Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
186/09.9TTLRA.L1-4
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
DEPENDÊNCIA ECONÓMICA
TRABALHADOR POR CONTA PRÓPRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. Não existindo factos provados que permitam imputar ao sinistrado um qualquer comportamento  temerário -  o que pressuporia a demonstração de que o mesmo, naquelas circunstâncias, adoptara uma conduta inútil, indesculpável ou reveladora de elevado grau de imprudência -, fica excluída a possibilidade de considerar que actuou com negligência grosseira e, logo, de se estabelecer um nexo causal, em termos de imputar exclusivamente o sinistro a essa eventual conduta.
II. O ónus de alegação e prova dos factos que integram a negligência grosseira e a imputação do nexo de causalidade, a título exclusivo, entre ela e o acidente ocorrido, recaía sobre a ré, nos termos das regras gerais sobre a prova, por serem factos impeditivos do direito à reparação (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
III. O n.º2, do art.º 2.º da LAT (correspondente ao n.º2, da Basse II, da Lei 2127), visa alargar a aplicação do regime de acidentes de trabalho a situações em que embora não haja uma verdadeira relação de trabalho subordinado, são materialmente próximas daquelas, pelo facto do trabalhador – prestador de serviços - se encontrar numa situação de dependência económica muito semelhante àquela em que se encontram os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho.
IV. Não sendo fácil delimitar a noção de “dependência económica”, em termos aproximados, poderá dizer-se que “tal dependência existe, quando o trabalhador vive da remuneração do seu trabalho, quando deste deriva o seu exclusivo ou principal meio de subsistência, sendo a respectiva utilidade utilizada integral e regularmente por quem a remunera”, sendo as linhas delimitadoras a exclusividade de emprego e de salário na esfera económica de outrem e a incorporação (integral) do processo produtivo do prestador de serviços no processo produtivo daquele que recebe o produto da sua actividade.
V.          Resulta expressamente da própria LAT, que fora da equiparação do n.º2 do art.º 2.º, ficam os “trabalhadores independentes”, que pela primeira vez o legislador veio incluir no regime de reparação de acidentes de trabalho, sujeitos a regra específica, como resulta do art.º 3.º.
VI.  Nos termos da Lei, os trabalhadores que exerçam uma “actividade por conta própria”, portanto sem estarem colocados numa posição de subordinação jurídica, elemento típico e definidor de uma relação de trabalho subordinado, beneficiam do regime de reparação dos acidentes de trabalho, mas para tanto recai sobre eles o dever de efectuar um seguro.
VII.  Apontando os factos provados, com segurança, no sentido de um contrato de prestação de serviços (art.º 1154.º do CC), não há que fazer apelo à presunção prevista na parte final do n.º3 do art.º 12.º do RLAT – de que os trabalhadores estão na dependência económica da pessoa em proveito da qual prestam serviço.
VIII. Comportando-se o sinistrado  perante a Administração Fiscal como trabalhador independente  - apresentando  declarações de rendimentos do tipo B, por auferir rendimentos na qualidade de trabalhador independente, o que acontecia desde 2005, e emitindo “recibos verdes” -, sobre ele recaía o dever de nessa mesma qualidade celebrar o seguro a que se refere o art.º 3.º da LAT e o art.º 1.º do DL 159/99, para em caso de acidente de trabalho, garantir para si e para os seus familiares, as indemnizações e prestações em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares, nos termos estabelecidos naquele último diploma.
         (Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.         RELATÓRIO
I.1 No Tribunal do Trabalho de Lisboa, frustrada a tentativa de conciliação a que se refere o art.º 108.º do CPT, com o patrocínio do Ministério Público, vieram AA, por si e, como legal representante da sua filha menor, BB, e CC, representado pela sua mãe DD, intentar a presente acção especial emergentes de acidente de trabalho contra a R.. “EE – Consultores, SA”, formulando os seguintes pedidos:
a. Seja reconhecido e declarado como sendo um acidente de trabalho face ao regime legal da Lei n.º 100/97 de 13.09 e do Dec. Lei n.º 143/99 de 30.04;
b. Condenando-se  a ré “EE, Consultores, SA” a pagar, com inicio em 14.02.2009, à companheira do sinistrado e beneficiária legal, Maria Teresa de Oliveira Torres Santos Vandas, até atingir a idade da reforma, a pensão anual e vitalícia de € 3.775,46;
c. Condenando-se  a ré “EE, SA” a pagar, com inicio em 14.02.2009, aos filhos do sinistrado a pensão anual e temporária no valor de € 5.033,95, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o superior (art.ºs 20º n.º 1 al. c) da Lei 100/97 de 13.09 e 49º n.º 1 do Dec. Lei n.º 143/99 de 30.04);
d. Condenando-se a ré “EE, SA” a pagar nos termos do art.º 22º, n.º 1, al. b), da Lei 100/97 de 13.09, um subsidio por morte no valor de € 5.400,00 sendo metade para a AA e metade para os filhos;
e. Condenando-se a ré “EE, Consultores, SA” a pagar à beneficiária legal AA a quantia de € 1.800,00 (mil oitocentos euros) dado que não houve trasladação (art.º 22º n.º 3 da Lei 100/97 de 13.09);
f. Condenando-se a no pagamento de juros de mora à taxa legal.
Para tanto alegaram, em síntese, que (…)
Regularmente citada a ré contestou, impugnando a existência de um contrato de trabalho subordinado e contrapondo existir antes um contrato de prestação de serviços, celebrado nos termos resultantes do documento escrito que juntou, defendendo que a sua execução se caracteriza com uma verdadeira prestação de serviços, para tanto alegando factos com o propósito de o demonstrar. Alega, ainda, que nem os AA., na PI, consideram existir qualquer uma das características previstas no art.º 12.º do CT, que conduziriam à presunção de existência de um contrato de trabalho.
Sustentou, ainda, que o acidente ocorreu em resultado da violação das condições de segurança previstas na lei, provindo de negligência grosseira do próprio sinistrado, por subir ao telhado por sua iniciativa e ter caminhado sobre frágeis telhas de plástico, sem tomar a mínima precaução, num comportamento temerário que não consubstancia habitualidade ao perigo do trabalho executado, nem na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.
Concluiu pugnando pela improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.
I.2 Foi proferido despacho saneador e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e organização da Base Instrutória, as quais não mereceram qualquer reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais, tendo no decurso da mesma sido proferido despacho que julgou provada a matéria de facto constante da base instrutória, sem que tenha sido alvo de reparo.
Subsequentemente foi proferida sentença decidindo-se nos termos seguintes:
«4.1. Nos termos e fundamentos expostos julgo a acção procedente e, em consequência decide-se:
4.1.1. Reconhecer o acidente dos autos como acidente de trabalho.
4.1.2. Condenar a ré “EE, SA” a pagar:
I. a AA:
i. uma pensão anual e vitalícia no montante de € 3.775,46 (três mil, setecentos e setenta e cinco euros e quarenta e seis cêntimos), devida desde 14 de Fevereiro de 2009, passando a ser computada com base em 40% da retribuição após a idade da reforma ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a capacidade de trabalho da autora, a pagar em 14 prestações mensais até ao 3.º dia de cada mês, devendo as prestações correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada da pensão anual, ser pagas nos meses de Maio e Novembro de cada ano, e ainda juros de mora, à taxa legal, desde o fim de cada mês a que o duodécimo atrasado respeita e até integral pagamento;
ii. a quantia de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), a título de despesas de funeral, acrescida de juros, à taxa legal, desde 29 de Junho de 2010 e até integral pagamento;
iii. a quantia de € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), a título de subsídio por morte, acrescida de juros, à taxa legal, desde 29 de Junho de 2010 e até integral pagamento;
II. a BB e CC:
i. uma pensão anual e temporária no montante de € 5.033,95 (cinco mil, trinta e três euros e noventa e cinco euros), devida desde 14 de Fevereiro de 2009 até perfazerem 18, 22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentarem respectivamente, o ensino secundário ou equiparado ou o ensino superior, a pagar em 14 prestações mensais até ao 3.º dia de cada mês, devendo as prestações correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada da pensão anual, ser pagas nos meses de Maio e Novembro de cada ano, e ainda juros de mora, à taxa legal, desde o fim de cada mês a que o duodécimo atrasado respeita e até integral pagamento;
ii. a quantia de € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), a título de subsídio por morte, acrescida de juros, à taxa legal, desde 29 de Junho de 2010 e até integral pagamento;
(..)».
I.3 Inconformada com essa decisão, a R. apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios.
              Com as alegações a recorrente apresentou as respectivas conclusões, delas constando o seguinte:
(…)
I.4 Pelos recorridos AA., com o patrocínio do Ministério Público, foram apresentadas contra-alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:
(…)
I.4 Foram colhidos os vistos legais.
I.5 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso - artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3 e artigo 660.º n.º 2 do pretérito Código de Processo Civil (conforme artigos 5.º 1 e 7.º, da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, dado que a sentença foi proferida em 15 de Julho de 2013, antes da entrada em vigor do NCPC aprovado por aquela Lei), as questões que se colocam para apreciação são as de saber o seguinte:
i) Pretende o A. impugnar a decisão sobre a matéria de facto?
ii) Se o tribunal a quo errou o julgamento na interpretação e aplicação do direito aos factos, pelo seguinte:
a) Ao não ter considerado que o sinistrado actuou com negligência grosseira, em consequência descaracterizando o acidente e excluindo o dever de reparação, nos termos do art.º 7.º n.º1 al. b), da Lei 100/97, de 13 de Setembro.
b) Ao ter concluído que o sinistrado se encontrava numa situação de dependência económica em relação à Recorrente, fazendo recair sobre a R. a responsabilidade pela reparação do acidente, com base no disposto no art. 2.º, n.º 2 da Lei n.º 100/97, apesar de ter considerado existir um contrato de prestação de serviços, que impunha a aplicação do art.º 3.º da mesma Lei, impondo aos trabalhadores independentes o dever de efectuarem um seguro que garanta as prestações previstas nessa mesma lei.
 II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 Pretende a recorrente impugnar a matéria de facto?
(…)
            II.2 Confrontado a matéria de facto dada por assente com os elementos constantes dos autos, nomeadamente os documentos que adiante referiremos, consideramos que o Tribunal a quo não cumpriu inteiramente o disposto no art.º 659.º n.º 3 do CPC , já que não retirou todas as consequências desses documentos, apesar de até a eles se ter referido, na fundamentação da decisão de facto.
                Os documentos em causa, são os seguintes:
i) Histórico de declarações de IRS e “Declaração de Rendimentos Referente ao Ano de 2008”, emitida pelo Instituto de Gestão Financeira e Infra-Estruturas da Justiça, IP, na qualidade de entidade pagadora ao falecido sinistrado, constantes a a fls. 392 e seguintes,  apresentadas pelos AA.;
ii) Informação da Autoridade Tributária Aduaneira, dirigida ao processo na sequência de determinação do Tribunal (a fls. 399).
Não é naturalmente caso que implique a anulação da decisão da decisão do Tribunal a quo, nos termos do art.º 712.º n.º 4 (1.ª parte) do CPC, dado que esses elementos de prova constam do processo e, logo, é perfeitamente possível a este Tribunal ad quem suprir as apontadas deficiências, nos termos permitidos pelos n.ºs 1 e 4 (primeira parte, a contrario), daquele mesmo artigo.
Neste pressuposto, considera-se ainda provado o que se passa a mencionar, esclarecendo-se que a numeração conferida procura a sua inserção sem quebra da lógica na organização dos factos seguida pela 1.ª instância. Assim:
50. No “Histórico de Declarações (Declarações em euros)”, para efeitos de IRS, apresentadas pelo sinistrado, abrangendo os anos de 2005 a 2009, consta o seguinte:
- Ano      Rendimento       Tipo                                                   
                2009         797,10                  B
                2008      5.495,23                  B
                2008          288,00                  B
                2006        3 416,60                 A
                2006           307,00                 B
                2006            466,00               B
                2006               6,00                  B
                2006              95,00                 B
                2005       12 556,00               A
                2005            786,00                 B
                2005              16,00                B
               51. Pelo Instituto de Gestão Financeira e Infra-Estruturas da Justiça, IP, na qualidade de entidade pagadora ao falecido sinistrado, foi emitida uma “Declaração de Rendimentos Referentes ao Ano de 2008, na qual consta “Para cumprimento da alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º do CIRS e artigo 120.º do CIRC declara-se que durante o ano de 2008, o titular auferiu os seguintes rendimentos”, depois mencionando-se, após a indicação “B – Trabalho Independente”, o valor de € 288,00.
52. Pela Autoridade Tributária Aduaneira foi informado verificar-se que “relativamente ao contribuinte FF, NIF 000000000, exerceu a actividade de “Outras actividades de serviços” – Categorias CAE 96 093 – durante o período de 2008 -08-06 a 2009-02-16”.
II.3     MOTIVAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto a considerar é que o Tribunal a quo considerou assente, acrescida daquela que foi fixada por este Tribunal ad quem no ponto anterior, sendo ainda de referir que quanto à primeira reproduz-se parcialmente o documento referido no facto 4 - acordo escrito designado por “contrato de prestação de serviços” junto a fls. 309 a 313 – que apenas foi dado “por integralmente reproduzido”. O elenco factual é, assim, o seguinte:
 1. FF faleceu no dia 13 de Fevereiro de 2009 (certidão de fls. 43) – (A)
2. CC nasceu no dia 06 de Fevereiro de 2001 e acha-se registado como filho de FF e DD (certidão de fls. 57) – (B).
3. BB nasceu no dia 07 de Agosto de 2007 e acha-se registada como filha de FF e AA (certidão de fls. 218) – (C).
4. Em 20 de Junho de 2008 FF e a ré “EE, SA” subscreveram o acordo escrito designado por “contrato de prestação de serviços” junto a fls. 309 a 313 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido (D), mas onde se lê, para além do mais o seguinte:
Cláusula Primeira (Objecto do Contrato)
1. O presente contrato tem como objecto a prestação pela primeira contraente à segunda contraente de serviços de assessoria nas áreas de avaliação de activos, regularização de sinistros e/ou peritagens técnicas, sem carácter de exclusividade.
(..)
Cláusula Segunda (Deveres da Primeira Contraente e Relatório)
1. (..) A primeira contraente, de acordo com os procedimentos em vigor na empresa e constantemente adoptados por quem lhe presta serviço, obriga-se a realizar relatórios de avaliação, vistoria ou peritagem, que lhe tenham sido dirigidos pela segunda contraente para posteriormente proceder ao seu envio, considerando o prazo previamente estabelecido.
(..).
Cláusula Terceira
1. Os meios utilizados pela primeira contraente para prestação dos seus serviços à segunda contraente, designadamente viatura para deslocações, planificação e apresentação dos processos e processamento de dados, serão da exclusiva responsabilidade da primeira contraente.
(…).
Cláusula Quarta
1. A retribuição a pagar pela segunda contraente à primeira contraente pela prestação dos serviços referidos na cláusula primeira será determinada de acordo com valores previamente acordados.
2. A liquidação dos honorários será efectuada mensalmente pela segunda contraente mediante a apresentação da factura/recibo e respectiva nota de honorários por parte da primeira contraente, sendo que deve fazê-lo até ao quinto dia útil de cada mês.
