Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ADEODATO BROTAS | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO SORCA PROPOSTA RAZOÁVEL PERDA TOTAL DO VEÍCULO VALOR VENAL DE VEÍCULO UTILIDADE DO VEÍCULO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/11/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I- O Capítulo III do SORCA (DL 291/2007, de 21/08), incluindo o seu artº 41º, é relativo à fase do procedimento pré judicial de regularização do sinistro automóvel, que se consubstancia na apresentação, ao lesado, de Proposta Razoável de indemnização pela empresa de seguros. II- Essa Proposta Razoável da seguradora pode ser rejeitada pelo lesado e, por conseguinte, no caso de litígio, nada impede que o tribunal venha a decidir indemnização por valores diferentes dos propostos pela seguradora, mediante a aplicação das regras gerais sobre cálculo da indemnização previstas na lei civil, mormente nos artºs 562º e 566º do CC. III- Na indemnização por perda total do veículo não se deve atender somente ao valor venal ou de mercado do veículo, no sentido do seu valor de venda mas, antes, ao valor necessário a repor a utilidade que o veículo permitia ao seu titular. IV- O legislador salvaguardou, expressamente, a necessidade de a indemnização por perda total reparar os efectivos danos que no caso concreto se coloquem, remetendo, de modo inequívoco, para a aplicação do regime do artº 562º do CC, mormente no caso de rejeição, pelo lesado, da Proposta Razoável feita pela seguradora. V- O mecanismo de cálculo da Proposta Razoável previsto no artº 41º nº 3 do SORCA, quando refere a dedução do valor do salvado, pressupõe que o lesado tenha aceitado o valor proposto pela seguradora e que o salvado fique na posse do seu titular. VI- Em caso de rejeição da Proposta Razoável, nas situações de perda total do veículo, não se deve deduzir ao valor indemnizatório do dano real o valor do salvado, porque a quantia assim obtida, após essa dedução, desvirtuaria o fim da indemnização apurada: valor necessário a repor as utilidades proporcionadas pelo veículo, correspondente ao efectivo custo de substituição. VII- Prevê-se no artº 43º nº 4 do SORCA a possibilidade de a empresa de seguros adquirir o salvado, ficando, nesse caso, o pagamento da indemnização dependente da entrega, àquela, do documento único automóvel, ou do título de registo de propriedade e do livrete do veículo. VIII- Para que ocorra enriquecimento sem causa, em qualquer uma das suas modalidades, é necessária a alegação e a prova dos requisitos gerais desse instituto: a)- A obtenção de um enriquecimento; b)- À custa de outrem; c)- Sem causa justificativa. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acórdão os juízes que compõem este colectivo da 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, I-Relatório 1-BB, Lda, instaurou acção, com processo comum, contra Companhia de Seguros, SA, pedindo: a)- A condenação da ré na reparação da viatura, entregando à autora o montante de 7.559,81€, acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento a contar da citação; b)- Caso não seja possível proceder-se à reparação, ser a ré condenada no pagamento à autora de indemnização no montante de 9.000,00 €, acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento a contar da citação; c) Seja a ré também condenada em qualquer circunstância no pagamento à autora de indemnização por privação de uso da viatura num montante de 44,83 € por cada dia de privação, a contar de 20-07-2016 e até integral reconstituição da situação existente antes do acidente, acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento a contar da citação. Alega, em síntese, que é proprietária do veículo Seat Ibiza matrícula xx, interveniente em acidente de viação causado por culpa exclusiva do condutor do veículo Renault, matrícula yy, segurado na ré, que assumiu a responsabilidade por esse acidente. A reparação do veículo foi orçamentada pela ré em €7.559,81 e, uma vez que a viatura teria, à data do sinistro, o valor de mercado de 8.500,00€, a ré não aceitou proceder à reparação da viatura e propôs à autora o pagamento de € 4.840,00, que a autora não aceitou. A viatura da autora estava em bom estado e conservação, sem problemas, satisfazendo os seus interesses, pelo que interessa a sua reparação ou o pagamento do valor correspondente a uma viatura idêntica e que a autora estima em 9.000,00 €. A viatura encontra-se imobilizada pelo que pretende ser indemnizada pela privação do seu uso. 2- Regularmente citada a ré contestou. Aceitou as circunstâncias em que ocorreu o sinistro, defendendo, porém, que o valor da indemnização deve ser calculado com base no artº 41º do DL. 291/2007, de 21/08: o valor a atribuir é o correspondente ao valor venal da viatura, subtraído do seu valor com danos (salvado). Mais impugna a quantia peticionada a título de paralisação. 