Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ADRIANO | ||
Descritores: | PROCESSO SUMARISSIMO REENVIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/20/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 - Resulta claramente da lei processual penal que, findo o inquérito e proferido despacho de acusação, esta tem de ser notificada ao arguido, nos termos do disposto nos arts. 283.º, n.ºs 5 e 6 e 277.º, n.º 3, do CPP. O processo encontra-se, em tal fase processual, nos serviços do MP, entidade que preside ao inquérito, sendo o processo remetido para a fase de julgamento – ou para instrução, se requerida – apenas depois de efectuadas tais notificações. Compete, pois, aos serviços do MP proceder a tal notificação. 2 - O mesmo se deve concluir quando, perante um determinado procedimento que siga a forma especial, se ordene o reenvio para o processo comum. O processo regressa ao momento da acusação. 3 -Não há dúvidas, pois, que o reenvio do processo sumário para outra forma processual impõe a remessa dos autos ao MP “para tramitação sob outra forma processual”. 4 - Também, no processo sumaríssimo, salvando-se todo o processado até à acusação – valendo como tal o requerimento formulado pelo MP, conforme dispõe o art. 395.º, n.º 3, desde que contenha todos os requisitos enunciados no art. 394.º, ambos do CPP - , o processo terá de regressar ao MP para que este, como titular da acção penal, escolha o novo rumo – o mesmo é dizer, a nova forma processual – que pretende dar aos autos, ordenando, de seguida, a prática dos actos necessários ao prosseguimento da forma processual escolhida, nomeadamente as notificações que se impuserem, da acusação, ao arguido, bem como de que este pode, após tal notificação, requerer, em determinado prazo, a instrução. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO: Não concordando com a pena proposta em processo sumaríssimo, o Juiz do Tribunal de Sesimbra, por despacho de 30/09/2008 e ao abrigo do art. 395.º, n.º 1 al. c) do CPP, rejeitou o requerimento do MP e determinou o “reenvio do processo aos serviços do Ministério Público, a fim de ser tramitado sob a forma de processo comum e o arguido ser notificado para os efeitos do disposto no art. 287.º, do CPP”. Inconformado com tal decisão, dela veio interpor recurso o MP, formulando as seguintes conclusões: 1) O presente recurso versa matéria de direito. 2) Recorre-se do despacho de fls., na parte em que ordenou o reenvio do processo aos serviços do MP, a fim de serem tramitados sob a forma comum e o arguido ser notificado para os efeitos do disposto no artº 287º do CPP, despacho este fundamentado no disposto no artº 395º, nº 1, al. c), do mesmo Código; 3) O MP discorda do referido despacho pois lhe parece que o mesmo carece totalmente de conteúdo material; 4) Por um lado, o MP e os serviços que lhe estão afectos não têm competência para o processamento ou realização de actos em processos Comuns Singulares, mas apenas, na jurisdição criminal, para a realização de actos de inquérito e formalidades legais que a este diga respeito; 5) Dentro das formalidades legais ainda compreendidas no inquérito estão as notificações das acusações aos arguidos e outras pessoas que estão indicadas no artº 277º, nº 3, do CPP, para onde remete o artº 283º, nº 5, do mesmo código; 6) Contudo, repare-se que não se encontra prevista legalmente a obrigação do MP notificar o arguido de que tem a possibilidade de requerer a abertura da instrução (não obstante ser usual assim proceder). 7) No caso dos autos, o MP encerrou o inquérito acusando o arguido em processo sumaríssimo; 8) O facto do Mmº Juiz não ter concordado com a sanção proposta, rejeitando o requerimento não implica que os autos regressem ao MP para reformulação da acusação, pois que, conforme estabelece o artº 395º, nº 3, do CPP, o requerimento do MP equivale, em todos os casos a acusação, que se tem por deduzida na forma que o Mmº Juiz atribuir ao processo. 9) A rejeição do requerimento do MP por parte do Mmº Juiz não tornou nula a acusação deduzida ainda que o tivesse sido na forma sumaríssima; 10) Assim, não se vê que actos processuais é que o Mmº Juiz tem em vista ao mandar ao MP tramitar o processo na forma comum. 11) Por outro lado, também não compete ao MP proceder à notificação de despachos judiciais. 