Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | PEDRO JOSÉ ESTEVES DE BRITO | ||
| Descritores: | NULIDADE OMISSÃO DE PRONÚNCIA PERDÃO LEI Nº 38-A/23 DE 02.08 CONCURSO CRIME DE DANO COM VIOLÊNCIA CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 06/17/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: | I. A falta de tomada de posição por parte do tribunal recorrido sobre um facto constante da contestação que, de acordo com, pelo menos, uma das soluções jurídicas pertinentes, era suscetível de assumir relevo para a decisão da causa, nomeadamente quanto à determinação da pena e ao arbitramento oficioso da indemnização, consubstancia a nulidade do art.º 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P. II. Contudo, dispondo o tribunal de recurso de todos os elementos necessários para o efeito, pode tal nulidade ser suprida por esta instância de recurso, nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 2, do C.P.P.; III. A utilização do verbo “dever”, com o sentido de “estar obrigado a”, em vez do verbo “poder”, com o significado de “ter a possibilidade de”, não é anódina, pelo que só verifica a nulidade da decisão condenatória prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P., na vertente de omissão de pronúncia, quando o tribunal não aprecie e decida de questão que então devesse conhecer, ficando precludido o seu conhecimento em momento posterior, e não quando, embora a pudesse conhecer nesse momento, ainda a possa conhecer em momento posterior; IV. Apesar de o perdão de penas a que aludem os arts. 2.º e 3.º, n.º 4, da Lei nº 38-A/2023, de 02-08 se tratar de uma questão e ser até oficioso o seu conhecimento, podendo a sua apreciação ser equacionada tanto no acórdão condenatório como em momento posterior ao trânsito em julgado daquele, tal afasta a verificação da mencionada nulidade; V. Existe concurso efetivo entre o crime de dano com violência, p. e p. pelos arts. 212.º, n.º 1, e 214.º, n.º 1, al. a), do C.P., agravado nos termos do art.º 86.º, n.ºs 3 e 4, do R.J.A.M. e o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, als. c) e e), do R.J.A.M.; VI. Demonstrando-se que foi o pai do arguido quem efetuou um depósito à ordem dos autos de EUR 1 000 por conta dos danos causados 6 meses e 1 dia após os factos, depois de este ter sido detido fora de flagrante delito e lhe ter sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva, bem como que os danos patrimoniais causados se cifraram em EUR 3 657, tendo sido arbitrada oficiosamente a quantia de EUR 1 500 destinada a reparar os danos não patrimoniais causados, não tendo sido sequer alegado que tal operação bancária tenha ocorrido a pedido do arguido e, em todo o caso, com repercussão na esfera patrimonial deste, representando tal quantia, no máximo, apenas 19, 39 % do valor total dos prejuízos, trata-se de um facto material insuscetível de demonstrar, por parte do arguido, qualquer espontânea atitude interior de contrição e de consciencialização do desvalor da sua conduta, do qual não resulta qualquer diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, muito menos acentuada, sendo insuscetível de fazer desencadear a atenuação especial da pena prevista no art.º 72.º, n.ºs 1 e 2, al. e), do C.P. (arrependimento sincero). | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório: I.1. Da decisão recorrida: No âmbito do processo comum coletivo n.º 1093/23.8PBSNT.L1, que corre termos no Juízo Central Criminal de Sintra – Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, em 14-01-2025 foi proferido e depositado acórdão, pelo qual o arguido AA foi condenado na pena única de 4 anos de prisão, resultante de cúmulo das seguintes penas parcelares: - 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática, como autor imediato e sob a forma consumada, de 1 crime de dano com violência, p. e p. pelos arts. 26.º, 1.ª parte, 131.º, 212.º, e 214.º n.º 1 al. a), do Código Penal (C.P.), na pessoa de BB, para o qual foi convolado o crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 26.º 1.ª parte, 73.º e 131.º, do C.P., agravado nos termos do art.º 86.º n.º 3, do Regime jurídico das armas e suas munições (R.J.A.M.), que lhe havia sido imputado e do qual foi absolvido; - 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática, como autor imediato e sob a forma consumada, de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, als. c) e d), em conjugação com o disposto nos arts. 2.º, n.º 1, als. p), i) e q), e n.º 3, al. a), e 3.º, n.º 4, al. a), e n.º 2, al. q), do R.J.A.M. Foi ainda aquele condenado a pagar a BB a quantia de EUR 1 500, a título de reparação pelos danos não patrimoniais que lhe foram causados, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data do acórdão até integral recebimento, nos termos dos arts. 1.º, al. j), 67.º-A, n.º 1, al. b) e n.º 3, 82.º-A do Código de Processo Penal (C.P.P.), e 16.º n.ºs 1 e 2 do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 04-09. I.2. Do recurso: Inconformado com a decisão, o arguido AA dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões: “1. Na decisão recorrida inexiste qualquer facto concreto que permita aferir a imputação subjetiva do tipo. 2. Perante a total inexistência desses factos, é impossível compreender qual o raciocínio operado pelo Tribunal a quo, para concluir que a conduta do Recorrente foi dolosa. 3. Porque não estamos perante uma mera insuficiência factual, mas sim perante uma total ausência de factos integradores do elemento subjetivo, torna-se inevitável concluir pela nulidade do douto acórdão, por a mesma se mostrar eivada do vício de falta de fundamentação. 4. Importa ter em atenção que o conhecimento da obrigação legal que incumbia sobre o recorrente é essencial, assim como a sua capacidade de agir de forma diversa, em conformidade com a lei, e a decisão de não o fazer, sabendo ser a sua conduta proibida e punida, o que constitui o elemento do tipo. 5. Na verdade, não se encontra na descrição fáctica que o arguido, com a sua conduta quis e conseguiu por em perigo a vida ou a integridade física do ofendido, resultado que previu e com o qual se conformou. 6. Pelo que tal omissão constitui fundamento de nulidade da sentença recorrida, nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), com referência ao artigo 374.º, n.º 2, ambos do CPP e 268.º, n.º 3, da CRP. o que vai desde já arguida para e com os devidos e legais efeitos., para além disso, 7. Não existe nenhuma referência em matéria provada ou não provada, relativamente à contestação apresentada pelo ora recorrente. 8. Da matéria de facto dada como provada e não provada não resulta que o recorrente, no dia de .../.../2023, com a referência citius 24698527, procedeu ao depósito autónomo à ordem dos presentes autos no valor de 1.000€ correspondente ao dano quantificável nos autos, que mostrou arrependimento, que voluntariamente entregou a arma, e que confessou integralmente a matéria dada por assente (não coincidente com a constante da acusação dada como não provada), aceitando “só” a confissão parcial. 9. Assim, no acórdão deveria constar o facto provado: no dia de .../.../2023, com a referência citius 24698527, procedeu ao depósito autónomo à ordem dos presentes autos no valor de 1.000€. 10. O Tribunal a quo, com o devido respeito, deveria ter, entre outros, valorado este ato de arrependimento do arguido, tomando as devidas repercussões para a determinação da sanção, nos termos do disposto no artigo 72º, nº1 e 2, al. c) e 73º, todos do CP. 11. Refere o douto acórdão recorrido após ter absolvido – diga-se e muito bem - o arguido recorrente do crime de homicídio tentado, entendeu que nada o impedia de convolar o mesmo para o crime de dano com violência perpetrado na pessoa do ofendido BB. 12. Para tanto, refere que: “Todavia, afastada a integração da actuação do arguido AA no crime imputado de homicídio na forma tentada, impõe-se aferir, ainda, se ainda relativamente ao ofendido BB tais actos integram a prática de outro ilícito penal, mormente, do crime de dano com violência…”. 13. Ora, a alteração da qualificação jurídica, desde que feita fora da hierarquia do crime base que visa a proteção do mesmo bem jurídico, fazendo a convolação para uma forma menos grave que o crime pode revestir (condenação por crime de dano com violência, em vez de crime de crime de homicídio na forma tentada), deve ser comunicada previamente ao arguido, tanto na 1.ª instância como em sede de tribunal de recurso, por imposição legal do art. 358.º, n.º 1 e 3, do CPP. 14. Donde a defesa do arguido deve contemplar todas as expectativas admissíveis tanto relativamente aos factos a apreciar, como à qualificação jurídica dos factos, cujo direito de a discutir e dela discordar, tem-lhe de ser assegurado, através do exercício pleno do contraditório. 15. É neste sentido a anotação do Conselheiro Oliveira Mendes, ao art. 358.º, in Código de Processo Penal, Comentado, Ed. Almedina, 2014, pág. 1128: “Por isso se considera que a alteração resultante de um crime simples ou “menos agravado”, quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender-se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou “menos agravado”, ou seja defendeu-se em relação a todos os elementos de facto normativos pelos quais vai ser julgado” 16. Face ao exposto, sempre que venha a ocorrer alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ou da pronúncia, sem que seja dentro do mesmo tipo de crime para uma moldura penal hierarquicamente inferior, visando a proteção do mesmo bem jurídico e fora da situação prevista no n.º 2, do art. 358.º, do CPP, terá que haver necessariamente lugar a comunicação da alteração, de acordo com o disposto no art. 358.º, n.º 3, do CPP. 17. E a razão desta exigência é que só assim se evitará uma decisão surpresa e se proporcionará cabalmente o direito de defesa do arguido, perante a nova perspetiva de resposta punitiva, face aos factos de que tem conhecimento e que até pode aceitar, exercendo o contraditório, constitucionalmente reconhecido pelo art. 32.º, n.º 1 e 5, do CPP apenas ao nível do direito, sendo qualquer outra interpretação do citado artigo normativamente inconstitucional, o que vai desde já alegado, nos termos e para os efeitos do artigo 72º nº 2 da LTC. 18. Assim, a condenação do arguido por crime de dano com violência, o qual vinha acusado por um crime de homicídio na forma tentada na pessoa do ofendido BB, do qual foi absolvido, sem que o tribunal a quo tenha comunicado previamente a alteração da qualificação jurídica, nos termos do art. 358.º, n.º 1 e 3, do CPP, para aquele se pronunciar sobre o novo enquadramento penal dos factos, tem como consequência a nulidade da sentença, prevista no art. 379.º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma legal, o que vai também já arguida para os devidos e legais efeitos. 19. Consta da matéria assente que o arguido ora recorrente adquiriu a arma em análise em data anterior ao dia ... de ... de 2023, ou seja, cometeu e consumou o crime de detenção de arma proibida «anterior ao dia ... de ... de 2023. 20. Ora, nos termos da “Lei do Perdão de 2023” “Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de dia 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto…” 21. O crime de detenção de arma proibida, como crime de perigo, ficou integrado, autonomamente, logo com a detenção, independentemente do uso da arma que tenha sido feito posteriormente. 