Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
293/21.0T8TVD-G.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO (PRESIDENTE)
Descritores: RECURSO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
SUSPEIÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
NORMA
REQUERIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: SUSPEIÇÃO
Decisão: INDEFERIMENTO DO REQUERIMENTO
Sumário: I. A admissão do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos:
a) Ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC);
b) Tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa;
c) A questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e
d) A decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente.
II. Considerando o fundamento de interposição de recurso invocado – fundado no artigo 70.º, n.º 1, al. b) da LOTC – não tendo a recorrente suscitado questão de inconstitucionalidade normativa, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” e não tendo enunciado ao longo do processo – previamente ao que é feito em sede de alegações – quais as dimensões ou interpretações normativas que, tendo sido efetivamente aplicadas, violem os parâmetros constitucionais por si elencados e desenvolvidos, o requerimento deve ser objeto de indeferimento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 293/21.0T8TVD-G.L1
2.ª Secção
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I. Notificada da decisão de 03-06-2025 – que indeferiu a suspeição deduzida e condenou a requerente da suspeição como litigante de má fé, veio a requerente da suspeição, por requerimento apresentado em juízo em 20-06-2025, “nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do art.ºº 70 da LTC, quanto à matéria da Inconstitucionalidade que foi oportunamente arguida, interpôr recurso para o Tribunal Constitucional (…)”, em síntese por considerar que “a decisão é inconstitucional, na medida em que a interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa viola frontalmente o direito do Recusante a um julgamento equitativo e justo, consignado no Artigo 20 da CRP” (cfr. conclusão XX) das alegações de recurso), “Inconstitucionalidade que se invocou no Tribunal Recorrido, a qual não foi atendida” (cfr. conclusão YY) das alegações de recurso), mais considerando que “deve ser declarada a inconstitucionalidade da (…) decisão proferida na interpretação dada ao artigo 120 do CPC em clara violação do direito da Requerida e da menor sua filha de não serem Judicialmente discriminadas em função do género estabelecido no artigo 26 da CRP e ao direito a um julgamento equitativo e justo consignado no Artigo 20 da CRP” (cfr. conclusão ZZ) das alegações de recurso).
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II. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 76.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com última alteração pela Lei Orgânica n.º 1/2022, de 4 de janeiro, abreviadamente LOTC), a apreciação da admissão do respetivo recurso, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão.
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III. Cumpre, pois, decidir da admissão do recurso de inconstitucionalidade ora interposto.
O artigo 70.º, n.º 1, al. b) da LOTC prescreve que, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
De harmonia com o previsto no n.º 2 do artigo 72.º da LOTC, os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LOTC, só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade ou da ilegalidade de nodo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Como ensina Lopes do Rego (Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2011, pp. 97-98), “[a] suscitação processualmente adequada da questão da constitucionalidade implica - no plano formal - o cumprimento pelo interessado de um ónus de clara, precisa e expressa delimitação e especificação do objeto do recurso, envolvendo ainda uma fundamentação, em termos minimamente conclusivos, com indicação das razões porque se considera ser inconstitucional a «norma» que pretende submeter à apreciação do tribunal”.
Ou seja: “se a falta de um requisito formal do requerimento de interposição do recurso era abstratamente suprível através do convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da LTC, o mesmo já não se verifica a respeito dos pressupostos de admissibilidade do recurso, cuja falta dá sempre lugar a uma decisão de não conhecimento deste” (cfr., entre outros, os Acórdãos do T.C. n.º 44/2016 (Pº n.º 601/15) e nº 429/2018 (Pº n.º 768/18) ).
O recurso de inconstitucionalidade deve ser interposto no prazo de 10 dias (cfr. artigo 75.º, n.º 1, da LOTC) e é restrito à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada (cfr. artigo 71.º da LOTC).
Estabelece o artigo 75.º-A da LOTC que:
“1 - O recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie.
2 - Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade.
3 - No caso dos recursos previstos nas alíneas g) e h) do artigo 70.º, no requerimento deve identificar-se também a decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional ou ilegal a norma aplicada pela decisão recorrida.
4 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, ao recurso previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º
5 - Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias.
6 - O disposto nos números anteriores é aplicável pelo relator no Tribunal Constitucional, quando o juiz ou o relator que admitiu o recurso de constitucionalidade não tiver feito o convite referido no n.º 5.
