Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOSÉ MACHADO | ||
Descritores: | VIOLAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA ARTIGO 194.º N.º 3 DO CÓDIGO PENAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/27/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSOS PENAIS | ||
Decisão: | PROCEDENTES | ||
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Sumário: | O objecto da acção descrita no tipo incriminador contido no n.º 3 do artigo 194.º do Código Penal é o mesmo que o objecto dos tipos incriminadores constantes dos n.ºs 1 e 2 desse mesmo preceito. É uma encomenda, uma carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e não seja dirigido ao agente ou o conteúdo de uma telecomunicação a que o agente não tenha legalmente direito de aceder. A junção de um escrito contido numa carta que já tinha sido aberta e cujo conteúdo já tinha sido divulgado anteriormente em outros processos judiciais não consubstancia a prática do crime tipificado no n.º 3 do artigo 194.º do Código Penal por não existir nesse comportamento qualquer violação do sigilo da correspondência, que é o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. Na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público após o encerramento do inquérito instaurado na sequência de uma queixa contra A e B, melhor identificados nos autos, veio a assistente C requerer a abertura de instrução, com vista a obter a pronúncia daqueles, pela prática de um crime de violação de correspondência p. e p. pelo artigo 194.º, n.º3 do Código Penal, pelos factos que lhes imputa e descreve no requerimento de abertura da instrução. 2. Uma vez realizada a instrução foi proferida decisão instrutória de pronúncia de ambos os arguidos pelos factos e disposições legais constantes do requerimento de abertura da instrução, nos termos do artigo 307.º, n.º 1, segunda parte, do Código de Processo Penal. 3. Os arguidos interpuseram, em separado, recurso da decisão nos termos constantes da respectiva motivação junta aos autos, da qual extraem as seguintes conclusões: 3.1. Conclusões do recorrente A (transcrição) a) Vem o presente recurso interposto da decisão instrutória que pronunciou o arguido pela prática de um crime de violação de correspondência, p. p. pelo artigo 194.º/3 do CPP. b) Reproduzimos hic et nunc toda a motivação do recurso interposto pelo arguido Dr. B na parte em que se aplicar. c) Como bem fundamentou o MP no despacho de arquivamento, “...a privacidade da queixosa, depois de em múltiplos ações que a opõem ao irmão, e vice-versa, ter sido já exposto o documento, no que à divulgação do extrato em causa diz respeito – tendo inclusive o aqui arguido sido condenado pelo acesso à carta e pela primeira divulgação do conteúdo da mesma, o extrato bancário em causa - reporta-se agora a factos que, no contexto específico em que o extrato tem vindo depois a ser usado - no estrito âmbito de processos judiciais, cíveis, comerciais e criminais.” d) “E uma vez que o conteúdo em causa deixou de ser privado, entendemos: que o denunciado não cometeu o crime que a queixosa pretende imputar-lhe pois não agiu de modo a ofender o bem jurídico protegido pela incriminação: a privacidade. O conteúdo deixou de ser privado há muito tempo.” e) “Nem sequer foi publicamente divulgado, antes e apenas usado para fazer prova do que o aqui arguido entende ser uma apropriação ilegítima de determinada quantia de dinheiro pertencente à herança que é de ambos, ou a determinada sociedade que faz parte da referida herança materna de ambos.” f) “A privacidade não pode servir de escudo para ocultar a prática de eventuais crimes, ao menos no entendimento do aqui denunciado, que suspeita de que a aqui denunciante se apropriou ilegitimamente de dinheiro da herança.” g) A tutela concedida pelo artigo 194.º n.º 3 do Código Penal, não abrange - não pode -, as situações em que o objeto de ação, ou seja, o conteúdo (e denunciar judicialmente não é o mesmo que divulgar) revele a prática de crimes graves, como é o caso dos crimes de abuso de confiança qualificado, fraude fiscal qualificada, falsificação de documento e branqueamento de capitais e, eventualmente, associação criminosa. h) A correspondência, uma vez aberta, e divulgado seu conteúdo, deixa de ser protegida ou incluída no artigo194.º n.º 3 do Código Penal, ou seja, a sua divulgação num processo judicial, ou até fora dele, deixa de ter relevância penal, posto que se trata de meros documentos cujo valor probatório é livremente apreciado pelo tribunal. i) É inconstitucional, por violar o princípio da legalidade penal, previsto no artigo 29.º n.º 1 da Constituição, a norma constante no artigo 194.º n.º 3 do Código Penal na interpretação de que constitui objeto da ação a junção pelo advogado da parte de uma cópia de correspondência da contraparte já aberta e divulgada anteriormente por outro advogado e noutros processos judiciais. j) Ressalta à saciedade que a junção de tais documentos/extratos no mencionado processo judicial teve a finalidade de provar o surgimento da alegada, mas, claramente, injustificada, aliás, ilícito-penal fortuna da senhora assistente C, salientando-se que só naqueles extratos evidenciada está a existência de, para quem não trabalha, uma absurdamente elevada quantia superior a 400.000,00€ num banco no Luxemburgo. k) É inconstitucional, por violar os princípio do Estado de Direito e o de acesso à tutela jurisdicional efetiva e pronta, consignados nos artigos 18.º n.º 1 e 20.º n.º 1 e 4 da Constituição a norma extraída da conjugação do disposto no artigo 31.º n.º 1 alíneas b) e c) e artigo 194.º n.º 3 do Código Penal, na interpretação de que constitui crime a conduta do agente que, para prova de crimes praticados por outro, apresenta em processo judicial cópia de um requerimento, apresentado muito antes, por outro advogado e noutros processos, no qual se incluem extratos bancários do visado. l) O autor de factos ilícitos, em especial se incorrer na eventual prática de crime, não pode esperar cobertura do Direito emanado do citado dispositivo legal, o qual tem em vista -e tão só - as situações - e não podem ser outras - em que o conteúdo protegido não indicia qualquer ilícito assim se inserindo na legítima esfera jurídica privada do protegido, ou seja, quem comete fatos ilícitos graves não pode reivindicar a mesma tutela de quem se conforma com o ordenamento jurídico. m) Ademais, a correspondência, evidenciando a origem e detenção de dinheiros ilícitos, em montantes elevados, não integra o núcleo restrito rectius área nuclear, inviolável e intangível da vida íntima (que, como demonstramos ab ovo não é o mesmo que privacidade e não está aqui em causa), consagrado no artigo 32.º n.º 8 da Constituição. n) Ainda assim, o direito à privacidade não é um valor absoluto, no confronto com a necessidade de restabelecimento da paz jurídica derivada da prática de crimes graves, ficando, consequentemente, exposta à devassa e inerente investigação processual, na constelação do artigo 18.º n.º 2 da Constituição, o) “A protecção da palavra (por maioria de razão a proteção de correspondência) que consubstancia práticas criminosas ou da imagem que as retrata têm de ceder perante o interesse de protecção da vítima e a eficiência da justiça penal: A proteção acaba quando aquilo que se protege constitui a prática de um crime.” - Ac. do STJ de 28.09.2011. p) É inconstitucional, por violar os princípio do Estado de Direito e o de acesso à tutela jurisdicional efetiva e pronta, consignados nos artigos 18.º n.º 1 e 20.º n.º 1 e 4 da Constituição, a norma extraída da conjugação do disposto nos artigo 34.º e 194.º n.