Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MOREIRA CAMILO | ||
Descritores: | PENHORA HERANÇA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/21/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I. A falta de notificação dos co-herdeiros prevista no art. 862º nº 1 do Cód. de Proc. Civil, na penhora de um direito e acção à respectiva herança, equipara-se à falta de citação que tem de ser arguida quando os co-herdeiros intervierem na acção, sob pena de se considerar a nulidade respectiva sanada, nos termos do art. 196º do citado código. II. Não é registável a penhora de um direito a quinhão hereditário em que a respectiva herança compreenda vários imóveis. III. A partilha de uma herança em que um dos quinhões está penhorado é ineficaz em relação ao respectivo exequente, não se transferindo, em regra, a penhora para os bens atribuídos na partilha ao executado-penhorado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: No início de 1994, A e mulher B vieram, no 3º Juízo Cível de Lisboa – hoje convertido na 3ª Vara Cível da mesma comarca -, instaurar execução para pagamento de quantia certa e com processo ordinário, contra C e mulher D, com vista à cobrança de 67.958.372$00 apresentando como título executivo uma escritura de cessão de quotas em que aquela importância era preço parcial, além de pedir os respectivos juros de mora. Na falta de nomeação de bens à penhora pelos executados, foi, pelos exequentes, nomeado à penhora, além de outros bens, o direito e acção do executado marido à herança ilíquida e indivisa por óbito de seu pai E, falecido em 27/08/90, requerendo a notificação dos restantes herdeiros, nos termos do art. 682º, nº 1, que logo identifica como sendo F, G, H, I, J e L. Convidados pelo Senhor Juiz do processo a informar quem exerce o cabeçalato na indicada herança, vieram os exequentes indicar ser a referida F. Foi ali ordenada a penhora da referida herança mandando-se notificar a cabeça de casal, nos termos do art. 862º do CPC, o que foi cumprido. Atempadamente, foi a execução embargada pelos executados, tendo os embargos sido julgados improcedentes. Muito posteriormente, veio a referida cabeça de casal informar que fora outorgada escritura de partilha da referida herança em 15/06/98, informando os bens que foram atribuídos ao referido executado. Notificados os exequentes vieram alegar que a referida partilha do direito penhorado é ineficaz em relação aos exequentes e que, por isso, seja mandado prosseguir a execução, o que, por despacho, foi deferido. Desta decisão vieram os herdeiros da referida herança, G, H, L e J agravar tendo nas suas alegações formulado as conclusões seguintes: - A penhora do direito à herança ora em causa não pode ter-se como efectuada, por isso que os requerentes jamais foram notificados nos termos exigidos pelo art. 862º nº 1 do Cód. de Proc. Civil; - Caso se entenda que a penhora ordenada está sujeita a registo, o mesmo não se mostra efectuado nos presentes autos, pelo que aquela não é oponível aos ora req.tes ( art.s 2º nº 1 al. n) do Cód. de Registo Predial ); - Para o caso de se entender que a penhora e o respectivo registo foram efectuados – hipótese que se figura como absurda -, realizada a partilha, a penhora do direito converteu-se automaticamente na penhora dos bens com que a quota do executado foi preenchida; - A douta decisão infringiu o disposto nos art.s 862º nº 1 do C. P. Civil, 2º nº 1 al. n) e 5º do Cód. de Registo Predial, e 819º do Cód. Civil. Contra-alegaram os agravados defendendo a manutenção do decidido. Dispensados os vistos legais, urge apreciar e decidir. Como é sabido – arts. 684º nº 3 e 690º nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes. Das conclusões dos aqui agravantes se vê que das mesmas aqueles levantam, para conhecer neste recurso, as questões seguintes: a) A penhora da herança aqui em causa não pode ser considerada efectuada por falta de notificação dos co-herdeiros da mesma? b) E se considerar aquela penhora sujeita a registo, a falta deste torna aquela não oponível aos recorrentes ? c) Caso se entenda pela eficácia da penhora, com a efectivação da partilha, a penhora converte-se automaticamente na penhora dos bens com que a quota do executado foi preenchida ? Os factos a considerar provados com interesse para a decisão daquela questão são os seguintes: 1. Em 5/01/94 deu entrada no então 3º Juízo Cível de Lisboa – hoje convertido na 3ª Vara Cível da mesma comarca - a presente execução ordinária para pagamento de quantia certa requerida pelos agravados A e mulher contra os executados C e mulher, tendo na falta de nomeação de bens à penhora pelos executados, sido nomeado pelos exequentes, além de outros, o direito e acção do executado marido à herança ilíquida e indivisa por óbito de seu pai E, falecido em 27/08/90, requerendo a notificação dos restantes herdeiros, nos termos do art. 682º, nº 1, que logo identifica como sendo F, G, H, I, J e L; 2. Convidado pelo Senhor Juiz do processo a informar quem exerce o cabeçalato na indicada herança, vieram os exequentes indicar ser a referida F. 3. Foi ali ordenada, em 7-12-94, a penhora da referida herança , mandando efectivá-la através da notificação da cabeça de casal, o que logo foi cumprido; 4. Apesar disso, em 15/06/98, no Cartório Notarial da Batalha, foi celebrada a escritura de partilha daquela herança, constante de certidão de fls. 78 e segs., herança essa que compreendia, além de outros, dezenas de imóveis, na qual foi atribuído ao mesmo executado duas verbas de depósitos bancários no total de 85.049$40 e, ainda, tornas, ali declaradas já recebidas, no montante de 5.621.326$77; 5. Em seguida a referida cabeça de casal veio informar na execução do teor da partilha, tendo após audição dos exequentes, sido