Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3062/08.9TVLSB.L2-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: EMPRESA MUNICIPAL
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
CESSAÇÃO DE MANDATO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Determinando os Estatutos da sociedade que o mandato dos titulares dos seus órgãos é coincidente com o dos titulares dos órgãos autárquicos, a nomeação como presidente e/ou vogais do Conselho de Administração da empresa municipal, envolve a atribuição de um mandato para o exercício das funções pelo prazo constante dos estatutos da empresa, decorrido o qual o mesmo cessa.
II - A renúncia dos vereadores municipais, por forma a que deixe de haver possibilidade de funcionamento do executivo camarário, implica a dissolução do referido executivo, e essa extinção determina não só a consequente cessação do mandato daqueles titulares, como dos que não renunciaram, dissolvendo-se assim o colectivo camarário.
III - Desencadeado o processo de dissolução do executivo camarário que dá lugar às eleições intercalares, a cessação do mandato daqueles titulares autárquicos, por força do nº 3 do artº 5º do Estatuto da Empresa Municipal, faz caducar por arrastamento o mandato dos vogais e presidente do CA, dada a sua coincidência com o dos titulares dos órgãos autárquicos e tudo isto sem prejuízo de o mesmo ter continuado em funções até à efectiva substituição
IV - Não existe lugar à atribuição de indemnização a favor dos membros do CA da empresa municipal.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – RELATÓRIO

E…E.M., empresa pública municipal com sede em … intentou contra J…, R… e M…, acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, tendo formulado os seguintes pedidos:

a) “Os RR. condenados, de forma solidária, a pagar à A. a quantia de € 49.606,48;

ou, a título sucessivamente subsidiário,

b) O 2º R. condenado a pagar à A. a quantia de de € 35.433,16, e a 3ª R. condenada a pagar à A. a quantia de € 14.173,32;

c) Os RR. condenados, de forma solidária, a pagar à A. a quantia de € 7.086,60;

d) O 2º R. condenado a pagar à A. a quantia de de € 5.061,84, e a 3ª R. condenada a pagar à A. a quantia de € 2.024,76;

e) Mais deverão os RR. ser condenados a pagar os juros moratórios que se vencerem sobre as quantias a devolver, desde a data da citação até ao pagamento integral e efectivo.

Fundamentando as pretensões deduzidas no processo, a Autora alegou, no essencial, o seguinte:

- Na reunião da Câmara Municipal de … de 09/01/2006 foi aprovada a Deliberação n.º 2/CM/2006, nos termos da qual foram nomeados os titulares dos órgãos sociais da ora autora.

- Para o Conselho de Administração foram nomeados os Srs. Drs. J…, no cargo de presidente, R…, no cargo de vogal executivo, e M…., no cargo de vogal não executivo, os quais desde logo tomaram posse e iniciaram funções.

- Em 10/05/2007, pelas 00:00 horas, operou-se a dissolução da CM…, por força da renúncia apresentada pela maioria dos seus membros.

- Em 01/08/2007, na sequência das eleições intercalares convocadas para o efeito, tomaram posse os novos membros da CM….

- A dissolução, aliada à eleição e tomada de posse do novo executivo municipal, determinou a cessação, por caducidade, dos mandatos de todos os membros dos conselhos de administração das empresas municipais constituídas pelo Município de …, cujos Estatutos estabelecessem a coincidência dos respectivos mandatos com o dos titulares dos órgãos autárquicos, como é o caso da ora autora.

- Após a cessação do mandato, os réus mantiveram-se em funções até 14/11/2007, data em que, na sequência da aprovação da Deliberação n.º 443/CM/2007, foi nomeado e iniciou funções o novo CA da autora.

- Por ordem do réu J… e a título de indemnização pela cessação de funções, os serviços da autora pagaram ao réu R… a quantia ilíquida de € 35.433,16 e à ré M… a quantia ilíquida de € 14.173,32, correspondente ao valor médio das remunerações regulares por eles auferidas nos doze meses imediatamente anteriores ao da cessação, multiplicado por doze.

- Para efeito do cálculo das aludidas indemnizações, foram consideradas “remunerações regulares” o vencimento mensal e as despesas de representação.

- Tais pagamentos não têm cobertura legal, tendo o réu J…, em 13/01/2007, sido alertado para o facto.

Os Réus, regularmente citados, apresentaram a contestação de fls. 119 e seguintes onde, para além de arguirem a incompetência [em razão da matéria] deste tribunal, impugnaram parcialmente os factos afirmados pela Autora, contrariando, com vários argumentos de natureza jurídica, a tese da Autora de que os referidos pagamentos foram efectuados sem qualquer suporte legal e ainda que inexiste, no caso, qualquer conduta do Réu José Lopes geradora de responsabilidade civil, com a consequente obrigação de indemnizar.

A fls. 163 e seguintes, a Autora replicou, pugnando pela improcedência da invocada excepção de incompetência material.

O despacho de fls. 169 a 175, que julgou o tribunal cível materialmente incompetente para instruir e julgar a causa, foi revogado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 226 a 236.

A fls. 263 e seguintes foram proferidos despacho-saneador e de condensação, integrando este a fixação dos factos assentes e a organização da base instrutória.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, tendo ocorrido acordo das partes quanto às respostas a dar à base instrutória, conforme consta da acta exarada a fls. 310 e 311.

Foi proferida sentença que julgou a acção procedente, decidindo:

a) condenar os réus J…, R…. e M…, solidariamente, a pagar à autora E…, E.M. a quantia de € 49.606,48 (quarenta e nove mil seiscentos e seis euros quarenta e oito cêntimos);

b) sobre o montante referido em a) acrescem os juros de mora, vencidos desde 11 de Novembro de 2008 e vincendos, à taxa legal;

c) julgar prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiariamente formulados;

d) condenar os réus no pagamento das custas.

          Recorrem os RR. Da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:

1. A Sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao violar o regime previsto no artigo 9.º do Código Civil, recorrendo a uma interpretação teleológica, sem qualquer conexão à letra do artigo do artigo 5.º/4 dos Estatutos da Autora, ora Recorrida.

2. O referido artigo 5.º/4 dos Estatutos da Autora, ora Recorrida, determina que, “O mandato dos titulares dos órgãos de gestão da E… é coincidente com o dos titulares dos órgãos autárquicos, sem prejuízo de exoneração e da continuação de funções até à efectiva substituição.

