropriada;

- da tempestividade da DUP  

No tocante à caracterização da parcela 12.3.

Resulta da planta junta aos autos, anexa ao auto de vistoria ad perpetuam, a sinalização clara da parcela em causa e respectivas confrontações, bem como a parte restante dos prédios também objecto de expropriação integrada nas parcelas 108 e 108.1.

Contudo, a publicação efectuada no Diário da República relativa ao mapa de expropriação do local não as incluiu, resultando um lapso.

Tal lapso foi ultrapassado e devidamente explicitada a situação na documentação remetida pela expropriante com o processo ao Tribunal, e portanto em momento anterior ao despacho de adjudicação.

E não fora o completo esclarecimento por esta via, também a  expropriante diligenciou no sentido de obter a devida rectificação do DUP que veio a ser publicada no Diário da República […]  constando  a correcta identificação  predial e matricial da parcela 12.3 – cfr. […]
Logo, o erro foi atalhado em tempo e pela forma válida, além de que a expropriada que suscita o ponto, sempre teve conhecimento de tal vicissitude.

Cabe ainda referir que, não vem ao caso por tal a distinção da denominada expropriação parcial e ou expropriação total (1), cujo procedimento específico não corresponde à declaração de utilidade pública proferida na parcela em foco com a área definida de 2.780 m2 e 225 m2, não lhe sendo aplicável o disposto no artº53 do CEX .

Ainda acerca da falta ou incorrecta identificação da parcela expropriada, temos que, a planta junta e o requerimento inicial da expropriante identifica –a em termos regulares e compatíveis com a previsão legal, e sua dimensão, confrontações tem plena correspondência com as certidões juntas.
 
Por iguais argumentos improcede a invocada falta de DUP para a expropriação do prédio descrito sob o nº1.057, dado que a sua referência na versão primeira da DUP, fundada em lapso, não corresponde à realidade, não sendo objecto da expropriação dos autos, e foi devidamente corrigida.

  A invocada caducidade da DUP.

A caducidade da declaração de utilidade pública, estabelecida no artigo 4.º do Código das Expropriações, visa garantir o direito do expropriado contra a inércia da administração pública, procurando evitar que os particulares fiquem presos àquela declaração e sujeitos à indefinição dos seus bens ad infinitum.

Estabelece o artº10, nº3 do CEX que a declaração de utilidade pública caduca se a entidade expropriante não tiver promovido a constituição de arbitragem no prazo de 1 ano ou o processo de expropriação não for remetido ao tribunal competente no prazo de 2 anos, em ambos os casos, a partir da data da publicação do acto de declaração de utilidade pública.

Conforme os autos documentam foi anteriormente declarada a nulidade do primeiro acórdão arbitral a impulso da expropriante que requereu a repetição do acto de arbitragem.

Ora, tendo presente a data/notificação (2) do Acórdão do Tribunal da Relação que confirmou a decisão de primeira instância da referida declaração de nulidade da arbitragem, fixando-se  então o trânsito em julgado da mesma,  foram  respeitados, respectivamente, os prazos de 1 (3) e 2 (4) anos supra referidos.

Não ocorre, pois, a caducidade da declaração de utilidade pública.

Em suma, o despacho de adjudicação da parcela é válido e não está ferido de qualquer nulidade, sendo que o erro material verificado e entretanto, corrigido também não  causou  afectação ou diminuição dos direitos da expropriada.

Soçobra, em consequência, o agravo.      

O segundo AGRAVO.

Tem por objecto a decisão proferida nos autos em 29/4/04, que indeferiu a junção de três documentos, a requerimento da expropriada.

A expropriada encerra o recurso com as seguintes conclusões:

1ª Como decorre do teor do requerimento onde a expropriada juntou duas certidões de relatórios de avaliação de imóveis e um acórdão de arbitragem expropriativa, com a junção não se pretendeu fazer prova da factualidade em discussão nos autos;

2ª Aqueles documentos destinaram-se a melhor habilitar e esclarecer o julgador sobre erros técnicos relativos à falta de fundamentação dos pressupostos económico-financeiros do relatório pericial dos senhores peritos do tribunal e da expropriante, e à arbitrariedade da respectiva conclusão.

