Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
133/23.5YHLSB.L1-PICRS
Relator: ELEONORA VIEGAS
Descritores: MARCA
INDICAÇÃO GEOGRÁFICA PROTEGIDA
EVOCAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Uma Indicação Geográfica (IG) é o nome de uma região, de um local determinado ou, em casos excepcionais, de um país, que serve para designar ou identificar um produto (a) originário dessa região, desse local determinado ou desse país; (b) cuja reputação, determinada qualidade ou característica podem ser atribuídas a essa origem geográfica; (c) e cuja produção, transformação ou elaboração ocorrem na área geográfica delimitada;
II. A protecção da Indicação Geográfica Aceto Balsamico di Modena não abrange a utilização dos seus termos individuais não geográficos aceto e balsâmico, não podendo a utilização da sua combinação e da sua tradução (vinagre balsâmico) ser considerada susceptível de prejudicar a protecção conferida à IG em causa.
II. A evocação verifica-se quando o uso de uma denominação cria no espírito de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e sensato, uma ligação suficientemente directa e unívoca entre essa denominação e a IG.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
O Consorzio Tutela Aceto Balsamico di Modena veio recorrer da sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual que, julgando improcedente o recurso que interpôs da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial de 10.02.2023, publicada no Boletim da Propriedade Industrial de 23.02.2023, manteve o indeferimento do pedido de modificação da decisão que concedeu o registo da marca nacional n.º 667374 VINAGRES BALSÂMICOS GALLO. DESPERTAM SABORES requerido por Victor Guedes – Indústria e Comércio, SA, mantendo, em consequência, o registo da referida marca.
Formulou, após motivação, as seguintes conclusões:
Quanto ao âmbito de proteção da Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”
1. O registo da Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA” foi concedido para “vinagre” ou, em italiano, “aceto”, conforme decorre do Anexo II do Regulamento da Comissão (EC) Nº 583/2009, de 3 de julho.
2. Essa Indicação Geográfica Protegida foi assim concedida para os mesmos produtos que marca em crise, gozando de prioridade registal face à marca em crise.
3. O “vinagre” a que respeita a referida Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA” refere-se exclusivamente ao vinagre cuja produção teve lugar no território administrativo das províncias de Modena e Régio Emilia. Essa Indicação Geográfica Protegida deve, pois, ser reservada ao vinagre com determinadas características e que é proveniente daquela região.
4. De acordo com o disposto no artigo 13, nº 1, al. b) do Regulamento (UE) Nº 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios, as Indicações Geográficas Protegidas “são protegidas contra” (…) “qualquer utilização abusiva, imitação ou evocação, ainda que a verdadeira origem dos produtos ou serviços seja indicada, ou que a denominação protegida seja traduzida ou acompanhada por termos como «género», «tipo», «método», «estilo» ou «imitação», ou similares, inclusive se os produtos forem utilizados como ingredientes”.
5. Com efeito, no artigo 13, nº 1, al. d) do Regulamento (UE) Nº 1151/2012 estabelece-se ainda que as indicações geográficas se encontram também protegidas contra “qualquer outra prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto”, acrescentando-se na alínea c) desse mesmo artigo que tal proteção se estende também a “qualquer outra indicação falsa ou falaciosa quanto à proveniência, origem, natureza ou qualidades essenciais do produto, que conste do acondicionamento ou da embalagem, da publicidade ou dos documentos relativos ao produto em causa, bem como contra o acondicionamento do produto em recipientes suscetíveis de dar uma impressão errada sobre a origem do produto”.
6. Finalmente, no artigo 14º, nº 1, daquele diploma determina-se que sempre que uma indicação geográfica seja registada ao abrigo do Regulamento (UE) Nº 1151/2012, “o registo de uma marca cuja utilização violaria o disposto no artigo 13º, nº 1, e que diga respeito a um produto do mesmo tipo é recusado, caso o pedido de registo da marca seja apresentado após a data de apresentação, à Comissão, do pedido de registo respeitante à denominação de origem ou à indicação geográfica.”
7. Faz-se ainda notar que no artigo 232, nº 1º, al. e) do CPI o legislador nacional entendeu alargar o âmbito da proteção conferido às indicações geográficas protegidas pela legislação UE!
8. Com efeito, nesse artigo a proteção conferida às indicações geográficas protegidas é de tal forma ampla que se chega ao ponto de estabelecer que constitui fundamento de recusa de registo de marca a mera “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de denominação de origem ou de indicação geográfica que mereça proteção nos termos do presente Código, de legislação da União Europeia ou de acordos internacionais de que a União Europeia seja parte, e cujo pedido tenha sido apresentado antes da data de apresentação do pedido de registo de marca ou, sendo o caso, antes da data da respetiva prioridade reivindicada, sob reserva do seu registo posterior”.
Quanto às únicas três breves conclusões contidas na sentença (cfr. página 11) serem erradas e ilegais
9. Ora, a sentença recorrida deve ser revogada uma vez que as únicas três breves conclusões que lhe subjazem (cfr. página 11) são erradas e ilegais. Essas conclusões são as seguintes:
(i) “É a própria Comissão Europeia que adopta o entendimento de que os elementos que compõem a indicação geográfica protegida não referentes à geografia podem ser utilizados.” Conforme se verá, é manifesto que não é esta a posição da Comissão Europeia expressa no Regulamento da Comissão nº 583/2009, sendo ilegal a ideia subjacente à sentença em crise de que a proteção conferida à Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA” se cinge à expressão “MODENA”!
(ii) A de que “inexiste qualquer elemento no sinal registado que faça alusão à região de Modena, na Itália, esclarecendo a Comissão Europeia que a IGP diz respeito à integralidade da expressão «Aceto Balsamico di Modena”. Como se verá com toda a clareza, caso a sentença recorrida tivesse dada como assente a factualidade demonstrada por documento e admitida por acordo, inevitavelmente ter-se-ia chegado a conclusão oposta.
(iii) A de que, embora sendo certo que “se verificam actualmente casos de confusão efectiva entre os produtos comercializados pela Recorrida, já que, por exemplo, da página da Auchan, (www.auchan.pt), um dos principais distribuidores em Portugal, consta o produto da Recorrida denominado “VINAGRE BALSÂMICO DE SIDRA”, sendo o mesmo descrito há vários meses pela Auchan como “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”, através duma mera referência “às regras da experiência comum” na sentença conclui-se que existe a probabilidade de se “tratar dum lapso e, como tal, não poder ser reconduzível a situação comprovativa da susceptibilidade de confusão”.
Censuravelmente, através dessa referência a alegadas “regras da experiência comum”, a sentença em crise decidiu não atribuir qualquer relevância ao facto do uso da expressão “VINAGRE BALSÂMICO” pela Recorrida ter vindo a dar azo a situações de erro efetivo em Portugal, nomeadamente, pela cadeia de distribuição Auchan (uma das principais cadeias de distribuição em Portugal) há vários meses.
Ficando por explicar que alegadas regras da experiência comum sejam essas que têm mais peso na ocorrência deste “lapso” entre sinais do que uma semelhança entre as designações em causa.