3. Tendo em conta que a pessoa coletiva Município tem dois órgãos – Câmara Municipal e Assembleia Municipal – estabelecendo o artigo 75.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro que “O mandato dos titulares dos órgãos das autarquias locais é de quatro anos”, a remissão do artigo 5.º/4 dos Estatutos é feita para o regime regra de duração dos mandatos dos titulares dos órgãos autárquicos – 4 anos – e não para a concreta duração do mandato dos titulares da Câmara Municipal.

4. Nesse sentido, a Câmara Municipal de …, ao nomear um novo Conselho de Administração, antes de decorrido o prazo de quatro anos estabelecido como prazo regra para a duração dos mandatos dos titulares da ora Recorrida, bem sabia que destituía por mera conveniência os membros até então titulares do referido órgão, porquanto nenhuma norma estabelecia a sua substituição.

5. Nos termos do Estatuto do Gestor Público, qualquer gestor público que tenha sido livremente demitido “tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respectivo mandato, com o limite de um ano”.

6. Nesse sentido vai o Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 141993, de 19.02.1993 que considerou que a dissolução ope legis dos órgãos sociais da empresa deveria ser tratada no enquadramento dogmático da caducidade.

7. Para além de total legalidade no pagamento das indemnizações em causa, não estão preenchidos os requisitos legais estabelecidos para a verificação da responsabilidade civil contratual, desde logo o requisito da ilicitude, bem como o da culpa.

8. No caso sub judice, resulta demonstrado que os administradores agiram tendo em conta uma informação interna, fundamentada, com um parecer jurídico emitido por advogado, com apoio em parecer da Procuradoria-Geral da República, sobre um regime que era recente, e que conforme o Tribunal a quo reconhece constituía uma questão “complexa e, comprovadamente, controversa” ou seja, agiram com a diligência de um gestor criterioso e ordenado em cumprimento dos seus deveres de lealdade e no interesse da sociedade.

9. Não se encontra verificado o requisito da ilicitude, porquanto não foram violados pelos administradores quaisquer deveres legais ou contratuais, ou mesmo normas e princípios legais, como também não se encontra verificado o requisito da culpa.

10. O facto do ora Recorrente J…, não ter solicitado parecer à Câmara Municipal, incompetente para o efeito, não invalida que a decisão tenha sido ponderada, atentos os conhecimentos à data, com base em (i) informação interna, (ii) parecer jurídico externo, e com referência a Parecer da Procuradoria-Geral da República, todos no sentido da legalidade no pagamento da indemnização, factos por si só passíveis de demonstrar a ausência de culpa por parte dos Administradores, ora Recorrentes.

11. Resulta dos factos assentes que o 1.º Recorrente actuou em termos informados, porquanto emitiu o despacho de pagamento das indemnizações, com base em parecer jurídico, fundamentado em Parecer da Procuradoria Geral da República, atuando livre qualquer interesse pessoal na medida em que já havia renunciado ao cargo, nada tendo recebido, e actuou segundo critérios de racionalidade empresarial, na medida em que com base em pareceres internos e externos.

12. Não havendo ilicitude, nem culpa, no quadro legal dos artigos 72.º/1 e 64.º do CSC não pode ser assacada qualquer responsabilidade civil contratual, e não estando previsto qualquer regime de responsabilidade por facto lícito, fica prejudicada a análise dos restantes pressupostos, pelo que a presente acção deveria ter sido julgada improcedente.

Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.

Contra-alegou a A. concluindo pela improcedência do recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

            Corridos os Vistos legais,

             Cumpre apreciar e decidir.

É pelas conclusões da alegação dos Recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

No essencial, importa analisar são as seguintes questões:

− da ilicitude, ou não dos pagamentos realizados aos réus R… e M…, por ordem do réu J…, por cessação de funções como membros do conselho de administração da autora E…, E.M., da qual o último réu era, na altura, presidente do mesmo CA;

− da existência, ou não, da obrigação de indemnizar a A., no valor correspondente aos montantes ilíquidos pagos.