22. Assim, devia o arguido ter beneficiado no cúmulo jurídico, do perdão de 1 ano a que alude o artigo 3º nº 4, e artigo 14º da citada lei. 23. Ao não tê-lo feito incorreu o acórdão recorrido em nulidade de sentença por omissão de pronuncia p. e p. no artigo 379º nº 1 al. c) do CPP. 24. Sempre sem prescindir, vejamos o que o tribunal recorrido, apurou para a determinação da medida da pena nos termos do artigo 71º nº 2 do CP: “No caso presente, são de sopesar as elevadas exigências de prevenção geral, no sentido de repor a confiança dos cidadãos na validade das normas jurídicas violadas com o comportamento lesivo dos bens jurídicos protegidos, na face do sentimento geral de insegurança na sociedade e tendo presente que estamos perante criminalidade grave que cria forte sentimento de insegurança, repúdio e alarme na comunidade e que esta deposita e exige dos tribunais uma efectiva aplicação de penas que defendam e se ajustem aos bens jurídicos em causa e no que toca a ambos os ilícitos perpetrados. Sem prejuízo, importa atender ao facto de o arguido ter assumido parcialmente os factos e, bem assim, a ausência de antecedentes criminais, pese embora o carácter violento demostrado com os seus actos, o que fazem situar as necessidades de prevenção especial num patamar médio. Ainda a atender: - a culpa do arguido que é agente que é elevada; - O grau de ilicitude dos factos, que é elevado, moldando- se o dolo do arguido no dolo direto e não olvidando o circunstancialismo que rodeou a prática dos factos com a realização de seis disparos; - O grau de violação do bem jurídico protegido pela norma, bem como as consequências daí resultantes, as quais, ainda que diminutas do ponto de vista material, apresentam-se elevadíssimas do ponto de vista do desvalor da acção que atinge um patamar de dano pessoal ao nível da violência emocional muito elevado. - A inexistência de antecedentes criminais registados pelo arguido, sem prejuízo da personalidade violenta demonstrada pela prática dos actos em apreciação; - As condições económicas, sociais e culturais do arguido, de onde se destaca pela inserção social com apoio familiar. - a postura do arguido em julgamento de confissão parcial dos factos.” 25. Conforme requerimento do dia de .../.../2023, com a referência citius 24698527, procedeu ao depósito autónomo à ordem dos presentes autos no valor de 1.000€ correspondente ao dano quantificável nos autos. 26. Porém, salvo melhor opinião, o arguido adotou uma postura de arrependimento, nomeadamente através da reparação dos danos causados que, com o devido respeito pelo Tribunal a quo, deveria ter sido valorado e não foi. 27. Ora, nos termos do artigo 72º, nº1 e 2, al. c) do CP, o Tribunal atenua especialmente a pena, o que quer dizer que deveria ter existido uma redução dos limites mínimos e máximos da pena aplicável ao caso em concreto, nos termos do artigo 73º do mesmo diploma legal. 28. Tal reparação revela que o agente do crime não mantém uma postura de contrariedade à ordem jurídica ou de indiferença perante os bens jurídico-penais enão podemos ficar indiferentes ao esforço reparador do agente do crime, que compreende o seu erro e tenta compensá-lo, interferindo tal facto com as necessidades de prevenção positiva. 29. Assim, e salvo o devido respeito pelo douto acórdão recorrido, entendemos que do caso em concreto, com a dita reparação integral dos danos causados conhecidos, a pena aplicada ao crime deveria ter sido especialmente atenuada e consabidamente não o foi. 30. Ora, considerar-se que o tribunal pode não atenuar especialmente a pena, apesar de ter existido atos demonstrativos de arrependimento com a reparação integral dos danos causados nos termos do artigo 72º nº 1 e 2 al. c) do CP é inconstitucional por fazer uma interpretação normativa restritiva no âmbito da sua aplicação de uma norma favorável, por violação do artigo 13º, 18º e 32º nº 1 da CRP. 31. Quanto à medida da pena única de 4 anos de prisão, em concurso, devia o tribunal recorrido ter aflorado uma abordagem diferente da pequena e média de criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduziria, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fração menos das outras. 32. E, no caso de não superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova e deveres, conforme se motivou e para aí integralmente se remete. 33. O aliás, douto acórdão recorrido, por erro e má interpretação e aplicação do direito violou as disposições legais supra referidas.” O referido recurso foi admitido por despacho de 20-02-2025. I.3. Da resposta: Ao dito recurso respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela parcial procedência do recurso, concluindo da seguinte forma: “1. Entende o Ministério Público assistir parcial razão ao recorrente, no que respeita à invocada nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, quanto aos factos invocados pelo recorrente, em sede de contestação. 2. Ao não se pronunciar sobre factos invocados pela defesa em sede de contestação, nem sobre eles fazer um juízo de prova, o tribunal não se pronunciou sobre questões que devia apreciar. 3. Incorreu, pois, o acórdão no vício previsto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP). 4. Em consequência, caso não venha tal vício a ser reparado (379.º, n.º 2 e 414.º, n.º 4, do CPP), deverá ser dado, nesta parte, provimento ao recurso e declarada a nulidade parcial do acórdão. 5. Quanto ao mais, conclui-se pelo acerto do douto acórdão recorrido e, concomitantemente, pela não violação de qualquer dispositivo legal, devendo o recurso improceder quanto as demais questões suscitadas pelo recorrente.” Foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação. I.4. Do parecer: Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer através do qual propugnou pela procedência parcial do recurso, subscrevendo a posição assumida pelo Ministério Público em primeira instância. I.5. Da tramitação subsequente: Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do C.P.P., nada foi acrescentado. Efetuado o exame preliminar, foi o recorrente notificado nos termos do art.º 424.º, n.º 3, do C.P.P. para, querendo, se pronunciar sobre a possibilidade de os factos descritos na decisão recorrida configurarem a prática por aquele, em autoria imediata, sob a forma consumada e em concurso efetivo, de 1 crime de dano com violência agravado, p. e p. pelos arts. 212.º, n.º 1, 214.º, n.º 1, al. a), do C.P. e 86.º, n.ºs 3 e 4, do R.J.A.M. e de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 86.º, n.º 1, als. c) e e), por referência aos arts. 2.º, n.º 1, al. aad), 2.º, n.º 3, al. p), 3.º, n.º 4, al. b), e 6.º, do R.J.A.M., nada tendo dito. Colhidos os vistos, foram os autos sido submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir. II. Fundamentação: II.1. Dos poderes de cognição do tribunal de recurso: Está pacificamente aceite na doutrina (cfr., por exemplo, MESQUITA, Paulo Dá, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, Livraria Almedina, pág. 217; POÇAS, Sérgio Gonçalves, in “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Julgar, n.º 10, 2010, pág. 241; SILVA, Germano Marques da, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª edição, 2000, pág. 335) e jurisprudência (cfr., por exemplo, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2024, processo n.º 105/18.1PAACB.S12) que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de determinadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do recurso (cfr., por exemplo, art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.), são as conclusões que delimitam o seu objeto e âmbito, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19-10-1995, para fixação de jurisprudência, in Diário da República n.º 298, I Série A, de 28-12-1995, págs. 8211 e segs.3). Na verdade, se o objeto do recurso constitui o assunto colocado à apreciação do tribunal de recurso e se das conclusões obrigatoriamente devem constar, se bem que resumidas, as razões do pedido (cfr. art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P.) e, assim, os fundamentos de facto e de direito do recurso, necessariamente terão de ser as conclusões que identificam as questões que a motivação tenha antes dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir que o tribunal de recurso identifique, com nitidez, as matérias a tratar. II.2. Das questões a decidir: A esta luz, são as seguintes as questões a conhecer, pela ordem da prevalência processual sucessiva que revestem: A. Se o acórdão recorrido é nulo por omitir facto alegado na contestação (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.) (cfr. II.4.A.); B. Se o acórdão recorrido é nulo por condenar por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º do C.P.P. (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.) (cfr. II.4.B.); C. Se o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia por não se ter pronunciado quanto ao perdão de penas estabelecido pelos arts. 2.º e 3.º, n.º 4, da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08 (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P.) (cfr. II.4.C.); D. Se o acórdão recorrido padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art.º 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P. (cfr. II.4.D.); E. Do enquadramento jurídico-penal (cfr. II.4.E.); F. Da atenuação especial da pena parcelar aplicada pelo crime de dano com violência agravado (cfr. II.4.F.); G. Se a pena única é desadequada, por desproporcional ao caso concreto (cfr. II.4.G.); e H. Se a pena única deveria ter sido suspensa na sua execução (cfr. II.4.H.). II.3. Ocorrências processuais com relevo para apreciar as questões objeto do recurso: Ora, com relevo para o definido objeto do recurso, e resultante dos atos processuais a seguir assinalados, importa atentar no seguinte: II.3.A. Da acusação deduzida pelo Ministério Público (cfr. ref.ª 151399486 de 05-06-2025): No dia 05-06-2024, o Ministério Público deduziu acusação, em processo comum e perante tribunal coletivo, contra o recorrente, imputando-lhe a prática , em concurso efetivo, nos termos do art.º 30.º n.º 1, do C.P.: - Em coautoria material, de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 26.º 1.ª parte, 73.º e 131.º, do C.P., agravado nos termos do art.º 86.º n.º 3, do R.J.A.M.; - Em coautoria material, de um crime de dano com violência, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 214.º n.º 1 al. a), por referência aos arts. 212.º e 131.º, e 26.º 1.ª parte, do C.P.; - Em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1, als. c) e d), em conjugação com o disposto no art.º 2.º n.º 1, als. aad), p), 3.º, n.º 2 al. q), n.º 4, al. b), e art.º 6.º, do R.J.A.M. e art.º 26.º 1.ª parte do C.P., por considerar suficientemente indiciada a seguinte factualidade: “1. BB, adiante abreviadamente designado por BB, ... e ..., residente na ..., conheceu a arguida CC através da rede social ..., em data não concretamente apurada dos anos de 2021 ou de 2022. 2. Nessa sequência, a arguida e BB conheceram-se pessoalmente tendo aquele lhe efetuado tatuagens por mais de uma vez a pedido da mesma. 3. Com o decurso do tempo e da convivência BB e a arguida envolveram-se e mantiveram uma relação de cariz amoroso. 4. Durante o período de duração da referida relação amorosa a arguida pernoitou pelo menos uma vez na citada residência de BB. 5. Cerca do mês de ... de 2023, BB terminou a relação com a arguida, todavia, os contactos por mensagens entre ambos mantiveram-se. 6. Em ... de 2023 a arguida conheceu o arguido AA tendo mantido uma relação de namoro entre si, com períodos de coabitação, entre ...-...-2023 e cerca do mês de novembro desse ano. 7. No decurso da relação de namoro com a arguida, o arguido leu diversas mensagens escritas e ouviu mensagens áudio trocadas entre a arguida e BB o que lhe causou ciúmes. 8. Em data não concretamente apurada do mês de ... de 2023, mas anterior ao dia 20, através da rede social ..., no grupo ..., o arguido AA comprou uma arma de fogo, concretamente, um revolver da marca ..., calibre 32 S&W Long, e seis munições do mesmo calibre, pelo preço global de 700,00€ (setecentos euros) o que fez com o intuito de se deslocar a casa de BB. 9. No dia ... de ... de 2023, pelas 01h20, o arguido e a arguida, a quem aquele pediu que o acompanhasse para lhe mostrar a localização da residência de BB, dirigiram-se para a ..., em .... 10. Antes de sair da residência, o arguido muniu-se da referida arma de fogo municiada com as seis munições. 11. No decurso da viagem o arguido disse à arguida que ia matar BB. 12. Chegados à ..., em ..., através do número de telemóvel ... pertencente à arguida, um dos arguidos enviou diversas SMS ao referido BB dizendo que lhe queria falar e pediu-lhe que viesse ao exterior da sua residência para o efeito. 13. Como BB não se dirigiu ao exterior, o arguido entrou em contacto telefónico com aquele e, em tom alto e sério, perguntou-lhe porque não vinha à rua. 14. Nessa sequência, com a luz do quarto acesa, BB aproximou-se da janela do seu quarto e espreitou através da mesma. 15. Nesse momento, os arguidos saíram do veículo automóvel em que se fizeram transportar e a arguida indicou ao arguido qual era a janela que correspondia ao quarto de BB após o que regressou à viatura. 