As regras da experiência comum ditam precisamente o oposto daquilo o que se concluiu na sentença recorrida: a primeira causa de “lapsos” entre designações de produtos são precisamente as semelhanças dessas designações.
Como se tal não fosse suficiente, a Recorrida particular, perfeitamente consciente do erro ocorrido quanto à designação dos seus produtos por essa cadeia de distribuição, nada fez para retificar essa situação de erro, nem tal foi alegado. Consequentemente, a Recorrida particular continua a beneficiar ilegitimamente da referência errada constante dos seus produtos.
10. Verifica-se igualmente, com alguma surpresa, que a sentença em crise não dedicou uma única linha à principal alegação aqui trazida pela ora Recorrente: a de que a marca em crise “evoca” a Indicação Geográfica “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”.
11. Acresce que a sentença recorrida desconsiderou grande parte dos factos e conclusões de facto relevantes para apreciação deste diferendo.
12. Na sentença em crise também não se tomou em consideração que a marca em crise, ao referir no plural a “vinagres balsâmicos”, abrange necessariamente os vinagres protegidos pela Indicação Geográfica Protegida “Aceto Balsamico di Modena”, tratando-se duma referência direta a essa Indicação Geográfica.
13. Finalmente, verifica-se que a sentença em crise não teve em consideração que a marca em crise infringe normativos básicos em matéria de rotulagem e de proteção do consumidor.
14. Com efeito, a sentença recorrida é também omissa quanto à demonstração de que a marca em crise viola o disposto nos artigos 2º e 11, do Decreto-Lei n.º 174/2007, de 8 de maio, quanto à classificação de vinagres, e, bem assim, uma infração grave do Regulamento (UE) n.º 169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios, em particular do artigo 7º , nº 1, al. a) e b).
Quanto ao erro na apreciação da matéria de facto
15. Requer-se a este Douto Tribunal a reapreciação da prova quanto a determinados factos acima elencados, nos termos do disposto no artigo 640º do CPC. Com efeito, os documentos juntos pela Recorrente e, bem assim, a total ausência de impugnação por parte da Recorrida dos factos que elencados acima em detalhe, implica que na sentença recorrida se tivesse dado como provados factos alegados pela Recorrente com relevância quanto ao mérito.
Quanto ao critério para se determinar a proteção conferida aos termos individuais não geográficos da Indicação Geográfica “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”
16. Ao contrário do que surpreendente se conclui na sentença em crise, é evidente que a Comissão Europeia não adoptou “o entendimento de que os elementos que compõem a indicação geográfica protegida não referentes à geografia podem ser utilizados”. Aquela conclusão contida na sentença assenta numa leitura manifestamente incompleta (logo, errada) duma passagem do considerando 10. do preâmbulo do Regulamento da Comissão (EC) nº 583/2009.
17. Com efeito, surpreendentemente, na sentença em crise deixa-se de fora a parte do Considerando que a seguir se assinala a negrito e sublinhado: “Os termos individuais não geográficos da denominação composta, mesmo utilizados conjuntamente, bem como a sua tradução, podem ser utilizados no território comunitário no respeito dos princípios e das regras aplicáveis na ordem jurídica comunitária.”
18. Isto é, ao contrário do inexplicavelmente se sugere na sentença em crise, no preâmbulo daquele Regulamento não se dá nenhuma “carta branca” quanto ao uso da expressão “Vinagre Balsâmico”! Exige-se, sim, que o uso dessa expressão respeite as regras aplicáveis na ordem jurídica comunitária, isto é, que respeite a Lei.
19. Significa isto que, ao contrário do que se concluiu na sentença em crise, o uso da expressão “Vinagre Balsâmico” deve sempre passar pelo crivo duma análise da conformidade (ou, in casu, desconformidade) daquela expressão com os normativos que regulam e protegem a Indicação Geográfica Protegida “Vinagre Balsâmico de Modena”, bem como com outras leis e regulamentos aplicáveis no ordenamento jurídico da União Europeia.
20. No caso sub judice, a marca em crise não passa em tal “crivo” pois, desde logo, a utilização da designação plural “vinagres balsâmicos” na marca em crise “evoca” a Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSAMICO DE MODENA”!
21. Sendo que, como se tal não fosse suficiente, essa marca não se limita a “evocar” a Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSAMICO DE MODENA”: conforme se viu, o uso dessa marca tem vindo a dar azo a situações de erro ou confusão efetivos!
22. Verifica-se assim, sem margem para dúvida, que marca em crise não respeita “os princípios e as regras aplicáveis na ordem jurídica comunitária” na medida em evoca a Indicação Geográfica protegida “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”. O mesmo é dizer que a marca e crise não passa no “crivo” estabelecido no considerando 10. do preâmbulo do Regulamento da Comissão (EC) Nº 583/2009. Se não vejamos:
Quanto ao uso da expressão plural “vinagres balsâmicos” na marca registanda enquanto referência direta aos “vinagres balsâmicos de modena”.
23. Verifica-se que a marca em crise “Vinagres Balsâmicos Gallo. Despertam sabores” inclui a expressão plural “Vinagres Balsâmicos” remetendo necessariamente os consumidores para um conjunto indiscriminado de vinagres.
24. Ora, face à comprovada notoriedade (legalmente reconhecida) do “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”, este será o primeiro vinagre para qual os consumidores serão remetidos quando confrontados com a alusão a uma pluralidade indiscriminada de “Vinagres Balsâmicos”. Até porque, conforme se demonstrou factualmente, “VINAGRE BALSÂMICO” é, ainda hoje, a forma abreviada pela qual o VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA é conhecido.
25. Aliás, a estratégia comercial da Recorrida é consistente com a conclusão de que, com a inclusão da expressão plural “Vinagres Balsâmicos” na marca em crise pretende-se, na realidade, uma referência direta aos “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”!
26. Com efeito, conforme se deve dar como assente, a Recorrida lançou no mercado português um conjunto de vinagres cujas embalagens ostentam todas a expressão “Vinagre Balsâmico”. Também se encontra assente que, algumas dessas embalagens contêm efetivamente “Vinagre Balsâmico de Modena”, devidamente autorizado pela Recorrente, outras não.
27. Mais concretamente, a Recorrida particular adotou um conjunto de rótulos para os referidos vinagres (i) todos muito semelhantes, ostentem ou a não a Indicação Geográfica Protegida “Vinagre Balsâmico de Modena”, (ii) incluindo todos a expressão “VINAGRES BALSÂMICOS” de forma proeminente, na mesmíssima posição no rótulo superior, ostentem ou não a Indicação Geográfica Protegida “Vinagre Balsâmico de Modena” (iii) todos com o mesmo tipo de letra  (iv) todos com o mesmo layout  (v) sendo sempre comercializados lado-a-lado na distribuição.
28. Aplicando as “regras da experiência” a que o Tribunal a quo fez referência devem ser aplicadas aqui, é forçoso concluir que, face à notoriedade e prestígio da Indicação Geográfica protegida “Vinagre Balsâmico de Modena”, a inclusão duma referência a uma pluralidade indiscriminada de (alegados) “Vinagres Balsâmicos” na marca em crise irá necessariamente, “trazer à lembrança”, o “Vinagre Balsâmico de Modena”, com os quais os consumidores estão muito familiarizados e ao qual reconhecem prestígio.
29. A utilização do plural "Vinagres Balsâmicos" na marca controvertida tem evidentemente o intuito ilegal de inculcar nos consumidores que todos esses vinagres têm as características e qualidades pelas quais é conhecido o “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA.
30. Ora, “trazer à lembrança” é “evocar”. “Evocar” é uma forma de recordar ou lembrar, uma ação de trazer uma memória ao presente, de chamar à presença.
31. Evocação essa que sai particularmente acentuada em Portugal na medida em que, no próprio dicionário da língua portuguesa se indica que, quando aplicado a “VINAGRES”, “BALSÂMICO” “diz-se de um tipo de vinagre, de origem italiana”.
32. O que, por si só demonstra, sem margem para qualquer dúvida que, quando confrontados com a expressão “VINAGRES BALSÂMICOS” os consumidores portugueses pensarão, antes de mais, que se trata de “vinagres de origem italiana”, não de origem portuguesa ou de qualquer outra origem indeterminada!
33. Em suma, é óbvio que a marca em crise “evoca” a Indicação Geográfica Protegida prioritária “Vinagre Balsâmico de Modena”. Sendo que a evocação é “objetiva”, isto é, não seria sequer necessário demonstrar-se que a Recorrida tinha a intenção de evocar a Indicação Geográfica Protegida da Recorrente.[1]
34. Podendo verificar-se "evocação" mesmo quanto a parte da indicação geográfica que é incorporada na marca em crise não designa uma localização geográfica.[2]
35. Uma vez que as Indicações Geográficas Protegidas se encontram protegidas contra eventuais “evocações” o pedido de registo daquela marca deverá ser recusado nos termos do artigo 14º, nº 1, do Regulamento (UE) Nº 1151/2012.
Quanto à verificação de erro efetivo no mercado (Supermercados Auchan)
36. Para além de tudo o que acima se expôs, resulta que a sentença em crise deu como assente que “se verificam actualmente casos de confusão efectiva entre os produtos comercializados pela Recorrida, já que, por exemplo, da página da Auchan, (www.auchan.pt), um dos principais distribuidores em Portugal, consta o produto da Recorrida denominado “VINAGRE BALSÂMICO DE SIDRA”, sendo o mesmo descrito há vários meses pela Auchan como “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”.
37. O Tribunal a quo refere-se à página da Auchan, www.auchan.pt[3], um dos principais distribuidores em Portugal, onde o produto da Recorrida denominado “VINAGRE BALSÂMICO DE SIDRA”, é descrito há vários meses pela Auchan como “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”.
38. Mais concretamente, aquele “VINAGRE BALSÂMICO DE SIDRA” comercializado pela Recorrida é anunciado pela Auchan como “Gallo Vinagre Balsâmico de Modena[4]
39. Em suma, encontra-se demonstrado que uma das principais cadeias de distribuição em Portugal designa há vários meses de “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA” o produto da Recorrida denominado “VINAGRE BALSÂMICO DE SIDRA”.
40. No entanto, através duma referência en passant “às regras da experiência comum”, na sentença em crise conclui-se, sem mais, que existe a probabilidade de se “tratar dum lapso e, como tal, não poder ser reconduzível a situação comprovativa da susceptibilidade de confusão”.
41. Sucede que é absolutamente evidente que, as regras da experiência comum ditam precisamente o oposto daquilo o que se concluiu na sentença recorrida: ditam que a causa primeira de “lapsos” entre designações de produtos são precisamente as semelhanças dessas designações!
42. É precisamente para se evitar esses “lapsos” no mercado que é erigido todo o edifício da propriedade industrial, através do qual se confere direitos de exclusivo aos titulares dos registos desses direitos.
43. Nessa medida, aplicando-se as regras da experiência comum, deve concluir-se que esse “lapso” resulta de erro ou confusão entre as expressões “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA e “VINAGRE BALSÂMICO DE SIDRA”.
44. O que implica que os raciocínios sobre a “evocação” da Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA” pela marca em crise se afastem dum plano meramente teórico, integrando-se antes numa conclusão de facto que se tem por provada: existe de facto confusão entre aquelas expressões.
45. Concluindo-se que a marca em crise não se limita a “evocar” a Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”, pois induz comprovadamente os consumidores em erro!
46. Não se trata de mera susceptibilidade de confusão: trata-se confusão efetivamente devidamente documentada.
47. A inclusão da expressão “VINAGRES BALSÂMICOS” na marca em crise induz o público relevante em erro quanto à natureza, qualidades e origem geográfica dos vinagres que visa assinalar. O caráter enganador da marca em crise não é uma conclusão meramente teórica!
48. Infringindo-se claramente o disposto no artigo 13, nº 1, al. b) e c) do Regulamento (UE) Nº 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012.
49. Faz-se ainda notar que, como se viu em detalhe, ao contrário do que se refere na sentença em crise, a lei não impõe que se verifique qualquer situação confirmada de “confusão generalizada” entre uma marca e uma Indicação Geográfica Protegida para se concluir que essa marca evoca essa Indicação Geográfica Protegida.
50. Aliás, em lado algum a Lei estabelece sequer que se confirme qualquer situação de confusão efetiva no mercado, muito menos uma que seja de confusão generalizada: no tradicional critério comparativo em marcas a lei basta-se com a mera suscetibilidade de confusão.
51. É quanto basta para se recusar a marca em crise.
QUANTO À VIOLAÇÃO DA LEI EM MATÉRIA DE ROTULAGEM PELOS (ALEGADOS) “VINAGRES BALSÂMICOS” DA RECORRIDA
52. Conforme se viu, a marca e crise não passa no “crivo” estabelecido no considerando 10. do preâmbulo do Regulamento da Comissão (EC) Nº 583/2009, na medida não respeita os princípios e das regras aplicáveis na ordem jurídica comunitária.
53. Embora o Tribunal não tenha tecido qualquer consideração a este respeito, importa enfatizar também que, a confirmar que a marca em crise não respeita as regras aplicáveis na ordem jurídica comunitária verifica-se que o eventual uso da dessa marca constituiria também uma infração grave do Regulamento (UE) n.º 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011 , relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios, em particular do artigo 7º , nº 1, al. a) e b) Faz-se ainda notar que as conclusões acima elencadas são especialmente corroboradas pelo facto de “VINAGRE BALSÂMICO” não integrar sequer a classificação do artigo 2º, do Decreto-Lei n.º 174/2007, de 8 de maio, quanto aos tipos de vinagre.
Em suma, face ao que acima se expôs, é manifesto que a marca em crise deve ser recusada na medida em que:
. Viola o disposto no artigo 13, nº 1, al. b), c) and d) do Regulamento (UE) Nº 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, que determina que as indicações geográficas protegidas “são protegidas contra” (…) “qualquer utilização abusiva, imitação ou evocação”, bem como, contra quaisquer sinais ou práticas enganosos, devendo os pedidos de registo de marca que violem esse dispositivo ser recusados nos termos do artigo 14º do mesmo Regulamento. A marca registanda inclui uma a alusão a uma pluralidade indiscriminada de “Vinagres Balsâmicos” que se traduz numa referência direta aos “Vinagres Balsâmicos de Modena”, isto é, numa evocação da Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”;
. O uso da expressão “VINAGRE BALSÂMICO” pela Recorrida quanto a vinagres que não são “VINAGRES BALSÂMICOS DE MODENA” tem vindo a dar origem a confusão efetiva no mercado!
. Viola o disposto no artigo 232, nº 1º, al. e) do CPI na medida em que constitui uma “reprodução” de “parte” da Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSAMICO DE MODENA”, concedido pelo Regulamento da Comissão (EC) Nº 583/2009; O disposto nos artigos 2º e 11, do Decreto-Lei n.º 174/2007, de 8 de maio, quanto à classificação de vinagres.
A Recorrida Victor Guedes - Indústria e Comércio, S.A. apresentou contra-alegações, concluindo o seguinte:
I) O objecto da apelação é a douta sentença proferida no processo de recurso do Tribunal da Propriedade Intelectual que julgou improcedente o recurso interposto da decisão de concessão do registo da marca n.º 667374, “VINAGRES BALSÂMICOS GALLO, DESPERTAM SABORES”, proferida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, mantendo a concessão deste registo.
II) A Apelada começa, desde já, por assinalar que a douta sentença proferida não merece qualquer reparo.
III) Conforme a seguir se demonstrará, a Apelante não tem, salvo o devido respeito, qualquer razão nas suas alegações de recurso, devendo este Venerando Tribunal confirmar a sentença recorrida.
IV) Vem a Apelante sustentar que o artigo 13º, n.º 1, al. b), do Regulamento (UE) Nº 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Novembro de 2012, prevê que as Indicações Geográficas Protegidas (IGP) “são protegidas contra” (…) “qualquer utilização abusiva, imitação ou evocação, ainda que a verdadeira origem dos produtos ou serviços seja indicada, ou que a denominação protegida seja traduzida ou acompanhada por termos como «género», «tipo», «método», «estilo» ou «imitação», ou similares, inclusive se os produtos forem utilizados como ingredientes”.
V) E ainda que as IGP estão protegidas pelo referido Regulamento contra “qualquer outra prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto”.
VI) Alega, também, a Apelante a Comissão Europeia adopta o entendimento de que os elementos que compõem a IGP, não referentes à geografia, não podem ser utilizados.
VII) Refere, por outro lado, a Apelante que se verificam situações de confusão pela cadeia de distribuição AUCHAN quanto ao uso da expressão “VINAGRE BALSÂMICO”.
VIII) Alega, ainda, que não foram devidamente apreciados pelo Tribunal a quo as normas aplicáveis em matéria de rotulagem e de proteção do consumidor, não estando a marca da Apelada em conformidade com o estabelecido no Regulamento da Comissão (EC) No 583/2009, uma vez que não respeita os princípios aplicáveis na ordem jurídica comunitária.
IX) E que a marca da Apelada viola o disposto nos artigos 2º e 11º, do Decreto-Lei n.º 174/2007, de 8 de Maio, quanto à classificação de vinagres, constituindo uma infração grave do Regulamento (UE) n.º 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios [Artigo 7º , nº 1, al. a) e b)].
X) Conclui, assim, a Apelante que a marca da Apelada evoca a IGP “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA” e que por conter a expressão “VINAGRES BALSAMICOS”, no plural, faz uma referência directa a esta IGP, sendo que essa referência a “VINAGRES BALSÂMICOS” trará necessariamente à lembrança o “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”, já muito conhecido dos consumidores.
XI) Nestes termos, pede a Apelante a recusa do registo da marca n.º 667374 “VINAGRES BALSÂMICOS GALLO, DESPERTAM SABORES”, nos termos do artigo 14º, nº 1, do Regulamento (UE) Nº 1151/2012.
XII) Porém, a integração da expressão “VINAGRES BALSÂMICOS” na marca da Apelada não induz os consumidores em erro quanto à natureza, qualidades e origem geográfica dos vinagres que visa assinalar, não infringindo o disposto no Regulamento (UE) Nº 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Novembro de 2012.
XIII) E a verdade é que a marca da Apelada não faz qualquer menção a Modena.
XIV) Não assiste qualquer razão à Apelante, desde logo porque é totalmente surrealístico e desproporcionado considerar que todos os vinagres balsâmicos são de Modena.
XV) Assim, bem andou o Tribunal a quo ao manter a decisão de concessão do registo da marca nacional nº 667374 “VINAGRES BÂLSAMICOS GALLO. DESPERTAM SABORES”.
XVI) Sendo os termos não geográficos da IGP, i.e., aceto e balsâmico denominações genéricas toda a argumentação da Apelante fica automaticamente prejudicada.
XVII) Não havendo lugar à aplicação da protecção europeia relativa às IGP, tal como sustentado no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (T.J.U.E.) de 4 de dezembro de 2019.
XVIII) Veja-se que, no Dicionário Online Priberam, o termo balsâmico adquire os significados de i) que tem as propriedades do bálsamo; ii) odorífero, perfumado e iii) reparador; que reanima; cordial.
XIX) O ser balsâmico significa apenas que corresponde a uma referência genérica de uma característica do método de produção do produto em questão. Assim, ter as propriedades do bálsamo pressupõe que tem a característica do método de produção do produto vinagre.
XX) A marca da Apelada não constitui, portanto, uma referência directa aos Vinagres Balsâmicos de Modena da Apelante, não sendo a expressão “VINAGRE BALSÂMICO” associada ao “Vinagre Balsâmico de Modena”.
XXI) Ademais, a expressão “VINAGRE BALSÂMICO” consta da Lista Harmonizada de Produtos – TMCLASS - como designação genérica, concretizando-se a sua tradução nos diversos idiomas da União Europeia.
XXII) Confirma-se, portanto, o carácter descritivo da expressão “VINAGRE BALSÂMICO”, sendo apenas um vinagre que possui determinadas características e não um vinagre que é necessariamente associado à região italiana de Modena.
XXIII) A expressão vinagre balsâmico trata-se, ainda, de uma indicação vulgarizada, sendo utilizada por várias entidades distintas, nomeadamente pela CRISTAL, CONTINENTE, AUCHAN, AMAZON e METRO, conforme gravuras reproduzidas nas páginas 8 – 12.
XXIV) Conclui-se, portanto, que a expressão “VINAGRE BALSÂMICO” não poderá ser do uso exclusivo da Apelante, sendo insusceptível de apropriação individual.
XXV) Conclui-se, também, em face do acima referido, que a expressão em causa não evoca a IGP “VINAGRE BALSAMICO DE MODENA”.
XXVI) Com efeito, o facto de a marca nacional n.º 667374 “VINAGRES BALSÂMICOS GALLO. DESPERTAM SABORES.” integrar a referência vinagres balsâmicos na sua composição não é suficiente para que se conclua que a marca da Apelada reproduz parcialmente a IGP Aceto balsâmico di Modena ou que evoque a mesma.
XXVII) Além disso, na marca “VINAGRES BALSÂMICOS GALLO. DESPERTAM SABORES.”, a proveniência empresarial encontra-se imediatamente identificada pela inclusão do conhecidíssimo termo “GALLO” associado à Apelada.
XXVIII) Não restam, assim, dúvidas que da comparação dos sinais em apreço não existe qualquer possibilidade de confusão ou evocação.
XXIX) Torna-se, assim, forçoso concluir que a decisão proferida pelo Tribunal a quo deverá ser mantida.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Questões a decidir
Nos termos dos artigos 635.º, nº4 e 639.º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (artigo 5.º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Assim, sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, as questões a decidir são a impugnação da matéria de facto e o erro de julgamento da sentença.
*
III. Fundamentação
III.1. Os factos
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
1. Em 2/06/2021, a Recorrida deduziu pedido de registo da marca nacional n.º 667374, com o sinal VINAGRES BALSÂMICOS GALLO. DESPERTAM SABORES para assinalar os seguintes serviços/produtos:
- vinagres, da classe 30 e
- promoção de produtos e serviços de terceiros através de slogan publicitário, da classe 35.
2. Foi deduzida reclamação pela Recorrente no dia 23/09/2021 e, em 29/11/2021 foi deduzida resposta pela Recorrida.
3. Em 27/01/2022, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial proferiu decisão, concedendo o registo da marca nacional n.º 667374 com o sinal VINAGRES BALSÂMICOS GALLO. DESPERTAM SABORES. para assinalar os produtos/serviços nos termos requeridos.
4. Na sequência de pedido deduzido pela Recorrente em 11/04/2022, foi proferida decisão pela Senhora Vogal do Conselho Directivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 10/02/2023, mediante a qual foi indeferido o pedido de modificação da decisão referida supra.
5. O registo da Indicação Geográfica Protegida da União Europeia “Aceto Balsamico di Modena”, nº CE: ITPGI-0005-0430-18.11.2004, foi concedido através do Regulamento da Comissão (EC) No 583/2009, publicado no dia 4 de julho, no Jornal Oficial da União Europeia, cfr. documento 1 junto com a reclamação deduzida no processo administrativo e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6. O “Ministero delle politiche agricole alimentari e forestali” italiano é a entidade responsável por esta IGP e a Recorrente é o agrupamento indicado pelo referido ministério quanto à protecção da referida IGP, cfr. documento 3 junto e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
7. A Recorrente é a entidade competente para adoptar as medidas necessárias à protecção e promoção da IGP “Aceto Balsamico di Modena”, cfr. documentos 4 e 5 juntos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
8. O registo da IGP “Aceto Balsamico di Modena” foi concedido para “vinagre”, ou em italiano, “aceto”.
9. O “vinagre” a que respeita a referida Indicação Geográfica Protegida deve obedecer ao caderno de especificações constante do Anexo II(4), nomeadamente, quanto à densidade, teor alcoólico, acidez, anidrido sulfuroso, açucares, cor, sabor, à prova de origem, ao método de obtenção e rotulagem.
10. De acordo com o Anexo II (4.3) do caderno de especificações, “Aceto Balsamico di Modena” refere-se exclusivamente ao vinagre cuja produção teve lugar no território administrativo das províncias de Modena e Régio Emilia.
*
III.2. Do mérito do recurso
2.1. impugnação da matéria de facto
A Recorrente entende que devem ser considerados provados, por documento e acordo das partes os seguintes factos (que elenca na motivação das suas alegações e para que remete genericamente nas conclusões):
i) No dicionário da língua portuguesa define-se que, quando aplicado a “VINAGRES”, “BALSÂMICO” “diz-se de um tipo de vinagre, de origem italiana”. (facto demonstrado através do Documento nº 10)[5]
ii) A sentença em crise deu como assente que “se verificam actualmente casos de confusão efectiva entre os produtos comercializados pela Recorrida, já que, por exemplo, da página da Auchan, (www.auchan.pt), um dos principais distribuidores em Portugal, consta o produto da Recorrida denominado “VINAGRE BALSÂMICO DE SIDRA”, sendo o mesmo descrito há vários meses pela Auchan como “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”. No entanto, para que não restem quaisquer dúvidas, deve ser dado como provado que na Auchan, www.auchan.pt, um dos principais distribuidores em Portugal, o produto da Recorrida denominado “VINAGRE BALSÂMICO DE SIDRA”, é, e continua a ser, descrito há vários meses pela Auchan como “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA” (cfr. Documento nº 12 e aceite por acordo):
iii) Mais concretamente, aquele “VINAGRE BALSÂMICO DE SIDRA” comercializado pela Recorrida é anunciado pela Auchan como “Gallo Vinagre Balsâmico de Modena Gourmet Aromaticamente complexo o sabor deste vinagre revela-se delicado pelo invulgar equilíbrio entre a acidez e a frescura que o compõem. Uma rica harmonia de sabores que se envolvem na boca. Ideal para os Vinagres de Sidra Gallo são ideais para momentos de consumo saudáveis. Para aromatizar o primeiro copo de água da manhã para dar força aos melhores sumos detox para energizar super bowls e saladas coloridas. Um toque de equilíbrio em qualquer prato vegetariano de carne ou de peixe. Serve como tempero e na confecção de alimentos.”
iv) A Recorrida particular, perfeitamente consciente deste erro quanto à designação dos seus produtos, não procurou clarificar esta designação enganadora junto da AUCHAN, nem tal foi alegado.
v) “BALSAMICO” e, bem assim a expressão “VINAGRE BALSAMICO”, são designações tradicionais usadas em Itália e um pouco por todo o mundo para designar, de forma abreviada, a Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSAMICO DE MODENA” e, bem assim, o produto a que se refere essa indicação geográfica: o VINAGRE BALSAMICO DE MODENA. (Documento nº 2 e admitido por acordo).
vi) “VINAGRE BALSÂMICO” é, ainda hoje, a forma abreviada pela qual o VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA é conhecido. (estudo de mercado realizado quanto à perceção do termo BALSÂMICO levado a cabo em 2015 pela consultora Nomisma junto como Documento nº 2 e admitido por acordo).
vii) Esse estudo, que assentou numa amostra de 3934 consumidores, dos quais 1200 italianos, 1242 franceses 1492 alemães, revelou que existe uma percentagem elevadíssima de consumidores que identifica “BALSÂMICO” como “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”: com efeito, à questão "a palavra BALSÂMICO que tipo de vinagre desperta na sua mente?" 81% de italianos, 70% de franceses e 64% de alemães responderam “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”. (Documento nº 2 e admitido por acordo).
viii) O “Vinagre Balsâmico de Modena” “adquiriu ao longo do tempo notoriedade e apreço em todo o mundo”. A notoriedade e o prestígio de “Vinagre Balsâmico de Modena” são reconhecidos pelo próprio legislador no Regulamento da Comissão (EC) No 583/2009, tendo força de lei.
ix) Tal “notoriedade” e “reputação” são expressamente reconhecidas no Anexo II (4.6) do Regulamento da Comissão (EC) No 583/2009 no qual se estabelece que, “Tanto no mercado nacional como no mercado externo, o «Vinagre Balsamico di Modena» tem uma reputação excelente, amplamente comprovada pela frequente utilização do produto em diversas receitas e pela quantidade de referências ao mesmo na Internet, na imprensa e nos média. Essa reputação ajuda os consumidores a reconhecer imediatamente a singularidade e autenticidade do produto em causa.”
x) No considerando 8, do Regulamento da Comissão (EC) No 583/2009, conclui-se de facto que “A Comissão solicitou o parecer do comité científico das denominações de origem, indicações geográficas e certificados de especificidade, criado pela Decisão 93/53/CE (4), sobre a satisfação das condições de registo. No seu parecer, emitido por unanimidade em 6 de Março de 2006, o Comité considerou que a denominação «Aceto Balsamico di Modena» tem uma reputação indiscutível no mercado nacional e nos mercados externos, como o testemunham a sua utilização frequente em numerosas receitas de cozinha de diversos Estados-Membros, a sua presença forte na Internet e na imprensa ou nos media. Por conseguinte, o «Aceto Balsamico di Modena» satisfaz a condição inerente de o produto possuir uma reputação específica correspondente a essa denominação. O Comité observou que estes produtos coexistiram no mercado durante centenas de anos. Constatou igualmente que as características, a clientela, o uso, o modo de distribuição, a apresentação e o preço do «Aceto Balsamico di Modena» e do «Aceto balsamico tradizionale di Modena» fazem deles produtos diferentes, o que permite garantir um tratamento equitativo aos produtos em causa e não induzir em erro o consumidor. A Comissão aceita inteiramente estas considerações.”
xi) A Recorrida lançou no mercado português um conjunto de vinagres cujas embalagens ostentam a expressão “Vinagre Balsâmico”. Algumas dessas embalagens, que a Recorrida particular invoca serem “da mesma gama”, contêm efetivamente “Vinagre Balsâmico de Modena”, devidamente autorizado pela Recorrente, outras não (facto pessoal da Recorrida demonstrado através do Documentos nºs 8 e 9 e admitido por acordo).
xii) Mais concretamente, a Recorrida lançou no mercado conjunto de rótulos para os referidos vinagres (i) todos muito semelhantes, ostentem ou a não a Indicação Geográfica Protegida “Vinagre Balsâmico de Modena”, (ii) incluindo todos a expressão “VINAGRES BALSÂMICOS” de forma proeminente, na mesmíssima posição no rótulo superior, ostentem ou não a Indicação Geográfica Protegida “Vinagre Balsâmico de Modena” (iii) todos com o mesmo tipo de letra (iv) todos com o mesmo layout (v) sendo sempre comercializados lado-a-lado na distribuição, aproximadamente (factos pessoais da Recorrida e conclusões de facto demonstrados através dos Documentos nºs 8 e 9 e admitidos por acordo).
xiii) Com a inclusão duma alusão a uma pluralidade indiscriminada de (alegados) “Vinagres Balsâmicos” na marca em crise a Recorrida pretende remeter os consumidores para um conjunto de embalagens de vinagres por si comercializadas, alguns contendo efetivamente “Vinagre Balsâmico de Modena”, devidamente autorizado pela Recorrente... outras não. Dessa forma “alavancando” as vendas das embalagens de “Vinagres Balsâmicos” para produtos que não contêm “Vinagre Balsâmico de Modena” (factos pessoais da Recorrida e conclusões de facto admitidos por acordo).
Vejamos, por partes.
Relativamente ao ponto i), o que em rigor consta do dicionário online referido pelo Recorrente é o seguinte:
adjectivo
1.  que tem as propriedades do bálsamo; aromático; perfumado
2.  diz-se de um tipo de vinagre, de origem italiana, feito a partir do mosto de uvas brancas e maturado em barris de madeira, que apresenta tom escuro avermelhado e sabor agridoce
3.  figurado confortante; calmante
Porto Editora – balsâmico no Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2024-05-27 15:59:57]. Disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/balsâmico
Sendo que do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/bals%C3%A2mico consta, relativamente ao adjectivo balsâmico:
1. Que tem as propriedades do bálsamo.
2. Odorífero, perfumado.
3. Reparador; que reanima; cordial.
Não é, portanto, inteiramente correcta a afirmação que a Recorrente pretende que seja aditada à matéria de facto, em especial quando refere “quando aplicado a vinagres”.
Quanto ao ponto ii), também não pode afirmar-se que “a sentença deu como assente …” o que o Recorrente afirma, como resulta claro da transcrição da mesma:
A Recorrente argumenta ainda que se verificam actualmente casos de confusão efectiva entre os produtos comercializados pela Recorrida, já que, por exemplo, da página da Auchan, (www.auchan.pt), um dos principais distribuidores em Portugal, consta o produto da Recorrida denominado “VINAGRE BALSÂMICO DE SIDRA”, sendo o mesmo descrito há vários meses pela Auchan como “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA”. Porém, não cremos que tenha resultado demonstrado que tal circunstância decorre da conduta da Recorrente, existindo uma alta probabilidade de, face às regras da experiência, se tratar de um lapso e, como tal, não poder ser reconduzível a uma situação comprovativa da susceptibilidade de confusão. – destaques nossos
Acresce que o “vinagre balsâmico de sidra” referido pela Recorrente em iii) não está assinalado com a marca nacional n.º 667374 VINAGRES BALSÂMICOS GALLO. DESPERTAM SABORES, cujo registo constitui o objecto dos autos. Bem como o afirmado na sentença, que do documento junto pelo Recorrente (e imagem reproduzida na petição inicial ) não resulta que a informação que consta do site da Auchan possa ser atribuída à titular do registo da marca aqui em causa, não sendo o distribuidor parte no litígio.
Quanto ao ponto iv), não contém um facto nem resultaria provado por acordo das partes, uma vez que não foi alegado na petição inicial/requerimento de recurso na fase judicial.
O estudo de mercado referido em v) a vii) data de 2015 e não abrangeu Portugal (apenas consumidores italianos, franceses e alemães) pelo que não assume aqui a relevância que o Recorrente lhe pretende atribuir.
Uma Indicação Geográfica (IG) é o nome de uma região, de um local determinado ou, em casos excepcionais, de um país, que serve para designar ou identificar um produto (a) originário dessa região, desse local determinado ou desse país; (b) cuja reputação, determinada qualidade ou característica podem ser atribuídas a essa origem geográfica; (c) e cuja produção, transformação ou elaboração ocorrem na área geográfica delimitada.
A sua estrutura é mais débil que a da Denominação de Origem - em que há um vínculo acentuado do produto à região demarcada - ainda que mais elástica, individualizando produtos originários de uma região ou localidade quando determinada qualidade, ou reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuível ou possa ser atribuída à sua origem geográfica.[6]
Pelo Regulamento da Comissão (CE) n.º 583/2009, de 3 de Julho de 2009, relativo à inscrição de uma denominação no registo das denominações de origem protegidas e das indicações geográficas protegidas, a que o Recorrente alude em viii) a x), foi registada a denominação “Aceto Balsamico di Modena (IGP)”, reconhecendo a sua inegável notoriedade e excelente reputação, tanto no mercado nacional (Itália) como estrangeiro. Precisamente, uma das condições alternativas para o registo da IG.