º 3 do Código Penal, na interpretação de que não constitui estado de necessidade probatório a conduta do agente que, para prova de ter sido vítima do crime de abuso de confiança agravado, junta em processo judicial cópia de um requerimento, apresentado muito antes, por outro advogado e noutros processos, no qual se incluem extratos bancários do visado e presumível autor do referido crime de abuso de confiança agravado. q) Tal como concluiu o MP, inexistem indícios suficientes para se extrair que é mais provável a condenação do arguido do que a sua absolvição, pelo que não deve ser pronunciado. r) Para dizer ainda que são verdadeiros os números constantes no quadro resumo apresentado pelo Dr. B que demonstra que os valores constantes no extrato em causa, são uma muito pequena parcela do total do roubo que se vem consumando desde há 20 anos a esta parte e que ascendem nesta data ao valor apurado de €14.500.000,00. s) Não se compreende, nesta data, a liberdade da senhora assistente, como não se compreende a existência deste processo muito menos se percebe o despacho de pronúncia. t) A concluir para invocar que, na sequência da publicidade do processo 5390/17 e subsequente autorização do JIC, os referidos extratos – e muitos, mesmo muitos, outros - são de tal forma públicos que estão na posse de vários jornalistas que já publicaram um trabalho sobre o caso (Revista Visão) e há um canal de televisão que se prepara para noticiar o caso minuciosamente, dada a perplexidade de como é que a senhora sem trabalhar há mais de 20 anos conseguiu dar semelhante golpe e ainda não ter prestado contas à justiça, tratando-se, pois, de uma questão de extrema relevância social o estudo e conhecimento dos contornos de como é que é possível isto acontecer no século XXI. 3.1. Conclusões do recorrente B (transcrição) a) Vem o presente recurso interposto da decisão instrutória que, ao contrário do MP, decidiu pronunciar o arguido pela prática de um crime de violação de correspondência p. p. pelo artigo 194.º/3 do Código Penal. b) Desde logo, para sublinhar que a vítima aqui é o arguido e a Sociedade e não a assistente que nos últimos 19 anos mais não fez do que enveredar por uma carreira criminosa muito triunfante, onde, abusando do cargo de cabeça-de-casal, que a lei lhe deferiu e lesando o arguido/recorrente A e o Estado, se apropriou de um valor superior a 14.000.000,00€ (catorze milhões de euros), não pagou impostos, branqueou tais quantias em vários bancos e em forjadas ou falsas compras judiciais e, pelo caminho, burlou tribunais e corrompeu agentes de execução. c) Isto é tanto assim que o processo 5390/17 onde a assistente está a ser investigada por tais crimes conta já mais de 40 volumes e 25 000 páginas e anexos e o senhor JIC, que não tem mãos a medir, perde-se na imensidão de trabalho do seu juízo, sendo esta a única razão, estamos em crer, porque a senhora ainda está em liberdade e continua usando os ardis judiciais – como o dos autos - para entorpecer e inviabilizar a ação desta justiça que, para desespero das vítimas e incredulidade e descrença da Sociedade, tarda a ser feita. d) Note-se ainda que tais extratos estão juntos pelo próprio Banco no processo 5390/17 na sequências das diligências de instrução ordenadas pelo juiz de instrução, constando ainda um documento elaborado a punho da própria assistente onde esta se vangloria dos fartos proveito da atividade criminosa, informando o Banco que era dona de um património avaliado em €9.000.000,00 sendo €2.000.000,00 em dinheiro vivo, não declarando, porém, a proveniência criminosa do dinheiro. e) Dito isto, a correspondência, em especial se já aberta e divulgada, não goza de tutela penal de confidencialidade quando evidencia que a titular praticou crimes graves contra o património do irmão ou de outrem e do Estado. Ou seja, f) E em concreto, a correspondência não goza de qualquer tutela penal, quando prova que o dinheiro escriturado e escondido num banco no estrangeiro é produto de um crime punido com pena de prisão de média gravidade e vitimou o agente do facto. g) Não há tutela penal sempre que a correspondência evidencie a prática de um ilícito penal, i. é., qualquer crime, em especial se de certa gravidade h) Ao juntar a cópia do requerimento contendo os referidos extratos, ao contrário do que inferiu o tribunal a quo, pretendeu-se evidenciar os graves crimes cometidos pela assistente e que são o abuso de confiança que é punido com 8 anos de prisão, o branqueamento que é punido com 12 anos de prisão, a burla que é punida com 8 anos, a fraude fiscal qualificada que é punida com 8 anos de prisão, o peculato que é punido com 8 anos de prisão. i) O arguido B anda a ser roubado há vinte anos e as instituições formais de controlo perdem-se nas acrobacias ou trapaças judiciais da assistente que com o produto dos crimes financia a dita nata para que nada lhe suceda. j) É notório tribunal a quo confundiu os conceitos intimidade e privacidade, posto que a junção de cópias de extratos das contas bancárias de um suposto ou alegado criminoso num processo judicial e exclusivamente para fins judiciais, designadamente para prevenir a consumação da burla ao tribunal e, consequente, branqueamento de capitais, não representa violação de nenhum deles. k) Naturalmente que ter dinheiro não é crime, mas já o é - e de certa gravidade (média/alta criminalidade) - se se tratar de proveniência criminosa, caso em que cessa a proteção do direito à privacidade por não se tratar de um direito ou bem lícito. l) É inquestionável o interesse público do Estado e da vítima de perseguir o crime e o criminoso e, como tal, o direito à privacidade cede na medida do necessário à realização do referido interesse público de descoberta do crime e seus autores. m) A sociedade, dita de direito, não pode deixar de perseguir o crime, ainda que a pretexto de um direito à privacidade do criminoso, ou seja, o direito à privacidade do alegado criminoso não se ergue como barreira intransponível à perseguição do crime e do criminoso seja ela encetada pela vítima seja ela prosseguida pelo Estado. n) O arguido, Dr. B, é Advogado e agiu no exercício da profissão e por causa dela e que, por isso mesmo, não cometeu o ilícito que lhe é imputado. o) Deste modo, não se compreende a completa ausência de fundamentação quanto a essa qualidade e inerentes garantias de imunidade, fazendo a decisão recorrida letra morta, desde logo, do disposto nos artigos 208.º da CRP e artigo 12.º n.ºs 1, 2 e 3 da LOSJ. p) Direito e crime, são antítese, ou seja, onde existe direito ou, por maioria de razão, dever, não existe crime, nos termos do artigo 31.º n.º 1 alíneas b) e c) do Código Penal e certo é que o arguido agiu no caso dos autos, no cumprimento de um direito-dever que por lei e pelo estatuto lhe são impostos como flui sem escombros do disposto no artigo 66.º n.º 3, 88.º n.º 1, 89.º, 90.º n.ºs 1 e 2 alínea f) e 97.º n.º 2 do EOA q) A que se soma que a tutela penal oferecida pelo artigo 194.º n.º 3 do Código Penal não abrange os documentos que constituem a prova da prática de graves crimes contra o património, o erário público, a boa administração da justiça; r) Designadamente os crimes de abuso de confiança agravado, burla qualificada, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e falsificação de documentos, até porque, quanto mais não fosse, se o direito penal protege bens jurídico-penais, nestes não se incluem ou não se podem incluir o teor dos documentos probatórios de tais graves crimes. s) A conduta imputada ao arguido é ainda e outrossim atípica, designadamente porque o conteúdo dos extratos bancários que deram azo à presente acusação há muito que, como notou muito bem o MP, está divulgado em vários processos judiciais, não gozando assim mais da tutela penal. t) Insista-se: a correspondência, uma vez aberta, e divulgado seu conteúdo, deixa de ser protegida ou incluída no artigo 194.º n.