3- Julgada a causa, a primeira instância decidiu: “Pelo exposto, julgando a acção parcialmente procedente por provada condena-se a Ré, Seguradora S.A. no pagamento à BB, Lda da quantia 9.600,00 €, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. (sendo 9 000€ pelo valor da perda total do veículo e 600€ pelo dano de privação de uso do veículo) Absolvo a R. do demais peticionado.”. 4- Inconformada, a ré seguradora interpôs recurso dessa decisão, pretendendo a revogação da sentença (apenas) na parte relativa ao valor arbitrado de 9.000,00€, (de indemnização pela perda total do veículo) defendendo que deve ser reduzido para 5 340 €. 4.1- Aceitou a matéria de facto decidida em primeira instância. 4.2- Formulou as seguintes conclusões: a) Sobe a presente apelação da douta sentença de fls., que julgou apresente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenando a ora recorrente no montante global de 9.600,00 €, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a citação, até integral pagamento que por não se pode conformar com a mesma, a ora recorrente presente recurso. b) Realizado o julgamento foram dados como provados os seguintes factos: (…) 6. Na sequência de participação do sinistro apresentada pela autora, a ré assumiu responsabilidade do mesmo. 7. Efectuada a peritagem à viatura, em 08-08-2016 a ré informou a autora que em seu entendimento antes do acidente a viatura teria um valor de mercado de € 8.500,00. 8. A ré não aceitou proceder à reparação da viatura, a qual foi por si orçamentada em € 7.559,81. 9. Propondo à autora o pagamento do montante de € 4.840,00, ficando a autora com a possibilidade de comercializar a viatura sinistrada de sua propriedade. (…) 14. Nove mil euros será o valor que a autora terá de despender na aquisição de uma viatura de iguais condições e características. (…) 18. A Ré atribuiu à viatura com danos a quantia de 3.660,00 €. c) Por sua vez, foram considerados não provados os seguintes factos: • A reparação será tecnicamente viável e apta a deixar a viatura nas condições em que se encontrava antes do acidente. • O valor venal da viatura é de 8.500,00 €. d) Dos factos provados e não provados, resulta o seguinte: -A diferença entre o valor venal atribuído pela recorrente seguradora e 8.500,00 € e o valor dado como provado de 9,000,00 € é de 500,00€ - O valor do veículo com danos, vulgo salvado, é de 3.660,00. - A reparação da viatura não era tecnicamente viável. e) Por isso, não sendo a reparação da viatura tecnicamente viável tem que se aplicar o disposto no artº 41º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21/8, porque de uma “Perda Total” se trata, pelo que tendo em conta que o valor venal da viatura é de 9.000,00 € e o dos salvados a quantia de 3.660,00 €, a ora recorrente seguradora só está obrigada a pagar à recorrida a quantia de 5.340,00 €. f) Passando-se o mesmo se for a aplicada a jurisprudência que defende que deve ser considerado valor de substituição, ou seja, não é mais ou menos que o valor venal porque se trata da quantia em que no mercado se pode transaccionar um veículo com as mesmas características. g) Porém, também neste caso, há lugar à subtracção ao valor do veículo de substituição da quantia atribuída pelos salvados, sob pena de à custa do acidente, a ora recorrida obter um enriquecimento ilícito, porque, a ser assim, ao valor atribuído de 9.000,00 € tem que se acrescer o valor de 3.660,00 €, que dá uma indemnização final a pagar pela seguradora de 12.600,00 €. h) Evidentemente superior ao valor que foi atribuído para adquirir um veículo com as mesmas características no mercado. i) Sendo assim, pelos danos sofridos pela viatura sinistrada, deve ser arbitrada a quantia de 5.340,00 €. 5- A autora contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão da primeira instância. 