3ª Assim, aquelas peças processuais não se configuram como documentos no sentido rigoroso do artº362 do CCivil e artº523 do CPC, mas antes como pareceres técnicos, plenamente admissíveis naquela fase processual, nos termos do artº525 do CPC.

4ª Com a sua junção não se pretendeu reabrir com eles a discussão da matéria de facto discutida no objecto da lide, pelo que o Mº Juiz a quo deveria ter aceite a sua qualificação como efectivos pareceres, e por isso, admitir a sua junção, nos termos do artº525 do CPC.

5ª Não o tendo feito, interpretou implicitamente o artº525 do CPC em forma que viola o direito à defesa, e o disposto nomeadamente nos artº20, nº1 e nº4 da CRP.

6ª Mas mesmo que não se julgue assim, noutra perspectiva, a decisão recorrida faz uma interpretação dos preceitos do CEX que viola o princípio geral do artº517 do CPC e também os princípios fundamentais do direito ao contraditório, à defesa, à igualdade das partes e ao processo equitativo-artº20 da CRP, visto que a junção de tais documentos destinou-se a contrariar os efeitos pretendidos pelo relatório pericial, e seus documentos, da maioria dos peritos.  

A expropriante juntou contra-alegações, pugnando, em síntese, pela improcedência da tese da agravante.

O Sr.Juiz manteve o decidido.  

São duas as questões a dilucidar:

- Os documentos em causa constituem ou não meio de prova admissível?

- A recusa da sua junção viola os princípios da defesa, do contraditório e da igualdade entre as partes?

Atalhando caminho dada a simplicidade da matéria, cremos ser manifesta a falta de razão da agravante, à luz de qualquer dos fundamentos recursivos.

Vejamos.

Os documentos( em sentido amplo) cuja junção é reclamada  reproduzem peças/relatórios de avaliação de outros processos de expropriação.

Como está bom de ver, apenas uma leitura arrevesada do artº525 do CPC permitiria concluir que se trata de pareceres técnicos.  

Perseguindo agora o objectivo da junção que é invocado pela  agravante (5).

A expropriada pretende evidenciar perante o julgador, a respectiva contradição, erro e falta de fundamentação dos relatórios realizados em outros autos e desacreditar, afinal, o relatório pericial realizado nos presentes, dado se tratarem dos mesmos peritos nomeados (6).

Com efeito, expropriante e expropriado podem juntar toda a prova (7) que reputem de relevante com a apresentação do requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral e na resposta a este – artºs 58º e 60º, nº 2, do C. Ex, o certo é que, de todas as diligências instrutórias requeridas apenas da avaliação não se pode prescindir, quanto às demais provas, o Tribunal apenas as deverá admitir sempre que essa prova, numa visão antecipatória, seja susceptível de se revelar de grande utilidade para a boa decisão da causa.

Ora, posto isto, e reportando-nos ao caso em apreço, verifica-se pelos motivos supra, que a junção não se mostra adequada ou pertinente à formação do  espírito do julgador,  reportando-se a avaliações feitas a outras parcelas, com características e circunstâncias que não importam ou interferem na indagação e decisão desta causa.  

Cabe ainda referir que a eficácia das provas produzidas num processo em outros processos, restringe-se aos processos contra a mesma parte, e somente quanto ao arbitramento, depoimento de parte e prova testemunhal, como estabelecido no artº522, nº1 do CPC.  

Donde, a todos é devido o uso dos meios necessários à defesa na lide, desde que processualmente previstos, o que não é o caso, e por não influenciarem na decisão da causa.

O despacho em causa não ameaçou qualquer princípio constitucional e não violou qualquer norma processual, pelo que não merece alteração.