            II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


1. A autora é uma empresa pública de âmbito municipal, que foi constituída pelo Município de …, ainda sob a anterior denominação social de “E…., E.P.”, através da Deliberação da Assembleia Municipal n.º 101/AM/95, na sequência da proposta da Câmara Municipal contida na Deliberação n.º 347/CM/95, publicada no Boletim Municipal n.º 75, de 01.08.1995 (conforme documento n.º 1 junto com a p.i.). [alínea A) dos factos assentes].
2. De forma a adequá-los ao regime emergente da Lei n.º 58/98, de 18-08, os Estatutos da autora foram objecto de alteração, na sequência da autorização concedida através da aprovação da Proposta n.º 357/99, na reunião da CM… de 28.07.1999 (conforme documento n.º 2 junto com a p.i.). [alínea B) dos factos assentes].
3. Posteriormente, os Estatutos da autora foram sujeitos a nova alteração, na sequência da autorização concedida na Deliberação n.º 04/CM/2003 (Proposta n.º 04/2003), aprovada na reunião da CM… de 08.01.2003 e publicada no Boletim Municipal n.º 406, de 23.01.2003, publicação esta que foi objecto de Rectificação no Boletim Municipal n.º 474, de 20.03.2003 (conforme documentos n.ºs 3, 4 e 5 juntos com a p.i.). [alínea C) dos factos assentes].
4. Foi por via desta última alteração estatutária que a autora adoptou a sua actual denominação social de E…, E.M. [alínea D) dos factos assentes].
5. De acordo com o art. 5.º, n.º 1, dos Estatutos em vigor, são órgãos sociais da autora o Conselho de Administração, o Fiscal Único e o Conselho Geral [alínea E) dos factos assentes].
6. Na reunião da CM… de 09.01.2006 foi aprovada a Deliberação n.º 2/CM/2006 (Proposta n.º 2/2006), nos termos da qual foram nomeados os titulares dos órgãos sociais da autora (conforme documento n.º 6 junto com a p.i.). [alínea F) dos factos assentes].
7. Assim, para o Conselho de Administração foram nomeados os Srs. Drs. J…, no cargo de presidente, R…, no cargo de vogal executivo, e M…, no cargo de vogal não executivo, os quais desde logo tomaram posse e iniciaram funções [alínea G) dos factos assentes].
8. Em 10.05.2007, pelas 00:00 horas, operou-se a dissolução da CM…, por força da renúncia apresentada pela maioria dos seus membros [alínea H) dos factos assentes].
9. Em 01.08.2007, na sequência das eleições intercalares convocadas para o efeito, tomaram posse os novos membros da CM… [alínea I) dos factos assentes].
10. O art. 5.º, n.º 4, dos Estatutos da autora estabelece que “O mandato dos titulares dos órgãos de gestão é coincidente com o dos titulares dos órgãos autárquicos, sem prejuízo dos actos de exoneração e da continuação de funções até à efectiva substituição.” [alínea J) dos factos assentes].
11. Os réus mantiveram-se em funções até 14.11.2007, data em que, na sequência da aprovação da Deliberação n.º 443/CM/2007 (Proposta n.º 443/2007), foi nomeado e iniciou funções o novo CA da autora (conforme documento n.º 7 junto com a p.i.). [alínea K) dos factos assentes].
12. Em 20.09.2007, o réu J…, através da carta que nessa data dirigiu ao Sr. presidente da CM…, havia apresentado a sua “renúncia” ao cargo de presidente do CA [alínea L) dos factos assentes].
13. Em 26.10.2007 foi produzido um “Documento Interno” da autora, com a referência n.º TSE CP I 009/2007, subscrito por C… e T…, os quais expressam o entendimento de que o limite de um ano constante no art. 26.º, n.º 3, do Estatuto do Gestor Público aprovado pelo Dec.-Lei n.º 71/2007, de 27-03, “corresponde ao que o Gestor Público auferiria num período compreendido entre Janeiro e Dezembro a título de vencimento-base (14 vezes), para efeitos de atribuição de montante indemnizatório em virtude de cessação antecipada de funções”; este documento foi elaborado na sequência de um pedido de parecer jurídico por parte do CA então em funções, sobre a interpretação da referida disposição legal (conforme documento n.º 8 junto com a p.i.). [alínea M) dos factos assentes].
14. Com data de 31.10.2007, foi enviado à ré M… pela Sra. advogada, Dra. C…, o parecer jurídico que emitiu sobre “o regime legal aplicável aos membros do conselho de administração da E…, que cessam funções no actual contexto da Câmara Municipal, nomeadamente, no que se refere ao direito de indemnização (…)”, parecer esse que consta de um documento com o título “Opinião Legal” (conforme documento n.º 9 junto com a p.i.). [alínea N) dos factos assentes].
15. Nesse seu parecer, a referida Sra. advogada conclui pelo direito de cada um dos membros do CA então em funções a uma indemnização correspondente ao vencimento base que receberiam até ao final do mandato, com o limite de um ano, face ao disposto no n.º 3 do art. 26.º do EGP 2007, uma vez que a cessação de funções não teve na sua origem uma situação susceptível de constituir fundamento de dissolução do CA ou de demissão dos seus membros, nos termos previstos nos arts. 24.º e 25.º do referido estatuto, respectivamente. [alínea O) dos factos assentes].
16. Na mesma data de 31.10.2007 foi produzido um novo “Documento Interno” da autora, sem número de referência, subscrito pelos réus R… e M…, na qualidade de vogais do CA, no qual solicitam ao presidente deste, o réu J…, e às Direcções de Recursos Humanos e Financeira que sejam pagas a cada um deles, ao abrigo do referido art. 26.º, n.º 3, indemnizações “correspondentes aos vencimentos que aufeririam até ao final dos respectivos mandatos (…), com o limite de um ano” (conforme documento n.º 10 junto com a p.i.). [alínea P) dos factos assentes].
17. Sobre este “Documento Interno”, o réu J… exarou, nesse mesmo dia, despacho de concordância com os fundamentos invocados pelos réus R… e M…, no qual determinou aos serviços da autora que procedesse ao pagamento das respectivas indemnizações (conforme documento n.º 10 junto com a p.i.). [alínea Q) dos factos assentes].
18. Os serviços da autora pagaram ao réu R…, a título de indemnização pela cessação de funções de vogal executivo do CA, a quantia ilíquida de € 35.433,16 (conforme documentos n.ºs 11, 12 e 13 juntos com a p.i.). [alínea R) dos factos assentes].
19. Os serviços da autora pagaram à ré M…, a título de indemnização pela cessação de funções de vogal não executivo do CA, a quantia ilíquida de € 14.173,32 (conforme documentos n.ºs 11, 14 e 15 juntos com a p.i.). [alínea S) dos factos assentes].
20. O réu J… nada recebeu a título de indemnização por cessação de funções [alínea T) dos factos assentes].
21. Através do ofício n.º 125/GVRV/07, de 13.11.2007, a Sra. vereadora R…, titular do pelouro da cultura, comunicou ao réu J… que não existia base legal para as indemnizações em causa e que a emissão de uma ordem de pagamento das mesmas corresponderia a um acto de gestão danosa, passível de responsabilização penal, civil e financeira nos termos do art. 23.º do EGP de 2007 (conforme documento n.º 16 junto com a p.i.). [alínea U) dos factos assentes].
22. Em carta com a mesma data, o réu J… respondeu nos seguintes termos: “(…) não existe qualquer relação de dependência hierárquica quanto à empresa municipal E… e a Câmara Municipal de … e, como é bom de ver, muito menos com qualquer titular a título individual do órgão colegial da câmara municipal (…). Por isso, não se tratando de matérias que a lei atribua às competências da Senhora Vereadora, foi com perplexidade, que recebi uma carta de V.Exa. contendo orientações ou mesmo instruções concretas da exclusiva competência do Conselho de administração da E… (…)” (conforme documento n.º 17 junto com a p.i.). [alínea V) dos factos assentes].
23. Na sequência desta resposta, a referida vereadora exarou despacho a solicitar ao departamento jurídico da CM… a emissão de um parecer jurídico sobre a questão em causa (conforme documento n.º 17 junto com a p.i.). [alínea W) dos factos assentes].
24. O Departamento Jurídico da CM…, em parecer elaborado pelo Sr. advogado, Dr. J…, datado de 22-11-2007, pronunciou-se, em síntese, no sentido de que “Logo que ocorreu a alteração por via eleitoral da composição da Câmara Municipal de … (…) deixou de existir o substracto fáctico-jurídico que valia como pressuposto e em que assentara, no acto da sua nomeação, o exercício de funções dos titulares dos órgãos de gestão da E…: a permanência em funções dos seus nomeantes”, e que “(…) De imediato cessou, por conseguinte, o mandato dos titulares dos órgãos de gestão da E… (…)”, sendo que “(…) Com a tomada de posse dos novos titulares do órgão executivo municipal, passam aqueles a estar em mera situação de “continuação de funções até à efectiva substituição” ou até à sua renomeação” (conforme documento n.º 18 junto com a p.i.). [alínea X) dos factos assentes].
25. Quanto à questão das indemnizações pagas aos réus R… e M… o parecer em causa refere que “na situação vertente nem esteve em causa uma situação de qualificar como de “demissão por motivação típica” nem de qualificar como de “demissão livre”, susceptíveis de gerar o direito à indemnização nos termos do art. 26.º do EGP de 2007, “(…) porque ambas estas figuras assentam e pressupõem um acto de vontade manifestado unilateral e autoritariamente pelo órgão nomeante (…)”, mas sim “um mero efeito jurídico de operabilidade automática (…): tão logo que alterada a composição do órgão nomeante em virtude de acto eleitoral, teve-se por cessado o mandato dos membros do CA da empresa municipal.”; e conclui que “(…) a prática de um tal acto de pagamento aos Srs. Membros do Conselho de Administração da E… tornará incurso o seu autor nos diversos títulos de responsabilização previstos no art. 23.º do EGP” (conforme documento n.º 18 junto com a p.i.). [alínea Y) dos factos assentes].
26. Na sua reunião n.º 05/2008, que teve lugar em 27.06.2008, o CA da autora “deliberou por unanimidade intentar uma acção judicial contra o Conselho de Administração anterior, para devolução das verbas indevidamente recebidas pela cessação antecipada de funções” (conforme documento n.º 19 junto com a p.i.). [alínea Z) dos factos assentes].
27. O vencimento base mensal do réu R… era de € 2.530,94. [alínea AA) dos factos assentes].
28. O vencimento base mensal da ré M… era de € 1012,38. [alínea BB) dos factos assentes].
29. Apesar do referido em H), a Assembleia Municipal não sofreu qualquer alteração, mantendo-se em funções desde o início do seu mandato, em Novembro de 2005 até, pelo menos, 04-11-2008 [data de apresentação da p.i.]; e, da mesma forma, se mantiveram em funções as Assembleias de Freguesia e Juntas de Freguesia de …. [alínea CC) dos factos assentes].
30. Em cumprimento do disposto no art. 220.º, n.º 2, da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, os membros eleitos para a Câmara Municipal de …, em Julho de 2007 e que tomaram posse em Agosto do mesmo ano, apenas foram eleitos para completar o mandato que já havia sido iniciado em 2005. [alínea DD) dos factos assentes].
31. O montante referido em R) resultou da multiplicação do vencimento base do réu R… por 14 meses (ou seja, o número de vencimentos auferidos ao longo de um ano, incluindo o subsídio de férias e de Natal). [resposta ao ponto 4) da BI].
32. O montante referido em S) resultou da multiplicação do vencimento base da ré M… por 14 meses (ou seja, o número de vencimentos auferidos ao longo de um ano, incluindo o subsídio de férias e de Natal). [resposta ao ponto 5) da BI].
33. Sobre o montante de € 26.574,87, correspondente à parte tributada da indemnização do réu R…, foi aplicada uma taxa de IRS de 32,5%, pelo que o montante indemnizatório efectivamente recebido foi de € 17.938,00 (€ 26.574,87 - € 8.637,00) + € 8.858,29 (parte da indemnização não tributada) = € 26.796,00. [resposta ao ponto 6) da BI].
34. Relativamente à ré M…, sobre € 10.629,99, correspondente à parte do valor da indemnização tributado, recaiu uma taxa de IRS de 32,5%, pelo que o montante indemnizatório efectivamente recebido foi de € 7.175,00 (€ 10.629.99 - € 3.455,00) + € 3.543,33 (parte da indemnização não tributada) = € 10.718,00. [resposta ao ponto 7) da BI].