7 - Se o requerente não responder ao convite efetuado pelo relator no Tribunal Constitucional, o recurso é logo julgado deserto.”
Conforme salienta Lopes do Rego (Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2011, pp. 215-217) “é evidente que só tem lugar a formulação de convite ao aperfeiçoamento quando hajam sido omitidos certos elementos formais, impostos pelo artigo 75.º-A: uma errada indicação desses elementos levará naturalmente à liminar rejeição do recurso por inverificação dos seus pressupostos, face ao teor do próprio requerimento do recorrente”.
Por sua vez, prescreve o artigo 76.º da LOTC que:
“1 - Compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respetivo recurso.
2 - O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando não satisfaça os requisitos do artigo 75.º-A, mesmo após o suprimento previsto no seu n.º 5, quando a decisão o não admita, quando o recurso haja sido interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, quando forem manifestamente infundados.
3 - A decisão que admita o recurso ou lhe determine o efeito não vincula o Tribunal Constitucional e as partes só podem impugná-la nas suas alegações.
4 - Do despacho que indefira o requerimento de interposição do recurso ou retenha a sua subida cabe reclamação para o Tribunal Constitucional”.
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IV. Ora, a requerente da suspeição, nas alegações de recurso que acompanham o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, não apresenta um requerimento de interposição de recurso nos moldes exigidos pela LOTC, de acordo com a jurisprudência deste tribunal, em termos de nele se verificarem todos os pressupostos de admissibilidade do recurso.
De facto, conforme tem sido assinalado, de forma pacífica na jurisprudência do Tribunal Constitucional – cfr., entre outros, os Acórdãos do TC n.ºs. 730/2020 (Pº n.º 1199/2019), 647/2020 (Pº n.º 521/2020) - “a admissão do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente”.
Nas alegações do recurso que ora apresenta, a requerente da suspeição descreve a tramitação do processo – em moldes muito semelhantes aos que constam do requerimento de suspeição -, os argumentos de facto e de direito por si esgrimidos para sustentar a sua pretensão, imputando, em termos genéricos, inconstitucionalidade à decisão proferida em 03-06-2025.
Defende a recorrente que “deve ser declarada a inconstitucionalidade da (…) decisão proferida na interpretação dada ao artigo 120 do CPC em clara violação do direito da Requerida e da menor sua filha de não serem Judicialmente discriminadas em função do género estabelecido no artigo 26 da CRP e ao direito a um julgamento equitativo e justo consignado no Artigo 26 da CRP”.
Sucede que, considerando o fundamento de interposição de recurso invocado – fundado no artigo 70.º, n.º 1, al. b) da LOTC – não se afigura que, ao longo do presente processo, a recorrente tenha suscitado questão de inconstitucionalidade normativa, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
As únicas referências que a ora recorrente efetua, a contrariedades com a Constituição, constam do requerimento apresentado em 02-06-2025, nos termos que a seguir se transcrevem:
“(…) 1° Prova de que a Recusante não litiga de má-fé e não pretende protelar o processo é que respondeu logo de imediato quando foi notificada pelo Tribunal de Torres Vedras, de modo a que o pedido de recusa fosse apreciado com a maior brevidade.
2° Requerimento que se anexa como Documento 1 e que aqui se considera integralmente reproduzido.
3° Sendo face à matéria ali alegada e no pedido de Recusa inconstitucional qualquer decisão que mantenha o Mm° Juiz recusado no processo.
4° Pois o mesmo afirma que nos últimos 4 anos terá tido 5_incidentes de suspeição (sem contar com o presente) dos quais três foram Arquivados e os dois últimos não chegaram a ser apreciados por ter mudado de Tribunal.
5° Todos esses incidentes foram instaurados enquanto Juiz no Tribunal de Família e Menores.
6° Sendo todos eles instaurados por mães que se sentiram lesadas com a actuação do Mm° Juiz recusado.
7° Prova que se requereu.
8° E que a ficar demonstrado violaria o Direito da Recusante, não só enquanto mãe, mas traduziria uma discriminação em função do sexo, enquanto mulher.
9° Constitui um princípio fundamental da Constituição da República Portuguesa e estruturante do Estado de direito democrático, a não-discriminação em função do sexo ou da orientação sexual, devendo como tal ser obrigatoriamente arrogada por todos e considerada em todos os domínios da tomada de decisão pública e política.