16. Ato contínuo, o arguido dirigiu-se ao n.º 4 da ..., momento em que BB se encontrava à janela a filmar a aproximação daquele. 17. Quando se encontrava a cerca de um a dois metros de distância, o arguido efetuou seis disparos com a referida arma de fogo na direção de BB que ainda se encontrava à janela. 18. Assim que ouviu o primeiro disparo BB deixou-se cair no solo. 19. Ao ouvir os disparos, DD, mãe de BB, consigo residente, acordou, levantou-se e dirigiu-se ao quarto do filho a fim de perceber se o mesmo estava bem tendo este lhe dito que se baixasse para não ser atingida. 20. Após efetuar os disparos, os arguidos colocaram-se em fuga do local. 21. Com a sua descrita conduta, por referência ao quarto de BB, o arguido perfurou: a. O estore em seis sítios; b. O vidro da janela em três sítios; c. A moldura de madeira da janela em três sítios; d. A parede em dois sítios; e e. A aduela de uma porta, num sítio, com o que causou um prejuízo no valor global de 3.657,00€ (três mil seiscentos e cinquenta e sete euros). 22. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e de intentos, de acordo com plano previamente traçado entre ambos ou a que aderiram de imediato. 23. Ao atuar conforme descrito, fazendo uso de uma arma de fogo, o arguido agiu com o propósito, não concretizado, de provocar a morte de BB, bem sabendo que se algum dos projeteis lhe atingisse a cabeça ou órgãos vitais como o coração e os pulmões, bem como estruturas orgânicas e vasos sanguíneos essenciais à vida deste, seriam idóneos a produzir o resultado - a morte - que almejava e que apenas não logrou por razões alheias à sua vontade. (…) 25. O resultado morte de BB só não veio a ocorrer por razões alheias à vontade dos arguidos, designadamente, porque o arguido falhou o alvo ao primeiro disparo e porque aquele se deixou cair ao solo depois de ouvir o primeiro estoiro. 26. Os arguidos conheciam as características da arma de fogo com que previamente o arguido se munira e sabiam que, ante as características que possuía e quando utilizada da forma descrita, consubstancia o uso de meio particularmente perigoso. 27. Ao efetuar múltiplos disparos na direção da referida janela, agiu ainda o arguido com o propósito, concretizado, de causar estragos na mesma e no estore, com o que colocou em perigo as vidas e as integridades físicas de BB e da sua mãe DD que ali se encontravam, sabendo que tal fração não lhe pertencia e que agia no desconhecimento e contra a vontade dos seus legítimos possuidores. (…) 29. O arguido não é portador de licença de uso e porte de arma, nem de licença de detenção de arma no domicílio quanto à arma descrita. 30. O arguido tinha na sua posse a referida arma e as munições cujas características bem conhecia, bem sabendo que para as deter, guardar, portar ou usar, necessitava de uma licença específica para o efeito, mas mesmo assim, não se absteve de as comprar e de as usar nos termos descritos. 31. O arguido agiu motivado pelos ciúmes que tinha de BB. 32. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.” II.3.B. Da prisão preventiva (cfr. ref.ªs 24633594 de 13-12-2023 e 148061316 de 13-12-2023): Em 13-12-2023, na sequência do interrogatório judicial do arguido detido fora de flagrante delito em 12-12-2023, foi considerado fortemente indiciada a prática, pelo recorrente, de 1 crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º e 131.º, do C.P., agravado nos termos do art.º 86.º n.º 3, do R.J.A.M., e de 1 crime de dano com violência, p. e p. pelo art.º 214.º n.º 1 al. a), por referência aos arts. 212.º e 131.º, do C.P., bem como que o prejuízo causado seria de valor ainda então não concretamente apurado, mas não inferior a EUR 1 000, tendo sido aplicada àquele a medida de coação da prisão preventiva, situação em que se encontra desde então. II.3.C. Do requerimento de 21-12-2023 (cfr. ref.ª 24698527 de 22-12-2023): No dia 21-12-2023 o ilustre mandatário do arguido apresentou em nome deste um requerimento com o seguinte teor: “AA, solteiro, maior, com residência na ..., Arguido nos Autos á margem identificados, uma vez constando dos Autos que os Danos causados á vitima não são inferiores a 1000 e dado não lhe ter sido facultado o IBAN daquela, requer a junção de um deposito autónomo com a esse valor, conforme comprovativo que junta, por ser essa a medida justa dos factos.” Juntou o comprovativo do pagamento da quantia de EUR 1 000 através de DUC com a ref.ª 701080034771085 com dinheiro proveniente da conta bancária à ordem ... domiciliada no ... e titulada por EE. II.3.D. Do saneamento do processo (cfr. ref.ª 152105943 de 12-07-2024): No dia 12-07-2024 o tribunal recorrido ordenou: “Notifique igualmente os arguidos para, querendo, exercerem o contraditório sobre eventual quantia a arbitrar a título de reparação aos ofendidos, em caso de condenação, nos termos do disposto no art. 82º-A, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art. 67º-A, n.º 1 al. b) e n.º 3 do mesmo diploma legal e art. 16º, n.º 2 da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro.” II.3.E. Da ausência de qualquer oposição ao arbitramento de uma indemnização por parte das vítimas: Nenhuma das vítimas se opôs a que lhe fosse arbitrada uma indemnização. II.3.F. Da contestação apresentada pelo arguido (cfr. ref.ª 26135994 de 04-08-2024 de 04-08-2024): No dia 04-08-2024 o recorrente apresentou contestação onde, para além do mais, alegou que: “(….) 11. Desconhece por não ser obrigado a saber o valor do dano causado, tendo efetuado um depósito autónomo no valor de 1.000,00 € por conta dos mesmos.(…)” II.3.G. Do julgamento (cfr. ref.ªs 154220207 de 27-11-2024, 154250924 de 11-12-2024, 154426534 de 18-12-2024 e 155209454 de 14-01-2025): Após a dedução da acusação, e até à prolação do acórdão, não foi efetuada qualquer comunicação alterando a qualificação jurídica. II.3.H. Da matéria de facto considerada no acórdão recorrido (cfr. ref.ª 155209491 de 14-01-2025): É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1.ª instância: “II. Fundamentação A) De Facto 1. BB, … e residente na ... conheceu a arguida CC através da rede social ..., em data não concretamente apurada dos anos de 2021 ou de 2022. 2. Nessa sequência, a arguida e BB conheceram-se pessoalmente tendo aquele lhe efetuado … por mais de uma vez a pedido da mesma. 3. Com o decurso do tempo e da convivência BB e a arguida envolveram-se e mantiveram uma relação de cariz amoroso em período não concretamente apurado, mas anterior a ... de 2023. 4. Durante o período de duração da referida relação amorosa a arguida visitou pelo menos uma vez a citada residência de BB. 5. Pese embora o término da relação amorosa, a arguida CC e BB mantiveram os contactos por mensagens entre si. 6. Em ... de 2023 a arguida conheceu o arguido AA tendo os dois mantido uma relação de namoro entre si, com períodos de coabitação, entre ...-...-2023 e pelo menos o mês de novembro desse ano. 7. No decurso da relação de namoro com a arguida, o arguido leu diversas mensagens escritas e ouviu mensagens áudio trocadas entre a arguida e BB o que lhe causou ciúmes. 8. Em data não concretamente apurada do mês de ... de 2023, mas anterior ao dia 20, através da rede social ..., no grupo ..., o arguido AA comprou uma arma de fogo, concretamente, um revolver da marca ..., calibre 32 S&W Long, e seis munições do mesmo calibre, pelo preço global de 700,00€ (setecentos euros). 9. No dia ... de ... de 2023, pelas 01h20, após uma discussão por ciúmes, o arguido pediu à arguida CC que o acompanhasse para lhe mostrar a localização da residência de BB, tendo ambos se dirigido para a ..., em .... 10. Antes de sair da residência, o arguido muniu-se da referida arma de fogo municiada com as seis munições. 11. No percurso até à ..., em Mem Martins, através do número de telemóvel ... pertencente à arguida, o arguido AA enviou diversas SMS ao referido BB dizendo que lhe queria falar e pediu-lhe que viesse ao exterior da sua residência para o efeito. 12. Como BB não se dirigiu ao exterior, o arguido entrou em contacto telefónico com aquele e, em tom alto e sério, perguntou-lhe porque não vinha à rua. 13. Nessa sequência, com a luz do quarto acesa, BB aproximou- se da janela do seu quarto e espreitou através da mesma. 14. Uma vez no local a arguida CC mostrou ao arguido AA qual era a janela do quarto do ofendido BB, tendo este saído da viatura. 15. E acto contínuo, este arguido dirigiu-se ao n.º 4 da ..., momento em que BB se encontrava à janela a filmar a aproximação daquele, já de luz apagada. 16. Quando se encontrava a cerca de um a dois metros de distância, o arguido efectuou seis disparos com a referida arma de fogo na direcção da janela. 17. Assim que o BB viu que o arguido AA sacava de uma arma que trazia na cintura atirou-se para o solo. 18. Com o barulho dos disparos, DD, mãe de BB, consigo residente, acordou, levantou-se e dirigiu-se ao quarto do filho a fim de perceber se o mesmo estava bem tendo este lhe dito que se baixasse para não ser atingida. 19. Após efectuar os disparos, o arguido AA regressou à viatura e abandonaram o local. 20. Com a sua descrita conduta, por referência ao quarto de BB, o arguido AA perfurou: a. O estore em seis sítios; b. O vidro da janela em três sítios; c. A moldura de madeira da janela em três sítios; d. A parede em dois sítios; e e. A aduela de uma porta, num sítio, com o que causou um prejuízo no valor de €3.657,00 8três mil seiscentos e cinquenta e sete euros). 21. O arguido AA conhecia as características da arma de fogo com que previamente se munira e sabiam que, ante as características que possuía e quando utilizada da forma descrita, consubstancia o uso de meio particularmente perigoso. 22. Ao efectuar múltiplos disparos na direção da referida janela, agiu o arguido AA com o propósito, concretizado, de causar estragos na mesma e no estore, sabendo que tal fração não lhe pertencia e que agia no desconhecimento e contra a vontade dos seus legítimos possuidores, bem sabendo que pelo menos o ofendido BB se encontrava no interior da habitação e que com tal conduta colocava em perigo a vida e integridade física daquele. 23. O arguido não é portador de licença de uso e porte de arma, nem de licença de detenção de arma no domicílio quanto à arma descrita. 24. O arguido tinha na sua posse a referida arma e as munições cujas características bem conhecia, bem sabendo que para as deter, guardar, portar ou usar, necessitava de uma licença específica para o efeito, mas mesmo assim, não se absteve de as comprar e de as usar nos termos descritos. 25. O arguido agiu motivado pelos ciúmes que tinha de BB. 26. O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento. Antecedentes criminais dos arguidos: 27. Do certificado de registo criminal dos arguidos não constam quaisquer averbamentos. (…) Condições pessoais (relatório social) do arguido AA: 36. À data dos alegados factos, AA coabitava com a coarguida e anterior companheira, com quem manteve uma relação análoga a de cônjuges, iniciada em ... de 2023. 37. Nascido no ..., AA emigrou para Portugal com cerca de três anos de idade, tendo, somente em 2020, obtido a nacionalidade portuguesa. Coabitou com ambos os pais até 2012, altura em que estes se separaram, vindo posteriormente a viver com a mãe, companheiro desta e irmão atualmente com 20 anos de idade. Os progenitores do arguido mantiveram ao longo dos anos, uma relação cordial entre ambos no sentido de acompanharem os descendentes em comuns. 38. AA frequentou o ensino regular até aos quinze anos de idade, tendo somente completado o sexto ano de escolaridade, devido ao elevado absentismo, ignorado pelos pais. Embora tenha ingressado no mercado de trabalho após abandono escolar, a título precário e como colaborador do progenitor, numa …, AA manteve-se até aos dezanove anos a frequentar cursos de formação profissional, para obtenção do nono ano de escolaridade, sem sucesso. O arguido veio a concluir uma a formação em …, tendo trabalhado cerca de um mês, em ..., nas torres eólicas. No período prévio à reclusão, AA colaborava na … do seu progenitor mantendo-se, segundo este último, o contrato de trabalho ativo. 