julgada a mesma partilha ineficaz em relação aos exequentes e sido mandada seguir a execução; 6. Deste despacho vieram os referidos recorrentes G, H, L e J apresentar o requerimento de fls. 172 e seg. em que se limitaram a requerer a interposição do recurso do mesmo despacho, não tendo aquelas tido até aí qualquer intervenção no processo. Vejamos, agora cada uma das questões acima levantadas como objecto deste recurso. a) Nesta primeira questão pretendem os agravantes que a penhora do direito e acção à herança ilíquida e indivisa se não encontra realizada por falta da notificação dos herdeiros da mesma. Ora o que aqui está em causa é a alegada falta de notificação das agravantes como co-herdeiras na herança cujo direito do executado foi penhorado. A admitir-se aqui, como pretendem as recorrentes, a necessidade dessa notificação para efeito do disposto no art. 862º nº 1 do Cód. de Proc. Civil, na redacção aqui aplicável, anterior à reforma introduzida pelo Dec.-Lei nº 329-A/95 de 12/12, há que considerar que a falta da mesma notificação implica uma nulidade que aqui se tem de considerar equivalente à de falta de citação, prevista no art. 195º. Com efeito, segundo o art. 256º do mesmo código, na versão acabada de referir, quando a parte tiver de ser notificada pessoalmente, aplicam-se à mesma notificação as disposições relativas à citação. Por outro lado, tal como resulta do disposto no art. 862º, a notificação dos contitulares – ou condóminos, na terminologia daquele dispositivo na versão vigente aquando da efectivação da penhora – deve ser pessoal, tal como é pacificamente aceite – cfr. E. Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3ª ed., pág. 466. Porém, o art. 196º prescreve que a nulidade decorrente da falta de citação se considera sanada se as partes a que a citação se refere, intervierem no processo, sem logo arguirem aquela nulidade. E no caso, os referidos co-herdeiros aqui agravantes intervieram no processo ao interporem o presente recurso, mas sem que tenha arguido a falta da sua citação. Daí que a referida falta de notificação em causa, se constituir uma nulidade – como defendem os agravantes - se tem de considerar sanada por falta de arguição atempada por parte dos respectivos interessados na mesma. E nem se diga que as citadas disposições legais apenas se referem a partes e não a outros intervenientes processuais, pois ou as agravantes se têm de equiparar, para o efeito, a partes, ou então falecer-lhes-ia a legitimidade para a interposição do presente agravo. Como admitimos a referida legitimidade, em coerência temos de equiparar os agravantes a partes processuais, para o efeito em causa. Soçobra, assim, este fundamento do recurso. b) Nesta segunda questão, pretendem os recorrentes que se aquela penhora se encontrar sujeita a registo, não pode a mesma ser oponível aos recorrentes por falta do mesmo registo. Facilmente se resolve esta questão. Tendo em conta que a referida herança compreende, além do mais, uma diversidade de bens imóveis, a penhora do referido direito não está sujeito a registo. É esta a solução que resulta do confronto com o disposto no art. 2º nº 1 do Cód. de Registo Predial que em alínea alguma prevê a situação do caso em apreço. Mesmo a al. n) daquele dispositivo se não aplica aqui, pois ali se prevê como sujeita a registo a penhora mas esta tem de referir-se a bens concretos e não a penhora de simples direito e acção a herança, direito este que se pode vir a concretizar em simples créditos de tornas na respectiva partilha. É esta a opinião comum da doutrina e da jurisprudência, citando-se como exemplo a opinião do Conselheiro E. Lopes Cardoso, na obra citada, pág. 486, citando um parecer da Procuradoria- Geral da República de 23/11/43, in B. Of. M. J. III, pág. 368. Assim, também, improcede este fundamento do recurso. c) Nesta terceira questão, os agravantes defendem que caso se considere a penhora eficaz, a mesma, com a partilha efectuada, converteu-se na penhora dos concretos bens atribuídos naquela ao herdeiro executado. Também aqui os recorrentes carecem de razão. E é aqui de lembrar que a partilha, compreendendo dezenas de imóveis, foi ali toda liquidada pelos valores patrimoniais daqueles e ao executado coube, para preencher o seu quinhão de mais de cinco milhões de escudos – repita-se considerando o valores patrimoniais dos bens imóveis -, apenas dois depósitos de cerca de oitenta mil escudos, na totalidade – eventualmente até já levantados neste momento - e um montante de tornas superior a cinco milhões de escudos que logo ali foram declarados já recebidos, o que quer dizer que ao executado foram atribuídos bens de apreensão judicial praticamente inviável, porque facilmente sonegáveis. De qualquer modo, tal como admitem os recorrentes a opinião comum do Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de que a partilha da herança cujo direito a ela se encontra penhorado é ineficaz em relação ao exequente, apenas se convertendo na penhora dos bens que tenham sido atribuídos ao herdeiro-executado na partilha para preencher o seu quinhão, quando o exequente tenha intervindo na mesma partilha, o que se não verifica no caso. É esta a solução que o art. 819º do Cód. Civil, claramente, estipula e que a jurisprudência têm acolhido no seguimento da opinião da doutrina, citando-se a opinião dos Professores A. Varela e P. de Lima, na anotação ao citado artigo do seu Cód. Civil, anotado, onde se refere a unanimidade dos autores no sentido aqui adoptado. Naufraga-se assim, também este fundamento do recurso. Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e se confirma o douto despacho agravado. Custas pelos recorrentes. 21-04-2005. João Moreira Camilo ( Relator ) Jorge Paixão Pires José Caetano Duarte. |