5.1-Apresentou as seguintes conclusões: a) A ora recorrida, não aceitou a proposta formulada pela recorrente em sede extrajudicial, que se traduzia no pagamento do montante de € 4.840,00, ficando a autora com a possibilidade de comercializar a viatura sinistrada (ponto 10 dos factos provados). b) Conforme jurisprudência pacífica sobre a matéria de que são exemplo Ac. TRL, Proc. 3643/11.3TBSLX.L1-6, de 04-07-2013 ou Ac. TRC, Proc. 1091/12.7TJCBR.C1, de 08 04-2014, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, não tendo as partes logrado obter acordo em sede extrajudicial, não há lugar ao regime estabelecido no art. 41º, do Decreto-Lei nº291/2007, de 21 de Agosto, devendo a decisão a proferir seguir o previsto para as regras gerais indemnizatórias em matéria de responsabilidade civil. c) A viatura era utilizada no âmbito da actividade da recorrida, sendo um importante instrumento no desenvolvimento da mesma, nas várias deslocações que se revelavam necessárias empreender no âmbito do seu negócio (ponto 11 dos factos provados). d) Na data do sinistro a viatura encontrava-se em bom estado de conservação, sem problemas mecânicos, circulando sem restrições e satisfazendo plenamente os interesses da autora, assegurando com eficácia as deslocações necessárias (pontos 12 e 13 dos factos provados). e) “Nove mil euros (9.000,00 €) será o valor que a autora terá de despender na aquisição de uma viatura de iguais condições e características.” (ponto 14 dos factos provados). f) “A viatura encontra-se imobilizada desde a data do acidente, por não poder circular” (ponto 15 dos factos provados). g) Nos termos do art. 562º do CC, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existia se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. h) “Como defende a jurisprudência mais recente indemnizar significa suprimir um dano e proporcionar ao lesado a utilidade perdida por via desse mesmo dano, sendo que este se materializa aqui na impossibilidade de utilizar a viatura (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.09.2014, www.dgsi.pt.”. i) Não sendo tecnicamente viável a reparação da viatura, bem andou o Tribunal a quo ao arbitrar a indemnização pela perda da viatura a pagar pela recorrente (€ 9.000,00), correspondente a uma viatura com a idade, quilometragem e estado de conservação da viatura sinistrada. j) No cômputo de tal indemnização não pode, nem deve ser considerado o valor que a recorrente possa ter atribuído ao salvado. k) Sobre esta matéria o único facto provado foi que a ré atribuiu ao mesmo o valor de € 3.660,00 (ponto 18 dos factos provados), nada tendo sido alegado por parte da recorrente e muito menos provado quanto à aceitação deste valor pela recorrida ou quanto ao destino do salvado, l) Sendo que conforme ponto 10 dos factos provados, a recorrida não aceitou a proposta formulada extrajudicialmente na sua globalidade, a qual além do valor de indemnização proposto incluía a comercialização do salvado. m) A sentença proferida não merece, pois, censura, devendo ser integralmente mantida nos termos proferidos. *** II-Matéria de Facto. As partes aceitam a matéria de facto decidida na primeira instância, que é a seguinte: Factos Provados 1. A autora é proprietária da viatura SEAT IBIZA, com a matrícula xx. 2. Em 20-07-2016 a viatura sofreu acidente automóvel, ocorrido no cruzamento da Rua José Pinheiro de Melo com a Rua Dr. Gama Barros, em Lisboa, no qual foi interveniente a viatura marca RENAULT, com a matrícula yy. 3. Esta viatura tinha a responsabilidade transmitida para a ré, por contrato de seguro automóvel com a apólice x 4. A viatura propriedade da autora sofreu danos na parte frontal, com particular incidência no lado esquerdo, atingindo o para choques, farol, grelha e capô. 5. A viatura ficou impossibilitada de circular, encontrando-se imobilizada desde 20-07- 2016. 6. Na sequência de participação do sinistro apresentada pela autora, a ré assumiu responsabilidade pelo mesmo. 7. Efectuada peritagem à viatura, em 08-08-2016 a ré informou a autora que em seu entendimento antes do acidente a viatura teria um valor de mercado de € 8.500,00. 8. A ré não aceitou proceder à reparação da viatura, a qual foi por si orçamentada em € 7.559,81. 9. Propondo à autora o pagamento do montante de € 4.840,00, ficando a autora com a possibilidade de comercializar a viatura sinistrada de sua propriedade. 