            III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

          Na presenta acção a A. pediu a condenação dos RR. em indemnização, tendo em consideração, no que tange ao 1º R. a sua qualidade de Presidente do Conselho Administrativo da A., empresa pública de âmbito municipal e, nessa qualidade, ter determinado que aos 2º e 3º RR, na qualidade de Vogais do Conselho de Administração, fossem pagas indemnizações, ao abrigo do art. 26º, nº 3 da Lei nº 71/2007 de 27/3 (Lei do Gestor Público). Alegou a A. que essas indemnizações não eram devidas, por não terem cobertura legal, sendo certo que o Réu J…, em 13/01/2007fora alertado para o facto.

            A acção veio a obter integral procedência e os Réus foram solidariamente condenados nos termos constantes do pedido principal.

Discordam os RR., do decidido nos termos que constam das conclusões de recurso.

1. A A. é uma empresa pública de âmbito municipal, que foi constituída pelo Município de … e, por forma a adequá-la ao regime emergente da Lei n.º 58/98, de 18-08, os Estatutos da A. foram objecto de alterações, sendo que por via autorização camarária de 08.01.2003, a A. adoptou a sua actual denominação social de E…, E.M..

          De acordo com o art. 5.º, n.º 1, dos Estatutos em vigor, são órgãos sociais da Autora, o Conselho de Administração, o Fiscal Único e o Conselho Geral.

          Na reunião da CM… de 09.01.2006 foi aprovada a Deliberação n.º 2/CM/2006 (Proposta n.º 2/2006), nos termos da qual foram nomeados os titulares dos órgãos sociais da Autora.

Foram, assim, nomeados, para o Conselho de Administração, os Srs. Drs. J…, no cargo de presidente, R…, no cargo de vogal executivo, e M…, no cargo de vogal não executivo, os quais desde logo tomaram posse e iniciaram funções, aqui Réus/Recorrentes.

Não sofre contestação e assim o vem decidindo a jurisprudência que sobre a questão se tem pronunciado – incluindo o acórdão desta Relação, de 25-03-2010, proferido nestes autos, a fls. 226 e seguintes, e que julgou competente a jurisdição comum para conhecer do presente litígio – que a relação jurídica estabelecida entre o gestor e a empresa pública configura uma verdadeira relação jurídica de mandato.

2. Do artigo 5º, nº 4 dos Estatutos da Autora

A questão essencial reconduz-se, no fundo, à qualificação do modo de cessação dos mandatos dos 2º e 3º RR, enquanto membros do Conselho de Administração da A./Recorrida, mandatos que tiveram o seu início em Janeiro de 2006, pelo que sendo coincidentes com os dos titulares dos órgãos autárquicos, o seu exercício tinha uma duração prevista de 4 anos.

Contudo, por força da dissolução da Câmara Municipal de …, em 10/05/2007, em consequência da renúncia apresentada pela maioria dos seus membros, cessaram os mandatos dos Recorrentes, cerca de dois anos após o início do mandato, e em 01/08/2007, na sequência das eleições intercalares convocadas para o efeito, tomaram posse os novos membros da CM….