5. Não houve transladação do corpo – (E).
6. Desde de Junho de 2008 que o sinistrado FF fazia peritagens de seguros por solicitação da ré “DD, Consultores, SA” – (1º)
7. O sinistrado nas funções de perito deslocava-se aos locais para recolha de elementos de elaboração do relatório – (3º)
8. O sinistrado tirava fotografias aos locais dos acidentes e recolhia elementos – (4º)
9. Desde Junho de 2008 o sinistrado exerceu as funções de perito apenas para a ré sendo as quantias por esta pagas a sua única fonte de subsistência – (5º)
10. A ré era a única empresa para quem o sinistrado fazia peritagens de seguro com o esclarecimento que não tinha outra actividade remunerada – (6º)
11. Os relatórios das perícias indicadas pela ré eram realizados em casa do sinistrado – (10º)
12. A ré indicava ao sinistrado as peritagens a realizar e locais - (13º)
13. O sinistrado emitia recibos verdes contra a entrega das quantias pela ré – (15º)
14. Em Dezembro de 2008 ocorreu uma infiltração de água através do telhado da empresa “GG, Lda.”, com sede e local de trabalho na Rua das (…), 2460 Alcobaça – (18º)
15. Este sinistro foi participado pela empresa “GG, Lda.” à empresa “HH, SA” – (19º)
16. No dia 13 de Fevereiro de 2009, a fim de proceder à avaliação dos eventuais danos ocorridos na empresa “GG”, o sinistrado no âmbito da peritagem que lhe foi distribuída pela ré e que aceitou deslocou-se às instalações daquela empresa sitas em Alcobaça – (20º)
17. O sinistrado chegado ao local no dia referido no artigo anterior e cerca das 11.00 horas, foi conduzido pelo responsável da empresa “GG” até uma porta que dava acesso ao telhado das instalações com o esclarecimento que, após esta porta, se encontrava uma chapa a cobrir uma parte do telhado – (21º)
18. O sinistrado, a fim de realizar a peritagem e tirar fotografias acedeu a uma chapa que se encontrava logo após a porta de acesso ao telhado – (22º)
19. O telhado era constituído por telhas de lusalite e algumas de plástico – (23º)
20. Em circunstâncias não concretamente apuradas, algumas das telhas da cobertura partiram-se – (24º)
21. As telhas referidas no artigo anterior situavam-se entre um metro a um metro e meio da chapa de alumínio que se encontrava logo após a porta de acesso ao telhado – (25º)
22. O sinistrado através dessa abertura do telhado caiu logo para o interior das instalações da empresa e de uma altura de cerca de cinco (5) metros – (26º)
23. Devido a essa queda e embate no chão o sinistrado sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 65 a 71 e que lhe provocaram a morte – (27º)
24. À data da sua morte e desde Outubro de 2006 o sinistrado vivia com AA, em Carnaxide partilhando o mesmo leito e habitação – (28º)
25. Era com a contrapartida monetária mensal que a ré lhe pagava que o sinistrado suportava as despesas do seu agregado familiar composto por AA e BB – (29º)
26. Os honorários pagos pela ré a FF eram em função  do número de processos de peritagem concluídas – (30º)
27. No período entre 20 de Julho de 2008 e 31 de Janeiro de 2009, a ré pagou a FF as seguintes quantias e nas seguintes datas:
- No dia 30 de Julho de 2008 a quantia de € 629,00;
- No dia 29 de Agosto de 2008 a quantia de € 1.243,45;
- No dia 30 de Setembro de 2008 a quantia de € 659,00;
- No dia 31 de Outubro de 2008 a quantia de € 1.548,45;
- No dia 30 de Novembro de 2008 a quantia de € 593,45;
- No dia 31 de Dezembro de 2008 a quantia de € 822,00;
- No dia 31 de Janeiro de 2009 a quantia de € 797,10 – (31º)
28. Sempre que ocorria um sinistro coberto por seguro prestado por uma seguradora que fosse cliente da ré, esta era contactada pela seguradora quando o acidente lhe era participado – (32º)
29. A ré escolhia um dos muitos peritos que lhe prestam serviços para realizar a respectiva peritagem e encomendava-lhe a realização – (33º)
30. A ré assim procedia com FF – (34º)
31. As peritagens a realizar são transmitidas aos peritos através do portal informático da ré – (35º)
32. FF podia aceitar ou recusar as peritagens que a ré lhe encomendou – (36º)
33. Competia a FF, marcar as peritagens de acordo com a sua disponibilidade e a do segurado – (37º)
34. Era FF que definia a(s) zona(s) geográficas onde pretendia exercer os seus serviços – (38º)
35. As normas relativas à execução da peritagem, prazos, procedimentos administrativos e demais regras variavam consoante a seguradora cliente da ré – (39º)
36. As indicações dadas pela ré a FF tinham como fim cumprir prazos e objectivos das peritagens que eram adjudicadas à ré por parte dos seus clientes – (40º)
37. A ré apenas transmitia a FF aquilo que lhe era comunicado a si pelas seguradoras – (41º)
38. As indicações transmitidas pela ré a FF quanto ao modo como os serviços devem ser realizados e de regras relativas às peritagens correspondiam às prévias instruções fornecidos pelos clientes à ré – (42º)
39. O sinistrado elaborava os relatórios na sua residência ou no local que quisesse – (43º)
40. O FF nunca teve uma secretária, uma mesa, uma cadeira nas instalações da ré – (44º)
41. Todos os instrumentos de trabalho utilizados pelo FF, como o automóvel, o computador e respectivos periféricos, acesso à internet e máquina fotográfica eram propriedade sua – (45º)
42. Era ainda o FF quem custeava todas as despesas de combustível, portagens, refeições, telemóvel e consumíveis – (46º)
43. Era FF que definia o tempo e data do seu período de férias – (47º)
44. O computador que FF usava era de sua propriedade – (48º)
45. A ré nunca fixou qualquer horário a FF – (49º)
46. FF deslocou-se em número de vezes não concretamente apurado às instalações da ré – (50º)
47. A ré nunca fez qualquer desconto nos honorários de FF a título de contribuições para entregar na Segurança Social – (51º)
48. A ré nunca controlou a assiduidade de FF ou falta dela – (52º)
49. A ré nunca pagou a FF qualquer quantia a título de subsidio de férias e de Natal – (52º)
50. No “Histórico de Declarações (Declarações em euros)”, para efeitos de IRS, apresentadas pelo sinistrado, abrangendo os anos de 2005 a 2009, consta o seguinte:
- Ano      Rendimento       Tipo                                                   
                2009         797,10                   B
                2008      5.495,23                  B
                2008          288,00                  B
                2006        3 416,60                 A
                2006           307,00                 B
                2006            466,00             B
                2006               6,00                   B
                2006              95,00                  B
                2005       12 556,00             A
                2005            786,00                  B
                2005              16,00               B
               51. Pelo Instituto de Gestão Financeira e Infra-Estruturas da Justiça, IP, na qualidade de entidade pagadora ao falecido sinistrado, foi emitida uma “Declaração de Rendimentos Referentes ao Ano de 2008, na qual consta “Para cumprimento da alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º do CIRS e artigo 120.º do CIRC declara-se que durante o ano de 2008, o titular auferiu os seguintes rendimentos”, depois mencionando-se, após a indicação “B – Trabalho Independente”, o valor de € 288,00.
52. Pela Autoridade Tributária Aduaneira foi informado verificar-se que “relativamente ao contribuinte FF, NIF 000000000, exerceu a actividade de “Outras actividades de serviços” – Categorias CAE 96 093 – durante o período de 2008 -08-06 a 2009-02-16”.
II.3. MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Como nota prévia, embora não sendo tal controvertido, importa assinalar que atenta a data em que ocorreu o acidente de trabalho –13 de Fevereiro de 2009 – é aplicável ao caso a Lei 100/97, de 13 de Setembro, usualmente designada por LAT, diploma entretanto revogado pela Lei 98/2009, de 4 de Setembro (art.º 186.º da mesma), a qual vigora  desde 1 de Janeiro de 2010 (art.º 188.º), mas apenas tem aplicação quanto aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor (art.º 187.º n.º1).
II.3.1 Começa a recorrente por se insurgir quanto à interpretação e aplicação do direito feita pelo Tribunal a quo, colocando a questão de saber se foi violado o artigos art.º 7.º n.º 1 al. b), da  Lei n.º 100/97. Na sua óptica, atentos os factos provados, o acidente resultou da negligência grosseira do sinistrado, em consequência descaracterizando-o e excluindo o dever de reparação, nos termos daquele normativo.
Na análise desse ponto, considerou o Tribunal a quo não terem sido “(..) apuradas as circunstâncias em que se terão partido as telhas e consequentemente da queda do sinistrado, sendo certo que era à Ré que competia provar tal matéria e não o logrou fazer”, não permitindo os factos provados concluir que existiu um comportamento a título de negligência grosseira.
Vejamos então.
O art.º 1.º da LAT consagra o direito do trabalhador e dos seus familiares à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho, nos termos previstos nela e na demais legislação regulamentar.
Segundo o conceito dado pelo n.º1 do art.º 6.º, da mesma lei, “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”.