10. A autora não aceitou a proposta da ré. 11. A viatura sinistrada era utilizada pela autora no âmbito da sua actividade, sendo um importante instrumento no desenvolvimento da mesma, nas várias deslocações que se revelavam necessárias empreender no âmbito do seu negócio. 12. Na data do sinistro, a viatura tinha aproximadamente oito anos, encontrando-se em bom estado de conservação, não apresentando problemas mecânicos e circulando sem quaisquer restrições. 13. Satisfazendo plenamente os interesses da autora, assegurando com eficácia as deslocações necessárias. 14. Nove mil euros (9.000,00 €) será o valor que a autora terá de despender na aquisição de uma viatura de iguais condições e características. 15. A viatura da A. encontra-se imobilizada desde a data do acidente, por não poder circular. 16. Uma viatura de iguais características pode ter um custo de aluguer diário de € 44,83 diários. 17. A Ré Seguradora SA alterou a sua denominação para “Seguradora, S. A.”. 18. A Ré atribuiu à viatura com danos a quantia de 3.660,00 €. 19. Em 01/08/2016 que colocou à disposição da A. uma viatura. 20. A ora Ré em 08/08/2016, colocou à disposição da A. o pagamento da indemnização que propunha e que a A. não aceitou. Factos Não Provados - A reparação será tecnicamente viável e apta a deixar a viatura nas condições em que se encontrava antes do acidente. - O valor venal da viatura é de 8.500,00 €. *** III- Questão Jurídica. Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, é essencialmente a seguinte a questão que importa analisar e decidir: - Não sendo tecnicamente viável a reparação da viatura, o cálculo da indemnização deve basear-se no artº 41º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21/8, por se tratar de perda total, ou deve calcular-se à luz das regras gerais sobre indemnização de danos, mormente artºs 562º e 566º do CC? 1-Estabelece o artº 41º do DL 291º/2007, de 21/08 (regime jurídico do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel – SORCA): “1- Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses: a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total; b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança; c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos. 2- O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente. 3- O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização. 4- Ao propor o pagamento de uma indemnização com base no conceito de perda total, a empresa de seguros está obrigada a prestar, cumulativamente, as seguintes informações ao lesado: a) A identificação da entidade que efectuou a quantificação do valor estimado da reparação e a apreciação da sua exequibilidade; b) O valor venal do veículo no momento anterior ao acidente; c) A estimativa do valor do respectivo salvado e a identificação de quem se compromete a adquiri-lo com base nessa avaliação. 5- Nos casos de perda total do veículo a matrícula é cancelada nos termos do artigo 119.º do Código da Estrada.” Para analisar a questão, vejamos os seguintes pontos: 1-A “Proposta Razoável” de regularização de sinistros. Como é conhecido, o DL 291/2007 (SORCA) transpôs para a ordem jurídica nacional a 5ª Directiva do Seguro Automóvel (2005/14/CE) e introduziu diversas alterações extra-Directiva, uma das quais, em sede do regime da regularização dos sinistros no âmbito do seguro automóvel, que provinha já do DL 83/2006, de 03/05. Anteriormente a este DL 83/2006, vigorava, no que concerne ao Procedimento de Oferta Razoável (para regularização de sinistro), o artº 44º do DL 522/85, na redacção dada pelo DL 72-A/2003 de 14/04, por transposição da 4ª Directiva do Seguro Automóvel (2000/26/CE), que estabelecia, em síntese, o prazo de 30 dias, após recolha dos elementos indispensáveis para regularização, para a seguradora proceder à reparação dos danos e, por outro lado, para os acidentados residentes no espaço económico europeu, o prazo de 3 meses para apresentação de uma proposta razoável ou recusar indemnização, contados desde a apresentação do pedido de indemnização. No âmbito do DL 83/2006, ocorreu um alargamento, generalizado, do Procedimento de Oferta Razoável, a todos os acidentes automóveis, independentemente da nacionalidade das vítimas, retirando-se, porém, do seu campo de aplicação, os acidentes com danos corporais, danos em mercadorias e bens transportados no veículo sinistrado, danos por imobilização do veículo e acidentes cujos danos ultrapassassem o capital mínimo do seguro (artº 20-B). Por sua vez, com o DL 291/2007, caíram, parcialmente, as limitações referidas em sede de Procedimento de Oferta Razoável do DL 83/2006 e foram introduzidas normas relativas à actuação das seguradoras, aos prazos para regularização de sinistros, à qualificação do acidente (se perda total do veículo), obrigação de atribuição de veículo de substituição enquanto não ocorre reparação, e ainda sobre sanções para as empresas de seguros que não cumprirem prazos de regularização. Pois bem, esta brevíssima resenha de regimes permite compreender a preocupação do legislador, da União e Nacional, com a necessidade de as seguradoras solucionarem, rapidamente, os sinistros automóveis, através da introdução da figura do Procedimento da Proposta Razoável de indemnização dos danos. No entanto, é imprescindível perceber que o artº 41º do DL 291/2007- SORCA (supra transcrito) se insere no Capítulo III desse diploma legal, que é destinado à Regularização de Sinistros, e diz respeito ao estabelecimento de “…regras e procedimentos a observar pelas empresas de seguros a garantir, de forma pronta e diligentes, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas…” (artº 31º do SORCA), impondo uma série de prazos procedimentais à empresa de seguros, com vista à sua diligência e prontidão (artº 36º do SORCA) visando a apresentação de Proposta Razoável de Indemnização, sob pena de sanções pecuniárias legais (artº 38º do SORCA). Justamente, desse artº 38º do SORCA, principalmente dos seus nºs 2, 3 e 4, decorre que a Proposta Razoável feita pela seguradora ao sinistrado respeita à fase extrajudicial de Regularização do Sinistro e destina-se a ser apresentada uma (simples) proposta de solução do sinistro e ressarcimento dos danos. Ora, como sucede nos termos gerais com qualquer proposta negocial, pode ser ou não aceita pelo destinatário (artº 235º do CC). Essa possibilidade, de rejeição da Proposta Razoável pelo sinistrado e subsequente litígio (judicial), resulta do artº 38º nºs 2 e 3 do SORCA onde se faz referência ao “…montante de indemnização fixado pelo tribunal…) (nº2) e, ao “….montante fixado na decisão judicial…” (nº 3), por contraposição com os montantes propostos pela Proposta Razoável. Aliás, este entendimento é, ao que sabemos, constante das nossas Relações (Cf., entre outros, Acs. da RP, de 07/09/2010, Henrique Araújo; RC, de 09/01/2012, Carlos Querido; RC, de 16/09/14, Teles Pereira; RL, de 15/12/2016, Pedro Martins; RC, 08/04/12, Fonte Ramos; RL, de 25/05/17, Jorge Leal; RL, de 04/07/13, Fátima Galante, todos disponíveis em www.dgsi.pt). Por conseguinte e sintetizando: o artº 41º do SORCA é relativo à fase do procedimento pré judicial de regularização do sinistro automóvel e não afasta nem impede, na falta de acordo, que o tribunal venha a decidir por diferentes valores de indemnização, em virtude da aplicação das regras gerais de cálculo da indemnização, previstas na lei civil, mormente nos artºs 562º e 566º do CC. 2- A “Perda Total”. Compreende-se que assim seja: uma coisa é a proposta “razoável” abstracta, apresentada pela empresa de seguros e outra, diferente, é o montante concreto dos danos efectivamente sofridos pelo lesado. Fora de qualquer dúvida, a indemnização deve reconstruir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento danoso (artº 562º do CC). Pois bem, no que toca à problemática da Perda Total do veículo, o legislador do SORCA, dando sequência ao DL 83/2006, promoveu um regime que fosse mais favorável aos sinistrados que aquele que constituía a prática corrente das seguradoras para calcular a indemnização por perda total, baseando-se no artº 13º do DL 44/2005, de 23/03 (alteração ao Código da Estrada), considerando salvado (perda total) sempre que a reparação fosse superior a 70% do valor venal do veículo à data do sinistro. Como é bom de perceber, os tribunais, lançando mão do regime do artº 566º do CC, entendiam que a onerosidade excessiva teria de ter em conta não só o valor venal do veículo, mas ainda o valor que, em concreto, esse veículo teria para o seu proprietário. No fundo, o valor do uso, visto que um valor venal diminuto pode corresponder a uma grande utilidade para o utilizador. (Sobre a questão, veja-se Arnaldo Filipe da Costa Oliveira, Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Síntese das alterações de 2007 – DL 291/2007, 21 Ago. Almedina, pág. 66 e segs.). Ora, relativamente à indemnização por perda total, o artº 41º do SORCA estabelece, no âmbito da Proposta Razoável, que a indemnização deve ser feita em dinheiro, correspondendo ao valor venal do veículo - valor de substituição no momento anterior ao do acidente – deduzido o valor do salvado, caso este permaneça na posse do respectivo proprietário (artº 41º nº 3 do SORCA). No entanto, acrescenta esse número do preceito: “…de forma a reconstruir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à indemnização”. Ou seja, apesar da sua preocupação com a celeridade da regularização dos sinistros, por via da obrigatoriedade, para a seguradora, de apresentação de uma Proposta Razoável de regularização, o legislador salvaguardou, expressamente, a necessidade de a indemnização reparar os efectivos danos que no caso concreto se coloquem, remetendo, de modo inequívoco, para a aplicação do regime do artº 562º do CC, mormente no caso de rejeição, pelo lesado, da Proposta Razoável feita pela seguradora. Compreende-se que assim seja. Na verdade, não entrando na discussão de saber se a indemnização em quantia monetária por valor correspondente à reparação do dano real de utilização do veículo é restauração natural ou indemnização por equivalente (Sobre a questão, veja-se Júlio Vieira Gomes, Custo das reparações, valor venal ou valor de substituição, anotação ao Ac. Do STJ de 27/02/2003, Cadernos de Direito Privado, nº 3 Julho/Setembro 2003, pág. 52 e segs.) importa compreender que atender somente ao valor venal ou de mercado do veículo, no sentido do seu valor de venda, “…seria converter a responsabilidade civil numa forma de expropriação privada pelo valor de mercado” (Cf. Júlio Vieira Gomes, Anotação…, cit., pág. 57 e nota 10). A restauração por equivalente revestiria contornos de uma transacção forçada, recebendo o lesado apenas o valor comercial do seu bem. Por isso “…afigura-se-nos muito mais completa a protecção que ao lesado é concedida, se se atender, em regra, não apenas ao valor venal do veículo, mas ao seu custo de substituição. (…) Há uma série de razões pelas quais o valor venal de um veículo usado não corresponde ao valor do veículo de substituição, desde logo, o valor venal tem em conta tabelas que se orientam por padrões médios de depreciação que não têm em conta a situação específica do veículo…”. (Cf. Júlio Vieira Gomes, Anotação…, cit., pág. 59). De entre as diversas situações que o legislador do SORCA considerou Perda Total do veículo acidentado, para os efeitos e no âmbito da apresentação de Proposta Razoável de regularização do sinistro, estão os casos em que a reparação do veículo sinistrado não é tecnicamente aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança (artº 41º nº 1, al. b) do SORCA). 3- O Caso dos Autos. Ora as partes aceitam que a reparação do veículo acidentado não é tecnicamente viável. Provou-se, e as partes aceitam (a ré recorrente em sede das alegações do recurso que interpôs) que o valor necessário à substituição do veículo são 9 000€ (quantia, portanto, superior ao valor venal do veículo proposta pela seguradora apelante, de 8 500€). Desta factualidade resulta, à luz das regras dos artºs 562º e 566º do CC, que a autora/recorrida tem direito a receber os 9 000€, como lhe foi atribuído pela sentença sob recurso. Porém, a seguradora/recorrente defende que a essa quantia dos 9 000€ deve ser deduzido o valor de 3 660€ que diz corresponder ao valor do salvado; e argumenta que, de contrário, existiria enriquecimento sem causa da autora/recorrida. Será assim? Entendemos, salvo o devido respeito, não concordar com a seguradora, pelas seguintes razões: Primeira. Como referimos, o artº 41º do SORCA destina-se às empresas de seguros, obrigando-as a apresentar “Proposta Razoável” de indemnização ao lesado no caso de perda total. Mas o lesado, não é obrigado a aceitar essa proposta, podendo rejeitá-la. A aplicação do mecanismo de cálculo da “Proposta Razoável” de indemnização por perda total, previsto no artº 41º nº 3 do SORCA, quando refere a dedução do valor do salvado, pressupõe que o lesado tenha aceitado a valor do salvado proposto pela seguradora. E, no caso, a autora/lesada não aceitou a proposta da seguradora e, por conseguinte, o valor de 3 660€ que esta atribuiu ao salvado. Além disso, aquele mecanismo de cálculo da Proposta Razoável – de dedução do valor do salvado - pressupõe ainda que o salvado fique na posse do lesado. Pois bem, no caso dos autos, a autora/lesada, rejeitou a proposta da ré/recorrente e, nada na lei impõe que o salvado fique na sua posse (do lesado). Aliás, prevê-se mesmo a possibilidade de a empresa de seguros adquirir o salvado, ficando, nesse caso, o pagamento da indemnização dependente da entrega, àquela, do documento único automóvel, ou do título de registo de propriedade e do livrete do veículo (artº 43º nº 4 do SORCA). Sendo ainda certo que no caso de perda total do veículo, a matrícula é cancelada nos termos do artº 119º do Código da Estrada (artº 41º nº 5 do SORC). Segunda. Impor a dedução de 3 660€ ao valor de 9 000€, calculado como valor necessário a repor as utilidades proporcionadas pelo veículo, equivaleria a frustrar aquela finalidade indemnizatória: não se lhe atribuía o valor correspondente ao dano real apurado, mas quantia bastante inferior. 3- O invocado enriquecimento sem causa. Finalmente, não se verificaria uma situação de enriquecimento sem causa. Com efeito, o artº 473º nº 1 do CC estabelece: “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. O nº 2 dessa disposição legal estabelece: “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de uma efeito que não se verificou”. Em matéria de enriquecimento sem causa seguimos a doutrina da divisão do instituto preconizada por Menezes Leitão na sua tese de doutoramento – O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, 1996, reedição, e sintetizada no seu Direito Das Obrigações, Vol. I, 7ª edição, pág. 421 e segs. – e, por conseguinte, aceitamos a distinção de quatro modalidade de enriquecimento sem causa: 1)- O enriquecimento por prestação; 2)- O enriquecimento por intervenção; 3)- O enriquecimento por despesas realizadas em benefício de outrem; 4)- O enriquecimento por desconsideração de um património intermédio. O enriquecimento por prestação pressupõe uma ausência, inicial ou posterior, de causa jurídica para a deslocação patrimonial. O enriquecimento por intervenção ocorre quando alguém obtém um enriquecimento através de ingerência não autorizada em património alheio, como sucede nas situações de uso, fruição ou consumo de bens alheios. No enriquecimento resultante de despesas efectuadas por outrem pode distinguir-se entre o enriquecimento por incremento de valor da coisa alheia e o enriquecimento por pagamento de dívidas alheias. Finalmente, o enriquecimento por desconsideração de património diz respeito a casos em que, com prejuízo para o empobrecido, se verifica uma aquisição de terceiro a partir de um património que se interpõe entre ele e o empobrecido. Existem pressupostos genéricos comuns todas estas quatro categorias de enriquecimento sem causa: a)- A obtenção de um enriquecimento; b)- À custa de outrem; c)- Sem causa justificativa (Cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 7ª edição, pág. 449). O enriquecimento referido no artº 473º nº 1 do CC deve ser entendido no sentido de vantagem de carácter patrimonial, como obtenção injusta dessa vantagem que foi recebida. A obtenção de enriquecimento à conta de outrem reporta-se à averiguação de qual foi o património que efectuou a despesa. A ausência de causa justificativa refere-se às situações de inexistência de causa jurídica e, por conseguinte inexistência de obrigação. Ora, no caso dos autos, não se verifica nenhuma das mencionadas modalidades de enriquecimento sem causa, nem os respectivos requisitos, desde logo porque há causa jurídica para a entrega daquele valor indemnizatório de 9 000€ e, nada obriga, nem se provou, que o salvado permaneça na posse da autora, podendo ser entregue à seguradora. Por conseguinte, resta concluir que o recurso não pode proceder. *** IV- Decisão. Em face do exposto, decidem acordar nesta 6ª secção da Relação de Lisboa pela improcedência do recurso de apelação e manter integralmente a decisão da primeira instância. Custas do recurso, pela recorrente. Lisboa, 11-10-2018 Adeodato Brotas (Relator) Gilberto Jorge (Primeiro Adjunto) Teresa Soares (Segunda Adjunta) |