A APELAÇÃO.

Um ponto prévio a propósito da parte preliminar da sentença denominada “Questões prévias”, alegando a expropriada que existe ilegalidade na sua apreciação, uma vez que já havia pronúncia anterior sobre a matéria( cfr.2ª conclusão da apelante).
 
O Sr.Juiz antes de entrar na decisão final acerca da indemnização a fixar “saneou” previamente questões que foram sendo suscitadas pela expropriada ao longo dos autos, e duas delas residualmente, objecto dos agravos acima considerados.

Não obstante, fê-lo em oportunidade processual , isto porque, no âmbito da previsão do artº660 do CPC, o juiz deve conhecer todas as questões suscitadas pelas partes, e em primeiro lugar apreciar de questões processuais que obstem ao conhecimento de mérito que processualmente se segue, do que não resulta qualquer irregularidade/nulidade ou vício que comprometam a instância e a subsequente decisão sobre o fundo da causa.

Por último, a questão do esgotamento do poder jurisdicional fica prejudicada, por não ocorrer  alteração dos pressupostos considerados em decisão anterior, e marcadamente, por reportarem a elementos do processo de expropriação geradores de nulidades de conhecimento oficioso , e a todo o tempo.

Não colhe, pois, e revela-se inconsequente no destino do recurso a sobredita questão.  

Passando à bondade do recurso, definido o seu perímetro pelo conteúdo das conclusões que se reconduzem ao enunciado esquemático seguinte:
 
- A parcela de terreno expropriado está apta a servir a exploração da piscicultura extensiva e produzir rendimento em muito superior ao considerado pelo tribunal recorrido?

- De igual passo, a parcela expropriada detém potencialidade económica para afectação à actividade agrícola e isso deverá influenciar a fixação da indemnização?
 
-A diferenciação do valor indemnizatório conferido a parcelas da mesma DUP, viola o princípio da igualdade entre expropriados?        

Atentemos em algumas notas breves acerca do critério legal para a determinação da indemnização no processo de expropriação.

   O art 1º do D.Lei 438/91, 9 de Novembro, que aprovou o Cod. Exp. aplicável ao caso em apreço, estatui que “Os bens imóveis e direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública, compreendida nas atribuições da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de justa indemnização".

É esta justa indemnização, garantia económica contemplada no artº 62 da CRP que estatui:

A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
         
O Tribunal Constitucional tem considerado que a direito à justa indemnização se traduz num direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pelo que as suas restrições deverão limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, mas sempre com respeito pela observância dos princípios materiais da Constituição de igualdade e de proporcionalidade.
           
Neste seguimento, do Assento do S.T.J. de 22-11-95 consta que a indemnização “será justa se respeitar os princípios materiais da Constituição da igualdade e proporcionalidade.”

Mas se na Lei Fundamental encontramos a exigibilidade do pagamento de justa indemnização para a realização da expropriação por utilidade pública, na senda da garantia do direito de propriedade – artº62 da CRP, no que concerne à determinação do conceito de justa indemnização, remete-se para a lei ordinária a definição dos critérios atinentes à sua concretização.

Normativo que é concretizado no artº22 (8), nº2 do Código das Expropriações, segundo o qual a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração da utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto contemporâneas à expropriação.

A determinação da indemnização em termos de ressarcimento do referido prejuízo não pode deixar de atender ao valor de mercado do terreno objecto da expropriação na altura da declaração da utilidade pública da mesma, no quadro da equivalência de valores, excluídos os especulativos que haja, ou seja, em termos de valor da posição de proprietário, de usufrutuário ou de titular de outro direito real, conforme os casos.

O princípio da igualdade de encargos entre os cidadãos obriga a que o expropriado não seja penalizado, no confronto com os não expropriados, mas, também, que, pela via da expropriação, não venham os expropriados a ser, manifestamente, favorecidos, em relação aos não expropriados.