Quanto aos pontos xi) a xiii), o Recorrente alega que a Recorrida lançou no mercado português um conjunto de vinagres cujas embalagens ostentam a expressão “Vinagre Balsâmico”, contendo algumas dessas embalagens “Vinagre Balsâmico de Modena” devidamente autorizado pela Recorrente. Mas, alega, todos com rótulos muito semelhantes e incluindo todos a expressão “VINAGRES BALSÂMICOS”, ostentem ou não a IG Vinagre Balsâmico de Modena, com o mesmo tipo de letra e o mesmo layout, sendo comercializados lado-a-lado na distribuição, com o que se pretende incrementar as vendas de “Vinagres Balsâmicos” que não contêm “Vinagre Balsâmico de Modena”, conclui.
O Recorrente impugnou judicialmente a decisão do INPI, que indeferiu o seu pedido de modificação do registo da marca nacional n.º 667374 VINAGRES BALSÂMICOS GALLO. DESPERTAM SABORES, sem invocar a concorrência desleal, intencional ou não, não tendo a sentença, em consequência, decidido sobre o motivo de recusa do registo da marca previsto no art. 232º, n.º1, al. h) do CPI. Pelo que não deve aqui ser aditado o facto pretendido pelo Recorrente (sendo que a conclusão que dele retira não constitui um facto).
Em conclusão e pelas razões expostas, improcede a impugnação do Recorrente à matéria de facto fixada na sentença. 
*
2.2. erro de julgamento
O Recorrente alega que a sentença recorrida decidiu com base em três conclusões “erradas e ilegais”, sustentando que (i) a posição da Comissão Europeia não é a de que a protecção conferida à Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSÂMICO DE MODENA” se cinge à expressão “MODENA”; e que (ii) se verifica a susceptibilidade de confusão e mesmo já de confusão, que não pode atribuir-se a mero lapso.
Ora, na sentença não se afirma que a Comissão Europeia entende que a protecção da IG se cinge à palavra MODENA. O que nela se escreveu é que: É a própria Comissão Europeia que adopta o entendimento de que os elementos que compõem a indicação geográfica protegida não referentes à geografia podem ser utilizados. No nosso caso, inexiste qualquer elemento no sinal registado que faça alusão à região de Modena, na Itália, esclarecendo a Comissão Europeia que a IGP diz respeito à integralidade da expressão «Aceto Balsamico di Modena».
Quanto ao sugerido lapso, pronunciámo-nos já no sentido da correcção da verdadeira conclusão da sentença a respeito, ou seja, relativamente ao argumento do Recorrente de que se verificam actualmente casos de confusão efectiva entre os produtos comercializados pela Recorrida, não resulta demonstrado que tal possa ser assacado à Recorrente. Considerando que o único exemplo fornecido se resume à descrição do produto “vinagre balsâmico de sidra” pela Auchan, no seu sítio na internet, como “vinagre balsâmico de Modena”, poderá efectivamente tratar-se de um lapso que, a manter-se, legitimará o Recorrente a recorrer aos meios processuais próprios para obrigar o distribuidor à sua reparação.
Dos autos não resultam demonstrados (sequer alegados) actos de confusão do consumidor. Admitindo-se que, quanto ao “vinagre balsâmico de sidra”, a referência da Auchan no seu site na internet possa ter induzido consumidores a adquirir o produto, não se trata de verdadeira confusão e sim de confiança na informação fornecida.
Em causa está a marca nacional n.º 667374 VINAGRES BALSÂMICOS GALLO. DESPERTAM SABORES, assinalando vinagres e promoção de produtos e serviços de terceiros através de slogan publicitário, cujo registo foi concedido à Recorrida Victor Guedes – Indústria e Comércio, SA por decisão do INPI de 10.02.2023, e o indeferimento do pedido de modificação dessa decisão, confirmado pela sentença recorrida.
O Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo C‑432/18, que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.º TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), no processo intentado pelo  Consorzio Tutela Aceto Balsamico di Modena contra Balema GmbH, por esta utilizar o termo «balsamico» nos rótulos de produtos à base de vinagre que não correspondem ao caderno de especificações IGP Aceto Balsamico di Modena, decidiu, por acórdão de 4.12.2019, que:
O artigo 1.º do Regulamento (CE) n.º 583/2009 da Comissão, de 3 de julho de 2009, relativo à inscrição de uma denominação no registo das denominações de origem protegidas e das indicações geográficas protegidas [Aceto Balsamico di Modena (IGP)], deve ser interpretado no sentido de que a proteção da denominação «Aceto Balsamico di Modena» não abrange a utilização dos seus termos individuais não geográficos.
Termos individuais não geográficos, como resulta da leitura do acórdão, são «aceto» e «balsamico», não podendo a utilização da sua combinação e das suas traduções ser consideradas susceptíveis de prejudicar a protecção conferida à IGP em causa.
Ou seja, a protecção da IG só abrange a denominação «Aceto Balsamico di Modena» completa, que não os elementos separados «vinagre» e «balsâmico», os quais podem ser usados na composição de outros sinais, nomeadamente marcas.
O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se também já quanto ao conceito de evocação, nomeadamente no processo C-783/19, por acórdão de 9 de Setembro de 2021 (Comité Interprofessionnel du Vin de Champagne) no sentido que a evocação fica demonstrada quando o uso de uma denominação cria no espírito de um consumidor europeu médio, normalmente informado e razoavelmente atento e sensato, uma ligação suficientemente direta e unívoca entre essa denominação e a DOP. A existência dessa ligação pode resultar de vários elementos, em especial, a incorporação parcial da indicação protegida, a semelhança fonética e visual entre as duas denominações e a similitude daí resultante, e, mesmo na falta desses elementos, da proximidade conceptual entre a DOP e a denominação em causa, ou ainda da semelhança entre os produtos abrangidos por essa mesma DOP e os produtos ou serviços abrangidos por essa mesma denominação.
Ora, a marca VINAGRES BALSÂMICOS GALLO, DESPERTAM SABORES não evoca/remete/faz lembrar a IG ACETO BALSAMICO DI MODENA (Vinagre Balsâmico de Modena), não estando demonstrado que crie no espírito do consumidor uma ligação directa e unívoca entre a marca e a IG. Mostra-se insustentada a tese do  Recorrente, que parece pretender que qualquer “vinagre balsâmico” evoca o “vinagre balsâmico de Modena”, o que redundaria afinal, por esta via, numa extensão da protecção da IG.
Vinagre(s) e balsâmico(s) são, como decidido pelo TJUE, termos individuais não geográficos e não estão abrangidos pela protecção da IG ACETO BALSAMICO DI MODENA, podendo ser usados na composição de marcas desde que verificados os respectivos requisitos. Aceto, ou vinagre, é um termo genérico e balsâmico não tem qualquer conotação geográfica, referindo-se a um vinagre caracterizado por ter um sabor agridoce.
O facto de, na marca nacional n.º 667374, aqueles elementos se encontrarem no plural (VINAGRES BALSÂMICOS) não significa que assinale necessariamente o vinagre balsâmico de Modena. Ou melhor, podendo englobá-lo, a IG só pode ser usada com autorização do Recorrente, o que este admite ter feito. Mas VINAGRES BALSÂMICOS continuam a ser termos que designam o nome do produto (no caso “da GALLO”) e a IG a proteger, apenas, a indicação completa ACETO BALSAMICO DI MODENA.
Também não se vê que a marca nacional n.º 667374 VINAGRES BALSÂMICOS GALLO, DESPERTAM SABORES contenha qualquer indicação falsa ou falaciosa quanto à proveniência, origem, natureza ou qualidades essenciais dos produtos que assinala (vinagres), voltando a sublinhar-se que a confusão a que Recorrente alude nas suas alegações não resulta da marca e da sua composição e sim, antes, de informação comercial prestada por um distribuidor relativamente ao produto “vinagre balsâmico de sidra”. Afigurando-se que um consumidor médio de vinagres, medianamente atento e informado, não confundirá um vinagre balsâmico de sidra, feito à base de maçãs, com o reputado vinagre balsâmico de Modena (feito de uvas temperadas e parcialmente fermentadas, que envelhecem em barris de madeira)[7].
Conclusivamente, alega ainda a Recorrente que a marca VINAGRES BALSÂMICOS GALLO, DESPERTAM SABORES não passa no “crivo” estabelecido no considerando 10. do preâmbulo do Regulamento da Comissão (EC) nº 583/2009, na medida em que não respeita os princípios e das regras aplicáveis na ordem jurídica comunitária.
No considerando 10 do Regulamento pode ler-se que “A Alemanha e a Grécia, nas suas objecções relativas ao carácter genérico da denominação cujo registo é proposto não tiveram em conta a referida denominação no seu todo, a saber, «Aceto Balsamico di Modena», mas unicamente certos elementos, como os termos «aceto», «balsamico» e «aceto balsamico», ou respectivas traduções. Ora, a protecção é conferida à denominação composta «Aceto Balsamico di Modena». Os termos individuais não geográficos da denominação composta, mesmo utilizados conjuntamente, bem como a sua tradução, podem ser utilizados no território comunitário no respeito dos princípios e das regras aplicáveis na ordem jurídica comunitária.” – destaque nosso
A Recorrente não concretiza, nem se vê em que residiria tal desrespeito nem por que princípios e regras aplicáveis, no caso da marca registada aqui em causa. Afirmar que o uso da expressão “Vinagre Balsâmico” deve sempre passar pelo crivo duma análise da conformidade daquela expressão com os normativos que regulam e protegem a Indicação Geográfica Protegida “Vinagre Balsâmico de Modena”, é pretender que todos os vinagres balsâmicos são de Modena, alargando assim o âmbito de protecção da IG.
O Recorrente invoca ainda o Regulamento (UE) n.º 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios, alegando que o uso da marca constituirá uma infracção do seu artigo 7º , nº 1, al. a) e b), que dispõe sobre práticas leais de informação. O que se afigura uma confusão entre motivos de recusa do registo da marca nacional n.º 667374 e uma informação incorrecta numa página na internet de um distribuidor de um produto que, em todo o caso, não se mostra assinalado com o sinal VINAGRES BALSÂMICOS GALLO, DESPERTAM SABORES. Informação essa que a Recorrente imputa à Auchan (cls. 38).
Quanto à classificação dos vinagres prevista no Decreto-Lei n.º 174/2007, de 8 de Maio, os vinagres balsâmicos estão incluídos na al. h) do n.º2 do art. 2.º do diploma.
Alega ainda a Recorrente que o registo da marca viola o disposto no artigo 232.º, n.º 1, al. e) do Código da Propriedade Industrial, na medida em que constitui uma “reprodução” de “parte” da Indicação Geográfica Protegida “VINAGRE BALSAMICO DE MODENA”, concedido pelo Regulamento da Comissão (EC) nº 583/2009.
Também aqui sem razão.
Face ao carácter uniforme, exclusivo e exaustivo[8] do sistema europeu de protecção e registo das denominações de origem e das indicações geográficas de produtos abrangidos pelo Regulamento (EU) n.º 1151/2012, de 21 de Novembro, não pode ser retirada das normas nacionais uma protecção suplementar daqueles direitos de propriedade industrial. O que na tese do Recorrente se retiraria da aplicação, no caso, do disposto no art. 232.º, n.º 1, al. e) do Código da Propriedade Industrial ao recorrer à reprodução parcial da IG.
Recordando o decidido pelo TJUE sobre a interpretação do art. 1.º do referido Regulamento, os termos vinagre e balsâmico reproduzidos, no plural, são termos individuais não geográficos, não se estendendo a protecção da IG “Aceto Balsamico di Modena” ao uso daqueles termos, pelo que a sua reprodução não poderia ser motivo de recusa do registo da marca.
Quanto à conclusão de que as IG e DO não se tornam genéricas, de acordo com o art. 13.º, nº2 do Regulamento (UE) n.º 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios, não é demais voltar a sublinhar que a IG protegida é constituída, apenas, pelo conjunto dos termos ACETO BALSAMICO DI MODENA.
Assim, impõe-se concluir que a marca nacional n.º 667374 VINAGRES BALSÂMICOS GALLO, DESPERTAM SABORES, assinalando nomeadamente vinagres, não viola a Indicação Geográfica ACETO BALSAMICO DI MODENA, devendo o seu registo ser mantido.
Em conclusão também, o recurso deve ser julgado improcedente e a sentença recorrida confirmada.
*
IV. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente (art. 527.º, n.º1 do CPC).
***
Lisboa, 5.06.2024
Eleonora Viegas
Bernardino Tavares
Armando Cordeiro
_______________________________________________________
[1] (15 no original) Advogado Geral, 04/03/1999, C-87/97, Cambozola, EU:C:1998:614, § 33
[2] (16 no original)  12/09/2017, T 291/03, GRANA BIRAGHI, EU:T:2007:255; 14/12/2017, T 828/16, QUESO Y TORTA DE LA SERENA, EU:T:2017:918, § 62
[3] (17 no original) Em https://www.auchan.pt/pt/alimentacao/mercearia/azeite-oleo-e-vinagre/vinagre/vinagre-gallo-sidra-balsamico-0.25l/2525598.html 
[4] (18 no original) Sublinhado nosso 
[5] (2 no original) https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/bals%C3%A2mico
[6] Alberto Ribeiro de Almeida in “Código da Propriedade Industrial Anotado”, Coord. Luís Couto Gonçalves, Almedina, 2021, p. 1104 e ss.
[7] anexo II do Regulamento (CE) n.º 583/2009 da Comissão, de 3 de julho de 2009
[8] Ac. TJUE, de 14.09.2017, C-56/16 P, Port Charlotte