º 3 do Código Penal, ou seja, a sua divulgação num processo judicial, ou até fora dele, deixa de ter relevância penal, posto que se trata de meros documentos cujo valor probatório é livremente apreciado pelo tribunal. u) Além de que o que o arguido fez – no exercício simultâneo de um direito e de um dever legalmente imposto – foi juntar nos processos mencionados na acusação «particular» para a qual remete a decisão instrutória, cópia de um requerimento apresentado por outro advogado que justamente dava – e bem, a nosso ver – à estampa os documentos que consubstanciam extratos bancários que fazem fundadamente crer na verificação daqueles crimes. v) Ademais, como a aplicação duma sanção penal exige a prova da prática do ilícito imputado ao arguido a proibição e punição de uso de correspondência pela vítima do crime nos termos que pretende a assistente leva à impunidade desta o que conduz a um resultado absurdo de que nem Kafka se ousou a esboçar. w) É inconstitucional, por violar o princípio da legalidade penal, previsto no artigo 29.º n.º 1 da Constituição, a norma constante no artigo 194.º n.º 3 do Código Penal na interpretação de que constitui objeto da ação a junção pelo advogado da parte de uma cópia de correspondência da contraparte já aberta e divulgada anteriormente por outro advogado e noutros processos judiciais. x) O arguido, limitou-se, ao abrigo e no cumprimento do dever imposto pela sua qualidade de advogado a juntar cópia de um requerimento que havia sido junto por um outro colega, num outro processo (960/05) a 05.04.2013, no qual inter alia estão juntas cópias dos extratos – que tanto atormentam a assistente – mas que também narra e com notável concisão, diga-se, a necessidade de ali juntar tais documentos. y) Desde logo, para infirmar a justificação que a assistente até então apresentava para o sumiço do dinheiro de que se perdera na atividade da sociedade ou que se tratava de fortuna pessoal, afirmação esta, porém, já no desnorte do seu mandatário, agora que se apercebe que a contagem decrescente para a responsabilização criminal da assistente e demais coautores e cúmplices está em fase acelerada. z) Mas e também, como já alegado, a conduta imputada ao arguido não constitui crime, visto que a mesma é, desde logo, imunizada pelos citados artigos 208.º da CRP e artigo 12.º n.ºs 1, 2 e 3 da LOSJ. aa) Como resulta clarividente no caso sub judice, o objetivo da senhora assistente C com a presente acusação é limitar, coagir e constringir o livre exercício do mandato forense pelo arguido de modo a que a sua grave conduta passe impune e, assim, continuar a usufruir em conjunto com a sua família os elevados proveitos que tão indesejada atuação lhe proporcionou e ainda proporciona, ignorando que no fim das contas o crime não compensa. bb) E, dessarte, caso típico desse sacrifício é quando a tutela do direito à proteção da correspondência de alguns dos sujeitos processuais põe em risco o núcleo do direito à liberdade de acção do Advogado e faz perigar, por isso, de forma intolerável, a função pública que dele depende – a administração da justiça. cc) É inconstitucional, por violar as garantias de imunidade do advogado, consignadas no artigo 208.º da Constituição a norma extraída dos artigos artigo 66.º n.º 3, 88.º n.º 1, 89.º, 90.º n.º 1 e 2 alínea f) e 97.º n.º 2 do EOA e artigo 12.º n.º 1, 2 e 3 da LOSJ, na interpretação de que comete o crime de violação de correspondência pp pelo artigo 194.º n.º 3 do Código Penal, o advogado que junta a processo judicial cópia de um requerimento elaborado anteriormente por outro advogado ao qual estava apenso cópias de extratos bancários da contraparte e que lhe foi entregue pelo constituinte para prova de ter sido vítima de crime de abuso de confiança. dd) Num quadro de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado na Constituição (art.º 20.º n.º 1, 4 e 5), aliado ao dever de cidadania (acrescido para o advogado, por ser essencial à administração da justiça, cfr. artigo 208.º da CRP) de denúncia de situações de crime e evasão fiscal não se vê como pode um advogado ser censurado por alegar e documentar em tribunais (não foi na praça pública) tal monumental incremento patrimonial à custa do total empobrecimento do seu cliente e lesão da receita fiscal. ee) É inconstitucional, por violar os princípio do Estado de Direito e o de acesso à tutela jurisdicional efetiva e pronta, consignados nos artigos 18.º n.º 1 e 20.º n.ºs 1 e 4 da Constituição a norma extraída da conjugação do disposto no artigo 31.º n.º 1 alíneas b) e c) e artigo 194.º n.º 3 do Código Penal, na interpretação de que constitui crime a conduta do agente que, para prova de crimes praticados por outro, apresenta em processo judicial cópia de um requerimento, apresentado muito antes, por outro advogado e noutros processos, no qual se incluem extratos bancários do visado. ff) A conduta imputada ao arguido, Dr. B, é imposta ou autorizada pelos artigos 88.º, 89.º, 90.º/1 e 97.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, assim como pelo artigo 208.º in fine da Constituição e, como tal, não constitui crime algum, nos termos até do artigo 31.º/1 e 2 alíneas b) e c) do Código Penal. gg) Destarte, a tutela concedida pelo artigo 194.º n.º 3 do Código Penal, não abrange - não pode -, as situações em que o objeto de ação, ou seja, o conteúdo (e denunciar judicialmente não é o mesmo que divulgar) revele a prática de crimes graves, como é o caso dos crimes de abuso de confiança qualificado, fraude fiscal qualificada, falsificação de documento e branqueamento de capitais e, eventualmente, associação criminosa. hh) Com efeito, é um absurdo jurídico-penal conceder a alguém o inalienável direito de queixa e de acesso aos tribunais e no mesmo passo condená-lo por utilizar provas que a elas teve acesso de modo fortuito, ou ainda que não o fosse, mas essenciais ou até meramente indiciadoras de estar a ser vítima de um ilícito criminal muito grave, dadas as severas repercussões que tem na sua vida - ninguém ousará duvidar que a conduta da assistente é suficientemente grave, ou melhor, gravíssima! ii) A cópia de correspondência, evidenciando a origem e detenção de dinheiros ilícitos, em montantes elevados, não integra o núcleo restrito rectius área nuclear, inviolável e intangível da vida intima (que, como demonstramos ab ovo não é o mesmo que privacidade e não está aqui em causa), consagrado no artigo 32.º n.º 8 da Constituição e que, ainda assim, não é um valor absoluto, no confronto com a necessidade de restabelecimento da paz jurídica derivada da prática de crimes graves, ficando, consequentemente, exposta à devassa e inerente investigação processual, na constelação do artigo 18.º n.º 2 da Constituição. jj) A assim se não entender (que os documentos abertos e divulgados em vários processos judiciais, inclusive por outros advogados que estranhamente - ou não - não foram perseguidos pela assistente, continuam dignos de tutela penal), verdade é que o uso dos referidos documentos pelos arguidos deve ser valorado tendo em conta, nomeadamente: a gravidade dos crimes em questão, i. e., imputados à assistente; a sua natureza e relação com os bens jurídicos em causa (provam que o dinheiro que a irmã lhe roubou estão em várias contas no estrangeiro; a possibilidade de continuação da actividade criminosa é muito grande; e o interesse na protecção da vítima. kk)E, para além disso, a devassa será mesmo legítima em nome da necessidade de acesso à conduta, quando, para mais, o acesso e o conhecimento se tornam fundamentais (estado de necessidade probatório) para provar vários e graves crime, recordando hic et nunc que a assistente forjou extratos contabilísticos na sociedade e, com base neles, imputou ao coarguido a prática de ilícitos criminais quando quem ficou, e, aliás, surge com o dinheiro é ela a assistente ao passo que o seu irmão (o aqui coarguido) está sem casa, sem salário, passa fome, já não compra uma peça de roupa há vários anos e não tem assistência médica por falta de dinheiro. ll) Citando Paulo Pinto de Albuquerque “Os particulares podem, em estado de necessidade, devassar a privacidade de terceiros com vista a obter provas para efeitos judiciais e, designadamente, criminais…” in Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora. mm) É inconstitucional, por violar os princípio do Estado de Direito e o de acesso à tutela jurisdicional efetiva e pronta, consignados nos artigos 18.