No caso em apreço a recorrente conforma-se com a classificação dada à parcela expropriada - “ solo destinado a outros fins” discordando, porém, em toda a linha, com o valor encontrado pela maioria dos peritos avaliadores e corroborada em sede de sentença.

 Analisemos agora o regime legal decorrente da classificação dos solos para efeito da sua avaliação no âmbito da expropriação no domínio do Código das Expropriações de 91, aprovado pelo Dec.-Lei nº 438 de 9/9 (9), concretamente, previsto no artº24, nº1 al) b- assente que o terreno expropriado é classificado como solo apto para outros fins. 

No que concerne ao cálculo da justa indemnização deve atender-se ao disposto no artº 26 do CE, nos termos do qual, o “valor dos solos para outros fins será calculado tendo em atenção o seu rendimento efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e as circunstâncias objectivas susceptíveis de influírem no respectivo cálculo.”

Para a determinação do valor do solo para outros fins/ distintos da construção, considerando os índices constantes do artº 26, nº 1, do CE, é fundamental o entendimento dos peritos na matéria, pois são eles que dispõem de elementos privilegiados para o efeito, desde a observação do local, aos conhecimentos técnicos sobre a realidade do solo e do subsolo, à configuração do terreno, às condições de acesso, ao clima da região, às culturas predominantes e mais adequadas que, à partida o Tribunal não surpreende, sem olvidar que a unanimidade do laudo, onde se incluem os peritos de designação autónoma pelo Julgador lhes confere um acrescido crédito de autoridade e de imparcialidade, que deve merecer a adesão de quem decide.

Constitui assim ponto aceite pela generalidade que em matéria de expropriações, a menos que tenha havido violação da lei aplicável, o laudo pericial unânime é um indicador seguro da fixação judicial da prestação indemnizatória (e deverá inclusive prevalecer sobre a arbitragem).

O que não quer dizer que tal redunde numa vinculação irrestrita ao laudo maioritário, cabendo ao Tribunal, em sintonia com a particularidade de cada caso, introduzir-lhe, ou não, os ajustamentos pertinentes, fazer correcções, colmatar falhas ou seguir outro laudo, caso o tiver por mais justo.

No caso em análise.

A sentença recorrida seguiu o laudo maioritário da avaliação (subscrito pelos três peritos nomeados pelo tribunal e pelo perito da entidade expropriante), o qual, por sua vez, coincide, de perto, com o anterior laudo da decisão arbitral (o qual, como se sabe, foi proferido por três outros peritos independentes).

Isto é, temos, de um lado, um montante indemnizatório que, no essencial, é sufragado por sete peritos, (sendo que seis deles são totalmente estranhos às partes porque nomeados pelo tribunal) e do outro lado, apresenta-se um só perito (o designado pela expropriada, e cuja posição do laudo esta segue), defendendo um valor abissalmente distante daqueles outros.

Com efeito, o CEx prevê a intervenção de peritos no procedimento relativo à declaração de utilidade pública, no procedimento atinente à efectivação da posse administrativa, no processo de expropriação litigiosa, na fase de arbitragem e no recurso desta, e enquanto intervenientes no processo expropriativo, aos peritos compete prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos expropriados e demais interessados, estando sujeitos a observarem determinados princípios, designadamente o da imparcialidade·.

Anuímos que a justa indemnização em caso de expropriação por utilidade pública, só pode ser alcançada através de uma escrupulosa e transparente fixação dos montantes parcelares que a integram.

Daí que, apresentando o processo de expropriação um cariz eminentemente técnico, o Juiz necessite que lhe sejam fornecidos elementos concretos pelos peritos em ordem a uma cabal fundamentação final do processo, a fixação da indemnização global.

Ora, no caso versado, os Srs.Peritos forneceram todos os elementos necessários à avaliação, justificando o seu laudo, e pronunciando-se fundamentadamente sobre o respectivo objecto, observando o disposto no artº586, nº1 do CPC.

Não encontramos, na realidade, elementos ponderosos, nem os esgrimidos pela expropriada são explicados objectivamente, para que nos afastemos do laudo dos peritos que obteve unanimidade e da quantificação da indemnização assim alcançada.    

Neste conspecto, para além da reiterada e velada desconfiança acerca da idoneidade dos peritos (exceptuando o por si indicado), a recorrente jamais questionou, porém, pela via processual própria, a seriedade e a competência daqueles, pelo que, constitui desmerecimento gratuito, ao apelidar, no seu dizer, de “simplória (10) ”a adesão do julgador aos juízos e considerandos dos peritos.
 
Não resultou objectivamente justificada a  “ crónica desconfiança “ da expropriada em relação a estes técnicos, inexistindo motivos para colocar em crise a isenção e a idoneidade dos seus pareceres.

Desse modo, e porque não se vislumbra que tais laudos tenham sido proferidos ao arrepio dos comandos legais previstos para o efeito e dos factos apurados, não haverá razões para não seguir o entendimento largamente dominante dos peritos, que ademais prestaram os esclarecimentos tidos por convenientes pela expropriada.

Impõe-se ainda registar uma nota adicional ao que vem dito, apesar de não configurada como fundamento da apelação.

Os árbitros como resulta da matéria dos autos fixaram então como valor a atribuir por m2 a quantia de 467$00 por oposição ao montante de 256$00, fixado no laudo dos peritos do tribunal e da expropriante.
 
Todavia, é mister concluir que a circunstância não faz caso julgado, sob pena de se ter de aceitar que os peritos que intervêm ulteriormente na fase do recurso estariam impossibilitados de encontrar uma indemnização justa através de outra via que não passasse pelos mesmos pressupostos da decisão arbitral, o que condicionaria quiçá de forma irremediável uma solução alternativa.

Avaliando então a componente do rendimento efectivo ou possível da parcela expropriada.

Constata-se que  a indemnização fixada teve em conta o rendimento previsível proveniente da piscicultura extensiva perante a  inviabilidade económica da  produção das marinhas de sal e a possibilidade da reconversão.

No que se refere aos valores de produção e preços fornecidos pelo  INE, o Tribunal a quo analisou os dados, pelo que ao contrário do cenário do “oculto” invocado pela recorrente, vingou a” nudez forte da verdade “.

A atender às razões objectivas explicitadas na decisão, as quais subscrevemos, concluiu-se deverem ser os referidos dados lidos restritivamente, em face do conhecimento notório da depreciação e subvalorização comercial da espécie predominante na zona, a tainha, e da produtividade possível no local, situando-se em 500 kg por hectare e ano.

Note-se, ainda, que a produção superior ou dita em larga escala, por inevitável recurso a processos tecnológicos, não seria viável por a respectiva utilização na parcela estar excluída em função das restrições legais de zona protegida.

Ou seja, o Tribunal analisou criteriosamente os dados do INE, mas, adequou a informação genérica própria dos dados estatísticos, empreendendo, após, uma tarefa de interpretação à luz dos elementos específicos do terreno, sua natureza e localização, para concluir pela previsão de quantidade de pescado obtido e espécie dominante, a par da valorização comercial desta ( tainha).        

No que concerne à aptidão agrícola do terreno defendida pela recorrente.

Como se disse, nos solos aptos para outros fins-artº26, o  cálculo da indemnização é de atender não apenas ao que efectivamente é produzido nos terrenos como ao que é possível produzir numa utilização normal.
       
 No auto de vistoriam ad perpetuam rei memoriam e na descrição da avaliação posterior, o terreno expropriado é constituído por duas marinhas de sal, com as áreas de 2.780 m2, e 225 m2 desactivadas pelo menos desde 1993 e servidas por caminhos de terra, banhadas pelas águas salobras e salgadas do Tejo.

Ademais, à semelhança do que decorre da documentação junta aos autos, a entidade estatal competente já havia considerado, em época muito anterior à DUP que os solos da parcela não possuíam aptidão agrícola, corroborado pelo laudo maioritário dos peritos; também, é certo que à data da expropriação, não havia culturas.

  Tratando-se de um terreno de natureza arenosa, integrado na proximidade do Tejo, com cariz eminentemente ligado à extracção/tratamento de sal, concluímos atentas as regras da experiência, suportadas pelos juízos técnicos dos peritos (e também os árbitros), que as suas características naturais não comportam índices aceitáveis de produtividade agrícola e por via disso, deixa de revestir potencial de capacidade ou aptidão agrícola.

A aditar ainda que a expropriada antes da expropriação, não tinha, ao que se apura dos autos, qualquer expectativa razoável sobre a potencialidade agrícola da parcela e sabia que mercê da sua inserção em zona de protecção de aves e demais restrições legais então vigentes, contaria sempre com uma forte limitação na rentabilidade do respectivo exercício de tal actividade.

Incontornável parece ser, pois, a desadequação da parcela expropriada ao aproveitamento para a agricultura, e pura perda a insistência da expropriada na respectiva capacidade agrológica .

Posto o que, é forçoso concluir que o terreno não podia ser avaliado com base na produção inexistente e inviável de produtos agrícolas, e também não pelo seu uso efectivo ( bacias de salinas desactivadas) deverá, outrossim, ser valorizado com base na sua possível afectação à piscicultura extensiva.  
 
Foi, portanto, tendo em conta o rendimento possível da parcela expropriada na actividade piscícola, excluída outra afectação rentável à parcela expropriada, que a indemnização foi fixada, sendo certo que, tal como diz a sentença, a mesma não possui características que tornem rentável a exploração da actividade agrícola no local, mormente, por exigir a remoção/substituição do solo e a aplicação de elevado capital condenado ao insucesso, ou a fraca retoma.

Afigura-se-nos, por isso, não ser sustentável o critério e parâmetros defendidos pela expropriada (de acordo com o seu perito) para suportar a avaliação que apresenta – valoração à razão de Euros 4,99/M2 ,  não lhe  conferindo o direito a ver avaliado o terreno em consideração de uma potencialidade agrícola que não tem.  

Donde, pelo menos, nesta perspectiva, não merece censura, a opção do julgador, profusamente fundamentada, pela prova que constituem os laudos maioritários dos Srs.Peritos, a qual embora não vinculativa, é um instrumento reconhecidamente indispensável para se decidir sobre a indemnização.

Aqui entronca, agora, o tratamento da matéria sob a égide da violação do princípio da igualdade entre expropriados, trazido à demanda pela recorrente.

Não oferece dúvidas que o princípio da igualdade em matéria de expropriações vincula a Administração a actuar no sentido de assegurar uma igualdade real no exercício do poder expropriativo, não podendo deixar de tratar de igual forma as situações iguais.

No domínio das expropriações por utilidade pública (11): “o princípio da igualdade exige desde logo que seja assegurada a igualdade perante a lei e através da lei, proibindo o arbítrio legislativo e obrigando o legislador a não consagrar desigualdades impeditivas do exercício do direito de propriedade. Por outro lado ele vincula a Administração a actuar no sentido de assegurar uma igualdade real no exercício do poder expropriativo, não podendo privar certos particulares de bens móveis ou de direitos a eles inerentes para privilegiar outros (…)”.

Em recente acórdão o Tribunal Constitucional (12) refere incisivamente a propósito daquele postulado no âmbito das expropriações: “De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso, não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública. Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção”. 