Os RR. mantiveram-se em funções até 14.11.2007, data em que, na sequência da aprovação da Deliberação n.º 443/CM/2007 (Proposta n.º 443/2007), foi nomeado e iniciou funções o novo conselho de administração da Autora. Entretanto, em 20.09.2007, o R. J…, havia apresentado a sua “renúncia” ao cargo de Presidente do Conselho de Administração.

2.1. Entendem os RR. que a interpretação teleológica constante da sentença não tem o mínimo de correspondência com a letra do art. 5º, nº 4, dos Estatutos da A. e que a cessação dos respectivos mandatos ocorreu por destituição assente num acto voluntário da Câmara Municipal de … e por mera conveniência de serviço.

A sentença recorrida estriba-se em jurisprudência, que cita e que se pronunciou em caso idêntico, quanto aos efeitos nos mandatos das administrações das empresas municipais do Município de …, provocados pela dissolução da CM… em 10/05/2007, com enfoque no acórdão do STJ de 13.SET.2012[1].

O artigo 5.º, n.º 4, dos Estatutos da Autora estabelece que o mandato dos titulares dos órgãos de gestão é coincidente com o dos titulares dos órgãos autárquicos, sem prejuízo dos actos de exoneração e da continuação de funções até à efectiva substituição.

Considerando que o Município de …, como qualquer outro, tem dois órgãos - a assembleia municipal e a câmara municipal – afigura-se que a coincidência de mandatos entre órgãos sociais e autárquicos, até pela natureza das competências de cada um dos órgãos autárquicos, só pode reportar-se ao mandato do órgão executivo do Município de …, nomeadamente à sua duração efectiva, e não ao prazo de duração de quatro anos previsto no artigo 75º, nº 1, da Lei nº 169/99, de 18/9 (LAL).

O resultado da aplicação dos critérios de interpretação da lei estabelecidos no art. 9º do Código Civil não pode ser senão este; não já o da remissão para o regime regra de duração dos mandatos dos órgãos autárquicos contido na referida disposição da LAL.

Com efeito, se os regimes jurídicos do sector empresarial local e os estatutos da A. pretendessem que o mandato dos seus órgãos sociais fosse de quatro anos, pré-fixando-o e tornando-o insusceptível de modificação independentemente das vicissitudes ocorridas nos órgãos autárquicos, tê-lo-iam referido expressamente, o que não sucedeu.

Na verdade, os referidos Estatutos estão em consonância com o disposto no nº 3 do art. 9º da Lei nº 58/98, de 18/8, segundo o qual «O mandato dos titulares dos órgãos sociais será coincidente com o dos titulares dos órgãos autárquicos, sem prejuízo dos actos de exoneração e da continuação de funções até à efectiva substituição», demonstrando assim a vontade inequívoca de estabelecer uma absoluta coincidência temporal entre esses mandatos.

           Ou seja, como afirma a Recorrida, em contra-alegações, independentemente de a regra ser a dos titulares dos órgãos autárquicos se manterem em funções durante quatro anos, não se pode concluir, como pretendem os Recorrentes, ser esse o prazo incontornável de duração do mandato dos titulares dos órgãos sociais, já que a duração, dos mandatos dos titulares dos órgãos sociais das empresas municipais, não pode deixar de estar intimamente ligada à duração efectiva dos mandatos dos titulares dos órgãos autárquicos.

            E o órgão autárquico em causa, face à situação excepcional de dissolução da CM…, por renúncia da maioria dos seus membros, e que ditou a quebra da coincidência entre o mandato de todos os titulares dos órgãos do município, só pode ser o órgão executivo Câmara Municipal, atento o papel, as atribuições e as competências conferidas ao órgão Câmara Municipal no seio da pessoa colectiva municipal.

           2.2. O exercício da actividade executiva e de gestão do município é feito através dos poderes que lhe são atribuídos directamente por lei bem como por via indirecta, nomeadamente através de empresas municipais, como é o caso da A., o que demonstra a ligação entre o órgão executivo Câmara Municipal e a A., sendo de considerar que, com a definição do princípio da coincidência de mandatos, ter-se-á pretendido uma conexão e uma simultaneidade entre o prazo de duração dos mandatos dos órgãos sociais com o dos titulares do órgão Câmara Municipal, e não em relação aos titulares do órgão Assembleia Municipal. É o que decorre, aliás, da Lei nº 169/99, quando define as competências da assembleia municipal e da câmara municipal, designa, nomeadamente nos artigos 53º, nº 2, al. l) ou art. 64º, nº 1, al. i) do citado diploma.

É à câmara municipal que compete a nomeação e exoneração dos membros do conselho de administração dos órgãos sociais das empresas municipais, pelo que não faria sentido que a coincidência em causa se referisse também aos mandatos dos titulares de qualquer outro órgão autárquico ou em relação aos titulares de todos os órgãos em simultâneo.

Em suma, a interpretação que se afigura correcta do art. 5º, nº 2, dos Estatutos da A., e do art. 9º, nº 3, da Lei nº 58/98, aponta para a coincidência entre a duração do mandato dos titulares dos órgãos sociais da A. e a duração real e efectiva do mandato dos titulares do órgão executivo câmara municipal, ou seja, da CM….

3. Da cessação dos mandatos

Como decorre dos factos provados, a cessação dos mandatos dos RR., enquanto administradores da A., ocorre na sequência da dissolução da CM… em 10 de Maio de 2007.

Segundo os Recorrentes, essa cessação configurou uma destituição que se deveu a um acto voluntário da Câmara Municipal de … e por mera conveniência do serviço e não, como conclui a sentença recorrida, quando concluiu que, o fim do mandato dos ora Recorrentes se deu por caducidade, sem aplicar, consequente o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 464/82.

3.1. A este respeito, não pode deixar de se concordar com a argumentação constante da sentença recorrida, respaldada, aliás, no já referido Acórdão do STJ de 13 de Setembro de 2012[2] que, de forma clara e profusamente fundamentada, se pronuncia, sobre situação idêntica e que não pode, também aqui, deixar de reproduzir-se:

«Nos termos do art. 59.º, n.º 2, da Lei n.º 166/99, de 18 de Setembro - Lei das Competências e Regime Jurídico de Funcionamento dos Órgãos dos Municípios e Freguesias -, esgotada a possibilidade de substituição prevista no n.º anterior do referido preceito, e desde que não esteja em funções a maioria do número legal de membros da câmara municipal, o presidente comunica o facto à assembleia municipal e ao membro do Governo responsável pela tutela das autarquias locais, para que este proceda à marcação do dia da realização das eleições intercalares, sem prejuízo do disposto no art. 99.º do mesmo diploma legal; desencadeia-se, destarte, o processo de dissolução do executivo camarário que irá dar lugar às eleições intercalares.