Casos há, porém, em que apesar de ter ocorrido um acidente de trabalho, a lei exclui o direito à reparação. Para tanto é necessário que se verifique uma causa excludente daquele direito, nos termos previstos taxativamente na lei, que conduz à denominada “Descaraterização do acidente”, conforme epígrafe do art.º 7º, sendo um desses casos o previsto na alínea b), do n.º1, onde se dispõe o seguinte:
[Artigo 7.º Descaracterização do acidente]
1 – Não dá direito a reparação o acidente:
a) (..)
b) Que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
Como primeiro passo cabe determinar o sentido e alcance do ai disposto. E, nesse desiderato, mostra-se pertinente recuar no tempo e começar por atentar na correspondente norma do regime jurídico de acidentes de trabalho que antecedeu a LAT, nomeadamente, a Lei nº 2127, de 8 de Agosto de 1965.
Assim, na Lei n.º 2127, a Base VI, com a epígrafe “Descaracterização do acidente”, no que aqui interessa, dispunha o seguinte:
[1] Não dá direito a reparação o acidente:
a) (..)
b) Que provier exclusivamente da falta grave e indesculpável da vítima.
A propósito da parte final dessa norma, Cruz de Carvalho, na sua incontornável obra de anotação à Lei n.º 2127, observa que a lei considera “(..) ”indemnizáveis os acidentes resultantes de negligência, imprudência, imprevidência, imperícia, distracção, esquecimento de uma ordem e comportamentos análogos, abrangidos na figura jurídica de culpa em sentido genérico, como a simples e involuntária inobservância daquele diligência que se deveria ter empregado, e que se tivesse sido empregada teria impedido a a realização do facto danoso”, defendendo que para aplicação dessa norma “(..) é preciso que haja um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, uma impudência e temeridade inútil, indesculpável, mas voluntária embora não intencional, e além disso que tal comportamento seja a causa única do acidente, como resulta do advérbio «exclusivamente»; (..)” [Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, 2.ª Edição, Livraria Petrony, Lisboa, 1983, p. 51].
Releva ainda assinalar, que o Decreto-lei n.º 360/71, de 21 de Agosto, diploma que  regulamentou aquela lei, veio estabelecer no art.º 18.º - reportando-se à Base VI n.º1 al. a) da Lei -  o seguinte: ”Não se considera falta grave e indesculpável da vítima do acidente o acto ou a omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes das profissões”.
Por seu turno, o n.º 2 do art.º 8.º, do DL 143/99 de 30 de Abril, que regulamentou a LAT, veio estabelecer: “Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”.
Face ao disposto na Base VI da Lei 2127 e no art.º 18.º do respectivo regulamento, era entendimento dominante da doutrina e da jurisprudência, exigir-se um comportamento temerário, que revestisse as características de indesculpabilidade e de inutilidade ou desnecessidade. Para que tal sucedesse, impunha-se o comportamento  fosse reprovado por um elementar sentido de prudência, por evidenciar de forma manifesta uma temeridade voluntária, não necessariamente intencional, mas  inútil e indesculpável. Para afastar o direito à reparação, não bastava, portanto, um acto de mera negligência ou imprudência, a culpa simples (leve ou levíssima), sendo necessário que a negligência revestisse a natureza de negligência grosseira [nesse sentido, entre outros, Acórdãos do STJ de 1-3-85, Ac. Doutr. n.º 282, p.749; de 24-01-85, BMJ n.º 361, p. 268; de 30-01-87, BMJ n.º 363, p. 378; de 19-06-87, Ac. Doutr. n.º 308/309, p. 1219; de 3-03-88, Ac. Doutr. 322, p. 1297; e de 20-09-88, Ac. Doutr. n.º 324, p. 1594].
Confrontando o art.º 7.º n.º 1 al. b), da Lei 100/97, bem como o n.º2, do art.º 8.º do DL 143/99, com os correspondentes normativos do precedente regime de reparação dos acidentes de trabalho, constata-se que os mesmos não trouxeram qualquer alteração essencial, apenas procurando integrar, com novas redacções, aquele entendimento desenvolvida pela doutrina e pela jurisprudência.
Assim, é seguro afirmar-se que mantêm inteira validade e actualidade os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais suscitados pela interpretação e aplicação desta causa excludente do direito à reparação, desde a Lei 2127. Justamente por isso, no que respeita à causa excludente do direito à reparação, a que se reporta a al. b), do art.º 7.º da Lei n.º 100/97, aquela linha de entendimento mantém-se pacífica na jurisprudência dos tribunais superiores, como o elucidam os sumários dos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (todos disponíveis em www.dgsi.pt), que se passam a transcrever:
i) III - A negligência grosseira a que alude o art. 7.º, n.º 1, al. b) da LAT/97 e o n.º 2 do art.º 8º do RLAT traduz um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, comportamento esse que só por uma pessoa particularmente negligente se mostra susceptível de ser assumido, revestindo as características da indesculpabilidade e da inutilidade ou desnecessidade” [Acórdão de 22-04-2009, proc.º 08S1901, MÁRIO PEREIRA];
ii) “I- Para excluir o direito à reparação de acidente de trabalho, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), é indispensável que o evento seja imputado, em termos de causalidade adequada, exclusivamente, a comportamento temerário em alto e relevante grau do sinistrado (n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril), o que implica, por um lado, a prova de que o acidente se deveu a conduta inútil, indesculpável, sem fundamento, e de elevado grau de imprudência, da vítima, e, por outro lado, a prova de que nenhum outro facto concorreu para a sua produção. (..) IV - O ónus da prova dos factos que integram a negligência grosseira e a imputação do nexo de causalidade, a título exclusivo, entre ela e o evento danoso, recai, por serem factos impeditivos do direito à reparação, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, sobre a parte demandada” [Ac. de 17-09-2009, proc.º n.º  451/05.4TTABT.S1, VASQUES DINIS]. 
Com relevância para esta questão resultaram provados os factos seguintes:
16. No dia 13 de Fevereiro de 2009, a fim de proceder à avaliação dos eventuais danos ocorridos na empresa “GG”, o sinistrado no âmbito da peritagem que lhe foi distribuída pela ré e que aceitou deslocou-se às instalações daquela empresa sitas em Alcobaça – (20º)
17. O sinistrado chegado ao local no dia referido no artigo anterior e cerca das 11.00 horas, foi conduzido pelo responsável da empresa “GG” até uma porta que dava acesso ao telhado das instalações com o esclarecimento que, após esta porta, se encontrava uma chapa a cobrir uma parte do telhado – (21º)
18. O sinistrado, a fim de realizar a peritagem e tirar fotografias acedeu a uma chapa que se encontrava logo após a porta de acesso ao telhado – (22º)
19. O telhado era constituído por telhas de lusalite e algumas de plástico – (23º)
20. Em circunstâncias não concretamente apuradas, algumas das telhas da cobertura partiram-se – (24º)
21. As telhas referidas no artigo anterior situavam-se entre um metro a um metro e meio da chapa de alumínio que se encontrava logo após a porta de acesso ao telhado – (25º)
22. O sinistrado através dessa abertura do telhado caiu logo para o interior das instalações da empresa e de uma altura de cerca de cinco (5) metros – (26º)
Atento este elenco factual, não tem qualquer sustento pretender a recorrente dever concluir-se – e de forma inequívoca - que “o sinistrado adoptou um comportamento negligente e inaceitável, não só porque o mesmo, sendo perito de seguros, tinha especiais conhecimentos técnicos e científicos sobre a avaliação de riscos, como porque qualquer homem médio – sobretudo atenta a constituição física do sinistrado - deveria ter conhecimento da fragilidade das telhas e do perigo iminente da queda”.
É certo que o telhado era composto de telhas em lusalite e outras em plástico, bem assim que as mesmas são susceptíveis de quebra, dada a sua baixa resistência ao peso, aceitando-se que uma pessoa de normal diligência tem essa noção e, consequentemente, do potencial risco de queda por quebra das mesmas, caso se caminhe sobre elas.
 Porém, a verdade é que nem se sabe se o sinistrado foi alertado sobre a existência desse tipo de telhas, pois unicamente resulta provado que “foi conduzido pelo responsável da empresa “GG” até uma porta que dava acesso ao telhado das instalações com o esclarecimento que, após esta porta, se encontrava uma chapa a cobrir uma parte do telhado” (facto 17).