Escalpelizando a aplicação do princípio da igualdade nas expropriações encontrámos na doutrina estrangeira a apropriada distinção (13) entre o domínio da relação interna, em que se estabelece a comparação das regras de indemnização aplicáveis aos diferentes tipos de expropriações com vista a apurar se elas comportam ou não um tratamento igual dos vários expropriados; no domínio da relação externa,  onde se procede a uma análise comparativa da situação jurídica dos proprietários expropriados e não expropriados colocando-se a questão de saber se os critérios de indemnização permitem um tratamento igual dos vários sujeitos expropriados.

Ora, emerge do artº22, nº1 do CE de harmonia com a norma constitucional do nº2 do art.º 62, que a justeza da indemnização a satisfazer se mede unicamente pelo prejuízo advindo do acto expropriativo, isto é, pelo quantum necessário e suficiente para restaurar a integridade do património do expropriado atingido por aquela lesão potestativa.
     
 O que se objectiva é tão-só “ restabelecer a igualdade perdida”, colocando o expropriado na precisa situação em que se encontram os seus concidadãos que, tendo bens idênticos, não foram atingidos (14).

A propósito do tema, escreveu Alves Correia (15), ocorrerá a violação do princípio da igualdade sempre que a expropriação não for acompanhada da justa indemnização. Só esta compensará o expropriado pelo especial sacrifício por ele suportado em resultado da intervenção dos poderes públicos na sua propriedade e da consequente desigualdade em que ficou.  A indemnização será justa na medida em que corresponda ao valor do dano material suportado pelo expropriado, ou seja, ao valor de mercado ou de compra e venda dos bens afectados pela expropriação.

Ainda assim registe-se, que o Tribunal não olvidou a questão, concluindo, porém, que a parcela contígua e igualmente expropriada foi diferentemente avaliada na componente do desenvolvimento agrícola no local, pelo que, situações distintas exigem tratamentos distintos.

Do que vem dito verificamos então, que o valor da parcela expropriada, com referência à data da declaração de utilidade pública, é o resultante do somatório dos valores parcelares ponderados na decisão.

Sintetizando.

A solução para o caso em litígio decorrente dos factos provados e da lei, nenhum reparo merece a indemnização arbitrada.

IV - DECISÃO

Por tudo quanto ficou exposto, acordam os Juízes que compõem a 7ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento aos agravos e julgando improcedente a apelação,  confirmar a douta sentença.

Custas pela expropriada.


Lisboa, 6  / 6 / 06
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(1).-Situação que não se confunde com o pedido da expropriada para expropriação total dos prédios que detinha na Zona e foi acolhido.

(2).-Acórdão de 24/6/97 e notificação à expropriante em 25/8/97.

(3).-A expropriante promoveu a arbitragem em 9/4/1998

(4).-A expropriante deu entrada em juízo registado em 15/9/99

(5).-Cfr.2ª conclusão” …a esclarecer o julgador sobre os erros técnicos(..)do relatório (..) e arbitrariedade da respectiva conclusão.

(6).-digamos que, na prova testemunhal encontramos lugar paralelo na figura da contradita.

(7).-Não se entende, salvo melhor opinião, o conceito de prova indicado pela expropriada, pois, que em sentido técnico, constituem todos os elementos produzidos para a instrução e decisão da causa-artº341 do CCivil.

(8).-Com paralelo no artº1310 do CCivil.

(9).-Referente ao Código de Expropriação aplicável, diploma em causa quando nos referirmos a este diploma.

(10).-Expressão que, permita-se, não abona em prol da elevação e elegâncias exigíveis no trato judiciário.

(11).-Osvaldo Gomes Cfr. A. citado "Expropriações por Utilidade Pública", Texto Editora Lisboa 1997, pag 115.

(12).-Acórdão nº275/04, de 20/4/04 IN www.tribunal constitucional.pt/jurisprudência.htm

(13).-Cfr. Garcia de Enterría e Ramon Fernández "Curso de Derecho Administrativo II, Civitas. Pags. 270 ss..

(14).-Menezes Cordeiro e Teixeira de Sousa, Col. de Jurisp., Ano XV, Tomo V, 25.

(15).-In As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1992, pág.127 e segs