10° Dispõe o n° 1 do art° 26 da CRP que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
11° Qualquer discriminação em função do género é nessa consequência violadora do estabelecido na constituição.
(…)
24° Por outro lado, vem o Mm° Juiz Recusado afirmar como se tal constituísse um feito merecedor de medalha que em 12 anos de tramitação de processos teve apenas deduzidos contra si cinco incidentes de suspeição, todos eles no Tribunal de Família e nos últimos quatro anos.
25° Quer isto dizer que nos últimos quatro anos e com o presente incidente já teve seis incidentes de suspeição todos em Família e Menores o que dá uma média de 1,5 incidentes por ano.
26° Indiciando que talvez as teorias que sejam aplicadas não sejam as mais corretas e aplicáveis em Família e Menores.
27° Que três foram julgados improcedentes e dois não chegaram a ser apreciados por entretanto ter mudado de Tribunal, mas apesar de tudo a mudança ocorreu igualmente para um Tribunal de Família e Menores o que é esclarecedor.
28° Importando, no entanto, verificar se todos esses incidentes foram instaurados por mães, como ao que parece tudo indicará.
29° O que colocaria a situação num patamar muito mais elevado de clara discriminação em função do sexo, que para além de ilegal e inconstitucional e viola os princípios basilares dos Direito das mulheres e dos Direitos humanos.
30° Motivo pelo qual desde já se solicita como elemento de prova para o incidente de má-fé levantado que se verifique se os referidos incidentes foram levantados por mães, tirando-se daí as devidas ilações (…)”.
Importa sublinhar que o referido requerimento de 02-06-2025 foi apresentado pela requerente da suspeição, em sede do exercício do contraditório - que lhe foi proporcionado – face à questão da litigância de má fé da sua parte, suscitada pelo juiz visado.
E, quanto a essa questão e quanto ao mérito, foi decidido que, de acordo com os elementos constantes dos autos, não se justificavam outras diligências, que não eram pertinentes ou necessárias.
Especificamente, a este propósito, referiu-se na decisão de 03-06-2025 que, para a apreciação da litigância de má fé não relevava “a decisão tomada a respeito de outros processos a cargo do Sr. Juiz de Direito onde tal incidente tenha sido suscitado ou o que sucedeu no âmbito de outro processo onde teve intervenção o Sr. Advogado da requerente, razão pela qual, igualmente, se considera impertinente a diligência requerida no ponto 47.º do “segundo” segmento do requerimento apresentado pela requerente da suspeição em 02-06-2025; não relevando, também, para a apreciação da questão atinente à litigância de má fé da requerente da suspeição as considerações expendidas por esta, no referido requerimento, a respeito da “inconstitucionalidade” da decisão que mantenha o juiz “recusado”, bem como, as invocadas “discriminação em razão do género” ou do “sexo” (…), que não atinam com o objeto do incidente de litigância de má fé, respeitante à apreciação da conduta da requerente – e, não, como é claro – da tomada pelo juiz do processo)”.
Vê-se, pois, que nenhuma questão de inconstitucionalidade, relevante para o curso dos autos e, em particular, para o objeto da decisão da questão de litigância de má fé da requerente da suspeição, foi suscitada por esta.
Para além disto, também não foram enunciadas ao longo do processo – previamente ao que a recorrente procura fazer em sede de alegações do presente recurso – quais as dimensões ou interpretações normativas que, tendo sido efetivamente aplicadas pelo signatário, violem os parâmetros constitucionais por si elencados e desenvolvidos.
Assim, falta natureza normativa ao objeto do recurso, sendo certo que, a referência singela a uma expressão de “inconstitucionalidade” da decisão (e não, de qualquer interpretação ou aplicação normativa efetuada na decisão proferida) ou a alusão a “discriminação” da situação que se verificasse na aferição de outros incidentes de suspeição (não efetuada, por impertinente), não é suficiente para conferir natureza normativa às pretensas questões de constitucionalidade suscitadas.
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V. Pelo exposto e de harmonia com os fundamentos acima constantes, não se admite o recurso interposto pela requerente para o Tribunal Constitucional.
Notifique.

Lisboa, 07-07-2025,
Carlos Castelo Branco.