º n.º 1 e 20.º n.º 1 e 4 da Constituição, a norma extraída da conjugação do disposto nos artigo 34.º e 194.º n.º 3 do Código Penal, na interpretação de que não constitui estado de necessidade probatório a conduta do agente que, para prova de ter sido vítima do crime de abuso de confiança agravado, junta em processo judicial cópia de um requerimento, apresentado muito antes, por outro advogado e noutros processos, no qual se incluem extratos bancários do visado e presumível autor do referido crime de abuso de confiança agravado. nn) Aqui chegados, para alegar que a instrução requerida contra o arguido ora recorrente, é inadmissível, pois o certo é que o recorrente não foi ouvido quer no inquérito quer na instrução. oo) Mais grave, o arguido não foi notificado nos termos e para os efeitos de exercer o contraditório quer quanto ao requerimento de instrução quer quanto aos actos de instrução, designadamente a inquirição da assistente e do seu marido (coautor nos imensos crimes praticados). pp) A assistente requereu abertura de instrução e, em paralelo, deduziu uma insólita acusação, lendo-se a fls. 513 do processo que “Assim, a Assistente deduz ACUSAÇÃO contra ambos os arguidos”, seguindo-se depois a enunciação dos fatos que acha suficientemente indiciados. qq) Mas o crime pelo qual o arguido vem pronunciado trata-se de um crime semipúblico e, como tal, só o MP tem legitimidade para acusar e o assistente, se discordar da decisão daquele, tem duas opções vinculadas: ou deduz reclamação de intervenção hierárquica, como devia ter feito, ou requer a abertura de instrução. rr) O que não pode é deduzir acusação particular, ainda que o não refira expressamente, pois, na ausência de uma acusação pública a acusação deduzida pelo assistente será sempre particular e certo é que por este crime o assistente não tem legitimidade para deduzir acusação sempre que o MP não o faça. ss) Sublinha-se ainda que no caso sub judice, no requerimento de abertura de instrução a assistente limita-se a censurar o MP, mas não indica factualidade que infirmem os fundamentos invocados no despacho de arquivamento. tt) E depois, a dita acusação, sendo, de todo em todo, inadmissível, é nitidamente manca, na medida em que a factualidade ali alegada não preenche os elementos do tipo, pelos quais a assistente acusa os arguidos e, como tal, nunca podem ser pronunciados. uu) A assistente fez uma coisa inédita e completamente inadmissível que é requerer a abertura de instrução onde desancou no despacho de arquivamento, mas certo é que após isso não indica, no requerimento de abertura de instrução, a factualidade e meios de prova existente nos autos que impunham decisão diversa e pela qual os arguidos devam ser pronunciados. vv) Decorre que nos termos do artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal, o requerimento para abertura de instrução deve ser rejeitado por inadmissibilidade legal da instrução e esta só é legalmente admissível quando aquele requerimento obedece aos requisitos previstos no nº 2 do artigo 287º do Código de Processo Penal. ww) De resto quanto à factualidade constante nas peças processuais o requerimento de abertura de instrução é ininteligível por não indicar qual a conduta que em concreto a assistente imputa aos arguidos. xx) No requerimento de abertura de instrução a assistente não indica os elementos típicos do crime que imputa ao arguido, limitando-se a no início do RAI elencar situações de facto para assentar o seu dissídio quanto ao arquivamento dos autos, mas depois disso remete para a acusação que deduziu em separado que não é admissível. yy) Sem conceder sempre se alega que o despacho de pronúncia, ao remeter para aquelas peças processuais (requerimento de abertura de instrução + acusação), padece de nulidade insuprível pois nelas não vêm narrados, numa sequência lógica e compreensível (só assim os arguidos se podem defender) factos subsumíveis a uma conduta penalmente relevante. zz) Uma coisa é alegar factos desconchavados para criticar a decisão do MP arquivar o processo, e outra, bem diferente, é narrar, ainda que de forma sintética, os factos que se subsumam a uma conduta penalmente relevante pela qual se pretendem que o arguido seja pronunciado. aaa) Só os factos integradores de uma conduta penalmente relevante passarão a constituir a vinculação temática e, para esta estar suficientemente preenchida, necessita de estar narrada no requerimento de abertura de instrução de forma a que seja inteligível a qualquer leigo bbb) Acompanhando o acórdão da RC de 21.01.2015, a nulidade quando referida a uma acusação ou ao despacho de pronúncia, – por omissão dos factos imputados ao arguido, pelos quais deverá responder em julgamento - é considerada insanável, tendo em vista a lógica do sistema e, de facto, se a falta de narração dos factos na acusação pode ser conhecida oficiosamente, levando à rejeição desta como manifestamente infundada [artigo 311.º, n.º3, alínea b)], não faria sentido que a falta de factos no despacho de pronúncia não pudesse ser objecto do mesmo tipo de conhecimento em sede de recurso. ccc) E não pode a decisão instrutória, corrigir ou completar as deficiências do requerimento de abertura de instrução, pois isso subverte as finalidades da instrução e o papel do juiz de instrução, pelo que se impõe o despacho de não pronúncia. ddd) Para lembrar que Onde não há contraditório não há processo» e «Onde não há processo não há jurisdição». Assim, neste conspecto, eee) O arguido não foi notificado do despacho de arquivamento; O arguido não foi notificado do requerimento de abertura de instrução; O arguido não foi notificado do despacho de rejeição por inadmissibilidade legal da instrução; O arguido não foi notificado do requerimento de interposição do recurso da assistente; O arguido não foi notificado do despacho de reparação do despacho que rejeitou a abertura de instrução; O arguido não foi notificado do despacho que designou a abertura de instrução e de quais as suas finalidades. fff) O arguido foi constituído a destempo, já no fim da carruagem, nesta qualidade sem que tivesse sido indicado por que motivos apenas recebendo do agente policial a indicação do número do processo. ggg) No caso em apreço, a omissão das notificações e dos meios de prova nela enunciados, impediu o arguido de conhecer cabalmente os fundamentos (que vieram a ser acolhidos nas decisões recorridas), não lhe sendo dada a oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos ou de requerer a produção dos meios de prova suplementares, consubstanciando, assim, violação do princípio do contraditório e de defesa do Recorrente, acolhidos constitucionalmente, nos termos do artigo 32º, da Lei Fundamental. hhh) De tudo isto decorre que deve ser declarada a nulidade de todos os actos praticados desde a apresentação do requerimento de abertura de instrução + acusação, notificando-se o arguido para exercer o contraditório sobre tais peças processuais. iii) É inconstitucional, por violar o artigo 32.º/1 da Constituição, a norma extraída do artigo 119.º al. c) do CPP, na interpretação de que, quando o MP arquiva o processo relativo a denunciado que não foi constituído arguido nem ouvido nessa ou noutra qualidade no inquérito, não constitui nulidade insanável a falta de notificação do requerimento de abertura de instrução e acusação deduzida pelo assistente e dos demais actos subsequentes do juiz de instrução criminal. jjj) Esteve bem o tribunal a quo quando rejeitou o requerimento de abertura de instrução, mas já não assim quando reparou tal decisão. kkk) A decisão instrutória remete para fls. 513/517, mas esta folhas são precisamente relativas a uma acusação inadmissível e certo é que nelas, ao contrário do que então se decidiu, não vêm narrados factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do crime. lll) S. m. o., a decisão que rejeitou a instrução requerida por inadmissibilidade legal da mesma, põe termo ao processo e, como tal, é insuscetível de reparação e, por conseguinte, ao ter proferido o referido despacho de rejeição da instrução, por inadmissibilidade legal, o tribunal a quo esgotou o seu poder jurisdicional. mmm) A decisão de reparação, proferida após o esgotamento do poder jurisdicional é, juridicamente, inexistente. nnn) Concluindo para dizer que se algum ilícito foi cometido, que não foi, é, perfeitamente, justificado pelo estado de necessidade de provar os graves crimes cometidos pela assistente e colocar em causa de que a mesmas se apropriou e branqueou do elevado montante de 14 576 379,27 –sem prejuízo da presunção de inocência–não é um exercício mental sério negar a existência da prática dos crimes não fazendo sentido algum o tribunal pronunciar os arguidos que, aliás, são as verdadeiras vítimas. 4. Os recursos foram admitidos, por despacho de 9.03.2023, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 5. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, nos termos da resposta junta aos autos, a qual finaliza com as seguintes conclusões: (transcrição) 1- A factualidade em apreciação integra a prática do crime de violação de correspondência .p. pelo art.º 194º nº 3 do CP2- Actuando sem o conhecimento e consentimento da pessoa a quem o extracto bancário pertence originariamente e que lhe fora endereçada por carta, devidamente fechada e que veio a ser irregularmente apropriada por um dos arguidos, ambos os arguidos ao procederem a nova divulgação detendo conhecimento dessa ilícita apropriação, sabiam que tal não lhes era legitimo. 3- O artigo 194º nºs 1 e 3 do CP protege não só a abertura e tomada de conhecimento de escrito fechado dirigido a outro destinatário, como a divulgação do seu conteúdo, independentemente de quantas divulgações tiverem lugar no espaço e no tempo. 4- Nos autos as circunstâncias do uso do documento são de molde a integrar a conduta tipificada no art.º 194º do CP e não se verificam quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. 5- O RAI apresentado pela recorrida C obedece aos legais requisitos e a considerar-se de forma diferente a questão deveria desde logo ser colocada na sequência da notificação da rectificação do despacho que rejeitou ao RAI para despacho de abertura de instrução e não neste momento, onde se discute da apreciação de mérito. 6- Inexiste, pois, qualquer violação de preceito legal, máxime do art.º 32º do CRP, art.º 194º do CP. 6. A assistente respondeu ao recurso dizendo, em conclusão, o seguinte: (transcrição das conclusões da resposta) a) Vem o presente Recurso interposto contra o Mui Douto Despacho de Pronúncia do Tribunal Central de Instrução Criminal que remetendo integralmente para as razões de facto e de direito enunciadas no RAI a fls. 513/518, nos termos do artigo 307º n.ºs 1 e 3 do CPP, imputa aos Arguidos em coautoria, um crime de violação de correspondência, p. e p. pelo artigo 194º n.º 3 do CP b) Carecem, porém, de qualquer razão ou fundamento os recorrentes, não sendo o Douto Despacho A Quo merecedor dos reparos que os arguidos lhe fazem, nas suas alegações de recurso. c) Nas suas anormalmente extensas conclusões os arguidos (que copiam o recurso um do outro), regressam a estes autos, com a sua já gasta e infundamentada teoria da conspiração, com a qual tentam esconder os seus reiterados erros e insucessos judiciais. d) Pretendem ainda os arguidos, que os extratos da ofendida, de que o primeiro arguido se apropriou ilicitamente e por cujo ato de apropriação indevida foi devidamente condenado, ter-se-iam tornado públicos, por terem sido (pelos próprios arguidos), juntos a 4 ou 5 processos, esgrimindo uma extraordinária teoria, que lhes legitimaria os procedimentos. Nada mais errado e desfasado. e) Note-se que, de acordo com o disposto na própria CRP Art.º 34º n.º 1, o sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada são invioláveis, o que está obviamente relacionado com o inviolável direito à intimidade pessoal previsto no artigo 26º da mesma CRP. f) Como já referido, a reforma de 1995 introduziu fundamentais alterações à norma do artigo 194º do Código Penal, em consonância com as exigências próprias dos crimes de devassa, passando a incriminar de forma direta e autónoma “quem divulgar o conteúdo”. g) Uma conduta que deixou de valer como mera causa de agravação da pena, passando a valer como fundamento autónomo de ilicitude e de punibilidade, independentemente da licitude ou ilicitude da tomada de conhecimento. h) Para além da privacidade formal, como bem jurídico individual, a incriminação da divulgação protege ainda, de forma derivada, interesses de índole supra individual e que se pode sintetizar como a “confiança da comunidade na segurança e fiabilidade dos serviços postais”. i) Pretender, como o fazem os arguidos, que a prática do primeiro delito, pelo qual foi incriminado, julgado e condenado o primeiro arguido, tornaria a posterior divulgação da correspondência, por si ilicitamente desviada, legítima, constitui um absurdo, que levaria à despenalização e legalização dos crimes de devassa de correspondência. j) Acrescentam os arguidos, nas suas extensas alegações, que a divulgação dos extratos bancários da ofendida, seria um ato necessário para denunciar um qualquer crime que imaginaram, sendo fundamental para “desmascarar” a ofendida e condená-la como vulgar criminosa. k) Com estes argumentos, tentam respaldar o seu ilícito comportamento com um fantasioso estado de necessidade probatório, que sabem inexistir. l) O direito a divulgar os extratos bancários da ofendida, num processo judicial, só poderia ser admitido se os recorrentes quisessem defender um interesse sensivelmente superior àquele que pretendem sacrificar com tal conduta. m) Os recorrentes pretendem justificar o seu comportamento com o chamado “estado de necessidade probatório”, sem, contudo, alegarem ou demonstrarem a superioridade do seu interesse, o que afasta a verificação de um direito de necessidade, como causa de exclusão da ilicitude. (artigo 34º al. b) CP. n) Improcede, pois, em absoluto, a pretensão dos recorrentes, não sendo legítimo apontar ao Douto Despacho recorrido, os vícios que os mesmos referem. o) Falece qualquer razão aos recursos dos arguidos, por ser abundante a prova indiciária essencialmente documental carreada para os autos, que permite inculpá-los da prática do crime de que vêm acusados e por que, foram ambos pronunciados. p) Repudia-se que o Arguido B se perca em considerações sobre as imunidades do exercício da advocacia, quando bem sabe que a sua pretérita condenação no Processo 7745/17.4T9LSB do Juiz 7 do Juízo Local Criminal de Lisboa e a atual Pronúncia por factos idênticos, se deve à sua consciente participação na ilícita divulgação da correspondência da Assistente. q) O Arguido B representou o arguido A no âmbito dos autos de processo nº4179/13.3TDLSB, do Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 6, pelo que não poderia ignorar que o extrato bancário havia sido obtido e utilizado contra a vontade da Assistente e que o seu cliente, aqui Arguido A, até já havia sido condenado pela prática do crime de violação de correspondência, precisamente por ter feito uso do referido extrato. r) Contra o que referem nos seus recursos, os Arguidos tiveram sempre oportunidade de se defender nos Autos, tanto que participaram na Instrução, onde se fizeram representar por mandatária constituída, sendo reprovável insinuar que o processo não contém os factos e provas indiciarias necessários para levar a julgamento os Arguidos e ali chegados, condená-los pela prática do ilícito por que vêm pronunciados. s) Nesse sentido, o Douto Despacho de Pronúncia, refere sob a epígrafe Da Coautoria, que analisando a prova recolhida nos autos, essencialmente documental, consigna-se que a prova recolhida (logo) em Inquérito, sustenta claramente, em termos indiciários, a imputação factual efetuada no RAI: t) A única questão que se colocava no Pedido de Abertura de Instrução da Assistente era saber se a matéria indiciada era ou não subsumível ao imputado crime de violação de correspondência p. e p. pelo artigo 194º n.º 3 do CP. u) Contra o que pretendem os Arguidos, a Assistente, em obediência a jurisprudência unânime dos nossos Tribunais Superiores, relatou circunstanciadamente no seu Pedido de Abertura da Instrução, de forma expressa e sistemática, as razões de facto e de direito da Acusação, instruindo o seu pedido com a necessária estrutura acusatória essencial à defesa dos interesses dos arguidos, mediante Acusação Particular Alternativa, com a narração dos factos suscetíveis de integrar a factispécie do tipo legal de crime (no seu elemento objetivo e subjetivo), com as circunstâncias de modo, tempo e lugar e a menção das disposições legais aplicáveis, bem como, a terminar, o pedido de prova testemunhal adicional. v) Ou seja, a Acusação, sendo legítima e até essencial ao prosseguimento dos Autos, contém os elementos necessários ao preenchimento do tipo legal de crime de violação de correspondência e à submissão de ambos os Arguidos a Julgamento. w) Ao indicar-se como meio de prova, na acusação deduzida a sentença proferida no processo n.º 4179/13.3TDLSB e depois e ainda, a sentença proferida no Processo n.º 7745/17.4T9LSB, mostra-se desnecessária uma extensa narrativa dos factos dados como provados em tais sentenças e que levaram à condenação de ambos os arguidos pelo crime do artigo 194º n.º 3 do Código Penal, atento que, o escrito divulgado sem consentimento do destinatário, é o mesmo pelo qual os arguidos foram condenados, x) Razão, por que improcedem integralmente os argumentos dos Arguidos, devendo manter-se o Douto Despacho de Pronúncia e serem os autos remetidos a Julgamento, conforme é do Direito e da Justiça. 7. Neste tribunal, o Ministério Público, no âmbito da vista prevista no artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de os recursos serem julgados improcedentes, subscrevendo para tanto os fundamentos da resposta apresentada aos mesmos na 1ª instância. 8. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante designado C.P.P.), veio o recorrente B responder àquele parecer reiterando os fundamentos e o pedido do seu recurso. 9. Após exame preliminar e vistos legais teve lugar a conferência, por os recursos aí deverem ser julgados, nos termos do artigo 419.º, n.º 2, alínea b) do C.P.P, cumprindo agora decidir. II – Fundamentação 1. Das questões a decidir: Nos termos do nº 1 do art.º 412.º, do C.P.P. a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. É pacífico o entendimento de que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou das nulidades que não devam considerar-se sanadas, o âmbito dos recursos é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Ambos os recorrentes suscitam a questão da falta de tipicidade da conduta que lhes é imputada, pugnando por isso pela não pronúncia. O recorrente B suscita ainda a questão da inadmissibilidade legal da instrução e a nulidade insanável de todos os actos praticados após a apresentação do requerimento para abertura de instrução. 2. Apreciação 2.1. Das alegadas nulidades da instrução e da decisão instrutória e da inadmissibilidade legal da instrução: O recorrente B alega a nulidade de todos os actos praticados desde a apresentação do requerimento de abertura de instrução por não ter sido ouvido no inquérito, não ter sido ouvido quanto à constituição de assistente e nem ter sido notificado do requerimento de abertura de instrução e do recurso que foi interposto pela assistente, quando esse requerimento inicialmente não foi admitido, bem como a nulidade da decisão instrutória por omissão da sua audição como arguido. Alega também a inadmissibilidade da instrução por o requerimento não satisfazer as exigências legais e o mesmo ter sido admitido já depois de ter sido interposto recurso quanto à sua não admissão, quando estava esgotado o poder jurisdicional do tribunal e que a assistente não tem legitimidade para deduzir acusação por estar em causa um crime semipúblico. Vejamos tendo em conta o que resulta da tramitação dos autos: Nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do C.P.P., assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal, devendo ser constituído como tal nos termos dos n.ºs 2 a 4 do artigo 58.º do mesmo Código. A partir do momento em que uma pessoa adquire a qualidade de arguido é-lhe assegurado o exercício dos direitos e deveres processuais, sem prejuízo da aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e da efectivação de diligências probatórias, nos termos especificados na lei (artigo 60.º do C.P.P.) No âmbito do inquérito o recorrente B, não foi constituído arguido, apesar de a queixa ter sido apresentada também contra ele, não resultando daí qualquer ilegalidade. Cabe ao Ministério Público, perante a notícia de um crime, no caso a queixa da assistente, a realização do inquérito, praticando todos os actos necessários às finalidades previstas no n.º1 do artigo 262.º do C.P.P., isto é, com vista a determinar os agentes de um crime e a sua responsabilidade, descobrir e recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação, com ressalva dos atos previstos na lei que sejam da competência do juiz de instrução (artigos 267.º e 268.º do C.P.P.). Não tendo o recorrente a qualidade de arguido no inquérito, não tinha o mesmo de ter sido ouvido sobre a constituição como assistente que foi requerida pela queixosa (cf. nº4 do artigo 68.º Do C.P.P.). Uma vez encerrado o inquérito, o Ministério Público considerou que os factos indiciados não constituíam crime e não deduziu acusação tendo então a assistente apresentado requerimento de abertura de instrução, nos termos constantes dos autos, com vista a obter a pronúncia dos arguidos pela prática de um crime de violação de correspondência p. e p. nos termos do arrigo 194.º, nº3 do Código Penal. A partir desse momento, o recorrente B passou a assumir a qualidade de arguido e como tal deveria ter sido constituído, nos termos dos artigos 57.º e 58.º do C.P.P. Porém, tal não ocorreu, mas, ainda assim, foi o arguido notificado do despacho da Sra. Juíza de instrução que não admitiu o requerimento de abertura de instrução, para, querendo, lhe responder (cf. fls. 603). A Sra. Juíza de instrução procedeu à reparação do despacho que não admitiu o recurso, no uso dos poderes que a lei confere ao tribunal no artigo 414.º, n.º 4 do C.P.P, admitindo o requerimento de abertura de instrução, o que prejudicou aquele recurso. A partir do momento em que foi admitida a abertura da instrução, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 58.º, n.