Essa situação de cessação do mandato daqueles titulares autárquicos, por força do falado n.º 3 do art. 5.º do Estatuto da Empresa Municipal, fez caducar por arrastamento o mandato do ora autor, dada a sua coincidência com o dos titulares dos órgãos autárquicos e tudo isto sem prejuízo de o mesmo ter continuado em funções até à efectiva substituição, como reza a referida disposição estatutária.

Não se colhe, do referido acervo factual, qualquer semelhança com a figura de demissão por mera conveniência que, aliás, a lei trata como exoneração por conveniência de serviço; pelo contrário, ocorreu aqui claramente a caducidade do mandato, em que o termo caducidade ganha aqui o pleno relevo da sua significação técnico-jurídica, isto é, cessação dum direito ou de uma situação jurídica, não retroactivamente, pela verificação dum facto jurídico stricto sensu ou pelo decurso de um prazo.

O facto jurídico foi, in casu, a queda do executivo camarário por força da renúncia, na sua quase totalidade, dos vereadores da Câmara Municipal de … em 9-05-2007, pois, nos termos do n.º 3 do art. 5.º dos Estatutos da empresa municipal em causa, o mandato dos titulares dos órgãos da empresa municipal é coincidente com o dos titulares dos órgãos  autárquicos, sem prejuízo dos actos de exoneração e da continuação de funções até à efectiva substituição.

O ora autor, na qualidade de membro do conselho de administração da empresa municipal, não foi alvo da exoneração, designadamente por mera conveniência de serviço, figura a que se referia o art. 6.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro, que era o diploma legal estatutário que estava em vigor à data em que foi nomeado para o referido cargo.

Também à luz do novo Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março, que estava em vigor à data em que o autor cessou funções, não ocorreu a situação da dissolução do conselho de administração, prevista no art. 24.º do sobredito diploma legal (dissolução sancionatória, como se colhe dos pressupostos de aplicação de tal medida) nem demissão do seu presidente por mera conveniência, prevista no art. 26.º e que confeririam direito à indemnização a que se reporta o n.º 3 do mesmo inciso legal.

3.2. Assim sendo, foi por força da renúncia aos respectivos mandatos da maioria do executivo municipal, e não devido a um acto voluntário da CM… e por mera conveniência de serviço, que a cessação dos mandatos ocorreu, de de forma automática, por caducidade, na exacta medida em que não existiu qualquer manifestação de vontade nesse sentido por parte do órgão executivo municipal, competente nessa matéria. Essa renúncia individual aos mandatos por parte de cada um dos seus membros foi autónoma, não se confundindo com a dissolução do órgão, nem motivando a cessação dos mandatos dos administradores da A., ora RR./Recorrentes.

Ou seja, como bem refere o este aresto, «a situação extintiva do mandato do autor (in casu, dos RR., ora Apelantes) decorreu, não de qualquer declaração de vontade no sentido, explícito ou implícito, de pôr fim a tal mandato, mas da renúncia da maioria dos vereadores ao seu próprio mandato». Assim, continua o mencionado acórdão, «o mandato do autor (in casu, dos RR., ora Apelantes) caducou na data em que cessou o mandato dos vereadores renunciantes, ou seja, quando foi dissolvido o executivo que estava em funções quando tomou posse».

E a circunstância de os RR. se terem mantido em funções até à sua substituição pelos novos administradores, em 14.NOV.2007, é, no caso, irrelevante, e tem enquadramento no nº 4, in fine, dos Estatutos da A., ou seja, integra-se na mera gestão corrente após o termo do mandato, que ocorreu por caducidade.

           Não colhe pois a tese que os Recorrentes apresentam, de que a caducidade dos mandatos, tendo sido motivada, deveria dar lugar ao pagamento das indemnizações que os 2º e 3ª RR. receberam, já que, como se explicou, a caducidade decorrente da renúncia dos mandatos dos vereadores e consequente dissolução do executivo camarário não integra motivação susceptível de servir de base ao pagamento (no caso, uma vez que foram já pagas, manutenção) das pretendidas indemnizações, a coberto do nº 2 do art. 6º do EGP de 1982.

E não existem na situação sub judice circunstâncias específicas que determinem ou importem decisão em sentido diverso da constante do Acórdão do STJ de 13 de Setembro de 2012, que vimos seguindo perto e acima se transcreveu.

Tão pouco a argumentação constante do Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 19 de Fevereiro de 1993 e do Acórdão do STJ de 25 de Novembro de 1992, citados pelos Recorrentes, são aqui aplicáveis, como faz notar a sentença recorrida, atendendo, nomeadamente, às situações neles em apreço e ao facto que determinou a cessação dos mandatos dos administradores decorrer de um acto voluntário da entidade nomeante, ao invés do que ocorre na situação em apreço.

Face ao exposto e tal como concluiu a sentença recorrida, os mandatos do RR/Recorrentes não terminaram por dissolução ou por demissão por mera conveniência de serviço ditada pela entidade nomeante, no caso a CM…, ou por qualquer outro acto voluntário desta.

4. Da responsabilidade civil

Afirmam, por último, os Recorrentes que não estão preenchidos os requisitos legais estabelecidos para a verificação da responsabilidade civil contratual.

Fundamentalmente alegam que não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil dos administradores para com a empresa estabelecidos no art. 72º do CSC, na medida em que os RR. se limitaram a aplicar o regime do EGP a uma situação que qualificam de exoneração por mera conveniência ou por caducidade dos mandatos, estribados num parecer jurídico e no parecer da PGR, o que bastaria para demonstrar o cumprimento dos deveres de cuidado e a diligência de um gestor criterioso, previstos no art. 64º do CSC, em termos que excluem a ilicitude e a culpa da sua conduta.

Agiram, dizem, com a diligência de um gestor criterioso e ordenado em cumprimento dos seus deveres de lealdade e no interesse da sociedade.

4.1. Mais uma vez, a sentença recorrida dá resposta fundamentada à questão suscitada.

Em síntese, e com acerto, aí conclui que os actos lesivos do 1º R., residiram na circunstância de ter dado a ordem de pagamento das indemnizações aos 2º e 3ª RR., com fundamento no disposto no art. 26º, nº 3, do EGP 2007 e de ter mantido a sua decisão e nada ter feito no sentido de obstar ao pagamento, mesmo depois de alertado pela Vereadora do Pelouro da Cultura da CM… para a ilegalidade da sua actuação.