39. No Estabelecimento Prisional não desenvolve qualquer atividade laboral. A nível económico, AA mantém, tal como em liberdade, apoio financeiro de ambos os progenitores, sendo que todas as semanas o seu pai tem depositado 90€, para as despesas necessárias. 40. AA assume o consumo de produtos estupefacientes, nomeadamente, haxixe desde os treze anos, que se manteve até à data da sua reclusão, situação caracterizada pelo mesmo como controlada e circunscrita ao contexto de pares. Apresenta idêntica descrição quanto à ingestão de bebidas alcoólicas. O arguido assumiu que a sua inserção comunitária se baseava na vinculação ao seu grupo de pares, na maioria da sua área de residência e com quem contactou durante o seu processo de desenvolvimento, convivendo com regularidade no espaço residencial, assim como de forma esporádica, na frequência de locais de diversão noturna. 41. No Estabelecimento Prisional de ..., AA tem recebido visitas do seu progenitor e alguns amigos e contacta com regularidade a sua progenitora, assim como uma amiga, a quem se afeiçoou uns tempos antes de ser preso. Não existe contacto com a coarguida deste o termo da relação. 42. Em meio comunitário, além da vinculação afetiva familiar e ao seu grupo de pares, AA apresenta sustentabilidade habitacional e económica, proporcionada pela profissão que desempenhava à data da sua reclusão, cujo contrato o seu progenitor mantém ativo, além do apoio financeiro de ambos os ascendentes. 43. O caráter impulsivo assumido pelo próprio, a permissividade proporcionada, essencialmente, pelo progenitor de AA, para além da inexistência de uma actividade estruturada nos tempos livres podem constituir entraves ao seu ajustamento comportamental. * Factos não provados: Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente, e sem prejuízo da factualidade dada por assente, que e com relevo: - Os disparos foram efectuados na direção de BB cuja figura era visível do exterior. - A arguida CC agiu, em tudo, em comunhão de esforços e de intentos, de acordo com plano previamente traçado com o arguido AA ou a que aderiu de imediato. - Que o arguido AA adquiriu a arma de fogo referida no ponto 8 da acusação com a intenção de a usar contra o ofendido BB. - No decurso da viagem o arguido disse à arguida que ia matar BB. - Ao actuar conforme descrito, fazendo uso de uma arma de fogo, o arguido AA agiu com o propósito, não concretizado, de provocar a morte de BB, bem sabendo que se algum dos projeteis lhe atingisse a cabeça ou órgãos vitais como o coração e os pulmões, bem como estruturas orgânicas e vasos sanguíneos essenciais à vida deste, seriam idóneos a produzir o resultado - a morte - que almejava e que apenas não logrou por razões alheias à sua vontade. - A vida e integridade física de DD, que também ali se encontrava foi colocada em risco com os disparos efectuados. - A arguida CC agiu com o propósito não concretizado, de provocar a morte de BB, admitindo como possível que se algum dos projeteis da arma de fogo usada pelo arguido lhe atingisse a cabeça ou órgãos vitais como o coração e os pulmões, bem como estruturas orgânicas e vasos sanguíneos essenciais à vida daquele, seriam idóneos a produzir o resultado - a morte - que a arguida pelo menos previu e com o que se conformou. - O resultado morte de BB só não veio a ocorrer por razões alheias à vontade dos arguidos, designadamente, porque o arguido falhou o alvo ao primeiro disparo e porque aquele se deixou cair ao solo depois de ouvir o primeiro estoiro. - A arguida sabia que ao serem efetuados disparos com arma de fogo pelo arguido na direção da referida janela da habitação de BB, os mesmos causavam estragos na mesma e no estore, como causaram, que os mesmos colocavam em perigo as vidas e as integridades físicas de quem se encontrasse no seu interior, resultado que previu e com o qual se conformou, sabendo que tal fração não lhe pertencia e que agia no desconhecimento e contra a vontade dos seus legítimos possuidores. Da contestação da arguida CC, nomeadamente e em suma: - A relação amorosa com o arguido foi sujeita a um controlo e intimidação exercida por este. - O qual lhe via o telemóvel, controlava os contactos que esta tinha com terceiros e tinha atitudes violentas caso esta mão obedecesse, fazendo-a temer. - Relação esta pautada por violência física e psicológica. * A demais factualidade alegada na contestação encerra matéria de impugnação directa e/ou conclusiva, razão pela qual não se responde.” II.3.I. Dos motivos de facto, indicação e exame crítico das provas exarados no acórdão recorrido (cfr. ref.ª 155209491 de 14-01-2025): É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância: “O Tribunal fundou a sua convicção, no que diz respeito à matéria de facto dada como provada e não provada, na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência de julgamento, bem como na prova documental e pericial constante dos autos, aí igualmente analisada, com apelo ainda às regras da vida e da experiência comum, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 127º do Código de Processo Penal. Vejamos, então, as provas que serviram de suporte à convicção do tribunal: * Importa desde logo definir que das declarações do arguidos prestados em audiência de julgamento e, igualmente, das prestadas das prestadas em sede inquérito (as quais foram lidas nos termos do disposto no art.º 357º, n.º 1, al. b) doC.P.P., mormente a fls. 227, 228, 128 a 131, 221 a 224 da arguida CC e fls. 248, 249, 140 a 144 do arguido AA, não resultaram quaisquer dúvidas, sobre quem procedeu aos disparos sobre a janela da referida habitação, tempo e hora dos acontecimentos e respectivos danos, atenta a confissão do arguido AA, a qual foi corroborada pela arguida CC, em conjugação com o exame pericial ao local a fls. 98-121 e auto de visionamento de imagens a fls. 73-78 e mensagens envidas a fls. 57-63 (factos 8, 10 a 16). Daí também se retirou a factualidade relativa à existência de um relacionamento amoroso entre ambos, o conhecimento por parte do arguido AA dos contactos através de mensagem mantidos entre a arguida CC e BB e ciúmes daí decorrentes até ao circunstancialismo que envolveu a noite de ... de ... de 2023 (factos 1 a 17 e 19 dos factos provados). Assim, quedou-se controvertido o circunstancialismo relativo a saber se: a) A arguida CC sabia que o arguido AA transportava consigo uma arma quando se deslocou ao local e lhe indicou a localização da habitação e janela, com o propósito de sobre ele disparar. b) O arguido AA sabia, por ser visível do exterior, que oofendido BB se encontrava atrás da janela, quando procedeu aos seis disparos na direcçao da mesma, agindo com o propósito concretizado de atingi-lo e/ou admitindo como possível que se algum dos projecteis lhe atingisse a cabeça ou órgãos vitais como o coração e os pulmões, bem como estruturas orgânicas e vasos sanguíneos essenciais à vida daquele, seriam idóneos a produzir o resultado - a morte - que a arguida pelo menos previu e com o que se conformou. Esta é, pois, a factualidade nuclear que mereceu aturada ponderação deste Colectivo de Juízes. Vejamos. Quanto ao primeiro tema,atendeu-se àsdeclaraçõesde ambosos arguidos sobre este circunstancialismo, já que outro elemento probatório inexiste. Neste conspecto, refere a arguida CC, que sabia da existência da arma, por a ter visto aquando das lides doméstica (já que coabitava com o arguido AA), tendo o arguido AA a empunhado, ainda em casa e no calor da discussão sobre as mensagens trocadas entre a arguida CC e o ofendido BB. Todavia, a depoente logrou convencê-lo a guardá-la e a não fazer uso da mesma nessa noite, julgando, por isso, que o então companheiro não se fazia acompanhar de tal objecto quando se deslocaram a casa do ofendido BB. No mais, reflectiu que as mensagens enviadas do seu telefone foram efectuadas pelo arguido AA, e que só anuiu em acompanhá-lo por este lhe ordenado, não alcançando que o mesmo iria actuar desta forma ainda que fosse visível o seu estado de irritação e alteração. Esta narrativa não foi infirmada pelas declarações do arguido AA, nem pelas declarações do ofendido BB que, nesta sede, referiu que recebeu uma mensagem de voz masculina, mais reiterando que pelo tipo de linguagem usada nas mensagens, se apercebeu que não eram enviadas pela arguida CC. Destarte, e na falta de outra prova concludente, impôs-se a anotação desta matéria como não provada, designadamente, a actuação da arguida CC de forma concertada e em comunhão de esforços e intenções, conforme previamente gizado, com o arguido AA. Analisemos a prova produzida sobre a factualidade que encerra o segundo tema. E quanto a esta foi decisiva a análise e valoração das declarações do ofendido BB à luz das imagens que resultam da gravação por este realizada no momento do ataque (e junto aos autos), por diversas vezes exibido em sede de audiência de julgamento. E das mesmas resulta que o arguido se aproximou da janela da habitação que corresponde ao quarto do ofendido (facto que é confirmado pelo próprio) e a cerca de dois metros da mesma retirou a arma de fogo da cintura, realizando de imediato a totalidade dos disparos. O ofendido refere, e é corroborado pelas imagens, que o disparo é efectuado a cerca de um a dois metros da janela na sequência da aproximação do arguido AA da mesma. Refere o ofendido que o arguido apenas retirou a arma de fogo da cintura quando estava posicionado em frente à janela, sendo apenas nesse momento que o ofendido percepcionou tal objecto e anteviu os actos que se fariam seguir, atirando-se para o chão e logrando, desta forma, evitar o impacto das mesmas no seu corpo. Ora, até este momento, o relato do ofendido ajustou-se ao conteúdo da aludida gravação que tem o seu término no momento que antecede, imediatamente, os disparos. Inexistem imagens do que ocorreu de seguida, sem prejuízo da perícia ao local indicar de forma precisa e cabal a presença dos seis disparos e respectivos locais descritos no ponto 21 dos factos assentes, sendo que seriam idóneos a atingir quem estivesse no interior do quarto e naquela direcção (da janela). Todavia, haverão elementos probatórios bastantes para concluir que o arguido AA sabia da presença do ofendido naquela exacto local - atrás da janela na direcção da qual disparou – e, em caso afirmativo, daí se extrair que agiu com o propósito, não concretizado, de provocar a morte de BB, ou admitiu como possível que o mesmo se encontrava naquela direcção e que bem sabendo que se algum dos projeteis lhe atingisse a cabeça ou órgãos vitais como o coração e os pulmões, bem como estruturas orgânicas e vasos sanguíneos essenciais à vida deste, seriam idóneos a produzir o resultado - a morte – conformando-se com aquele resultado? A resposta afigura-se-nos negativa. Vejamos. Nas suas declarações, em sede de audiência de julgamento, o ofendido indicou três circunstâncias de facto que evidenciariam do exterior o seu posicionamento atrás da janela, no momento dos disparos: - a luz do quarto acesa; - o flash do telemóvel ligado quando procedia à gravação do arguido AA a aproximar-se da janela; - o estore que se encontrava ligeiramente subido - com uma abertura total na parte de baixo - permitindo a visualizar a sua figura através desse espaço. Ora, relativamente ao primeiro circunstancialismo, e uma vez confrontado com a gravação das imagens, o ofendido corrigiu as suas declarações referindo que apagou a luz do quarto quando se apercebeu da presença do arguido no exterior e, por essa razão, afinal, no momento dos disparos, e o no momento que o antecedeu, a luz do quarto estava apagada. Quanto ao segundo factor - a utilização de flash na gravação o qual emite um ponto de luz, permitindo, assim, percepcionar do exterior a presença do aludido dispositivo – o teor das imagens evidencia o contrário, designadamente, a ausência de flash. Com efeito, quando este dispositivo está ligado, a par de um clarão/luminosidade que é sempre visível na gravação, a própria qualidade da imagem é diferente, mais nítida e clara o que não acontece neste caso, o que nos levou a assumir que o flash não estava ligado quando o ofendido procedeu à gravação da imagens em causa e, desta forma, inexistia este elemento/sinaléctica indiciadora da presença de alguém à janela. Finalmente, sobre o terceiro circunstancialismo, a saber: que o estore se encontrava ligeiramente subido, evidenciando uma espaço entre o mesmo e a soleira da caixa da janela, o que permitiria visualizar do exterior uma figura humana à janela, anotamos que o ofendido apenas evidenciou este aspecto em sede de audiência de julgamento, porquanto anteriormente, em sede de inquérito, apenas referiu que o estore estava fechado, sem anotar este pormenor – declarações que foram também lidas em sede de audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art.º 356º, n.º 3 do Cód. Proc. Penal (a fls. 44 e seguintes). Acresce que este novo apontamento surgiu quando o ofendido foi confrontado com a ausência de luz no quarto e como justificação da sua convicção de que o arguido sabia que o de declarante se encontrava à janela. Ora, a par da fragilidade das declarações do ofendido nesta parte, porquanto não surgiram espontaneamente, antes foram surgindo, aconchegando aquilo que é a sua convicção relativamente ao evento de que foi vítima, não pode nesta fase o tribunal distinguir em entre aquilo que foi a sua percepção no momento e uma memória já construída. Por outro lado, dizem-nos as regras da experiência comum que quando alguém espreita à janela, assegura-se de que não é visível a sua presença e observação. In casu, todo o circunstancialismo que rodeou a acção e que o antecedeu (os disparos), fazem crer que o ofendido estava de alerta porquanto sabia que o arguido o queria confrontar e, por essa razão, estava vigilante, observando o exterior da sua habitação através dos orifícios do estore – através dos quais realizou a gravação em análise supra, aliás, e como o próprio confirmou no seu depoimento-, peloque não se mostra plausível, segunda asregrasda experiência comum, que se expusesse, tornado a sua figura visível, ao inimigo e assim, ficasse mais fragilizado e incapacitado de reagir e/ou desprecatado. Assim, a prova quedou-se frágil neste singular aspecto e, em consequência, insuficiente para convencer este Tribunal da verificação desta factualidade. Nesta conformidade, afastadas as susoditas circunstâncias de factos, e na falta de outros elementos que permitam concluir que o arguido sabia, no momentoem que realizou osdisparos, que o ofendido se encontravaà janela e/ou na direcção dos mesmos, ficou arredada a asserção de que o arguido actuou com o propósito concretizado de disparar sobre o ofendido e tirar-lhe a vida. Sem prejuízo, e como vimos, o próprio arguido admitiu que efectuou seis disparos contra a janela do quarto do ofendido, actuando, como é evidente, o propósito concretizado de danificar a mesma, com tal conduta colocando em risco a vida e integridade física do ofendido BB e de quem estivesse no interior da habitação e naquele quarto, o que quis e alcançou. Com efeito, as marcas na aludida janela, estore e parede são inequívocas no sentido dos danos perpetrados e, bem assim, da potencialidade da acção do arguido para colocar em risco a vida e integridade física do ofendido BB que só não foi atingido por se ter atirado para o chão: vejam-se o número de disparos e local onde houve as perfurações dos projecteis. E neste conspecto recordamos as declarações do ofendido BB, anotando ter 171 cm de altura, o que elucida bem a potencialidade de tais disparos o terem atingido na cabeça e tronco, mormente os disparos/vestígios 7, 8 e 9 conforme indicação de fls. 117, que distaram aa 189 cm, 178 cm e 155 cm do solo, respectivamente. * De igual modo, e quanto à posse e aquisição da arma de fogo descrita no acervo acusatório o arguido AA confessou os factos, tendo, aliás, procedido à entrega da mesma, ainda em sede de inquérito e de forma voluntária (facto 8 provado). * Também a factualidade relativa ao envolvimento amoroso da arguida CC com o ofendido BB, mormente, a sua verificação e período temporal em que terá decorrido, atendeu-se às declarações de ambos, das quais se retirou,com segurança,que antecedeu orelacionamentoamorosa daquela com o arguido AA, este iniciado por volta de ... de 2023 – tendo presente as declarações de ambos – sem certeza quanto à precisão das datas anotadas em sede de acusação por divergência de declarações de ambos nesta parte (factos 1 a 5 provado. Foi conjugada a prova pericial, a saber: o relatório de exame pericial de fls. 98-121. Ainda, a seguinte prova documental, a saber: Auto de notícia de fls. 6, autos de apreensão de fls. 8, 22, 51, 70, fotografias de fls. 55-65, auto de visionamento de registo de imagens de fls. 73-78 e respetivo formato digital de fls. 90, auto de apreensão e fotografias de fls. 145-146, termo de recebimento de fls. 320, auto de apreensão de arma de fogo de fls. 321 e fotografias de fls. 322, informação da PSP sobre registo de arma de fls. 323 e informação da PSP sobre licença de uso e porte de arma de fls. 426 e orçamento de fls. 416-417. * Por último, quanto à situação pessoal, económica e familiar da arguida e respectivos antecedentes criminais, tomou-se em consideração, respetivamente, o relatório social elaborado pela D.G.R.S.P., e junto aos autos e o certificado de registo criminal. * Quanto às demais testemunhas ouvidas, não tendo presenciado os factos, verbalizaram elementos sem relevo e/ou aconchego probatório à prova existente e por isso sem nota de destaque. A demais matéria dada por não provada resultou da absoluta inexistência de prova suficiente.” II.3.J. Da fundamentação exarada no acórdão recorrido no que se refere à determinação da medida das penas parcelares e da pena única (cfr. ref.ª 155209491 de 14-01-2025): É a seguinte a fundamentação da determinação da medida da pena parcelar aplicada pelo crime de dano com violência e da pena única: “Da moldura abstracta da pena A moldura pena abstracta a atender para cada um dos crimes é: - de crime de dano com violência, p. e p. pelos arts. 212º, n.º 1 e 214º, n.º 1 al. a) do Código Penal é a pena de 1 (um) a 8 (oito) anos de prisão. - de crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo disposto no artigo 86.º, n.ºs 1, alíneas c) e d) da Lei das Armas é a pena de 1 a 5 anos de prisão. Da medida da pena O ordenamento jurídico-penal português consagra uma concepção preventivo-ética da pena, ao definir no art.º 40º do Código Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”5. É com recurso à disciplina do art.º 71º do Código Penal que se retiram os critérios para a sua determinação, a saber: ▪ a culpa do agente (que nos termosdo art.º40, n.º2 CPé o seu tecto máximo ao definir que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”; ▪ as exigências de prevenção (cf. art. 71, n.º 1 do Código Penal); ▪ E todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime, deponham a favor ou contra si (cf. art. 71, n.º 2 do Código Penal), aqui se atendendo a considerando: ❖O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; ❖A intensidade do dolo ou da negligência; ❖Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; ❖As condições pessoais do agente e a sua situação económica; ❖A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; ❖A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Assim, e no cumprimento desta tarefa deverá “dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa”. (…) Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados6.” * Debrucemo-nos sobre a tarefa seguinte de definição da pena de prisão concretamente a aplicar. No caso presente, são de sopesar as elevadas exigências de prevenção geral, no sentido de repor a confiança dos cidadãos na validade das normas jurídicas violadas com o comportamento lesivo dos bens jurídicos protegidos, na face do sentimento geral de insegurança na sociedade e tendo presente que estamos perante criminalidade grave que cria forte sentimento de insegurança, repúdio e alarme na comunidade e que esta deposita e exige dos tribunais uma efectiva aplicação de penas que defendam e se ajustem aos bens jurídicos em causa e no que toca a ambos os ilícitos perpetrados. Sem prejuízo, importa atender ao facto de o arguido ter assumido parcialmente os factos e, bem assim, a ausência de antecedentes criminais, pese embora o carácter violento demostrado com os seus actos, o que fazem situar as necessidades de prevenção especial num patamar médio. Ainda a atender: - a culpa do arguido que é agente que é elevada; - O grau de ilicitude dos factos, que é elevado, moldando-se o dolo do arguidono dolodireto e não olvidandoo circunstancialismoque rodeou a prática dos factos com a realização de seis disparos; - O grau de violação do bem jurídico protegido pela norma, bem como as consequências daí resultantes, as quais, ainda que diminutas do ponto de vista material, apresentam-se elevadíssimas do ponto de vista do desvalor da acção que atinge um patamar de dano pessoal ao nível da violência emocional muito elevado. - A inexistência de antecedentes criminais registados pelo arguido, sem prejuízo da personalidade violenta demonstrada pela prática dos actos em apreciação; - As condições económicas, sociais e culturais do arguido, de onde se destaca pela inserção social com apoio familiar. - a postura do arguido em julgamento de confissão parcial dos factos. * Por todo o exposto, entende o Colectivo de Juízes adequada a aplicação ao arguido, das seguintes penas: - pela pratica de um do crime de dano com violência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 212º, n.º 1 e 214º, n.º 1 al. a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (meses) de prisão; -pela prática de umcrime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c) e d), em conjugação com o disposto nos arts. 2.º, n.º 1, al. p), i) e q) e n.º 3, al. a) e art.º 3º, n.º 4, al. a) e n.º 2, al. q) da Lei das Armas, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. Medida da pena única Encontradas as penas parcelares relativamente a cada um dos ilícitos, cumpre agora proceder à determinação de uma pena única, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, nos termos do art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal. Por via do n.º 2 do mesmo artigo, temos que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Nocasoconcreto, a pena única a aplicar aoarguidoLoesterNetotem como limite mínimo 3 (três) anos e 6 (meses) de prisão e como limite máximo 5 (cinco) anos de prisão. Ora, considerando ascircunstânciase gravidade dosfactos, a natureza dos crimes cometidos, a personalidade do arguido neles espelhada e a falta de antecedentes criminais, sem esquecer a culpa e as necessidades de prevenção geral muito acentuadas, entende o Tribunal como ajustada a aplicação de uma pena única de 4 (quatro) anos de prisão. Substituição da Pena de Prisão: Suspensão da Execução da Pena de Prisão Disciplina o artigo 50.º n.º 1 do Código Penal que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ou seja, o Tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a cinco anos, terá sempre de fundamentar especificamente a denegação da suspensão da execução da pena de prisão nomeadamente no que toca: a) Ao carácter desfavorável da prognose (de que a censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição); e b) Às exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (na base de considerações de prevenção geral)7, A finalidade político-criminal que a leivisa com o instituto da execução da pena de prisão é clara no sentido de visar o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes. A par deste as necessidades de prevenção geral do caso devem permitir essa suspensão tendo em atenção o impacto dos mesmos na sociedade e, bem assim, por reporte ao um um grau diminuído da ilicitude e da culpa. Ora, in casu, atenta a natureza e gravidade do acto praticado, mormente a realização de seis disparos com arma de fogo para o interior de uma habitação como perigo para a vida e integridade física do ofendido, no meio da noite, ainda que o arguido não tenha antecedentes criminais e tenha prestada a sua colaboração, assumindo parcialmente os actos, a verdade é que as necessidade de prevenção geral que se estimam para este ilícitos são muito elevadas e alarme social que geram na sociedade e a urgência de tutela do bem jurídico protegido, considera este Colectivo de Juízes que as finalidade de punição impõem o cumprimento efectivo da pena de prisão aplicada, sendo de afastar a suspensão da sua execução. 5 Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. (Cit. Ac. STJ 43/17.5GANLS.C1.S1, de 9.09.2020, Relator: Conselheiro Gabriel Catarino da cit. de Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.). 6 Acórdão do STJ de 30.11.2016, proferido no Proc. nº 444/15.3JAPRT.G1S1 (Relator: Conselheiro Pires da Graça) 7 Neste sentido, Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 523.” II.3.K. Do perdão de penas: Nenhum dos sujeitos processuais requereu a aplicação do perdão a que alude os arts. 2.º e 3.º, n.º 4, da Lei nº 38-A/2023, de 02-08, que estabeleceu o perdão de penas e amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, sendo que o acórdão recorrido não equacionou sequer a sua aplicação. II.4. Da apreciação das questões objeto do recurso: Cumpre agora analisar as já elencadas questões suscitadas pelo recorrente (cfr. II.2.): II.4.A. Da nulidade do acórdão recorrido por omitir facto alegado na contestação (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.): Segundo o recorrente, no acórdão recorrido não consta do elenco dos factos provados que teria efetuado um depósito de EUR 1 000 por conta dos danos causados, factualidade que alegou no ponto 11 da contestação que oportunamente apresentou, único facto então alegado de que pretende extrair consequências. De facto, face ao disposto nos arts. 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., a enumeração dos factos provados e dos factos não provados traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua apreciação e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, sobre os factos constantes da acusação ou da pronúncia, da contestação e do pedido de indemnização, e ainda sobre os factos com relevância para a decisão que, embora não constem de nenhuma daquelas peças processuais, tenham resultado da discussão da causa, de acordo com todas as soluções jurídicas pertinentes. Quanto ao critério de acordo com o qual se deve aferir se determinado facto é ou não relevante para a decisão da causa, o mesmo é dado por alguns preceitos legais da lei de processo. Desde logo o art.º 124.º, n.º 1, do C.P.P. que prevê que “constituem objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”, acrescentando o n.º 2 que “se tiver lugar pedido civil, constituem igualmente objeto da prova os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil”. Mas também pelo disposto no art.º 283.º, n.º 3, als. b) e c), do C.P.P. de acordo com o qual a acusação contém, sob pena de nulidade, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”, bem como “as circunstâncias relevantes para a atenuação especial da pena que deve ser aplicada ao arguido ou para a dispensa da pena em que este deve ser condenado”. Contudo, de fora da apontada obrigação de enumeração dos factos provados e não provados ficam as considerações meramente conclusivas ou conceitos de direito e todos aqueles factos que são inócuos, acessórios e/ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, e bem assim aqueles que se mostram prejudicados com a solução dada a outros, por apenas os contrariarem, ou seja, representarem mera infirmação ou negação, de outros já constantes do elenco dos factos provados ou não provados, mesmo que alegados pela acusação e/ou pela defesa (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-10-2011, processo n.º 36/06.8GAPSR.S14; acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27-05-2020, processo n.º 825/18.0PBMAI.P15). No presente caso, não consta do elenco dos factos provados e não provados semelhante facto (cfr. II.3.H.), tendo o tribunal recorrido referido que “não se provaram qualquer outros factos com relevância para a decisão da causa”, bem como que “a demais factualidade alegada na contestação encerra matéria de impugnação directa e/ou conclusiva, razão pela qual não se responde”, embora esta última referência tenha sido efetuada a propósito da contestação apresentada pela coarguida CC (cfr. II.3.H.). No entanto, tendo em conta parte dos crimes imputados ao recorrente (cfr. II.3.A.), afigura-se que o mencionado facto, não sendo conclusivo, possuía relevo para a decisão nos termos expostos, pelo que o tribunal recorrido deveria ter tomado posição sobre o mesmo. Na verdade, estava em causa, desde logo, 1 crime de dano com violência, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 212.º, n.º 1 e 214.º, n.º 1, al. a), do C.P. que prevê quatro modalidades de ação típicas: destruir, danificar, desfigurar e tornar não utilizável uma coisa alheia. Por outro lado, também foi imputada ao recorrente a prática de 1 crime de homicídio agravado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º, 131.º do C.P. e 86.º, n.º 3, do R.J.A.M. Acresce que, embora não tenha sido admitido o pedido de indemnização civil deduzido contra o recorrente, o certo é que face ao disposto nos arts. 1.º, als. j) e l), 67.º-A, n.ºs 1, al. b), e 3, do C.P.P. e 16.º do Estatuto da vítima, em caso de condenação por aqueles crimes imputados, as vítimas possuíam o direito ao arbitramento oficioso de uma indemnização por parte do respetivo agente do crime. Aliás, isso mesmo foi logo reconhecido pelo tribunal recorrido no saneamento do processo, tendo então ordenado o cumprimento do contraditório (cfr. II.3.D.), sendo que nenhuma das vítimas se opôs ao arbitramento de tal indemnização (cfr. II.3.E.). Deste modo, trata-se de um facto que, de acordo com, pelo menos, uma das soluções jurídicas pertinentes, era suscetível de assumir relevo para a decisão da causa, nomeadamente quanto à determinação da pena e ao arbitramento oficioso da indemnização. Assim, o acórdão recorrido está ferido da nulidade prevista nos arts. 97.º, n.º 1, al. a), n.º 2, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P. (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24-04-2019, processo n.º 708/15.6T9CBR.C16). Procede, pois, nesta parte o recurso. Contudo, uma vez que este tribunal de recurso dispõe de todos os elementos necessários para o efeito, tal nulidade será suprida neste mesmo ato, nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 2, do C.P.P. Uma vez que dos próprios documentos oportunamente juntos pelo arguido se constata que tal depósito não foi efetuado em ...-...-2023 pelo recorrente, mas sim em 21-12-2023 e pelo seu pai, tendo o mesmo sido efetivado à ordem do presente processo (cfr. II.3.C.), será aditado ao elenco dos factos provados o seguinte facto: 26-A. No dia 21-12-2023 EE, pai do arguido, depositou à ordem dos presentes autos a quantia de EUR 1 000 por conta dos danos causados. II.4.B. Da nulidade do acórdão recorrido por condenar por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º do C.P.P. (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.): O recorrente entende que a condenação pela prática de 1 crime de dano com violência, p. e p. pelo art.º 214.º, n.º 1, al. a), do C.P., quando vinha acusado da prática de 1 crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º e 131.º, do C.P., agravado nos termos do art.º 86.º, n.º 3, do R.J.A.M., do qual foi absolvido, sem que o tribunal recorrido tenha comunicado previamente a alteração da qualificação jurídica, nos termos do art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, do C.P.P., para se pronunciar sobre o novo enquadramento jurídico-penal, gera a nulidade do acórdão recorrido nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. b), do C.P.P. De facto, é nulo o acórdão que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º do C.P.P. (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.). No presente caso, até à prolação do acórdão condenatório, é evidente que o tribunal recorrido não efetuou qualquer comunicação alterando a qualificação jurídica dos factos (cfr. II.3.G.). No entanto, no art.º 379.º, n.º 1, al. b), do C.P.P. está apenas em causa a condenação que envolva a existência de factos diversos daqueles que constavam no despacho de acusação ou no despacho de pronúncia, fora dos casos e das condições previstas nos arts. 358.º e 359.º do C.P.P. (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-11-2012, processo n.º 1667/10.7TDLSB.L1-97; LOPES, José Mouraz, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, 2022, Almedina, págs. 799 e 800; ANTUNES, Maria João, in Direito Processual Penal, 5.ª edição, Almedina, 2023, págs. 219, 220 e 223). Assim, a referida nulidade só se verificaria caso a condenação tivesse por base factos diversos dos constantes do despacho de acusação, o que não se verificou (cfr. II.3.A. e II.3.H.). Contudo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008, de 25-06-2008, in Diário da República, 1.ª série, n.º 146, de 30-07-20088, vai, porém, no sentido de que a inobservância do art.º 358.º, n.º 3, do C.P.P. acarretar a nulidade da sentença. Na verdade, foi por aquele fixada jurisprudência no sentido de que “em processo por crime de condução perigosa de veículo ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, não pode ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do no 1 do artigo 379.º deste último diploma legal.” O regime da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia é claramente tributário do entendimento de que o arguido tem o direito de se defender dos factos que lhe são imputados, bem como da qualificação jurídica dos mesmos, ganhando aqui espaço a distinção entre autodefesa, relativamente aos primeiros, e defesa técnica, quanto à segunda (cfr. ANTUNES, Maria João, in Direito Processual Penal, 5.ª edição, Almedina, 2023, págs. 223 e 224). No entanto, mesmo que se entendesse que a nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. b), do C.P.P. se verificaria nos casos de condenação com base nos mesmos factos descritos no despacho de acusação, mas por distinta qualificação jurídica da efetuada no despacho de acusação e sem que o tribunal tenha comunicado previamente a alteração da qualificação jurídica, nos termos do art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, do C.P.P. (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22-02-2017, processo n.º 19/16.0GAFIG.C19), ainda assim seria forçoso concluir que, no presente caso, não se verificaria a nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. b), do C.P.P. Na verdade, conforme resulta do despacho de acusação deduzido, havia sido imputada ao recorrente a prática, em concurso efetivo, de 1 crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º e 131.º, do C.P., agravado nos termos do art.º 86.º, n.º 3, do R.J.A.M., e de 1 crime de dano com violência, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 214.º, n.º 1, al. a), do C.P., ambos praticados sobre a mesma vítima, independentemente de se ter aí considerado que este último crime havia vitimado ainda outra pessoa (cfr. II.3.A.). Assim, o facto de o arguido ter sido absolvido daquele primeiro crime e condenado por este último não viola as garantias de defesa e do contraditório (cfr. art.º 32.º, n.ºs 1 e 5, da C.R.P.), não podendo, em caso algum, constituir para si um desfecho que não devesse ter sido equacionado, sendo que, de facto, o foi, conforme decorre, desde logo, das alegações efetuadas pelo ilustre mandatário do recorrente10. Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto. II.4.C. Da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto ao perdão de penas estabelecido pelos arts. 2.º e 3.º, n.º 4, da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08 (cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P.): O recorrente pugna que o acórdão recorrido está ferido de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P., dado que não se pronunciou sobre o perdão de penas. De facto, o acórdão recorrido não se debruçou expressamente sobre a questão da aplicação do perdão a que aludem os arts. 2.º e 3.º, n.º 4, da Lei nº 38-A/2023, de 02-08, que estabeleceu o perdão de penas e amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, não a equacionando sequer (cfr. II.3.I.). No entanto, só será nulo o acórdão quando, na parte que agora importa, o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (cfr. arts. 97.º, n.º 1, al. a), n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P.). Deste modo, a omissão de pronúncia ocorrerá quando o tribunal não aprecie e decida de questões que devesse conhecer, quer tenham sido suscitadas pelos sujeitos processuais, quer sejam de conhecimento oficioso (cfr. LOPES, José Mouraz, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Almedina, 2022, págs. 800 e 801). Contudo, cumpre salientar que a utilização do verbo “dever”, com o sentido de “estar obrigado a”11, em vez do verbo “poder”, com o significado de “ter a possibilidade de”12, não é anódina. Assim, só se verifica a nulidade do acórdão prevista nos arts. 97.º, n.ºs 1, al. a), 2, e 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P., na vertente de omissão de pronúncia, quando o tribunal não tenha apreciado e decidido de questão que então devesse conhecer, ficando precludido o seu conhecimento em momento posterior, e não quando, embora a pudesse conhecer nesse momento, ainda a possa conhecer em momento posterior. Ora, apesar de o perdão de penas a que aludem os arts. 2.º e 3.º, n.º 4, da Lei nº 38-A/2023, de 02-08 se tratar de uma questão e ser até oficioso o seu conhecimento, o certo é que a sua apreciação tanto pode ser equacionada no acórdão condenatório como em momento posterior ao trânsito em julgado daquele, o que desde logo afasta a verificação da mencionada nulidade (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-12-2024, processo n.º 9/22.3PEPRT-M.P113). Mesmo que se assim não se entendesse, saber se a mencionada Lei se aplica ou não ao caso dos autos é, em bom rigor, uma questão que nunca foi levantada junto do tribunal recorrido por qualquer sujeito processual (cfr. II.3.K.), pelo que não pode ser conhecida, neste momento, por esta instância de recurso. Na verdade, os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelos sujeitos processuais perante o tribunal recorrido. As questões novas não podem ser apreciadas em recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por a apreciação destas equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando o sujeito processual que ficasse vencido (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-05-2006, processo n.º 06P79814). Seja como for, conforme bem salientado pelo Ministério Público em 1.ª instância, cumpre acrescentar que a posição agora assumida pelo recorrente no recurso que interpôs no sentido de beneficiar do referido perdão de penas, onde fundamenta a verificação da mencionada nulidade, é até contrária à posição que assumiu em sede de alegações onde expressamente admitiu não beneficiar de tal perdão de penas15. II.4.D. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. art.º 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P.): O recorrente entende que no acórdão recorrido não consta do elenco dos factos provados qualquer facto referente ao tipo subjetivo de ilícito do crime de dano com violência, p. e p. pelo art.º 214.º, n.º 1, al. a), do C.P., pelo qual veio a ser condenado. Embora entenda que tal configuraria a nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. a), do C.P., na medida em que aquele crime é doloso e que o recorrente foi condenado pela sua prática, a omissão de semelhante factualidade, a verificar-se, consubstanciaria uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e, assim, conforme resulta do já exposto (cfr. II.1.), um vício de conhecimento oficioso (cfr. art.º 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P.). Na verdade, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando os factos dados como provados são insuficientes para fundamentar a decisão de direito, não tendo, assim, o tribunal investigado toda a matéria de facto com interesse para a decisão, tendo em conta o objeto do processo, apesar de o poder e dever fazer (cfr. TRIUNFANTE, Luís Lemos, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, págs. 192 a 195; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-12-2007, processo n.º 07P340616). No que se refere aos elementos do tipo subjetivo de ilícito e ao tipo de culpa, conforme já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça, é tradicional serem expressos por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter atuado livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude) (cfr. 10.2.3 da fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015, para fixação de jurisprudência, de 20-11-201417). Ora, atentos os factos provados 22 e 26 (cfr. II.3.H.) é evidente que aí consta a pertinente factualidade referente aos elementos do tipo subjetivo de ilícito e ao tipo de culpa em causa. Na verdade, daí resulta que o recorrente, ao efetuar, a 1 a 2 metros de distância, seis disparos com uma arma de fogo contra uma janela de um imóvel situado num rés-do-chão e onde momentos antes, no interior deste, a vítima se encontrava, agiu livre e conscientemente, sabendo e querendo causar estragos no imóvel em causa, resultado típico do referido crime, mediante o anúncio de um mal iminente para a vida e integridade física da vítima, com conhecimento que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Assim, também neste segmento, improcede o recurso. II.4.E. Do enquadramento jurídico-penal: Resultando da matéria de facto considerada provada pelo tribunal recorrido que o recorrente utilizou uma arma de fogo, concretamente, um revólver de calibre 32 S&W Long, com o qual disparou seis munições do mesmo calibre (cfr. II.3.H.), daí não resultando que estas se tratassem das munições a que se referem aos als. que) e r), do art.º 3.º, n.º 2, do R.J.A.M., o crime de dano com violência, p. e p. pelos arts. 212.º, n.º 1, e 214.º, n.º 1, al. a), do C.P., terá que ser agravado nos termos do art.º 86.º, n.ºs 3 e 4, do R.J.A.M., sendo o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, als. c) e e), do R.J.A.M., por referência aos arts. 2.º, n.º 1, al. aad), 2.º, n.º 3, al. p), 3.º, n.º 4, al. b), e 6.º, do mesmo diploma legal. Na verdade, dispõe o art.º 86.º, n.º 3, do R.J.A.M. que “as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma”, acrescentando o n.º 4, do mesmo que preceito legal, que “para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente”. No comportamento global do recorrente revela-se uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude gerador e, assim, um concurso efetivo entre o crime de dano com violência, agravado por ter sido cometido com arma, e o crime de detenção de arma proibida, tanto mais que a agravação resultante do art.º 86.º, n.ºs 3 e 4, do R.J.A.M. tutela a especial ilicitude do crime em função do meio usado para a sua prática, enquanto que pelo crime de detenção de arma proibida se protege a segurança da comunidade. Acresce que, no caso, a detenção da arma não se esgotou na prática do crime de dano com violência mas, pelo contrário, precedeu o momento do seu uso como instrumento do crime, e excedeu-o, mantendo-se a detenção de arma após a prática daquele crime (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-11-2016, processo n.º 103/14.4JAPRT.P1.S118). Uma vez que a aplicação daquela norma agravante, não anteriormente suscitada no processo quanto ao crime de dano com violência, impunha a notificação do recorrente, aproveitou-se tal oportunidade para também lhe comunicar a possibilidade de alteração da qualificação jurídica no que ao crime de detenção de arma diz respeito (cfr. I.5.), apesar de esta última não possuir qualquer repercussão a nível do ilícito cometido, da autoria (imediata), da forma do seu cometimento (consumado), bem como da moldura abstrata aplicável (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-10-2011, processo n.º 1112/09.0SFLSB.L2.S119; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de ...-...-2014, processo n.º 82/13.5GCFVN.C120; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16-05-2012, processo n.º 562/09.7JAAVR.C121), representando, em rigor, um minus em relação ao crime imputado no despacho de acusação (cfr. art.º 86.º, n.º 1, als. c) e d), do R.J.A.M.) (cfr. II.3.A.). Seja como for, tendo sido previamente assegurada a possibilidade de o recorrente se pronunciar sobre a alteração da qualificação jurídica (cfr. art.º 424.º, n.º 3, do C.P.P.), nada impede que a mesma seja efetuada oficiosamente por esta instância de recurso (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/95, de 07-06-1995, para fixação de jurisprudência22; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-04-2008, processo n.º 07P419723; acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 15-02-2007, processo n.º 07P01524; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-02-2001, processo n.º 00P274525). Deste modo, cumpre alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na decisão recorrida, condenando o arguido na prática, em autoria imediata, sob a forma consumada e em concurso efetivo, de 1 crime de dano com violência agravado, p. e p. pelos arts. 212.º, n.º 1, 214.º, n.º 1, al. a), do C.P. e 86.º, n.ºs 3 e 4, do R.J.A.M. e de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, als. c) e e), do R.J.A.M., por referência aos arts. 2.º, n.º 1, al. aad), 2.º, n.º 3, al. p), 3.º, n.º 4, al. b), e 6.º, do mesmo diploma legal. II.4.F. Da atenuação especial da pena parcelar aplicada pelo crime de dano com violência agravado: Entende o recorrente que o depósito de EUR 1 000 por conta dos danos causados, demonstrando arrependimento, faria funcionar a atenuação especial da pena a que alude o art.º 72.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do C.P. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (cfr. art.º 71.º, n.º 1, do C.P.), sendo que, na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, a gravidade das suas consequências (cfr. art.º 71.º, n.º 2, al. a), do C.P.) e a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (cfr. art.º 71.º, n.º 2, al. e), do C.P.). Por outro lado, o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (cfr. art.º 72.º, n.º 1, do C.P.). Para esse efeito, entre outras, deve ser considerada pelo tribunal a circunstância de ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados (cfr. art.º 72.º, n.º 2, al. c), do C.P.). Desta forma, resulta com suficiente clareza da lei que mesmo verificando-se uma das circunstâncias enumeradas não possui a mesma o efeito automático de atenuar especialmente a pena, só o possuindo se e na medida em que desencadeie uma acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, suscetível de fazer com que a imagem global do facto se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tais hipóteses quanto estabeleceu os limites normais da moldura abstrata do tipo de crime em causa (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português – as consequências jurídicas do crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 306). No caso dos autos, não obstante a alteração da qualificação jurídica efetuada (cfr. II.4.E.), cumpre salientar que tal não pode redundar na agravação da medida das penas aplicadas ao arguido, único recorrente (cfr. art.º 409.º, n.º 1, do C.P.P.). Ora, tendo os factos sido praticados no dia ...-...-2023 (cfr. facto provado sob o ponto 9 – II.3.H.), o recorrente foi detido fora de flagrante delito em 12-12-2023 e, na sequência do interrogatório judicial a que foi submetido privado de liberdade, em 13-12-2023 foi-lhe aplicada a medida de coação da prisão preventiva, situação em que se mantém desde então (cfr. II.3.B.). É certo que em 21-12-2023 foi depositada a quantia de EUR 1 000 por conta dos danos causados pelo recorrente (cfr. II.4.A.). No entanto, tal depósito não foi efetuado pelo recorrente mas sim pelo seu pai, nunca tendo sido sequer alegado que o mesmo ocorreu a pedido do recorrente e, em todo o caso, com repercussão na esfera patrimonial deste. Acresce que tal operação bancária foi efetivada 6 meses e 1 dia após os factos e, em todo o caso, só depois do recorrente ter sido detido fora de flagrante delito e lhe ter sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva. Acresce que o tribunal recorrido arbitrou oficiosamente à vítima a quantia de EUR 1 500 para ressarcimento apenas dos danos não patrimoniais causados, decisão que, tendo transitado em julgado (cfr. I.1. e arts. 400.º, n.º 2, do C.P.P., 44.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário – L.O.S.J.¸ MILHEIRO, Tiago Caiado, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Livraria Almedina, 2019, pág. 887 e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29-06-2023, processo n.º 26/22.3PBCLD.C126), será tida em conta em eventual ação que venha a conhecer de pedido de indemnização civil (cfr. art.º 82.º-A, n.º 3, do C.P.P. e 16.º, n.º 2, do Estatuto da Vítima). Não obstante, ficou demonstrado que os danos patrimoniais causados pelo recorrente se cifraram em EUR 3 657 (cfr. facto provado sob o ponto 20 – II.3.H.). Assim, a quantia depositada representa apenas, no máximo, 19, 39 % do valor do total dos prejuízos causados. Deste modo, é evidente que tal depósito foi desencadeado pela detenção e prisão preventiva do recorrente e, assim, finalisticamente orientado para o recorrente obter ganhos no processo, sendo fruto de uma pura tática processual, não demonstrando, por parte do recorrente, qualquer espontânea atitude interior de contrição e de consciencialização do desvalor da sua conduta. Desta forma, trata-se de um facto material sem reflexo na culpa ou nas exigências de prevenção, não tendo influência atenuativa na graduação da pena. Uma vez que dele não resulta qualquer diminuição da sua culpa ou das exigências de prevenção, muito menos acentuada, é insuscetível de fazer desencadear a atenuação especial da pena parcelar em causa. Assim, mostra-se prejudicada a alegada inconstitucionalidade que pressupunha a verificação de atos demonstrativos de arrependimento sincero, o que não ocorreu sequer no presente caso. Improcede, pois, neste segmento, o recurso interposto. II.4.G. Da medida concreta da pena única: O recorrente embora repute como adequada uma pena única entre os 2 anos e os 3 anos e 6 meses de prisão (cfr. pág. 35 do recurso), acaba por pugnar que aquela seja fixada em 3 anos de prisão (cfr. pág. 38 do recurso). Alicerça a sua pretensão em considerações teóricas, algumas das quais extrai de jurisprudência que menciona, sem explicar, com argumentos do caso concreto, em que medida em que aquelas conduziriam ao efeito que pretende. Acresce que chega a referir: “Aliás, considerando que o recorrente, como infra se exporá é de idade avançada, tanto mais que já ultrapassou em grande medida a esperança de vida dos homens, além de padecer de doenças irreversíveis, a pena aplicada em concreto equivale a uma pena de morte, quiçá a uma prisão perpétua, no sentido em que é violadora da dignidade da pessoa humana, que afronta os princípios constitucionais vertido no artigo 1º da Lei Fundamental.” Contudo, tratam-se de circunstâncias que nenhuma ligação possuem com o presente caso, dado que o recorrente possui 25 anos de idade, não resultando sequer da matéria de facto provada que padeça de qualquer doença irreversível (cfr. II.3.H.), tendo a pena única aplicada se cifrado em 4 anos de prisão. Seja como for, cumpre salientar que a pena única tem, considerando para o efeito as penas aplicadas parcelarmente, como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (cfr. art.º 77.º, n.º 1 e n.º 2 do C. P.). No presente caso, a moldura do concurso tem como limite mínimo 3 anos e 6 meses de prisão e como limite máximo 5 anos de prisão, pelo que jamais poderia ser aplicada uma pena única inferior a 3 anos e 6 meses de prisão. Acresce que a confissão dos factos demonstrados por parte do recorrente, a ausência de antecedentes criminais, bem como a sua boa inserção familiar e profissional à data dos factos, embora militem a favor do recorrente, não assumem um peso atenuativo justificativo da aplicação de uma pena única no limite mínimo da moldura abstrata aplicável, sobretudo quando no caso confluem outros fatores de sinal contrário (cfr. II.3.J. e II.4.H.). II.4.H. Da suspensão da execução da pena única de prisão: Por fim, o recorrente pugna que a execução da pena única seja suspensa na sua execução, acompanhada por regime de prova, por entender que tal é adequado e suficiente para realizar as finalidades da punição, “tendo em atenção o dito modus operandi”, bem como que “as necessidades de prevenção especial (devendo a punição estimular e garantir o definitivo afastamento dos delinquentes da criminalidade e remover quaisquer tentações de retrocesso), não parecem muito intensas, dado que o arguido, tem condições e revela personalidade capaz de se readaptar e respeitar os valores jurídico-penais, posto que salienta «capacidade crítica», caiu em si e refletiu sobre a gravidade do ilícito por que foi responsabilizado, sendo ainda certo que não irá cometer mais crimes”. Ora, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art.º 50.º, n.º 1, do C.P.). Uma vez que, no caso, está preenchido o pressuposto formal de que a suspensão da execução de uma pena de prisão está dependente, tendo em conta a medida concreta da pena única fixada, cumpre averiguar se igualmente se verifica o pressuposto material de que fica dependente a aplicação de tal pena de substituição. Na verdade, é necessário que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias do caso, se conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente de um crime, ou seja, que se conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, acompanhadas ou não da imposição de deveres (cfr. art.º 51.º do C.P.), regras de conduta (cfr. art.º 52.º do C.P.) e/ou regime de prova (cfr. art.º 53.º do C.P.), bastarão para o afastar da prática futura de crimes. São particularmente elevadas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir para se restabelecer a confiança na vigência e validade das normas violadas e que, assim, apontam para um mais severo sancionamento dos agentes deste género de atuação violenta com recurso a arma de fogo, face ao particular eco e ressonância social de enorme repulsa que provoca na comunidade, sendo suscetível de gerar forte alarme social e um profundo sentimento de intranquilidade e insegurança. Apesar de não serem conhecidos antecedentes criminais ao recorrente, de à data dos factos este beneficiar de boa inserção familiar e profissional, mantendo-se ativo o contrato de trabalho, tendo revelado possuir uma relativa autocensura ao confessar os factos demonstrados, o certo é que é elevado o grau de ilicitude dos crimes praticados, que foram cometidos de noite e no domicílio da vítima, sendo de relevo e de diferente natureza (patrimonial e não patrimonial) as consequências causadas. Acresce que é também elevada a intensidade o dolo com que atuou, que se mostra direto, demonstrando reflexão nos meios empregues e persistência na resolução tomada, transparecendo dos factos cometidos uma personalidade violenta, ciumenta e impulsiva, o que associado aos seus hábitos aditivos, é um inegável fator de risco de voltar a delinquir. Ora, todos esses fatores, ponderados pelo tribunal recorrido (cfr. II.3.J.), elevam quer as exigências de prevenção especial, no sentido de inviabilizar a formulação de um juízo de prognose favorável ao recorrente, quer as exigências de prevenção geral, no sentido de a comunidade não tolerar a sua manutenção em liberdade. Deste modo, não merece censura a decisão de não suspender a execução da pena de prisão aplicada. Improcede, pois, o recurso. II.5. Das custas: Só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso (cfr. art.º 513.º, n.º 1, do C.P.P.), sendo o arguido condenado em uma só taxa de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo (cfr. art.º 513.º, n.º 2, do C.P.P.), devendo a condenação em taxa de justiça ser sempre individual e o respetivo quantitativo ser fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.) (cfr. art.º 513.º, n.º 3, do C.P.P.). Ora, na área do processo penal, tendo em conta o seu primacial interesse público, que escapa à vontade privada, bem como o estatuto do arguido enquanto sujeito processual e as garantias de defesa que lhe são reconhecidas, nomeadamente o direito ao recurso (cfr. art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P.), o legislador entendeu que o arguido só poderia ser responsabilizado pelo pagamento das custas, em sede de recurso, caso decaísse totalmente. Assim sendo, no presente caso, como não houve decaimento total, não há lugar a condenação em custas. III. Decisão: Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência: - Declara-se a nulidade do acórdão recorrido por não ter tomado posição sobre facto alegado pela defesa na contestação apresentada, nos termos dos arts. 97.º, n.º 1, al. a), n.º 2, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.; - Supre-se a dita nulidade, ao abrigo do disposto no art.º 379.º, n.º 2, do C.P.P., aditando ao elenco dos factos provados o seguinte facto: 26-A. No dia 21-12-2023 Francisco Machado, pai do arguido, depositou à ordem dos presentes autos a quantia de EUR 1 000 por conta dos danos causados. (cfr. II.4.A.) - Altera-se a qualificação jurídica dos factos descritos na decisão recorrida, condenando o arguido na prática, em autoria imediata, sob a forma consumada e em concurso efetivo, de 1 crime de dano com violência agravado, p. e p. pelos arts. 212.º, n.º 1, 214.º, n.º 1, al. a), do C.P. e 86.º, n.ºs 3 e 4, do R.J.A.M. e de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, als. c) e e), do R.J.A.M., por referência aos arts. 2.º, n.º 1, al. aad), 2.º, n.º 3, al. p), 3.º, n.º 4, al. b), e 6.º, do mesmo diploma legal; mantendo-se, no mais, o acórdão recorrido. Sem custas. Uma vez que o recorrente se encontra sujeito à medida de coação de prisão preventiva, competindo à 1.ª instância o reexame dos seus pressupostos (cfr. art.º 414.º, n.º 7, do C.P.P.), nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 215.º, n.º 6, do C.P.P., dado que a confirmação em sede de recurso ordinário aí prevista não tem de ser uma condenação definitiva (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-09-2014, processo n.º 588/11.0JACBR-C.C127), comunique, de imediato, ao tribunal recorrido, o presente acórdão. Lisboa, 17-06-2025 Pedro José Esteves de Brito Ester Pacheco dos Santos Sandra Oliveira Pinto _______________________________________________________ 1. https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/021-037-Recurso-mat%C3%A9ria-de-facto.pdf 2. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/458ff4110b557ba080258ac5002d2825?OpenDocument 3. https://files.dre.pt/1s/1995/12/298a00/82118213.pdf 4. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5bc6203699db7c1380257949005720cc?OpenDocument 5. https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/d76cfde457d10b56802585930031fa89?OpenDocument 6. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/5112782be9ae6e0b802583ef00365acf?OpenDocument 7. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/a7b9c5848f6b094680257ac3003fbd90?OpenDocument 8. https://files.diariodarepublica.pt/1s/2008/07/14600/0513805145.pdf 9. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0bbb36184ec80a78802580d400375a95?OpenDocument 10. Cfr. 05min29s a 05min44s, 17min44s a 17min58s, 18min55s a 19min05s e 21min21s a 21min29s das alegações do ilustre mandatário do recorrente, efetuadas em 17-12-2024.↩︎ 11. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/dever 12. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/poder 13. https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/b3c1193a3ee5333d80258c0c004059cb?OpenDocument 14. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/44B7A077108570098025721F004CF184 15. Cfr. 23min52s a 24min38s das alegações do ilustre mandatário do recorrente, efetuadas em 17-12-2024. 16. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/854dfd19bd3f78b3802573e000363505?OpenDocument 17. https://files.diariodarepublica.pt/1s/2015/01/01800/0058200597.pdf 18. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a92be6cab9adfe2c8025808100330e52?OpenDocument 19. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/914158932886fd188025794b005750b3?OpenDocument 20. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0f678e1c593f18b180257c6e003d72cf?OpenDocument 21. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f619d8805e24f82780257a2400367294?OpenDocument 22. https://files.dre.pt/1s/1995/07/154a00/42984300.pdf 23. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4c59c5f3654cd65b802574390050eba9?OpenDocument 24. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ad5d340657230671802572830053c502?OpenDocument 25. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/A163F85074E6D8F8802571240065D969 26. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/08b00f1ebf23ad1d802589e8004bcbe1?OpenDocument 27. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/41d4ba698760918680257d540038efc6?OpenDocument |