º2 do C.P.P., isto é, a constituição como arguido do recorrente B, a quem foi nomeado um Defensor e que, posteriormente, veio a constituir advogada que esteve presente no debate instrutório e na inquirição das testemunhas que teve lugar imediatamente antes do debate (cf. fls.661-666). Ainda que ao arguido não tivesse sido entregue no acto da sua constituição como arguido, ou posteriormente, cópia do requerimento de abertura de instrução onde constam os factos que ao mesmos eram imputados, isso não traduz qualquer nulidade ou irregularidade, sendo certo que o mesmo, ao ser notificado para responder ao recurso do despacho que inicialmente não admitiu a abertura de instrução, dele tomou conhecimento. A circunstância de o arguido B não ter sido ouvido na instrução não traduz qualquer nulidade ou sequer irregularidade. A sua audição não está prevista na lei como um acto obrigatório da instrução e não tendo o tribunal visto necessidade na sua audição, o arguido sempre poderia ter solicitado para ser ouvido, nos termos do n.º 2 do artigo 292.º do C.P.P., o que não fez, não tendo sequer comparecido no debate instrutório, para o qual foi notificado. Nenhum direito foi assim preterido ao arguido no decurso da instrução, nem o mesmo, em momento algum da mesma, invocou qualquer nulidade ou irregularidade ou se veio pronunciar quanto à inadmissibilidade do requerimento para abertura de instrução, questão sobre a qual nem sequer lhe era legítimo interpor recurso. Não se verifica, assim, qualquer nulidade da instrução nem qualquer violação do contraditório em relação ao recorrente B, enquanto arguido, nem a decisão instrutória padece de qualquer nulidade. Também não existe qualquer acusação da assistente pela prática de um crime semipúblico, pelo qual o Ministério Público não deduziu acusação. O que temos é apenas um requerimento de abertura de instrução da assistente, formulado ao abrigo do artigo 287.º, n.º1, alínea b) do C.P:P., relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não deduziu acusação, requerimento no qual a assistente deu cumprimento à exigência legal prevista na parte final do nº 2 do artigo 287.º do C.P.P. e nas alíneas b) e c) do n.º3 do artigo 283.º, do mesmo Código, isto é, à narração dos factos imputados aos arguidos e à indicação das disposições legais aplicáveis. Termos em que improcede totalmente o segmento do recurso do arguido B quanto às invocadas nulidades processuais. 2.2. Quanto à tipicidade dos factos face ao artigo 194.º, n.º 3 do Código Penal Após tecer várias considerações sobre a qualificação dos indícios que justificam submeter o arguido a julgamento, sobre os elementos constitutivos do tipo legal de crime de violação de correspondência p. e p. pelo artigo 194.º do Código Penal e sobre a co-autoria, a Sra. Juíza de instrução diz: «a prova recolhida em inquérito (essencialmente documental e corroborada pela prova pessoal) sustenta claramente, em termos indiciários, a imputação factual efectuada no requerimento de abertura de instrução. A única questão que verdadeiramente se coloca é a de saber se a matéria indiciada é ou não subsumível ao imputado crime de violação de correspondência, p. e p. pelo art.º 194º, n.º 3 do C.P. E a este respeito, em sentido oposto ao sufragado pelo Ministério Público, com apelo às considerações acima tecidas a propósito do tipo legal e, máxime, do espectro da tutela constitucional e garantia da inviolabilidade da correspondência, manifestamente, a matéria indiciada, é subsumível ao crime de violação de correspondência imputado. Densificando: a carta em crise não perdeu a sua natureza privada pela circunstância de já ter sido junta a outros processos, pois que «(…) a divulgação do conteúdo de uma carta ou qualquer outro escrito, sem consentimento, passou a merecer uma incriminação directa e autónoma, sendo indiferente saber se foi ilícito o processo da sua obtenção» e inexiste qualquer estado e/ou direito de necessidade probatório. Bem ao invés, e como atrás também se deixou citado: «(…) o sistema probatório em processo penal tem que ter em consideração as limitações constitucionais referidas. Daí que o legislador tenha previsto no artigo 126º do Código de Processo Penal, os métodos proibidos de prova, consagrando o nº 1 que “São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas” e no nº 3 que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular” . A prova proibida é nula, bem como os actos que dela dependerem, como tal não pode servir para fundamentar qualquer decisão (proibição de valoração). As proibições de prova concretizam o valor da dignidade humana assumido como princípio estruturante no artigo 1º da Constituição, pelo que serão nulas e insusceptíveis de valoração, todas as provas obtidas com abusiva intromissão na correspondência ou nas telecomunicações. Assim, a realização da Justiça, apesar de ser um valor constitucional, não é um valor absoluto, ao contrário da dignidade humana, pelo que a realização da justiça não poderá pôr em causa aquela mesma dignidade». Finalizando por proferir despacho de pronúncia dos arguidos, que identifica, «remetendo-se integralmente para as razões de facto e de direito enunciadas no requerimento de abertura de instrução (fls. 513/518), nos termos do art.º 307º, n.º 1 e 3 do C.P.P., imputando-lhes a prática, em co-autoria, de um crime de violação de correspondência, p. e p. pelo art.º 194º, n.º 3 do C.P.» Os factos que constam do requerimento de abertura de instrução e são imputados aos arguidos são os seguintes: (transcrição) «1º. Em data não concretamente apurada do mês de abril de 2013, o Arguido B Gomes apropriou-se do extrato de conta da ofendida C no Banque Privée Edmond de Rothchild, no Luxemburgo, referente ao mês de março de 2012, que havia sido remetido para a morada desta sita na .... 2º. Estes extratos, foram remetidos, via postal, pela dita instituição financeira, para a ofendida e assistente C. 3º. A Denúncia da referida apropriação, foi apresentada pela ofendida, em 03 de junho de 2013 e mereceu o processo n.º 4179/13.3TDLSB-4 da 5a Secção do MP, sendo posteriormente remetida para julgamento pelo então Juiz 6 do Tribunal de Instância Local Criminal de Lisboa, onde o Arguido A, foi ali condenado, já com trânsito em julgado, além do mais, pela prática de dois crimes de violação de correspondência, na pena de 95 dias de multa por cada um. 4º. O Arguido B, por sua vez, constituiu-se, mandatário do Primeiro, tomando direto conhecimento da mencionada apropriação não consentida da correspondência da ofendida, por parte do arguido A e da proibição que impendia sobre o mesmo, na divulgação ou uso da correspondência ilicitamente apropriada e que lhe mereceu uma condenação penal com trânsito em julgado. 5º. Posteriormente ao trânsito em julgado desta condenação, os Arguidos A e B, o primeiro enquanto mandante e o segundo na qualidade de seu advogado e mandatário, apresentaram em 3 outros processos, requerimentos aos quais juntaram os mesmos extratos bancários da Assistente, ilicitamente apropriados pelo Arguido A, da caixa de correio da ofendida, cujo ato, determinou a condenação penal do primeiro. 6.º Pela utilização e divulgação dos extratos bancários da ofendida e assistente, nos processos: 9505/12.0TDLSB.1, do Juiz 12 do Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa; 169/16.2SDLSB, do Juiz 6 do Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa; e 9372/13.6YYLSB-B, do Juiz 4 do Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi apresentada a competente Denúncia Crime, agora pelo tipo do Artigo 194º n.º 3 do Código Penal, que mereceu o processo n.º 7745/17.4T9LSB, denúncia essa que culminou na prolação da Sentença de condenação de ambos os Arguidos, pela prática, como coatores materiais de três crimes de violação de correspondência, previstos e punidos pelo artigo 194º n.º 3 do código penal, agora pelo Juiz 7 do Juízo Local Criminal de Lisboa. 7º. No dia 28 de maio de 2020, os Arguidos, o primeiro como mandante e o segundo enquanto seu advogado e mandatário, juntaram novamente, agora ao Processo n.º 175/12.6TBVRM do Juiz 2 do Juízo de Execução de Guimarães, sem que para tal estivessem autorizados pela ofendida e assistente, cópia dos mesmos extratos bancários ilicitamente retirados da caixa de correio desta. 8º. Mais uma vez, este documento, junto ao Processo n.º 175/12.3TBVRM pelos Arguidos, consiste numa cópia do extrato bancário da ofendida referido no ponto 1 desta acusação. 9º. Os Arguidos juntaram as cópias do extrato bancário da ofendida ao processo acima mencionado, sem a sua autorização e contra a sua vontade. 10º. Autorização esta que sabiam necessária, até porque o Arguido A foi condenado no âmbito do processo n.º 4179/13.3TDLSB, por sentença transitada em julgado em 16.11.2015, pela prática, além do mais, de dois crimes de violação de correspondência, precisamente por se ter apropriado e usado o referido extrato bancário da ofendida. Neste processo, o Arguido B foi o defensor do Arguido B, em sede de recurso. 11º. Bem sabiam os Arguidos que não podiam juntar ao sobredito processo o extrato bancário da ofendida, sem a autorização desta, por se tratar de correspondência a ela exclusivamente dirigida e, ainda assim, decidiram fazê-lo 12º. Os Arguidos sabiam que atuavam contra a vontade da ofendida e que, ao divulgarem a correspondência desta, praticavam ato que sabiam era proibido. 13º. Os Arguido tinham perfeita consciência da ilicitude dos seus atos, conformando-se com os resultados dos mesmos e prejudicando deliberadamente os legítimos interesses da ofendida. 14º. Revelando, assim, o comportamento dos Arguidos uma atuação grave, abusiva e dolosa, praticada com o reprovável fim de lesar os interesses da ofendida. 15º. Os Arguidos agiram consciente e voluntariamente, em conjugação de esforços, bem sabendo que os factos por si praticados eram previstos e punidos por lei e tinham a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação. 16º. Não existem circunstâncias atenuantes que, de alguma forma, possam diminuir a culpa do Arguido.» Nenhum dos recorrentes coloca em causa os factos objectivos indiciados, mas questionam se os mesmos podem integrar o crime que lhes é imputado, p. e p. pelo artigo 194.º, n.º 3 do Código Penal. Estabelece o artigo 194.º do Código Penal: Violação de correspondência ou de telecomunicações 1 - Quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja recebido pelo destinatário, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias. 2 - Na mesma pena incorre quem, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicação ou dele tomar conhecimento. 3 - Quem, sem consentimento, divulgar o conteúdo de cartas, encomendas, escritos fechados, ou telecomunicações a que se referem os números anteriores, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias. O bem jurídico protegido por este tipo de crime é, usando as palavras de Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem p. 525) “a privacidade de outra pessoa, numa dimensão imaterial específica: o sigilo de correspondência e da comunicação telefónica, telegráfica, ou por qualquer outro meio de telecomunicação e o sigilo de escrito fechado”. O tipo objectivo assume no n.º 1 uma das seguintes modalidades: - abertura, de encomenda, carta ou qualquer escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido; - tomar conhecimento, por processos técnicos, do conteúdo de encomenda, carta ou qualquer escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido; - impedir, por qualquer modo, que seja recebido pelo destinatário encomenda, carta ou qualquer escrito que se encontre fechado. E no n.º 2: - se intrometer no conteúdo de telecomunicação; - tomar conhecimento do conteúdo de telecomunicação. Já no n.º 3, a modalidade da conduta é apenas a divulgação do conteúdo de cartas, encomendas, escritos fechados, ou telecomunicações, a que se referem os números anteriores. Em qualquer dos casos, não pode ter havido consentimento do portador do bem jurídico. O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo. A assistente imputa aos arguidos a prática de um crime de violação de correspondência, na modalidade prevista no n.º 3 do artigo 194.º, n.º 3, do Código Penal, por, em síntese, eles terem juntado a um processo judicial, sem o seu consentimento, um extracto de uma conta bancária da mesma de que o primeiro arguido se tinha ilicitamente apoderado, conduta esta que esteve na base da sua condenação, num outro processo-crime, por um crime de violação de correspondência, desta feita p. e p. pelo n.º 1 daquele mesmo preceito legal. Não importa, para este efeito, saber se, no processo civil, é ou não admissível a junção de um tal documento de que o arguido se tinha ilicitamente apoderado. O que para aqui releva é saber se esta conduta tem relevância criminal, em especial se ela preenche o tipo incriminador constante do n.º 3 do indicado artigo 194.º do Código Penal. Da análise do artigo 194.º, facilmente verificamos que o objecto da acção descrita no tipo incriminador contido no n.º 3 do artigo 194.º é o mesmo que o objecto dos tipos incriminadores constantes dos n.ºs 1 e 2 desse mesmo preceito. É uma encomenda, uma carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e não seja dirigido ao agente ou o conteúdo de uma telecomunicação a que o agente não tenha legalmente direito de aceder. Como refere Costa Andrade em anotação ao artigo 194.º do Código Penal (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p.758), «Para constituírem objecto típico da infracção, os escritos têm de estar fechados, uma exigência que se reveste de particular relevo em se tratando de cartas. Como assinala o BGH alemão: “é ao fechar a carta que se dá expressão visível ao desejo de confidencialidade”(JZ 1990 754) É precisamente este facto – estar fechada – que define a fronteira da tutela penal do sigilo de correspondência e dos escritos em, geral». Assim sendo, a junção de um escrito contido numa carta que já tinha sido aberta e cujo conteúdo já tinha sido divulgado anteriormente em outros processos judiciais não consubstancia a prática do crime tipificado no n.º 3 do artigo 194.º do Código Penal. Não existe nesse comportamento qualquer violação do sigilo da correspondência, que é o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. Não está aqui em causa o facto de o escrito em questão ter natureza privada, nem o seu conteúdo mas antes o facto de ser divulgado, sem o consentimento do seu titular, um escrito que se encontrava fechado e como tal sigiloso e inacessível a terceiros. Ora, se o escrito já se encontrava aberto e já havia sido divulgado, não vemos como possa essa conduta ter violado o sigilo da correspondência e caber na previsão do n.º 3 do artigo 194.º do Código Penal. Termos em que, se conclui, que os factos indiciados não são susceptíveis de integrar o tipo legal de crime do n.º 3 do artigo 194.º do Código Penal, pelo qual os arguidos foram pronunciados, o que determina a procedência dos recursos. Nos termos do artigo 515.º, nº1, alínea b) do Código de Processo Penal é devida taxa de justiça pela assistente por a mesma ter decaído na oposição que deduziu aos recursos, a qual se fixa em 3 UC, nos termos da tabela III do Regulamento das Custas Processuais. III – Decisão Pelo exposto, acordam, os Juízes, na 5ª Secção deste Tribunal da Relação em: 1. Conceder provimento aos recursos interpostos pelos arguidos e, em consequência, revogar o despacho recorrido que pronunciou os arguidos pela imputada prática de um crime de violação de correspondência p. e p. pelo artigo 194.º, n.º3 do Código Penal, sem custas quanto aos recorrentes. 2. Condenar a assistente no pagamento de 3UC de taxa de justiça, nos termos do artigo 515º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal. Lisboa, 27 de Junho de 2023 (texto elaborado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2, do C.P.P.) Maria José Costa Machado Manuel Advínculo Sequeira Paulo Duarte Barreto Ferreira |