Quanto aos actos lesivos do 2º e da 3ª RR. fundaram-se na sua intervenção activa e decisiva no processo que levou à tomada daquela decisão, de que objectivamente beneficiaram.           

Com efeito, revisitando os factos, temos por certo que o conselho de administração da autora era integrado pelo réu J…, no cargo de presidente, pelo réu R…, no cargo de vogal executivo, e pela ré M…, no cargo de vogal não executivo.

Em 26.10.2007, na sequência de um pedido de parecer jurídico por parte do CA então em funções, sobre a interpretação do art. 26º, nº 3 do Estatuto do Gestor Público, foi produzido um “Documento Interno” da Autora, subscrito por C… e T…, os quais expressaram o entendimento de que o limite de um ano constante no art. 26.º, n.º 3, do Estatuto do Gestor Público aprovado pelo Dec.-Lei n.º 71/2007, de 27-03, “corresponde ao que o Gestor Público auferiria num período compreendido entre Janeiro e Dezembro a título de vencimento-base (14 vezes), para efeitos de atribuição de montante indemnizatório em virtude de cessação antecipada de funções”(documento n.º 8 junto com a p.i.).

Com data de 31.10.2007, foi enviado à Ré M… pela Sra. advogada, Dra. C…, o parecer jurídico que emitiu sobre “o regime legal aplicável aos membros do conselho de administração da E…, que cessam funções no actual contexto da Câmara Municipal, nomeadamente, no que se refere ao direito de indemnização”, parecer esse que consta de um documento com o título “Opinião Legal” (documento n.º 9 junto com a p.i.), que conclui pelo direito de cada um dos membros do CA, então em funções, a uma indemnização correspondente ao vencimento base que receberiam até ao final do mandato, com o limite de um ano, face ao disposto no n.º 3 do art. 26.º do EGP 2007, uma vez que a cessação de funções não teve na sua origem uma situação susceptível de constituir fundamento de dissolução do CA ou de demissão dos seus membros, nos termos previstos nos arts. 24.º e 25.º do referido estatuto, respectivamente.

Na mesma data, de 31.10.2007, foi produzido um novo “Documento Interno” da Autora, subscrito pelos Réus R… e M…, na qualidade de vogais do CA, no qual solicitaram ao Presidente do CA, o Réu J…, e às Direcções de Recursos Humanos e Financeira, que fossem pagas a cada um deles, ao abrigo do referido art. 26.º, n.º 3, indemnizações “correspondentes aos vencimentos que aufeririam até ao final dos respectivos mandatos (…), com o limite de um ano” (documento n.º 10 junto com a p.i.).

Sobre este “Documento Interno”, o Réu J… exarou, nesse mesmo dia, despacho de concordância com os fundamentos invocados pelos Réus R… e M…, no qual determinou aos serviços da Autora que procedessem ao pagamento das respectivas indemnizações (documento n.º 10 junto com a p.i.).

Foi na sequência deste despacho de concordância que os serviços da Autora pagaram ao Réu R…, a título de indemnização pela cessação de funções de vogal executivo do CA, a quantia ilíquida de € 35.433,16 documentos n.ºs 11, 12 e 13 juntos com a p.i.) e à Ré M…, a título de indemnização pela cessação de funções de vogal não executivo do CA, a quantia ilíquida de € 14.173,32 (documentos n.ºs 11, 14 e 15 juntos com a p.i.).

Sucede que através do ofício de 13.11.2007, a Sra. vereadora R…, titular do pelouro da cultura, comunicou ao Réu J… - que nada recebeu a título de indemnização por cessação de funções – que não existia base legal para as indemnizações em causa e que a emissão de uma ordem de pagamento das mesmas corresponderia a um acto de gestão danosa, passível de responsabilização penal, civil e financeira nos termos do art. 23.º do EGP de 2007 (documento n.º 16 junto com a p.i.).

A esse ofício, e com a mesma data, isto é, em 13.11.2007, o Réu J… respondeu nos seguintes termos: “não existe qualquer relação de dependência hierárquica quanto à empresa municipal E… e a Câmara Municipal de … e, como é bom de ver, muito menos com qualquer titular a título individual do órgão colegial da câmara municipal (…). Por isso, não se tratando de matérias que a lei atribua às competências da Senhora Vereadora, foi com perplexidade, que recebi uma carta de V.Exa. contendo orientações ou mesmo instruções concretas da exclusiva competência do Conselho de administração da E… (…)” (documento n.º 17 junto com a p.i.).

Assim, mantendo o despacho que recaiu sobre o já referido “Documento Interno” de 31 de Outubro, os mencionados pagamentos aos 2º e 3º RR.  foram efectuados em 15 de Novembro de 2007 (cfr. docs. nºs 11 a 15 juntos com a p.i.).

Entretanto, na sequência da resposta do 1º Réu, de 13 de Novembro, a referida vereadora exarou despacho a solicitar ao Departamento Jurídico da CM… a emissão de um parecer jurídico sobre a questão em causa documento n.º 17 junto com a p.i.), parecer esse, datado de 22-11-2007, do qual consta o entendimento de que, ocorrendo a alteração por via eleitoral da composição da Câmara Municipal de … «deixou de existir o substracto fáctico-jurídico que valia como pressuposto e em que assentara, no acto da sua nomeação, o exercício de funções dos titulares dos órgãos de gestão da E…: a permanência em funções dos seus nomeantes» e que «cessou, por conseguinte, o mandato dos titulares dos órgãos de gestão da E…». Com a tomada de posse dos novos titulares do órgão executivo municipal, passaram aqueles a estar em mera situação de “continuação de funções até à efectiva substituição” ou até à sua renomeação” (documento n.º 18 junto com a p.i.).

Mais se adianta em tal parecer que «na situação vertente nem esteve em causa uma situação de qualificar como de “demissão por motivação típica” nem de qualificar como de “demissão livre”, susceptíveis de gerar o direito à indemnização nos termos do art. 26.º do EGP de 2007, (…) porque ambas estas figuras assentam e pressupõem um acto de vontade manifestado unilateral e autoritariamente pelo órgão nomeante», mas sim «um mero efeito jurídico de operabilidade automática (…): tão logo que alterada a composição do órgão nomeante em virtude de acto eleitoral, teve-se por cessado o mandato dos membros do CA da empresa municipal». Conclui, por isso, o referido parecer que «a prática de um tal acto de pagamento aos Srs. Membros do Conselho de Administração da E… tornará incurso o seu autor nos diversos títulos de responsabilização previstos no art. 23.º do EGP” (documento n.º 18 junto com a p.i.).