Por isso mesmo, não se sabe sequer se o sinistrado teve a percepção de que o telhado era constituído por telhas daquele tipo, nem tão pouco se teve a noção de que “As telhas (..) situavam-se entre um metro a um metro e meio da chapa de alumínio que se encontrava logo após a porta de acesso ao telhado” [facto 21]. Pode parecer que essa distinção não ofereceria dificuldades e, logo, que não fará sentido colocar a questão nesses termos. Mas sem razão, pois, na realidade das coisas, a distinção poderá não ser tão evidente e imediata como se possa crer, bastando que exista sujidade acumulada sobre o telhado, situação que não é incomum.
Assim como não se sabe se o sinistrado caminhou sobre elas vários passos até à quebra das telhas e consequente queda, ou se a quebra ocorreu logo ao primeiro passo sobre as telhas. De resto, em qualquer dos casos, não se sabe tão pouco se teve a noção, ou não, de  que iria dar o passo sobre as telhas, ou se o fez inadvertidamente. Mais, tão pouco se sabe se o passo (ou passos dados) foi intencional, isto é, caminhando o sinistrado decidido em determinada direcção, ou se resultaram de um desequilíbrio (um passo em falso) ou de uma desatenção (p. ex. um pequeno passo lateral para se reposicionar para fotografar, como era seu objectivo).
Na verdade, apenas resulta provado que “Em circunstâncias não concretamente apuradas, algumas das telhas da cobertura partiram-se” [facto 20].  
Não existem, pois, factos provados que permitam imputar ao sinistrado um qualquer comportamento  temerário -  o que pressuporia a demonstração de que o mesmo, naquelas circunstâncias, adoptara uma conduta inútil, indesculpável ou reveladora de elevado grau de imprudência -, fica excluída a possibilidade de considerar que actuou com negligência grosseira e, logo, de se estabelecer um nexo causal, em termos de imputar exclusivamente o sinistro a essa eventual conduta.
Não se devendo olvidar que o ónus de alegação e prova dos factos que integram a negligência grosseira e a imputação do nexo de causalidade, a título exclusivo, entre ela e o acidente ocorrido, recaía sobre a ré, nos termos das regras gerais sobre a prova, por serem factos impeditivos do direito à reparação (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
Conclui-se, assim, que não assiste razão à recorrente, sendo infundada a alegada violação do disposto no art.º 7.º nº 1 al. b), da Lei 100/97, a conjugar com o art.º 8.º do DL 143/99, pela sentença recorrida.
O ponto está apreciado e decidido, mas dado que a recorrente vem agora - nas alegações e conclusões - invocar a violação de regras de segurança, sustentando-se no art.º 17.º da lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro e nos art.ºs 44.º e 45.º do Decreto 41.821, de 11 de Agosto de 1958, para que não restem dúvidas impõe-se deixar algumas considerações complementares.
Começaremos por notar que o Decreto n.º 41 821 contém o “Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil”, reportando-se os invocados artigos, que dão corpo ao Título III, às obras de construção civil realizadas em telhados, não se vislumbrando, por isso, qual o fundamento, que seria necessário justificar, para se aplicar a uma situação concreta que nada tem a ver com o objecto de regulamentação do diploma.
Não se trata, pois, de uma mera questão de aplicação do direito e, por isso mesmo, cabe assinalar que esta posição agora assumida não tem qualquer correspondência na contestação, como se constata pela leitura da parte em que pugna pela descaracterização do acidente de trabalho, com a consequente exclusão do dever de reparação, constante dos artigos 126.º  a 137.º.
É  certo que no artigo 126.º, a então Ré, fez uma uma alusão genérica à “violação das condições de segurança previstas na lei”, inserida nestes termos: “ (..) por dever de patrocínio, sempre se alegará que, a confirmar-se que o acidente ocorreu da forma descrita na petição inicial, resulta evidente que o mesmo ocorreu em resultado da violação das condições de segurança previstas na lei, e que proveio de negligência grosseira do próprio sinistrado”.
Contudo, percorrendo os artigos seguintes, não há a mínima invocação de uma qualquer norma de segurança imposta por lei que alegadamente tenha sido violada, assim como não há qualquer alegação de factos concretos para justificar a aplicação de determinada regra de segurança imposta por lei, nomeadamente as agora invocadas, nem tão pouco para imputar essa violação e estabelecer um nexo causal entra a mesma e o sinistro. Apenas consta da contestação, reportando-se ao comportamento do sinistrado “pormenorizadamente descrito na documentação junta aos autos” (127.º), o seguinte:
128. Sobretudo ao subir ao telhado por sua iniciativa,
129. Começar a andar pelo mesmo sozinho,
130. Caminhando sobre frágeis telhas de plástico,
131. E sem tomar a mínima precaução que fosse,
132. Foi temerário em alto e relevante grau,
133. Não se consubstanciou em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, nem da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.
134. De salientar que o local onde o acidente ocorreu não era um local de trabalho, a R. não tinha qualquer responsabilidade em relação ao estado de conservação do mesmo ou às condições de segurança existentes, tendo sido o próprio sinistrado que procedeu à avaliação da situação no seu todo e decidiu, de acordo com o seu livre arbítrio e violando as regras básicas de segurança, caminhar sobre o telhado,
135. Algo que manifestamente não devia ter feito,
136. Tal como infelizmente se veio a comprovar, da forma mais dramática possível.
137. Deste modo, atendendo nomeadamente ao disposto no art. 7º da Lei nº. 100/97, o sinistro em causa deverá sempre ser descaracterizado como acidente de trabalho».
Pois bem, a colocação da questão nestes termos levaria a indagar se estaria em causa uma conduta do sinistrado que se enquadrasse na previsão da alínea do n.º1, do art.º 7.º da LAT, de onde decorre que “Não dá direito a reparação o acidente: a) Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei”.
Como elucida o sumário do AC. do STJ de 03-06-2009, “A descaracterização do acidente de trabalho, com fundamento na alínea a) do nº 1 do artº 7º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, exige, cumulativamente, os requisitos de (i) existência de regras ou condições de segurança estabelecidas pela lei ou pela entidade empregadora, (ii) verificação, por parte do sinistrado, de uma conduta violadora dessas regras ou condições, (iii) voluntariedade na assunção dessa conduta, mesmo que não intencional, sem que, para tanto haja causa justificativa, e (iv) a existência de um nexo causal entre a conduta e a ocorrência do acidente” [Proc.º n.º 1321/05.1TBAGH.S1, BRAVO SERRA, disponível em www.dgsi.pt].
Refira-se, que no mesmo sentido pronunciou-se este mesmo colectivo, em acórdão relatado pelo aqui relator, de 19-12-2012, Proc.º n.º 686/10.8TTLRS.L1-4 [disponível em www.dgsi.pt].
Ora, caso a pretendesse impedir o direito à reparação do sinistro, imputando ao sinistrado a violação de regras de segurança estabelecidas na lei (a outra hipótese não se coloca, posto que a R. não se assume como empregadora), então sobre ela recaia o ónus de alegação e prova dos factos impeditivos daquele direito (art.º 342.º n.º 2, do CC).
Acontece, porém, que não o fez.
Por conseguinte, propõe-se recorrente colocar uma questão nova, dado que não foi sujeita à apreciação do tribunal de 1ª instância, por isso não podendo este  tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 715º, nº 2, 660º, nº 2, in fine, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (artigos 676.º, n.º 1, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões e não criá-las sobre matéria nova, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso [Cfr. Acórdãos do STJ de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, ambos relatados pelo Senhor Conselheiro Pinto Hespanhol, disponíveis em www.dgsi.pt].
Como explica Abrantes Geraldes, «A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em regra, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e do processo contenha todos os elementos imprescindíveis.
Compreendem-se perfeitamente as razões por que o sistema assim foi arquitectado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devam ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios» [Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2ª, Edição, p. 94].
Por conseguinte, não se estando perante um dos casos em que é possível o conhecimento oficioso, rejeita-se a apreciação dessa questão.
Concluindo, quanto a esta questão, isto é, a alegada descaracterização do acidente de trabalho, improcede o recurso, nessa parte não merecendo censura a sentença recorrida.
II.3.2 Numa segunda linha de argumentação, insurge-se a recorrente contra a sentença por ter concluído que o sinistrado se encontrava numa situação de dependência económica, fazendo recair sobre a R. a responsabilidade pela reparação do acidente, com base no disposto no art.º 2.º, n.º 2 da Lei n.º 100/97, alegando existir erro de julgamento na consideração de que tendo-se considerado existir um contrato de prestação de serviços,  impunha-se a aplicação do art.º 3.º da mesma Lei, em conformidade com o qual os trabalhadores independentes devem efectuar um seguro que garanta que as prestações previstas nessa mesma lei.
Na sentença recorrida, quanto a esta questão e no que aqui interessa agora, consta sa fundamentação o seguinte:
- «No caso provaram-se os seguintes factos:
- Em 20 de Junho de 2008 FF e a ré “EE, SA” subscreveram o acordo designado por “contrato de prestação de serviços” junto a fls. 309 a 313 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
- O sinistrado nas funções de perito deslocava-se aos locais para recolha de elementos de elaboração do relatório;
- Desde Junho de 2008 o sinistrado exerceu as funções de perito apenas para a ré sendo as quantias por esta pagas a sua única fonte de subsistência;
- A ré era a única empresa para quem o sinistrado fazia peritagens de seguro com o esclarecimento que não tinha outra actividade remunerada;
- Os relatórios das perícias indicadas pela ré eram realizados em casa do sinistrado;
- A ré indicava ao sinistrado as peritagens a realizar e locais;
- O sinistrado emitia recibos verdes contra a entrega das quantias pela ré;
- Os honorários pagos pela ré a FFeram em função do número de processos de peritagens concluídas;
- No período entre 20 de Julho de 2008 e 31 de Janeiro de 2009, a ré pagou a FFas seguintes quantias e nas seguintes datas:
- No dia 30 de Julho de 2008 a quantia de € 629,00;
- No dia 29 de Agosto de 2008 a quantia de € 1.243,45;
- No dia 30 de Setembro de 2008 a quantia de € 659,00;
- No dia 31 de Outubro de 2008 a quantia de € 1.548,45;
- No dia 30 de Novembro de 2008 a quantia de € 593,45;
- No dia 31 de Dezembro de 2008 a quantia de € 822,00;
- No dia 31 de Janeiro de 2009 a quantia de € 797,10;
- A ré escolhia um dos muitos peritos que lhe prestam serviços para realizar a respectiva peritagem e encomendava-lhe a realização;
- A ré assim procedia com FF;
- As peritagens a realizar são transmitidas aos peritos através do portal informático da ré;
- FF podia aceitar ou recusar as peritagens que a ré lhe encomendou;
- Competia a FF, marcar as peritagens de acordo com a sua disponibilidade e a do segurado;
- Era FF que definia a(s) zona(s) geográficas onde pretendia exercer os seus serviços;
- As normas relativas à execução da peritagem, prazos, procedimentos administrativos e demais regras variavam consoante a seguradora cliente da ré;)
- As indicações dadas pela ré a FF tinham como fim cumprir prazos e objectivos das peritagens que eram adjudicadas à ré por parte dos seus clientes;
- A ré apenas transmitia a FFaquilo que lhe era comunicado a si pelas seguradoras;
- As indicações transmitidas pela ré a FF quanto ao modo como os serviços devem ser realizados e de regras relativas às peritagens correspondiam às prévias instruções fornecidos pelos clientes à ré;
- O sinistrado elaborava os relatórios na sua residência ou no local que quisesse;
- O FF nunca teve uma secretária, uma mesa, uma cadeira nas instalações da ré;
- Todos os instrumentos de trabalho utilizados pelo Aldino Brito Ramos, como o automóvel, o computador e respectivos periféricos, acesso à internet e máquina fotográfica eram propriedade sua;
- Era ainda o FF quem custeava todas as despesas de combustível, portagens, refeições, telemóvel e consumíveis;
- Era FF que definia o tempo e data do seu período de férias;
- O computador que FF usava era de sua propriedade;
- A ré nunca fixou qualquer horário a FF;
- FF deslocou-se em número de vezes não concretamente apurado às instalações da ré;
- A ré nunca fez qualquer desconto nos honorários de FF a título de contribuições para entregar na Segurança Social;
- A ré nunca controlou a assiduidade de FF ou falta dela;
- A ré nunca pagou a FF qualquer quantia a título de subsídio de férias e de Natal.
Compulsada a factualidade resulta que nela não identificamos os elementos de uma relação de trabalho subordinada nomeadamente o elemento da subordinação jurídica pois não se provou qualquer ordem ou instrução da ré quanto ao modo de execução das peritagens, que o sinistrado estivesse integrado na estrutura organizativa da ré. Os honorários pagos eram fixados em função do número de peritagens não sendo a retribuição certa, o sinistrado podia aceitar ou recusar as peritagens, o sinistrado nunca teve uma secretária nas instalações da ré, os instrumentos de trabalho eram seus, era quem definia o tempo e data do seu período de férias, todos estes elementos infirmando a existência de uma relação de trabalho subordinado.
Contudo para efeitos da aplicação da lei de acidentes de trabalho são considerados trabalhadores por conta de outrem aqueles que se considerando na dependência económica da pessoa servida, prestem, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço.
E, no caso, o sinistrado encontrava-se à data do acidente numa situação de dependência económica da ré para quem prestava o serviço de peritagens sendo as quantias pagas por esta pelo serviço prestado a sua única fonte de subsistência e com as quais suportava as despesas do seu agregado familiar.
Assim pese embora não terem ficado demonstrados os elementos de uma relação de trabalho subordinado entre o sinistrado e a ré, face à dependência económica deste em relação a esta, para efeitos de acidente de trabalho encontrava-se o mesmo abrangido pela LAT».
Em suma, por um lado não foi acolhida a posição sustentada pelos AA. na petição inicial, pugnando pelo reconhecimento de uma relação de trabalho subordinado. Mas por outro lado, com base no n.º2, do art.º 2.º da LAT,  entendeu-se que “(..) face à dependência económica deste (sinistrado) em relação a esta, para efeitos de acidente de trabalho encontrava-se o mesmo abrangido pela LAT”.
Salvo o devido respeito, parece-nos que esta conclusão não deveria ter sido apresentada sem mais, como se fosse uma evidência, que não o é como adiante veremos, exigindo uma fundamentação mais detalhada, nomeadamente de modo a permitir perceber os passos do raciocínio lógico jurídico que a ela conduziu.
Prosseguindo, convém assinalar dois aspectos relevantes das posições assumidas pelas partes no recurso, relativamente a esta conclusão do Tribunal a quo. No que respeita aos AA., estes não pugnam por entendimento diferente, limitando-se a aceitar a posição assumida pelo tribunal a quo, visto que nada contra alegam quanto a este ponto. Quanto à recorrente, contrariamente que afirma, da sentença recorrida não consta qualquer consideração expressa de onde resulte ter-se entendido que o contrato existente era um contrato de prestação de serviços; a evolução da fundamentação aponta nesse sentido, mas não existe uma afirmação clara e inequívoca.
A apreciação que cabe levar a cabo limita-se, assim, a saber se o Tribunal a quo decidiu bem, ao considerar ser aplicável o n.º 2, do art.º 2.º da LAT.
Nos termos do disposto no art.º 1.º da LAT, os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho.
A noção de quem são os “trabalhadores” abrangidos pela LAT, resulta do artigo 2.º, com a epígrafe “Âmbito da lei”, onde se dispõe, no que aqui interessa, o seguinte:
-«[1] Têm direito à reparação os trabalhadores por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.
  [2] Consideram-se trabalhadores por conta de outrem para efeitos do presente diploma os que estejam vinculados por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado e os praticantes, aprendizes, estagiários e demais situações que devam considerar-se de formação prática, e, ainda, os que, considerando-se na dependência económica da pessoa servida, prestem, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço».
                 [3] (..)».
                Por seu turno, o n.º 3, do art.º 12º do DL nº 143/99, de 30 de Abril, consagra a seguinte presunção: "quando a lei ou esta regulamentação não impuserem entendimento diferente, presumir-se-á que os trabalhadores estão na dependência económica da pessoa em proveito da qual prestam serviços".
Este quadro normativo tinha já consagração em termos praticamente idênticos na Lei 2127, dispondo o n.º2, da Basse II, também com a epigrafe “Âmbito da lei”, “Consideram-se trabalhadores por conta de outrem os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado e também, desde que devam considerar-se na dependência económica da pessoa servida, os aprendizes, os tirocinantes e os que, em conjunto ou isoladamente, prestem determinado serviço”. Por seu turno, o n.º2, do art.º 3.º do DL 360/71, estabelecia igualmente uma presunção legal, dispondo que “Quando a lei ou este regulamento não impuserem entendimento diferente, presumir-se-á, até prova em contrário, que os trabalhadores estão na dependência económica da pessoa em proveito do qual prestam serviços”.
Interessa para o caso determinar o sentido e alcance da parte final do n.º2, do art.º 2.º da LAT, isto é, saber o que se deve entender por trabalhadores, que embora não vinculados por um “contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado”, nem sendo  “praticantes, aprendizes, estagiários e demais situações que devam considerar-se de formação prática”, beneficiam do  regime jurídico de reparação dos acidentes de trabalho em termos idênticos àqueles, quando seja de os considerar “na dependência económica da pessoa servida, prestem, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço”.
A chave da questão é, pois, saber o que pretendeu o legislador significar com a locução “dependência económica”, sendo certo que nem a Lei 2127, ou a Lei 100/97, nem os respectivos decretos regulamentares o elucidam. Por outras palavras, não se encontra nessas leis uma noção de “dependência económica”.
A locução encontrava-se também no artº 2º do Decreto-Lei n.º 49 408, de 24-11-1969 (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, usualmente designado por LCT), com a epígrafe “Contratos equiparados”, dispondo “Ficam sujeitos aos princípios definidos neste diploma, embora com regulamentação em legislação especial, os contratos que tenham por objecto a prestação de trabalho realizado no domicílio ou em estabelecimento do trabalhador, bem como os contratos em que este compra as matérias primas e fornece por certo preço ao vendedor delas o produto acabado, sempre que, num ou noutro caso, o trabalhador deva considerar-se na dependência económica daquele”.
A propósito deste normativo, observa Bernardo da Gama Lobo Xavier «(..) há situações de trabalho autónomo de extrema semelhança ao trabalho subordinado no plano económico-social, o que levou o legislador a equiparar certos contratos de prestação de serviço ao contrato de trabalho. Na verdade, a circunstância de as normas e tutela características do Direito do trabalho pressuporem a existência de um contrato de trabalho (entre quem presta a actividade laboral e aquele que dela aproveita) leva a que fiquem fora da sua alçada algumas situações em que se justificaria dispensar ao prestador do serviço tutela semelhante à que existe para os trabalhadores subordinados», para mais adiante precisar que a proximidade de situações em que o prestador de serviço «(..) poderá encontrar-se numa situação de dependência (económica e social), muito semelhante àquela em que se encontram os trabalhadores subordinados (..) a chamada “subordinação económica”, que alguns designam como “para-subordinação” (..) levou a que, na generalidade dos países, se procurasse estender a protecção dispensada ao trabalho subordinado ao trabalho autónomo economicamente dependente», sendo isso, «(..) precisamente  o que entre nós sucede através da figura dos contratos equiparados, a que se refere o art.º 2.º da LCT (..)» [Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Verbo, Lisboa, 1999, p. 154/155]. 
Avança ainda o autor - entendendo-se acompanhar a posição que refere ser defendida por Monteiro Fernandes - que «haverá dependência económica nos casos de debilidade contratual do prestados de serviços (exclusividade de emprego e de salário na esfera económica de outrem) e em que o processo produtivo do prestador de serviços seja incorporado no processo produtivo da pessoa servida» [Op. cit, 155].
Revogada a LCT com o início de vigência do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, o conteúdo do art.º 2.º da LCT passou a constar no art.º 13.º do CT/03, onde se "equiparam" aos contratos de trabalho aqueles que "tenham por objecto a prestação de trabalho, sem subordinação jurídica, sempre que o trabalhador deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade”.
A talhe de foice, releva assinalar que o art.º 18.º da Lei n.º 99/2003, que aprovou o CT/03, estende expressamente o âmbito de aplicação do regime relativo a acidentes de trabalho “Aos trabalhadores de trabalho que, sem subordinação jurídica, desenvolvam a sua actividade na dependência económica da pessoa servida”.
Mais recentemente, no CT/09, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, a norma relativa a “Situações equiparadas” a contrato de trabalho, passou a constar - com alterações de redacção - no art.º 10.º., a propósito do qual Monteiro Fernandes observa - em convergência com a posição acima enunciada de Bernardo da Gama Lobo Xavier – que  “Há relações de trabalho formalmente autónomo (em que o trabalhador auto-organiza e auto-determina a actividade exercida em proveito alheio) mas que são materialmente próximas das de trabalho subordinado, induzindo necessidades idênticas de protecção. São aquelas em que o trabalhador se encontra economicamente dependente daquele que recebe o produto da sua actividade. A dependência económica suscita ao legislador preocupações idênticas às que se ligam à subordinação jurídica. A função compensatória do Direito do Trabalho (face a situações que, na origem, são de desigualdade material) é aqui também, solicitada” [Op. cit., p. 154/155].
Aqui chegados, poderá dizer-se com segurança, que o legislador pretendeu alargar a aplicação do regime de acidentes de trabalho a situações em que embora não haja uma verdadeira relação de trabalho subordinado, são materialmente próximas daquelas, pelo facto do trabalhador – prestador de serviços - se encontrar numa situação de dependência económica muito semelhante àquela em que se encontram os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho.
Resta, contudo, procurar delimitar uma noção de “dependência económica”, embora reconhecendo, como afirma Cruz de Carvalho, que  “não é fácil dar (..) uma noção precisa com correspondência a uma situação social bem definida” e acompanhando-o, como considera  ser “possível em termos aproximados, dizer que, tal dependência existe, quando o trabalhador vive da remuneração do seu trabalho, quando deste deriva o seu exclusivo ou principal meio de subsistência, sendo a respectiva utilidade utilizada integral e regularmente por quem a remunera” [Op. cit., p. 11].
 No essencial, esta noção aproximada partilha as linhas delimitadoras traçadas pelos autores acima citados, isto é, a exclusividade de emprego e de salário na esfera económica de outrem e a incorporação (integral) do processo produtivo do prestador de serviços no processo produtivo daquele que recebe o produto da sua actividade.
Mas importa também ter presente, como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-03-2005, que “A equiparação estabelecida no artigo 2º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, entre o contrato de trabalho e as situações de prestação de serviço em dependência económica, para os efeitos previstos nesse diploma, tem uma função meramente residual, destinando-se a prevenir que situações que se não encontrem juridicamente bem definidas possam igualmente ser enquadradas no regime indemnizatório previsto nessa Lei, pelo que não tem em vista alterar a conceptualização típica do contrato de trabalho ou do contrato de prestação de serviços” [Proc.º n.º 05S2334, FERNANDES CADILHA, disponível em www.dgsi.pt].
                Resultando expressamente da própria LAT, que fora da equiparação do n.º2 do art.º 2.º, ficam os “trabalhadores independentes”, que pela primeira vez o legislador veio incluir no regime de reparação de acidentes de trabalho, sujeitos a regra específica, como resulta do art.º 3.º, dispondo o seguinte:
[Artigo 3.º Trabalhadores independentes]
- [1]«Os trabalhadores independentes devem efectuar um seguro que garanta as prestações previstas na presente lei, nos termos que vierem a ser definidos em diploma próprio.
 [2]Consideram-se trabalhadores independentes os trabalhadores que exerçam uma actividade por conta própria».
Assim, nos termos da Lei, os trabalhadores que exerçam uma “actividade por conta própria”, portanto sem estarem colocados numa posição de subordinação jurídica, elemento típico e definidor de uma relação de trabalho subordinado, beneficiam do regime de reparação dos acidentes de trabalho, mas para tanto recaindo sobre eles o dever de efectuar um seguro, nos termos a definir em diploma próprio.
Vindo depois o DL 143/99 (RLAT) estabelecer,  no art.º 1, n.º 2 al. b), que “são objecto de regulamentação autónoma os preceitos da mesma lei”, isto é da LAT, referentes a “Trabalhadores independentes (artigo 3.º)”.
 A aludida regulamentação autónoma veio a concretizar-se através do Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio, diploma que, como se lê do respectivo preâmbulo, “(..) visa regulamentar o seguro obrigatório de acidentes de trabalho para os trabalhadores independentes, previsto no artigo 3.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro. Através do seguro de acidentes de trabalho pretende-se garantir aos trabalhadores independentes e respectivos familiares, em caso de acidente de trabalho, indemnizações e prestações em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares”.
                Para consecução desse objectivo estabelecendo o artigo 1.º [Obrigatoriedade de seguro]: [1] “Os trabalhadores independentes são obrigados a efectuar um seguro de acidentes de trabalho que garanta, com as devidas adaptações, as prestações definidas na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, para os trabalhadores por conta de outrem e seus familiares”.
[2] – São dispensados de efectuar este seguro os trabalhadores independentes cuja produção se destine exclusivamente ao consumo ou utilização por si próprio e pelo seu agregado familiar.
   Deste normativo (n.º2) resulta, ainda, estabelecida uma distinção entre trabalhadores independentes cuja produção se destine exclusivamente ao consumo ou utilização por si próprio e pelo agregado familiar e aqueles outros, isto é, os que em regra prestam uma actividade para outrem, embora com ausência de subordinação jurídica, nomeadamente através de contratos de prestação de serviços (cfr. art.º 1152.º do CC). [Nesse sentido, Acórdão de Rel. Coimbra, de 10-02-2005 Serra Leitão, Acidentes de Trabalho, Jurisprudência (2000-2007), Colectânea de Jurisprudência Edições].
Para estes últimos a celebração do contrato de seguro é facultativa, enquanto que para os primeiros é obrigatória, em termos idênticos à obrigação que impende sobre as entidades empregadoras, por força do disposto no Artigo 37.º 1, da LAT.
Num breve parêntesis, não é despiciendo assinalar que o art.º 18.º da Lei n.º 99/2003, que aprovou o CT/03, já acima referido, na previsão de vir a ser aplicado o regime relativo a acidentes de trabalho previsto nos artigos 218.º a 312.º do CT/03 -  o que não chegou a acontecer, mas ocorreria  com a entrada em vigor das normas regulamentares e consequente revogação da Lei 100/97 e do DL 143/99 (art.º 21.º n.º2 al. g) e l) – veio dispor, na linha do art.º 3.º, da LAT, que “Os trabalhadores que exerçam uma actividade por conta própria devem efectuar um seguro que garanta o pagamento das prestações previstas nos artigos indicados no número anterior e respectiva legislação complementar”.
Atento este quadro legal, impõe-se, agora, interpretar os factos provados e apurar se os autores têm ou não direito à reparação dos danos emergentes do acidente que vitimou o sinistrado, nos termos previstos na LAT, por via do disposto no n.º2, do art.º2.º.
Com interesse, nesta parte, relevam os factos que foram assinalados elencados pelo Tribunal a quo  nos termos acima transcritos. Mas para além desses, importa ainda considerar o que resulta do contrato denominado pelas partes de ”Prestação de Serviços”, cujos pontos com interesse para a apreciação do caso transcrevemos e, ainda, os factos nós aditados, sob os n.º 50.º a 52.º. 
Vejamos então.
No que respeita ao contrato, dele resulta expressamente que as partes acordaram a prestação da actividade “sem carácter de exclusividade”. Para além disso, com inteira confirmação nos factos provados, resulta ainda que o sinistrado obrigou-se a prestar à  R. um determinado resultado, em concreto, “realizar relatórios de avaliação, vistoria ou peritagem, que lhe tenham sido dirigidos pela segunda contraente para posteriormente proceder ao seu envio, considerando o prazo previamente estabelecido”, utilizando meios da sua “exclusiva responsabilidade”, e sendo retribuído em função desse resultado, de acordo com valores previamente acordados”, sendo a liquidação “dos honorários (..) efectuada mensalmente pela segunda contraente mediante a apresentação da factura/recibo e respectiva nota de honorários por parte da primeira contraente”.
Acrescendo, como bem entendeu o Tribunal a quo, que para chegar a esse resultado não estava o sinistrado sujeito à autoridade ou direcção da R., nem integrado na sua organização.
Valorando todos os factos, cremos poder afirmar-se com segurança que os factos apontam no sentido de um contrato de prestação de serviços, sendo este, segundo a noção legal, “(..) aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra parte certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” (art.º 1154.º do CC).
Nesse pressuposto, sendo de notar, como se escreve no Acórdão do STJ de 9 de Maio de 2007, “(..) apontando os factos no sentido da existência dum contrato de prestação de serviços (..) não há que fazer apelo à presunção prevista na parte final do n.º3 do art.º 12.º do RLAT – de que os trabalhadores estão na dependência económica da pessoa em proveito da qual prestam serviço” [Proc. 363/07, Maria Laura Leonardo, Acidentes de Trabalho, Jurisprudência (2000-2007), Colectânea de Jurisprudência Edições, p. 176].
Na verdade, sendo a relação jurídica em causa caracterizável como um contrato de prestação de serviços, não pode deixar de se entender que o sinistrado era um trabalhador independente, abrangido pelo art.º 3.º da LAT.
De resto, os factos confirmam-no, pois o sinistrado apresentava declarações de rendimentos do tipo B, exactamente por auferir rendimentos na qualidade de trabalhador independente, o que acontecia desde 2005 (cfr. facto 50), entre eles constando identificado o valor pago pelo Instituto de Gestão Financeira e Infra-Estruturas da Justiça, IP (facto 51).
Por isso mesmo o sinistrado emitia “recibos verdes” (facto 13), e para efeitos fiscais exercia a actividade de “Outras actividades de serviços” – Categorias CAE 96 093” (facto 52). Quanto a este ponto, importa esclarecer que a autoridade tributária apenas se referiu ao período de “2008 -08-06 a 2009-02-16” - precisamente aquele em que durou a relação jurídica com a R.-  porque respondeu literalmente à questão colocada na solicitação dirigida pelo Tribunal a quo,  a qual resultou dos termos em que foi formulado o  requerimento de prova pela R. (fls 252 do processo electrónico). Esclarece-o o ofício dirigido à Autoridade Tributária e Aduaneira, onde consta ter sido solicitada “(..) informação sobre qual a categoria em que se encontrou o visado colectado entre os dias 20 de Junho de 2008 e 13 de Fevereiro de 2009” (a fls. 255 do processo electrónico).
Tenha-se presente que nos termos do CIRS, são rendimentos da “Categoria B”, os empresariais e profissionais (art.º 1.º n.º1), considerando-se como tais, para além de outros, os “auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços (..)” [art.º 3.º n.º1 al. b)].
Por conseguinte, comportando-se o sinistrado perante a Administração Fiscal como trabalhador independente, sobre ele recaía o dever de nessa mesma qualidade celebrar o seguro a que se refere o art.º 3.º da LAT e o art.º 1.º do DL 159/99, para em caso de acidente de trabalho, garantir para si e para os seus familiares, as indemnizações e prestações em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares, nos termos estabelecidos naquele último diploma.
Por tudo isto, não pode acolher-se a decisão recorrida, impondo-se afastar a responsabilidade da R. pela reparação dos danos decorrentes do acidente de trabalho.
Concluindo, procede esta linha de argumentação da recorrente e, logo, deve ser revogada a sentença recorrida.

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            Considerando o disposto no art.º 446.º n.º1 e 2, do CPC, a responsabilidade pelas custas recai sobre os recorrentes, que a elas deram causa, atento o decaimento, embora sem prejuízo de eventual isenção a que haja lugar.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso de apelação, revogando a sentença recorrida e, consequentemente,

Custas pelos recorridos, sem prejuízo de eventual isenção a que haja lugar.
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Lisboa, 21 de Maio  de 2014
               
Jerónimo Freitas
Francisca Mendes
Maria Celina de J. de Nóbrega
Decisão Texto Integral: