Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2549/14.9TBSXL.L3-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: REGISTO DA MERA POSSE
AQUISIÇÃO
REGISTO
ESCRITURA PÚBLICA
REGISTO PREDIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I –  Nem nas contestações nem no denominado «levantamento topográfico» é dito que este foi elaborado com base noutro «desenho» que não a planta do loteamento junta com a petição inicial; nem vem alegado nas contestações que existe(m) outra(s) planta(s) no processo do loteamento, que o alvará se reporta a outra planta ou que pelo alvará foi alterado o que consta na referida planta certificada junta aos autos. Portanto, não se mostra que a 1ª instância tenha errado ao considerar que o loteamento aprovado pelo alvará corresponde àquela planta.
II - Na petição inicial pretende-se, assim, a restituição da parte do terreno que, de acordo com a planta de loteamento, integra o lote 371 e que está ocupada por construções os apelantes/réus. Assim, estando provado que as construções dos apelados ocupam apenas uma área total de 181,9 m2 do lote 371, desrespeitando a planta do loteamento, não se verificam as apontadas causas de nulidade da sentença nem resulta enriquecimento sem causa para os apelados/autores.
III - O título invocado pelos apelantes/réus – a escritura pública e o registo predial referem que o lote 372 tem uma área de 1050 m2. Assim, estando provado que com as construções, a área no terreno do lote 372 é de 1180,1 m2, conclui-se que inexiste título de aquisição quanto a esta área. Por outro lado, inexiste registo da mera posse. Na verdade, o que foi registado foi a aquisição do direito de propriedade, registo esse efectuado com base no título escritura pública. Por isso, é de 15 anos o prazo para aquisição por usucapião
Decisão Texto Parcial:Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório

JF, AF e SF instauraram acção declarativa contra AM e MM, MF, FF e Construções A.M… Lda. em 04/06/2014, pedindo, na petição inicial apresentada em 26/03/2015 na sequência de despacho de convite ao aperfeiçoamento do primitivo articulado, que os réus sejam condenados:
«A reconhecer que o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo  Comercial de Amora sob a ficha 4… da freguesia de Corroios, actualmente constituído no regime da propriedade horizontal, tem a área total de 1050 m2;
A reconhecer que o prédio urbano de propriedade dos autores e descrito na Conservatória do Registo Comercial de Amora sob a ficha 8… da freguesia de Corroios tem a área total de 1020 m2;
A reconhecer que o prédio 4… ocupa uma área de 237,00 m2, para além da referida área de 1050 m2, que é parte integrante do prédio dos autores e corresponde a uma faixa de terreno com 6 metros de fundo (medidos na parte que confina com os lotes 369 e 370 a nascente) e 39 a 40 metros de comprimento (medidos respectivamente a norte e sul) que separa cada um dos mencionados prédios;
A reconhecer que os referidos 237,00 m2 são (com)propriedade dos autores e de FN e seu cônjuge MN e, consequentemente a devolver os mesmos livres e desocupados de pessoas, bens e qualquer tipo de construção, no estado idêntico em que se encontra o restante prédio dos autores,
- Pedido subsidiário -
Que os réus sejam condenados:
A reconhecer que o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Comercial de Amora sob a ficha 4… da freguesia de Corroios, actualmente constituído no regime da propriedade horizontal, tem a área total de 1050 m2;
A reconhecer que o prédio urbano de propriedade dos autores e descrito na Conservatória do Registo Comercial de Amora sob a ficha 8… da freguesia de Corroios tem a área total de 1020 m2;
A reconhecer que o prédio 4… ocupa uma área de 237,00 m2, para além da referida área de 1050 m2, que é parte integrante do prédio dos autores e corresponde a uma faixa de terreno com 6 metros de fundo (medidos na parte que confina com os lotes 369 e 370 a nascente) e 39 a 40 metros de comprimento (medidos respectivamente a norte e sul) que separa cada um dos mencionados prédios;
A reconhecer que os referidos 237,00 m2 são (com)propriedade dos autores e de FN e seu cônjuge MN e, consequentemente,
Os réus AM e MM, proprietários da fracção A) e os réus MF e FF, proprietários da fracção B), condenados a devolver as mencionadas áreas que cada uma das fracções ocupam aos autores livres e desocupados de pessoas, bens e qualquer tipo de construção, no estado idêntico em que se encontra o restante prédio dos autores.».
Alegaram, em síntese:
- são comproprietários do lote de terreno para construção nº 371 na Rua J… nº 23, lugar de ..., freguesia de Corroios, concelho do Seixal, com a área de 1020 m2, inscrito na matriz predial sob o art. 6… e descrito na CRPredial sob a ficha 8…;
- esse lote confronta a norte com a Rua 21, a sul com o lote 372, a nascente com os lotes 369 e 370 e a poente com a Rua 21;
- o lote 372 está inscrito na matriz predial sob o art. 1… e descrito na CRPredial sob a ficha 4… e confina a norte com o lote 371, a sul com avenida, a poente com rua e a nascente com o lote 370;
- Construções A.M…, Lda. comprou o lote 372 por escritura de compra e venda de 07/01/2002 na qual foi declarado que tem a área de 1050 m2;
- no lote 372 foi construído pela Construções A.M…,Lda um edifício constituído no regime da propriedade horizontal, composto por duas fracções autónomas, moradias, sendo a fracção “A” propriedade dos réus AM e MM e a fracção “B” propriedade dos réus MF e FF;
- na escritura de constituição da propriedade horizontal de 07/01/2002 foi declarado pela Construções A.M…, Lda que o dito prédio ocupa a área coberta de 261,60 m2 e a área descoberta de 788,40 m2, (sendo assim a soma de 1050 m2) e que constitui a propriedade horizontal em duas fracções para habitação;
- na matriz predial consta que esse prédio ocupa a área total do terreno de 1050 m2;
- numa visita ao local os autores verificaram que o prédio dos réus / cada uma das fracções, ocupa uma área significativa do prédio de que os autores são comproprietários;
- quando se construíram no lote 372 as duas moradias (ou parte delas ou alguma das suas partes acessórias, nomeadamente as piscinas e casas de apoio) construiu-se um muro nas traseiras (norte) do prédio dos réus, delimitando esse prédio do prédio dos autores, ocupando uma faixa de terreno com 6 metros de profundidade e 39 metros a 40 metros de comprimento, retirando uma área de 237 m2 ao terreno dos autores, incorporando a mesma na área do prédio dos réus;
- de tal sorte que realizada hoje uma medição no terreno, o prédio dos autores tem 783 m2 e o prédio dos réus tem 1287 m2;
- efectivamente, conforme se verifica pela planta respeitante ao alvará de loteamento que deu razão aos lotes 371 e 372, a estrema norte do prédio dos réus não segue a mesma linha recta das estremas dos restantes lotes que se encontram na mesma frente, antes está recuada 6 metros;
- na planta de loteamento, na linha confinante com os demais lotes a nascente, o prédio dos autores tem uma profundidade de 35,00 metros e o prédio dos réus de 23,00 metros - esta a situação que devia ser encontrada no terreno;
- feita a medição no terreno verificou-se que o prédio dos autores tem uma profundidade de 29,00 metros, isto é, menos 6,0 metros;
- e feita a medição no terreno verificou-se que o prédio dos réus tem uma profundidade de 29,00 metros, isto é, mais 6,0 metros;
- por outro lado, conforme a planta de loteamento, a linha que separa os dois prédios deveria ter 40,00 metros e verifica-se que na realidade tem 39,00 metros;
- isto é, os réus ocupam a área do prédio dos autores delimitada na fotografia aérea seguinte, e fazem-no através da ampliação do prédio numa área com 6 metros de fundo e 39 a 40 metros de comprimento;
- em concreto, a fracção “A” ocupa uma área de 6 metros de fundo e 19 a 20 metros de comprimento no prédio dos autores, isto é, uma área superior a 115 m2;
- e a fracção “B” ocupa uma área de 6 metros de fundo e 19 a 20 metros de comprimento no prédio dos autores, isto é, uma área superior a 115 m2;
- a área de implantação do edifício (a área de implantação de ambas as fracções) é superior à declarada no título constitutivo da propriedade horizontal (261,60 m2) e que decorre do licenciamento camarário;
- o edifício tem, na realidade, uma área de implantação superior a 450 m2, i.e, superior a 225 m2 por moradia;
- os autores nunca autorizaram os réus ou qualquer um deles, ou quem os precedeu na ocupação do lote 372 ou de cada uma das fracções autónomas, a ocupar ou construir nos 237 m2 de terreno que são sua propriedade;
- as moradias foram construídas no terreno dos autores, bem sabendo quem as construiu e quem hoje as habita, que ocupavam terreno que lhes não pertence.
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Todos os réus contestaram e deduziram reconvenção pedindo que seja reconhecido que adquiriram por usucapião a parcela de terreno reivindicada pelos autores, e subsidiarimente, que a adquiriram por acessão industrial imobiliária.
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Foi admitida a intervenção principal provocada do lado activo de FN e MN.
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Realizada a audiência final, foi proferida sentença em 22/05/2019, da qual foi interposto recurso de apelação pelos réus.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação em 17/12/2019 e distribuídos em 08/01/2020; e em 20/02/2020 foi proferido acórdão com este dispositivo:
«Pelo exposto, decide-se:
a) julgar nula a sentença recorrida;
b) anular a decisão sobre a matéria de facto no que respeita aos pontos 42, 43, 44, 45 e 46 a fim de serem produzidos os meios de prova que se mostrarem necessários para decidir qual a área do lote 371 e se parte da mesma, e qual, está ocupada pelos apelantes, cabendo a repetição do julgamento na parte afectada e a nova sentença à senhora juíza que elaborou a primeira (art. 605º do CPC).
Custas pela parte vencida a final.».
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Tendo baixado os autos à 1ª instância, foi aí realizada audiência de julgamento e em 08/07/2022 foi proferida sentença com este dispositivo:
«Face ao exposto, o tribunal julga a ação parcialmente procedente e, em consequência:
A) Condena os réus AM e MM a reconhecer que a fração “B” do prédio sito na Rua C… n.º 12 e Rua J…, n.º 25, ..., Corroios, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o artigo 4…/2004…-B e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1…, ocupa 108,7m2 do imóvel sito na Rua J…, n.º 23, ..., Lote 371, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o artigo 8…/2009… e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 6…;
B) Condena a ré MF (por si e em substituição de FF, conforme incidente de habilitação de herdeiros que correu os seus termos por apenso) a reconhecer que a fração “A” do prédio sito na Rua C…, n.º 12 e Rua J…, n.º 25, ..., Corroios, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o artigo 4…/2004…-A e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1…, ocupa 73,2m2 do imóvel sito na Rua J…, n.º 23, …, Lote 371, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o artigo 8…/2009… e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 6…;
C) Absolve os réus do demais peticionado;
D) Declara improcedentes os pedidos reconvencionais (principais) deduzidos pelos réus;
E) Declara procedentes os pedidos reconvencionais (subsidiários) deduzidos pelos réus e, em consequência, reconhece que i) os réus AM e MM são titulares do direito de propriedade, em virtude de acessão industrial imobiliária, da parcela de terreno de 108,7m2 que ocupam no lote de terreno 371, sito na Rua J…, n.º 23, ..., Lote 371, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o artigo 8…/2009… e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 6…; ii) a ré MF (por si e em substituição de FF, conforme incidente de habilitação de herdeiros que correu os seus termos por apenso) é titular do direito de propriedade, em virtude de acessão industrial imobiliária, da parcela de terreno de 73,2m2 que ocupam no lote de terreno 371, sito na Rua J…, n.º 23, ..., Lote 371, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o artigo 8…/2009… e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 6…;
F) Condiciona o reconhecimento do direito identificado em E) ao pagamento, pelos réus aos autores, na proporção das parcelas de terreno que ocupam, da indemnização a fixar nos termos do disposto no artigo 1343.º do Código Civil, cujo valor deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença;
G) Condena autores e réus no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 75% para os autores e em 25% para os réus.».
*
Novamente inconformados, apelaram os réus AM, MM e MF, terminando a alegação com estas conclusões:
«a) O Tribunal julgou parcialmente procedente a acção, improcedente o pedido principal formulado pelos Recorrentes e bem assim parcialmente procedente o pedido subsidiário, tendo reconhecido que os RR. são titulares do direito de propriedade em virtude de terem adquirido por acessão imobiliária industrial as parcelas de terreno que ocupam; todavia ao fixar a área pertencente a cada um, o Tribunal não fixou a área efectivamente ocupada respectivamente pelos RR., tal como os mesmos pediram, e está claramente definida no art.º 44º da matéria provada, outrossim, atribui-lhes uma área que os mesmos não ocupam e que só idealmente existiu nas plantas que terão instruído o alvará de loteamento, plantas essas ainda assim sem área.
b) Da matéria de facto provada resulta que o lote dos AA. tem na descrição predial a área de 1020 m2 e foi adquirido como tendo essa área (n.ºs 1, 2 e 5 dos factos provados) e o prédio dos RR. tem na descrição predial e na matriz a área de 1050 m2 e foi adquirido com essa área (n.ºs 20, 21 e 22 dos factos provados).
c) Os AA. entendem que os RR. estão a ocupar parte desse lote, os RR. admitem que tal possa ter acontecido de boa-fé explicando que vedaram com muro no enfiamento das demais construções do
loteamento e convictos que esse era o limite do lote, mas entendem que dado o lapso de tempo decorrido e o registo a seu favor, adquiriram esse pedaço por usucapião, e quando assim não
se entenda, por acessão imobiliária industrial.
d) O Tribunal no n.º 44 dos factos provados diz que, efectuada uma medição no terreno, o lote dos Autores tem a área de 959,9 m2, ora como deveria ter, segundos os próprios admitem, e foi isso que
adquiriram, 1020 m2, falta-lhes 60,1 metros quadrados.
e) Já o lote dos RR., segundo o Tribunal, tem 1.180,10 m2; como o lote deveria ter 1050 m2, têm a mais 130,10 m2, não significando isso que tenham ido buscar ao lote dos RR., porquanto a estes só
falta 60,1 m2.
f) Esta é, de acordo com a factualidade provada a realidade no terreno.
g) Entretanto o Tribunal “a quo”, cumprindo o comando do Tribunal da Relação veio dizer no artigo 42º dos factos provados o seguinte:
i) O lote 371, adquirido pelos autores, totaliza a área de 1141,8m2. ii) O lote 372, adquirido pelos réus, totaliza a área de 998,2m2. iii) A área do lote 371, adquirido pelos autores, tal como definido em sede de alvará de loteamento, é ocupada pelas construções erigidas no lote 372 (fração A e fração B) em 181,9m2.
h) Impugna-se esta decisão da matéria de facto; por um lado, junto aos autos não se encontra qualquer alvará de loteamento, pelo que nunca poderia o Tribunal “a quo” referir-se ao que foi definido em sede de alvará de loteamento que nunca viu; por outro lado, o que os peritos disseram é que entre as plantas que terão instruído o processo de loteamento, sem contudo possuírem áreas, mas com base numa medição que efectuaram sobre as mesmas, há divergência entre o que apuraram, e o próprio alvará que serviu de base aos registos prediais e matriciais. Mais, na página 31 do relatório dizem que ainda assim essas plantas não são fidedignas; e na página 39 dizem que os RR. licenciaram as suas construções tendo apresentado telas finais e declarado a área do lote coincidente com o que está no registo, o que foi aprovado pela Câmara Municipal. Em sede de julgamento os peritos ouvidos nas horas, nos minutos e nas passagens transcritas no artigo 14º da motivação que aqui se dão por integralmente reproduzida, deixaram claro não saber explicar essa divergência, que podia resultar do facto de ser um loteamento muito antigo; ora, como a Mª. Juiz justifica a resposta a este facto com base no relatório pericial, e nos esclarecimentos dos peritos, só podemos contestar
este julgamento da matéria de facto que aqui pretendemos ver alterada, porquanto, nem o relatório o diz, nem os peritos o esclareceram em sede de julgamento, que a área constante do alvará de loteamento seja diferente da área constante do registo e da matriz, e confessada pelas partes. O Tribunal confundiu as plantas com o próprio alvará; pelo que esta resposta tem de ser eliminada de acordo com estas provas que não a permitiam. Na verdade, num processo de loteamento temos as plantas, o pedido e a decisão que será emitida sob a forma de certidão e que constituirá o alvará propriamente dito; e este não está junto aos autos até porque não constituía o objecto da lide, foi um facto que apenas o tribunal trouxe à liça. Mais, no número 18º dos factos assentes o tribunal dá como provado o licenciamento das construções dos RR. levadas a cabo no lote com 1020m2; ora, se na descrição predial o lote tinha 1020m2, e conforme consta no relatório pericial essas construções foram apresentadas e licenciadas no lote com essa área – página 38 do relatório, como pode o tribunal dizer que a área constante do alvará é diferente, quando nem a Câmara, nem os peritos, nem os AA. o disseram.
i) Numa acção de reivindicação, que se encontra regulada na Secção II do Titulo II – Do Direito de Propriedade do C. Civil, o que está em causa e o que se reivindica é o reconhecimento do direito de
propriedade e a restituição do que lhe pertence; e essa restituição há-de ser física e não virtual.
j) Ora, se os AA. adquiriam um lote com 1020 m2, como os próprios confessam, e apenas quanto a essa área pretendem ver reconhecido o seu direito de propriedade, e lhes falta 60,1 m2, de acordo com as medições feitas no terreno pelos peritos, como pode o Tribunal condenar os RR. a restituir aos AA. 181,90 m2, negando o que estes pretendem ver reconhecido, ou seja, serem declarados donos de um lote com 1020m2. Condenação aliás, que vai para além do pedido, na verdade, os AA. só pretendem ter 1020 m2, exactamente o que adquiriram segundo os mesmos.
k) Mais, de acordo com a sentença do Tribunal os AA. Adquiriram um lote com 1020 m2, como têm 959,20 m2, mais os 181, 90 m2, ficariam com um lote com 1141,10 m2, isto é, o Tribunal está a atribuir-lhes mais 121,10 m2 do que aquilo que compraram e pediram, enquanto isso,
l) Os AA. que adquiriram um lote com 1050 m2 e têm 1180,1, se tivessem que restituir ou pagar 181,90 m2 aos RR. ficariam com um lote com 998,2 m2, ou seja, com área inferior ao que compraram.