          4.2. Perante este circunstancialismo, cumpre, então, apreciar a conduta dos Réus.

Segundo o artigo 64.º, n.º 1, alínea a), do CSComerciais, os gerentes ou administradores da sociedade devem observar deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado.

Os gerentes ou administradores respondem, assim, para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa, excepto se provarem que actuaram em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial.

Por outro lado, o gerente ou administrador que não tenha exercido o direito de oposição conferido por lei, quando estava em condições de o exercer, responde solidariamente pelos actos a que poderia ter-se oposto; nas sociedades que tenham órgão de fiscalização, o parecer favorável ou o consentimento deste não exoneram de responsabilidade os membros da administração. - art. 72.º, n.ºs 1, 2, 4 e 6, do CSC.

A responsabilidade, prevista no art. 72.º, n.º 1, do CSC, é uma responsabilidade contratual e subjectiva, que pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil: facto, ilícito, culpa, dano (danos emergentes e lucros cessantes) e nexo de causalidade.

Ou seja, nestas situações de responsabilidade civil dos membros da administração para com a empresa, a culpa presume-se, pelo que os RR. teriam de provar que actuaram sem culpa. Estamos perante um caso de presunção de culpa que impende sobre os administradores, de que não actuaram com a “diligência de um gestor criterioso e ordenado”, o que dispensa a sociedade ou a empresa administrada, in casu a A., de provar a culpa dos administradores, competindo, antes, a estes alegar e provar que a sua actuação esteve isenta de reparo, foi conforme com os padrões de diligência exigidos ao gestor, informada e livre de qualquer interesse pessoal[3].

4.3. Ora, no que tange às condutas dos 2º e 3º Réus, afigura-se fora de dúvida que estas foram norteadas pelo seu interesse pessoal. Como faz notar a sentença recorrida, os 2º e 3ª RR. impulsionaram e instruíram, de acordo com a sua conveniência, o processo de pagamento das indemnizações, o que claramente decorre do circunstancialismo acima referido.

Os RR. não alegam quaisquer factos tendentes ao afastamento da presunção legal, nem provaram que actuaram sem culpa. Ao contrário, são os factos dados como provados que demonstram precisamente a existência dessa conduta ilícita e culposa.

De facto, a contribuição dos Réus R… e M… para a errónea decisão é manifesta e foi fundamental, pois que, para além de, na altura, integrarem o conselho de administração da Autora, foram estes mesmos Réus quem solicitou os aludidos pagamentos e quem recebeu os respectivos montantes.

4.4. Quanto ao 1º Réu, Presidente do CA, não só despachou favoravelmente a pretensão daqueles, como, perante a comunicação da Vereadora do Pelouro da Cultura de que o pagamento das indemnizações carecia de base legal, assumiu uma postura de confrontação, defendendo a manutenção do despacho de concordância com o “Documento Interno”, subscrito pelos próprios beneficiários dessas indemnizações, os 2º e 3º RR. e deixou que se concretizassem as ordens de pagamento, quando ainda poderia ter obstado a esses pagamentos.

Acresce que, os RR., enquanto administradores de uma empresa pública municipal e, no caso do 1º R., jurista, ex-vereador e ex-membro da comissão administrativa da CM…, não podiam desconhecer a “Orientação Normativa” de 13 de Fevereiro de 2003 emanada da Direcção-Geral da Administração Pública, bem como que a questão de que o direito à indemnização era tudo menos pacífico.

Na verdade e como bem refere a sentença recorrida, «conhecendo a posição assumida pela CM… nessa “Orientação Normativa”, corporizada no ofício constante do Doc. 16 junto à p.i., e a relação de natureza tutelar entre aquela e a A., mandaria a mais elementar prudência que se obstasse ao pagamento das indemnizações até que a questão fosse definitivamente clarificada, ao invés de sustentar esse pagamento no “Documento Interno”, subscrito pelos 2º e 3º RR, e num apelidado parecer jurídico da autoria de uma Sra. Advogada avençada, que, como adianta a sentença recorrida, só eufemisticamente se poderá considerar um parecer jurídico externo.

            Precisamente porque a questão da legalidade dos referidos pagamentos se apresentava complexa, como a sentença recorrida também reconhece, é que essa prudência e cuidado se impunham com maior acuidade.

            Neste sentido refere a sentença recorrida:

«Mas, então, tal complexidade aconselhava que o processo de decisão tivesse seguido um rumo diferente do escolhido, nos termos em que acima já se expôs [note-se que a fls. 50 e 51 está documentada uma “Orientação Normativa”, datada de 13-02-2003 e emanada da Direcção-Geral da Administração Pública, que versa sobre o tema em debate; por outro lado, o aludido parecer do Conselho Consultivo da PGR, datando do ano de 1993, tem por base uma situação algo diversa, mais concretamente a dissolução da própria empresa pública que geria o Teatro Nacional de S. Carlos».

Não foi esse o comportamento assumido pelo 1º Réu, sendo que também não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ele incidia ou demonstrar a verificação de algum dos pressupostos de exclusão da sua responsabilidade.

Por consequência, e em suma, os RR. são efectivamente responsáveis pelos prejuízos causados à A., prejuízos esses que se traduzem na totalidade do valores pagos ao 2º e à 3ª R., no valor de € 49.606,48, acrescidos de juros moratórios.

Merece, por isso inteira concordância a fundamentação constante da sentença recorrida, à qual se adere pelo que a mesma terá necessariamente que ser confirmada.

IV – DECISÃO

Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação assim se confiormando, nos seus precisos termos a sentença recorrida.

Custas pelos Apelantes.

Lisboa, 29 de Maio de 2014.

(Fátima Galante)

(Gilberto Santos Jorge)

(António Martins)


[1] Ac. STJ de 13 de Setembro de 2012, Processo nº 586/09.4TVLSB.L1.S1, Relator, Álvaro Rodrigues, www.dgsi.pt/jstj.

[2] Ac. STJ de 13 de Setembro de 2012, Processo nº Processo nº 586/09.4TVLSB.L1.S1, Relator, Álvaro Rodrigues, www.dgsi.pt/jstj.

[3] Cfr vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-03-2011, Proc. n.º 242/09.3YRLSB.S1 e Ac Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2013, Proc. n.º 189/11.3TBCBR.C1.S1.