Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALMEIDA CABRAL | ||
Descritores: | IDENTIDADE DO ARGUIDO ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA ERRO DE ESCRITA CORRECÇÃO OFICIOSA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/01/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I – A circunstância de o MºPº, por lapso manifesto, ter trocado o último apelido do arguido aquando da dedução da acusação, não é obviamente fundamento para que o juiz rejeite a acusação nos termos do artº 311º, nºs 2 e 3 do C.P.Penal pois, não pode dizer-se que o arguido se não mostrava correctamente identificado, já que dos autos consta a sua correcta identificação. II – Deveria, outrossim, o M. Juiz ter procedido oficiosamente a correcção do manifesto lapso, o que faz este Tribunal mais determinando que o despacho recorrido seja substituído por outro que receba a deduzida acusação. III – Em tudo o mais que vem discutido é manifesta a inutilidade superveniente da lide. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1 - No 2.º Juízo Criminal de Sintra, Processo n.º 1408/04.8TASTB, onde é arguido A… M., deduziu o M.º P.º acusação contra este, a quem imputou a prática de um crime de “desobediência”, em concurso com um crime de “descaminho de objectos colocados sob o poder público” ps. ps. nos termos dos artºs. 348.º, n.º 1, al. a) e 355.º, ambos do Cód. Penal. Porém, por lapso manifesto, já que contraria todos os elementos documentais constantes dos autos, o Ministério Público, no respectivo despacho acusatório, identificou o arguido como sendo A… P.. Remetidos assim os autos à distribuição, veio a acusação a ser rejeitada pelo Mm.º Juiz “a quo”, que a considerou manifestamente infundada, à luz do art.º 311.º, nºs, 2, al. a) e 3, al. a), do C.P.P., pois que “o arguido não se mostrava correctamente identificado”. Inconformado com esta decisão, da mesma recorreu o M.º P.º, o qual considerou que a acusação não é manifestamente infundada, estando apenas em causa a troca do último apelido do arguido. Da respectiva motivação as seguintes conclusões: “(...) 1 – O art.º 311.º, nºs. 2 e 3 do C.P.P. prevê a possibilidade de rejeição da acusação manifestamente infundada. 2 – A acusação manifestamente infundada é a que não contenha a identificação do arguido, a narração dos factos, as disposições legais aplicáveis e as provas que a fundamentem, bem como os factos que são indicados não constituírem crime: 3 – A acusação proferida nos autos contém todos os elementos indicados em 2. 5 – Pelo que a decisão recorrida violou o disposto nos nºs. 2, al. a) e 3 do art.º 311.º do C.P.P. 6 – Deve ser por isso revogada e substituída por outra que receba a acusação e que designe dia e hora para a audiência de julgamento (…)”. * O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. * Neste Tribunal, emitiu a Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto “parecer” no sentido de se estar perante um mero lapso de escrita, cuja correcção deverá ser admitida, verificando assim uma inutilidade superveniente da lide, à luz do art.º 287.º, al. e) do C.P.C., ex vi, art.º 4.º do C.P.P.* Em sede de exame preliminar suscitou-se a questão da “inutilidade superveniente da lide”, cujo conhecimento ora se impõe.Vejamos: O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido A….M., a quem imputou a prática de um crime de “desobediência”, em concurso com um crime de “descaminho de objectos colocados sob o poder público” ps. ps. nos termos dos artºs. 348.º, n.º 1, al. a) e 355.º, ambos do Cód. Penal. Porém, por lapso manifesto, que aquele assume na motivação do recurso, lapso esse que se comprova, também, por todos os elementos probatórios constantes dos autos, o mesmo Ministério Público, na citada acusação, veio a trocar o apelido M. por P.. Por este facto veio a acusação a ser rejeitada pelo Mm.º Juiz “a quo”, que a considerou manifestamente infundada, à luz do art.º 311.º, nºs, 2, al. a) e 3, al. a), do C.P.P., pois que o arguido não se mostrava correctamente identificado”. Ora, e independentemente de se entender que a questão também poderia ser resolvida à luz do art.º 380.º do C.P.P., numa interpretação extensiva, já que a lei fala em despacho judicial e aqui estamos perante um despacho do M.º P.º, importa dizer que nunca este seria um caso de “acusação manifestamente infundada” pela razão óbvia de que o arguido existe, está correctamente identificado nos autos desde a primeira hora, e ele próprio assume a prática dos factos que na acusação em causa lhe foram imputados pelo M.º P.º. Para haver rejeição da acusação o sem fundamento da mesma tem que ser manifesto, ostensivo, e com peso ou relevância tal que faça antever a realização do julgamento como um acto inútil. Dizem Simas Santos e Leal Henriques em anotação ao preceito em causa que “só será manifestamente infundada uma acusação que não contenha factos que indiciem, com suficiência clara, de imediata constatação, a verificação de um crime e de quem foi o seu agente, traduzindo, portanto, uma deficiência grave, indiscutível e logo constatável”. Assim, como atrás já se demonstrou, esse não é o caso dos autos. Se o Mm.º Juiz “a quo” entendia, aquando do saneamento do processo, que não devia fazer a respectiva rectificação, como se entende poder fazer, já que sanear também é reparar, designadamente quando se está perante um lapso evidente, deveria ter remetido os autos ao M.º P.º para corrigir o apelido do arguido, e não rejeitar o respectivo despacho. Por outro lado, a inconsistência do despacho recorrido é também tão evidente que prevendo a lei que a acusação só possa ser rejeitada quando o arguido não seja identificado na mesma, isto é, quando não se saiba, de todo, quem é o agente do crime, o Mm.º Juiz, para a referida rejeição, indo além daquilo que é a própria previsão legal, bastou-se com uma simples troca de um dos apelidos para justificar a referida rejeição. Assim, dispondo o art.º 380.º do C.P.P. que “o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção de despachos quando estes contiverem erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial”, e podendo a referida correcção ser feita pelo tribunal competente para conhecer do recurso, quando este houver sido interposto, e os autos houverem subido ao tribunal superior, reconhecendo-se aquilo que todos reconhecem, designadamente o recorrente, e que é um lapso evidente materializado na troca de um dos apelidos do arguido, importa fazer aquilo que o Mm.º Juiz “a quo” não fez, aquando da prolacção do despacho de fls. 48, isto é, se outros motivos para a rejeição não existirem, corrigir-se o nome do citado arguido, que se chama, inequivocamente, A…M., e não A…P., com este fundamento devendo o Mm.º Juiz “a quo” receber a acusação. Com a rectificação deste modo operada verifica-se uma inutilidade superveniente da lide, à luz do art.º 287.º, al. e), do C.P.C., ex vi, art.º 4.º do C.P.P., sendo que o conhecimento do objecto do recurso sempre haveria de conduzir a idêntica solução. 3 - Nestes termos, e com os expostos fundamentos, acordam os mesmos Juízes, em conferência, em rectificar o nome do arguido, que se fixa em A…M., assim, e com este fundamento, devendo o Mm.º Juiz “a quo” receber a respectiva acusação, no demais se considerando haver operado uma inutilidade superveniente da lide. Sem custas. Lisboa, 1 de Junho de 2006 Almeida Cabral Rui Rangel João Carrola |