m) A significar que de acordo com a matéria de facto provada, jamais o Tribunal “a quo” poderia ter julgado parcialmente provada a acção. A sentença promove um enriquecimento sem causa dos AA. à custa de um correlativo empobrecimento dos RR.. Na verdade tira aos RR., sem justificação, para dar aos AA. o que os próprios não pediram pois confessam só terem comprado um lote com 1020m2, e é por reporte a isto que intentaram acção de reivindicação.
n) O Tribunal a “quo” não respeitou assim o comando do artigo 609.º n.º 1 do Código Processo Civil, ao condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que os AA. pediram. É certo que o tribunal condena os RR. a restituir aos AA. menos do que pediram, mas fá-lo não por reporte a um lote com 1020m2, mas por reporte a um lote com uma área muito superior que os AA. nunca pediram. Por outro lado, a forma como a sentença é proferida, negando o reconhecimento da propriedade dos AA. tal como o formularam, transforma ilegitimamente uma acção de reivindicação em acção de demarcação, ao arrepio do que foi convocado pelas partes.
o) A sentença é evidentemente nula neste segmento porquanto, para além do que se expôs, há uma verdadeira contradição entre a matéria de facto provada, a fundamentação e a decisão, nos termos
do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea c) do Código Processo Civil.
p) Quanto aos pedidos reconvencionais, o Tribunal julgou improcedente o pedido principal por ter entendido não terem decorrido 15 anos desde o início da posse, declarando, todavia, que os RR. adquiram por acessão imobiliária 181,90 m2.
q) Decisão esta em total oposição, o que a fere de nulidade com o facto provado no artigo 44º dos factos provados. Na verdade, se ao lote dos AA. apenas faltam 60,10 m2 como pode o Tribunal condenar os AA. a pagar-lhes 180,01 m2 com base num alegado instrumento de gestão territorial que nunca foi junto aos autos, nem foi tema controvertido?
r) Os RR. solicitaram a título de pedido reconvencional principal que fosse reconhecida a sua aquisição por usucapião relativamente à parcela reivindicada, tendo alegado factos conducentes a essa aquisição, nomeadamente comprovativos do animus com que actuaram e factos demonstrativos do corpus ou seja, da posse de facto que exerce sobre a mesma.
s) O Tribunal deu como provados esses factos, e na fundamentação da decisão admitiu que para além do corpus possessórios o R. AM adquiriu o animus possidendi em 27.03.2000, data em que
pagou o preço e ficou com uma procuração irrevogável para fazer a escritura.
t) Todavia, o Tribunal “a quo” considerou que não decorreu o prazo suficiente para a aquisição que seria 15 anos, porquanto a posse não foi titulada nem se encontrava registada; o que é contrariado com o facto provado no artigo 16º - o Tribunal dá como provado que o titulo aquisitivo tinha a área de 1050 m2, e das certidões prediais juntas aos autos consta o registo a favor dos RR.
u) Sucede que, a posse titulada das construções A. M…, Lda., foi registada em 2001 que por sua vez a transmitiu aos ora Recorrentes que também a registaram.
v) Pelo que há aqui uma acessão de posses registada – artigo 1256º do C. Civil que encurta o prazo da usucapião para dez anos, tal como invocado pelos Recorrentes nas suas contestações e que o tribunal não considerou.
w) É um facto que há uma divergência de área entre o que está registado e o que é efectivamente possuído, todavia, como se reconhece na sentença, essa diferença é dispensada pelo próprio C.R. P. - artigo 28º- A..
x) Sendo que, para além disso, o encurtamento do prazo para aquisição por usucapião quando há título e registo será seguramente a circunstância de essa posse ser mais facilmente detectada e apreendida por um eventual interessado dada a sua publicidade resultante do registo.
y) Daqui resulta que nos factos provados, o Tribunal “a quo” deveria ter mencionado justamente a data desses registos aquisitivos.
Tendo em conta a certidão predial junta aos autos, o que não fez e deve ser corrigido pois a documentação junta assim o impõe.
z) Feito isto, contrariamente, ao decidido deveria ter julgado procedente por provado o pedido principal apresentado na reconvenção dos RR., no sentido de que adquiriram essa parcela por usucapião.
aa) Quando assim não se entendesse, e o que se admite por mera necessidade de raciocínio, não poderia ter julgado parcialmente procedente a acção considerando que o lote dos RR. ocupa 181,9 metros do lote dos AA., (o que como vimos só acontece em sede de plantas de alvará de loteamento, ao tempo sem medidas, e só percetível actualmente com medições feitas a partir das mesmas, e não no próprio alvará de loteamento com base no qual foi aberta a descrição predial, e apresentadas e licenciadas as telas finais das construções dos RR. (resposta ao facto vertido no artigo 18º) e bem assim no terreno onde essa diferença é apenas de 60,10 m2) reconhecendo-lhes um lote com 959,9 + 181,9, o que totaliza 1.141,8, quando são os próprios que confessam que o seu lote só tinha 1020 m2. A não ser corrigida a sentença a mesma daria lugar a um enriquecimento sem causa dos AA. na exacta medida do empobrecimento dos RR..
bb)E por absurdo teríamos uma sentença a modificar um suposto alvará de loteamento, não sendo esse o pedido nem a causa de pedir, que nunca foi visto pelo tribunal, e que envolve muitos lotes para além dos dois aqui em causa p. ex. o lote dos AA. tem o número 371, conforme consta na certidão predial junta aos autos, e o dos RR. o número 372.
Nestes termos e nos mais de Direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., devem julgar procedente a presente Apelação e revogar o teor da douta sentença, na parte em que julgou indevidamente a matéria de facto em total oposição aliás com a prova constante nos autos sobre o tema, e que padece de nulidade e julgando procedente o pedido principal deduzido em sede de reconvenção.
Assim decidindo, farão Vossas Excelências a costumada Justiça!».
*
Os autores contra-alegaram e interpuseram recurso subordinado, terminando com estas conclusões:
«1)
Os concretos factos não provados c) d) e) devem passar a ser considerados provados.
2)
Efectivamente, uma cuidadosa análise da totalidade dos depoimentos das partes e, bem assim, das testemunhas:
i) AM e
ii) JF
iii) PC,
iv) RR e
v) MD
em especial os momentos concretos dos mesmos referidos no corpo das presentes alegações (cuja audição e análise se solicita ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que seja realizado) tudo conjugado com uma cuidadosa análise dos documentos juntos aos autos, nomeadamente a planta de localização Camarária junta com a petição inicial e os levantamentos topográficos realizados com a perícia de fls. 492 e segts, permitem concluir pelo valor positivo dos testemunhos das referidas testemunhas e consequentemente, deve o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa alterar a decisão de facto realizada na instância recorrida considerando-se provado que:
49) O réu AM, na data em que promoveu a construção das moradias, solicitou ao autor JF para ocupar, parcialmente, uma parcela de terreno do lote 371 o que foi recusado.
50) Os réus, aquando da aquisição dos imóveis de que são proprietários e até à citação ocorrida no âmbito dos presentes autos tiveram conhecimento da concreta área e delimitação do lote 372 face ao lote dos autores e outros intervenientes (371).
51) As moradias foram, parcialmente, construídas no terreno dos autores e outros intervenientes, bem sabendo quem as construiu e que hoje as habita que ocupavam terreno que não lhes pertence.
3)
E, face à introdução destes novos três factos,
deve-se concluir que os réus dos presentes autos construíram e mantêm obras e construções de má fé no terreno dos autores e outros intervenientes
4)
Em concreto:
no que importa à fração A do lote 372 (propriedade da ré MF) ocupa a área de 73,2m2 do lote 371, propriedade dos autores e outros intervenientes e no que importa à fração B do lote 372 (propriedade dos réus AM e MM) ocupa a área 108,7m2 do lote 371, propriedade dos autores e outros intervenientes.
5)
Pelo que deve proceder a pretensão dos autores e outros intervenientes em que os réus sejam condenados a reconhecer que as duas referidas parcelas de terreno são (com)propriedade dos autores e outros intervenientes e, consequentemente, condenados os réus a devolver as mesmas parcelas de terreno livres e desocupados de pessoas, bens e qualquer tipo de construção, no estado idêntico em que se encontra o restante prédio dos autores e outros intervenientes.
6)
E, julgada inteiramente improcedente por não provado o pedido reconvencional,
7)
Reformulando-se em conformidade todo o dispositivo condenatório, incluindo a condenação em custas.
8)
A julgar de outro modo, o Tribunal a quo fez uma má interpretação da prova, incorrendo em erro de julgamento, o que motivou a aplicação da norma do artigo 1343 quando deveria ter aplicado aos factos as normas dos artigos 1260, 1311, 1312 e 1341, todas do Código Civil e as demais normas de direito que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa com o seu douto suprimento queira aplicar.
Nestes termos e nos demais de Direito que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa queira suprir deve ser julgado inteiramente improcedente o recurso independente apresentado pelos réus e a douta
sentença recorrida confirmada na parte que a esse recurso importa.
Por seu lado, deve ser julgado procedente o recurso subordinado e os réus condenados a reconhecer que as duas referidas parcelas de terreno são (com)propriedade dos autores e outros intervenientes e, consequentemente, condenados os réus a devolver as mesmas parcelas de terreno livres e desocupados de pessoas, bens e qualquer tipo de construção, no estado idêntico em que se encontra o restante prédio dos autores e outros intervenientes, revogando-se o segmento correspondente da sentença recorrida e substituído por douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em conformidade com a presente pretensão.
Assim se fazendo a necessária Justiça, como é o Estilo do Venerando Tribunal, mas V. Exªs Senhores Doutores Juízes Desembargadores superiormente melhor decidirão.».
*
Os réus contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso subordinado.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos apelantes, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são:
- no recurso principal
. se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
. se a sentença é nula
. se devem ser julgados procedentes os pedidos reconvencionais principais   de aquisição por usucapião
*
- no recurso subordinado
. se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
. se os réus construíram de má fé no terreno dos autores e por isso deve ser julgada totalmente improcedente a reconvenção
*
III – Fundamentação
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
1) Na Rua J…, n.º 23, ..., freguesia de Corroios, concelho do Seixal, existe um terreno para construção identificado como lote 371, inscrito na matriz predial sob o artigo 6… e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo n.º 8… da dita freguesia e antes sob o n.º 2…. do livro n.º 77, constando da respetiva caderneta predial como área total do terreno 1020 m2 e como valor patrimonial € 117.048,42 (cento e dezassete mil quarenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos).
2) No referido terreno não existe nenhuma edificação.
3) Os autores são comproprietários do lote 371.
4) O lote 371 confronta a norte com a Rua 21, a sul com o Lote 372, a nascente com os Lotes 369 e 370 e a poente com a Rua 21.
5) No dia 10 de Outubro de 1979, MF e MMa venderam a FN e seu cônjuge, MN e a JF e seu cônjuge DF em partes iguais para cada um dos casais, o supra identificado lote 371, tendo ficado exarada na escritura que a área do mesmo lote era de 1020 m2.
6) DF faleceu em 23 de Fevereiro de 2006, tendo-lhe sucedido o referido JF e seus filhos AF e SF.
7) Assim, são proprietários, em comum e em partes iguais, do lote 371: i)
FN e seu cônjuge ii) MN, iii) JF, iv) AF e v) SF proprietários do referido lote de terreno.
8) O lote 372 situa-se na Rua C… n.º 12, torneando com a Rua J…, n.º 25, lote que se encontra inscrito na matriz predial sob o artigo 1… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o artigo 4… da freguesia de Corroios e antes sob o n.º 2… do livro n.º 77.
9) O lote referido em 8) foi constituído no regime de propriedade horizontal,
tendo tal acto sito registado na Conservatória do Registo Predial em 08.01.2002, e é composto por duas frações autónomas, sendo a fração “A” propriedade dos réus MF e FF e a fração “B” propriedade dos réus AM e MM.
10) O referido lote 372 confina a norte com o lote 371 e a nascente com o lote 370.
11) No dia 10 de Outubro de 1979 MF e MMa venderam a BF e mulher MF e a MC e mulher MaC, em comum e partes iguais, o lote 372, tendo ficado exarado na escritura que o mesmo lote tinha a área de 1050 m2.
12) MC e mulher MaC transmitiram a PC a sua quota-parte do lote 372.