12) O processo sumaríssimo encontra-se gizado de forma a que seja necessária a intervenção do Juiz para que a acusação se torne efectiva, válida. E quer o despacho seja o de concordância, quer de discordância. É também por essa razão que, em caso de discordância, o Juiz fica impedido de julgar o processo, nos termos do disposto no artº 40º, al. e), do CPP; 13) É o despacho judicial que valida, ou dá efectividade à acusação, quer na forma de processo sumaríssimo, quer noutra forma processual, se a forma sumaríssima não for aceite. 14) Assim, a notificação subsequente a tal despacho não é uma formalidade legal do inquérito, mas sim trata-se de uma notificação de um despacho judicial. 15) É à secção de processos que cumpre fazer a notificação da acusação, quando haja concordância do Mmº Juiz, conforme estabelece o artº 396º, nº 1, al. b), do CPP, pelo que, por maioria de razão, é aos mesmos serviços que cabe notificar o despacho de não concordância e a notificação ao arguido do teor do requerimento do MP, transformado que foi, por via judicial, em acusação noutra forma de processo. 16) Ademais, a notificação a efectuar é a notificação prevista pelo artº 283º, nº 5, ex vi do artº 277º, nº 3 do CPP, a qual não estabelece qualquer obrigatoriedade de advertir ou informar da possibilidade do arguido requerer a abertura da instrução, mas que, no caso deve ser feita nesses termos porque o Mmº Juiz assim ordenou; Pelo que deve ser revogado o despacho recorrido, na parte em que ordena o reenvio do processo ao MP para tramitação sob a forma comum e notificação ao arguido para os efeitos do disposto no artº 287º, do CPP e substituído por outro que mande prosseguir os autos como processo comum singular, com todas as legais consequências». Não houve resposta ao recurso. Admitido este, foi proferido despacho de sustentação. Subidos os autos a este Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto apôs “visto”. Após exame preliminar foram colhidos os necessários vistos e teve lugar a conferência, cumprindo decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO: 1. Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. No presente caso, a única questão suscitada pelo recorrente e que este submete à apreciação deste Tribunal de recurso é a que respeita à determinação de quais os serviços do tribunal que devem proceder à subsequente notificação do arguido, depois de ordenado o reenvio do processo para a forma comum na sequência da não concordância do juiz com a proposta de sanção apresentada pelo MP em processo sumaríssimo: se aquele acto deve ser praticado pela secção de processos ou se, pelo contrário, devem ser os serviços do MP a concretizá-lo. 2. Vejamos, pois, se assiste razão ao recorrente. Em processo sumaríssimo, o MP, considerando indiciada a prática pelo arguido (A) de um crime de ameaça, p. p. pelo art. 153.º, n.º 1, do CP e uma contra-ordenação, p. p. pelo art. 97.º, da Lei n.º 5/2006, de 23/02, propôs a aplicação ao mesmo de uma pena de 60 dias de multa a 8 euros por dia e uma coima no valor de € 600,00, respectivamente, proposta que não mereceu concordância judicial. Eis o teor integral do despacho recorrido (transcrição): «1. O Ministério Público requereu a aplicação ao arguido, em processo sumaríssimo, da pena de 60 dias de multa à razão diária de 8 euros, perfazendo o montante global de 480 euros, pela prática de um crime de ameaça. p. e p. pelo artigo 153º, nº 1 do Código Penal e da coima de 600 euros, pela prática de uma contra-ordenação prevista no artigo 97º da Lei nº 5/2006, de 23.02. 2. O Tribunal não considera que a pena proposta satisfaça as exigências de prevenção geral e especial, atentas as seguintes considerações: a) o desvalor da acção criminal é superior ao desvalor da acção contra-ordenacional, pelo que o montante da pena de multa não pode ser inferior ao montante da coima; b) ainda que distantes, o arguido já cometeu um crime de ofensa à integridade física simples, cujo bem jurídico está conexo com o bem jurídico posto em crise na acção delitiva a que se reporta os presentes autos; c) a energia criminosa necessária para o arguido ter apontado, no contexto de uma simples zanga de trânsito, uma "pistola de alarme" a um terceiro, ao mesmo tempo que lhe diz "fixa a minha cara e mete-te a pau", não é eficazmente repelida e sancionada com a pena proposta. 3. Razões pelas quais, não concordando o Tribunal com a pena proposta, rejeita o requerimento do Ministério Público e determina o reenvio do processo aos serviços do Ministério Público, a fim de serem tramitados sob a forma de processo comum e o arguido ser notificado para os efeitos do disposto no artigo 287º do Código de Processo Penal - artigo 395º, nº1 al. c) do Código de Processo Penal.». A decisão recorrida não merece qualquer censura, mesmo na parte impugnada. Na verdade, resulta claramente da lei processual penal que, findo o inquérito e proferido despacho de acusação, esta tem de ser notificada ao arguido, nos termos do disposto nos arts. 283.º, n.ºs 5 e 6 e 277.º, n.º 3, do CPP. O processo encontra-se, em tal fase processual, nos serviços do MP, entidade que preside ao inquérito, sendo o processo remetido para a fase de julgamento – ou para instrução, se requerida – apenas depois de efectuadas tais notificações. Compete, pois, aos serviços do MP proceder a tal notificação. O mesmo se deve concluir quando, perante um determinado procedimento que siga a forma especial, se ordene o reenvio para o processo comum. O processo regressa ao momento da acusação. Nesse sentido dispunha expressamente, quanto ao processo sumário, o art. 390.º, do CPP, cuja parte final determinava que nos casos de reenvio - ali previstos, nas alíneas a) e b) desse normativo - para a forma comum “o tribunal, por despacho irrecorrível, remete os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual”. Também na sua actual redacção o mesmo art. 390.º determina que “O tribunal só remete os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual quando …”, seguindo-se a enumeração dos casos em que pode haver reenvio para essa “outra forma processual”. Não há dúvidas, pois, que o reenvio do processo sumário para outra forma processual impõe a remessa dos autos ao MP “para tramitação sob outra forma processual”. O mesmo procedimento deve ser seguido quando, ao abrigo do disposto no art. 395.º do CPP, “o juiz rejeita o requerimento” do MP para aplicação de sanção ao arguido, em processo sumaríssimo, e “reenvia o processo para outra forma que lhe caiba”. Inexistem razões para procedimento diverso, antes pelo contrário, perante a similitude da situação, impõe-se solução idêntica. Também aqui, no processo sumaríssimo, salvando-se todo o processado até à acusação – valendo como tal o requerimento formulado pelo MP, conforme dispõe o art. 395.º, n.º 3, desde que contenha todos os requisitos enunciados no art. 394.º, ambos do CPP - , o processo terá de regressar ao MP para que este, como titular da acção penal, escolha o novo rumo – o mesmo é dizer, a nova forma processual – que pretende dar aos autos, ordenando, de seguida, a prática dos actos necessários ao prosseguimento da forma processual escolhida, nomeadamente as notificações que se impuserem, da acusação, ao arguido, bem como de que este pode, após tal notificação, requerer, em determinado prazo, a instrução. Esta é questão, aliás, que não tem suscitado quaisquer dúvidas, sendo a prática corrente nos tribunais até ao momento, sendo igualmente a posição que vem defendida na doutrina, sem que se conheçam divergências a tal respeito[1]. Nessa conformidade, é o recurso improcedente. III – DECISÃO: Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso do Ministério Público, confirmando-se a decisão recorrida. Sem custas, por delas estar isento o recorrente. Notifique. Lisboa, / / (Texto elaborado em computador e revisto pelo relator, o primeiro signatário – art. 94.º, n.º 2, do CPP). _______________________________________________________ [1] Cfr. a título exemplificativo, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal …”, pág. 1006, em anotação (3) ao art. 398.º: “No caso de reenvio para a forma comum, o MP deve notificar de novo o arguido do requerimento/acusação para que ele possa exercer o seu direito à instrução. A Lei n.º 48/2007 de 29-08, consagrou a jurisprudência do acórdão do TRG, de 6.1.2003 (in CJ, XXVII, 1, 294). No caso de reenvio para a forma abreviada, o MP também deve notificar para esse efeito (ver a anotação ao art. 391.º-C)”. |