13) Em 18.02.2000, PC emitiu uma declaração onde fez constar, designadamente, o seguinte: “vendo um lote de terreno com a área de 1050 m, na localização da ... sitio a confrontado a norte lote 371 e a sul rua 25 nascente com o lote 370, poente rua 21, o número do lote 372, no valor de 33.750.000$00 (…) ao Exmo. Sr. AM (…) Recebo de sinal 1.750.000$00 (…) ficando o restante do valor de 32.000.000$00 (…) para o ato da escritura que é no dia 27 de março de 2000”.
14) No dia 27.03.2000, BF, MF e PC outorgaram uma procuração irrevogável a favor de AM, através da qual lhe atribuíram poderes para “vender a quem, e nas condições que entender, pelo preço de dez milhões de escudos, o lote de terreno para construção sito em Vale de Milhaços, freguesia de Corroios, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob a ficha zero … – Corroios (…)”, tendo, nessa mesma data, AM procedido ao pagamento do remanescente do preço acordado.
15) Através de escritura celebrada em 12 de Março de 2001, BF, MF e PC venderam à sociedade Construções A.M… Lda. o lote 372, tendo AM intervindo na qualidade de procurador dos vendedores e representante legal da sociedade compradora.
16) Na escritura referida em 15) as partes declararam que a área do lote era de 1050 m2.
17) A sociedade Construções A.M…, Lda. construiu no lote um edifício de rés-do-chão e primeiro andar, com duas habitações/moradias independentes e saídas próprias para a rua, tendo constituído esse edifício no regime de propriedade horizontal.
18) O projeto de edificação das moradias deu entrada na Câmara Municipal do Seixal em 12 de Abril de 2000, tendo a licença de utilização sido emitida em 10 de Março de 2003.
19) A construção mencionada em 17) encontra-se murada, tendo o muro sido edificado pela sociedade Construções A.M…, Lda., na convicção de que aquele local concreto em que foi construído correspondia às estremas do lote adquirido.
20) Em 7 de Janeiro de 2002, por escritura lavrada no 2.º Cartório Notarial de Almada, AM, em nome e representação da sociedade Construções A.M…, Lda. declarou que a dita sociedade é dona e possuidora de um prédio urbano sito na Rua C…, n.º 12 e Rua J… n.º 25, ..., freguesia de Corroios, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o número 4….
21) Mais declarou que o dito prédio ocupa a área coberta de 261,60 m2 e a área descoberta de 788,40 m2, (sendo assim a soma de 1050,00 m2).
22) E que constitui a propriedade horizontal em duas frações, ambas para
habitação.
23) Consta da matriz predial urbana respeitante ao prédio em causa que o mesmo ocupa a área total do terreno de 1.050m2.
24) Em 21 de Dezembro de 2004, a sociedade Construções A.M…. Lda., representada por AM, vendeu a PS e a MF a fração “A” referida, em comum e partes iguais.
25) Através de escrito intitulado “Compra e Venda”, celebrado em 21.12.2007, PS vendeu a FF metade da fração autónoma designada pela letra “A” do lote 372.
26) Face ao mencionado em 25), MF e FF (entretanto falecido) passaram a ser proprietários, em comum e partes iguais, da fração “A” do lote 372.
27) Desde a data em que MF e PS adquiriram a fração “A”, a mesma mantém a mesma composição.
28) A área que a fração “A” ocupa está delimitada por muros de vedação em todas as confrontações.
29) A construção existente na fração “A” é composta por uma moradia de rés-do-chão e primeiro andar com jardim, uma piscina, um alpendre e um telheiro.
30) A piscina e o telheiro estão edificados junto ao muro que confronta com o lote 371.
31) FF residiu no imóvel desde a data referida em 24).
32) Desde a data referida em 24), MF, PS e FF, este último porque aí residiu permanentemente, pernoitam no imóvel, recebem amigos e correspondência, tomam as refeições, utilizam a piscina e cozinham no telheiro.
33) Os actos referidos em 32) foram sempre praticados à frente de toda a gente.
34) MF, PS e FF tiveram conhecimento de que estariam a ocupar o terreno dos autores quando foram citados no âmbito dos presentes autos, e não antes.
35) Em 14 de Dezembro de 2005, a sociedade Construções A.M… Lda.,
representada por MM, vendeu a AM a fração “B” do lote 372.
36) Os réus AM e MM, casada com aquele em regime de comunhão de adquiridos, são proprietários, em comum e partes iguais, da fração “B”.
37) Desde pelo menos 14.12.2005, AM e MM pernoitam no imóvel, recebem amigos e correspondência, tomam as suas refeições, utilizam a piscina e cozinham no telheiro.
38) Os actos referidos em 37) foram sempre praticados à vista de toda a gente.
39) A construção existente na fração “B” é composta por uma moradia de rés-do-chão e primeiro andar com jardim, uma piscina, um alpendre e um telheiro.
40) A piscina e o telheiro estão edificados junto ao muro que confronta com o lote 371.
41) Em data não concretamente apurada, mas que terá sido em 2013 ou 2014, numa visita ao local, os autores verificaram que o prédio dos réus, cada uma das frações, ocupa uma área do prédio de que os autores são comproprietários, prolongando-se dentro do mesmo.
42)
i) O lote 371, adquirido pelos autores, totaliza a área de 1141,8m2.
ii) O lote 372, adquirido pelos réus, totaliza a área de 998,2m2.
iii) A área do lote 371, adquirido pelos autores, tal como definido em sede de alvará de loteamento, é ocupada pelas construções erigidas no lote 372 (fração A e fração B) em 181,9m2.
43) A área do lote 371 (adquirido pelos autores) que é ocupada pelo lote 372 (fração A e fração B) tem a forma de um polígono irregular.
- A fração A do lote 372, propriedade da ré MF, ocupa 73,2m2 do lote 371, propriedade dos autores;
- A fração B do lote 372, propriedade dos réus AM e MM, ocupa 108,7m2 do lote 371, propriedade dos autores.
44) Por força do descrito em 42) - iii), o lote de terreno dos autores (371) apresenta uma área total (real – no terreno) de 959,9 m2 e o lote dos réus (372) tem área total (real – no terreno) de 1180,1 m2.
Destes 1180,1m2:
45) A área total real do lote de terreno da fração “A” do lote 372 é de 574,6m2.
46) A área total real do lote de terreno da fração “B” do lote 372 é de 605,5m2.
47) As moradias dos réus apresentam o mesmo alinhamento de fachada principal do que as moradias a nascente; quanto ao plano da fachada tardoz, o alinhamento não é coincidente em absoluto, mas muito aproximado com a primeira moradia construída na urbanização (para o lado nascente).
48) Os autores nunca autorizaram os réus, ou qualquer um deles, ou quem os precedeu a ocupar ou construir em terreno do lote 371.
*
B) E vem dado como não provado:
a) Que o prédio dos réus ocupe actualmente uma área de 237,00 m2 do prédio dos autores.
b) Que o lote de terreno referido em 10) (lote 372) confine a sul com “avenida” e a poente com “rua”.
c) Que o réu AM, na data em que promoveu a construção das moradias, tenha solicitado ao autor JF para ocupar, parcialmente, um parcela de terreno do lote 371 e que tal tenha sido recusado.
d) Que os réus, aquando da aquisição dos imóveis de que são proprietários e até à citação ocorrida no âmbito dos presentes autos tivessem conhecimento da concreta área e delimitação do lote 372 face ao lote dos autores (371).
e) Que as moradias tivessem sido, parcialmente, construídas no terreno dos autores, bem sabendo quem as construiu e que hoje as habita que ocupavam terreno que não lhes pertence.
f) Que os autores tenham verificado que, quando se construíram as duas moradias (ou parte delas ou alguma das suas partes acessórias, nomeadamente as piscinas e casas de apoio) no lote 372 foi construído um muro nas traseiras (norte) do prédio dos réus, delimitando esse prédio do prédio dos autores, ocupando uma faixa de terreno com 6 metros de profundidade e 39 metros a 40 metros de cumprimento, retirando uma área de 237 m2 ao terreno dos autores, incorporando a mesma área no prédio dos réus.
g) Que, realizada uma medição ao terreno, o prédio dos autores tenha 783 m2 e o prédio dos réus tenha 1287 m2.
h) Que os réus ocupem a área do lote dos autores através da ampliação do seu lote numa área com 6 metros de fundo e 39 a 40 metros de cumprimento.
i) Que a fração “A” ocupe uma área de 6 metros de fundo e 19 a 20 metros de cumprimento no prédio dos autores, isto é, um valor superior a 115 m2.
j) Que a fração “B” ocupe uma área de 6 metros de fundo e 19 a 20 metros de cumprimento no prédio dos autores, isto é, um valor uma área superior a 115 m2.
k) Que PS e a MF residam na fração desde a data referida em 24).
l) Que, por volta dos primeiros meses do no de 1999, o réu AM, em representação da sociedade Construções A.M…, Lda., tenha ido ao terreno correspondente ao lote que veio a adquirir (372) juntamente com os vendedores, existindo no local uma demarcação com sinais visíveis, nomeadamente, combos de terra.
m) Que o muro de vedação a norte das moradias construídas no lote 372 tenha sido edificado na divisão do terreno que em 1999 e muitos anos antes, cerca de uma década, se verificava no terreno.
n) Que a sociedade Construções A.M…, Lda. tenha, no início de 1999, começado a preparar o projeto de edificação das moradias.
o) Que, no primeiro trimestre de 1999, a sociedade Construções A.M…, Lda. tenha procedido à limpeza do terreno, tendo-o demarcado com estacas de madeira para iniciar a construção das moradias.
p) Que a sociedade Construções A.M…, Lda. tenha pago a totalidade do preço devido pela compra do lote 372 no início de 1999, pese embora só tenha celebrado a escritura em Março de 2000.
q) Que o preço por m2 praticado à data da aquisição do lote 372, fração A, fosse de € 49,01.
r) Que o preço por m2 praticado à data da aquisição do lote 372, fração B, fosse de € 47,00.
s) Que o valor do terreno em 2001 fosse de € 200,00 por m2.
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C) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
 1 - no recurso principal –
Entendem os apelantes/réus que a matéria do ponto 42 deve ser eliminada dos factos provados. (…)
(…), improcede a impugnação dos apelantes/réus quanto ao ponto 42 da matéria de facto.
*
 2 - no recurso subordinado –
Entendem os apelantes/autores que deve ser julgado provada a matéria das alíneas c), d) e e).
(…), improcede a impugnação quanto à alínea c).
*
(…) Improcede a impugnação quanto às alíneas d) e e).
*
D) O Direito
1. Recurso principal
1.1. Da alegada nulidade da sentença
Sustentam os apelantes/réus que a sentença é nula porque «não respeitou o comando do artigo 609º nº 1 do Código de Processo Civil, ao condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que os AA pediram» e porque há contradição entre os factos provados, a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al. e) do CPC.
Dizem que o pedido partia do pressuposto de que o lote devia ficar com 1020 m2 como constava no registo predial e os autores só pretendiam ficar com um lote com a área de 1010 m2, aquele que compraram, mas, com a decisão de restituir 181,90 m2 o tribunal fixou essa área em 1180,01 m2 «com base numas plantas a que os AA nunca aludiram», donde resulta um enriquecimento sem causa a favor destes, a sentença, negando o reconhecimento da propriedade dos autores tal como o formularam, transforma ilegitimamente uma acção de reivindicação em acção de demarcação.
No art. 609º nº 1 o CPC (Código de Processo Civil) estabelece:
«A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.».
E no art. 615º nº 1 estatui que a sentença é nula quando «c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)»; «e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.».
Na petição inicial invoca-se a planta do loteamento com base na qual vem alegado que os apelantes ocupam com as suas construções uma área total de 237 m2 pertencente ao lote 371 dos apelados/autores e é pedida a restituição dessa área. Portanto, na petição inicial pede-se a restituição do terreno que, de acordo com a planta de loteamento, pertence ao lote 371, e que nesse articulado se diz ter a área de 237 m2.
Na sentença atendeu-se a essa planta de loteamento para formar a convicção de que os apelantes/réus têm construções que ocupam no lote 371 uma área total de 181,9 m2 (a fracção “B” ocupa 108,7 m2 e a fracção “A” ocupa 73,2 m2) e não uma área total de 237 m2.
É certo que na petição inicial vem alegado que o lote 371 tem a área de 1020 m2. Mas também é certo que nesse articulado é alegado que a configuração dos lotes é a que consta na referida planta do loteamento. Portanto, o pedido de reconhecimento de que o prédio/lote 371 tem a área de 1020 m2 resulta de essa ser a área indicada no registo predial, na escritura pública de compra e venda e na matriz predial, e que, conforme resulta dos factos provados, não corresponde à área definida na planta de loteamento. Na petição inicial pretende-se, assim, a restituição da parte do terreno que, de acordo com a planta de loteamento, integra o lote 371 e que está ocupada por construções os apelantes/réus.
Assim, estando provado que as construções dos apelados ocupam apenas uma área total de 181,9 m2 do lote 371, desrespeitando a planta do loteamento, não se verificam as apontadas causas de nulidade da sentença nem resulta enriquecimento sem causa para os apelados/autores.
Improcede, pois, a arguição de nulidade da sentença.
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1.2. Se devem ser julgados procedentes os pedidos reconvencionais de aquisição do direito de propriedade por usucapião
Sustentam os apelantes/réus que o tribunal considerou que não decorreu o prazo suficiente para a usucapião, que seriam 15 anos, pois a posse dos réus não estava titulada nem registada, mas tal entendimento está em oposição com o facto provado no ponto 16 (na escritura as partes declararam que a área do lote era de 1050 m2), o que significa que a posse é titulada, que em 19/03/2001 foi registado a favor da sociedade Construções A. & P, Lda um lote de terreno com a área de 1050 m2, que em 08/01/2002 foi registada a constituição da propriedade horizontal, que as moradias foram construídas por esta sociedade, tendo o projecto de edificação dado entrada na Câmara Municipal do Seixal em 12/04/2020 e tendo sido emitida a licença de construção em 10/03/2003, que o lote foi murado na mesma data da construção, que a posse titulada das construções A. M P, Lda foi registada em 2001, que por sua vez a transmitiu aos apelantes que também a registaram (em 26/11/2004 a apelante MF e em 06/12/2005 os apelantes AM e MM), pelo que há acessão de posses registada, sendo de 10 anos o prazo para a usucapião nos termos do art. 1256º do CC (Código Civil), facto que o tribunal nem sequer apreciou, o que torna a sentença nula.
Na sentença recorrida entendeu-se que a partir de 27/03/2000, na qualidade de legal representante da sociedade Construções A…., Lda, AM passou a ter posse pública e de boa fé sobre a parcela de terreno que constitui propriedade dos autores/apelados, e que inexiste título para a ocupar.
Vejamos.
O art. 1259º do CC estabelece:
«1. Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico.
2. O título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca.».
O art. 1294º prevê:
«Havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião tem lugar:
a) Quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado por dez anos, contados desde a data do registo;
(…)».
O art. 1295º prevê:
«1. Não havendo registo do título de aquisição, mas registo da mera posse, a usucapião tem lugar:
a) Se a posse tiver continuado por cinco anos, contados desde a data do registo, e for de boa fé;
b) Se a posse tiver continuado por dez anos, a contar da mesma data, ainda que não seja de boa fé.
(…)».
O art. 1296º prevê:
«Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé.».
O título invocado pelos apelantes/réus – a escritura pública e o registo predial referem que o lote 372 tem uma área de 1050 m2. Assim, estando provado que com as construções, a área no terreno do lote 372 é de 1180,1 m2, conclui-se que inexiste título de aquisição quanto a esta área.
Por outro lado, inexiste registo da mera posse. Na verdade, o que foi registado foi a aquisição do direito de propriedade, registo esse efectuado com base no título escritura pública.
Por isso, é de 15 anos o prazo para aquisição por usucapião.
Quanto ao invocado art. 28º - A do Código do Registo Predial estatui:
«Caso exista diferença, quanto à área, entre a descrição e a inscrição matricial ou, tratando-se de prédio não descrito, entre o título e a inscrição matricial, é dispensada a harmonização se a diferença não exceder, em relação à área maior:
a) 20 %, nos prédios rústicos não submetidos ao cadastro geométrico;
b) 5 %, nos prédios rústicos submetidos ao cadastro geométrico;
c) 10 %, nos prédios urbanos ou terrenos para construção.».
Esta norma em nada releva para a questão em apreço pois reporta-se à anterior, que preceitua:
«1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, deve haver harmonização quanto à localização, à área e ao artigo da matriz, entre a descrição e a inscrição matricial ou o pedido de retificação ou alteração desta.
2 - Na descrição dos prédios urbanos e dos prédios rústicos ainda não submetidos ao cadastro geométrico a exigência de harmonização é limitada aos artigos matriciais e à área dos prédios.
3 - Nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo deve haver harmonização com a matriz, nos termos dos n.os 1 e 2, e com a respetiva descrição, salvo se quanto a esta os interessados esclarecerem que a divergência resulta de alteração superveniente ou de simples erro de medição.».
Pelo exposto, impõe-se concluir, como a 1ª instância, que é aplicável o prazo de 15 anos contado desde 27/03/2000, e que não havia decorrido aquando da citação dos réus.
Em consequência, tem de ser mantida a improcedência dos pedidos reconvencionais de aquisição por usucapião.
*
2. Recurso subordinado
Sustentam os apelantes/autores que face à alteração da matéria de facto nos termos que requerem, é manifesto que a boa-fé fica afastada, pois os réus ao adquirirem a posse da parcela do terreno dos autores bem sabiam que lesavam o direito de propriedade destes e por isso não é possível aplicar a regra do art. 1343º do CC, pois esta pressupõe a ocupação e construção de boa fé numa parcela de terreno alheio.
Ora, improcedeu a impugnação da decisão sobre a matéria de facto apresentada pelos apelantes/autores com base na qual fundamentam a existência da má fé por parte dos apelados/réus, pelo que improcede necessariamente o recurso subordinado.
*
IV – Decisão
Pelo exposto decide-se julgar improcedentes o recurso principal e o recurso subordinado, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas de cada um dos recursos pelos respectivos apelantes.

Lisboa, 27 de Abril de 2023
Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos
Ana de Azeredo Coelho
Decisão Texto Integral: