Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | A. AUGUSTO LOURENÇO | ||
Descritores: | CONCLUSÕES REPETIÇÃO DE AUDIÊNCIA NA SEGUNDA INSTÂNCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/24/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO À RECLAMAÇÃO | ||
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Sumário: | 1. A faculdade concedida aos recorrentes pelo disposto no artº 411º nº 5 do cód. proc. penal de realização da audiência perante o tribunal de recurso, exige a respectiva fundamentação, devendo no requerimento de interposição de recurso “especificar os pontos da motivação do recurso que pretendem ver debatidos». 2. Deve ser indeferido o pedido de realização de audiência, nos casos em que não seja cumprida tal exigência legal, em que o recorrente se limita a pedir a audiência para discutir de facto e de direito remetendo para a norma em causa. 3. Quando consagrou esta possibilidade, o legislador teve como objectivo central, a possibilidade de se discutir oralmente, em audiência, perante o tribunal de recurso, pontos específicos controvertidos que de alguma forma não pudessem resultar claros da simples leitura da motivação e das respectivas conclusões, visando assim, com o debate em audiência, um melhor esclarecimento desses pontos mais sensíveis. 4. Padecendo o requerimento em causa da inobservância da norma do artº 411º nº 5 do cód. proc. penal, a falta de fundamentação, não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento, pois ao ao contrário do que o legislador previu para a deficiência das conclusões no artº 417º nº 3 do cód. proc. penal, quanto à falta de fundamentação do pedido de audiência, a lei não contempla qualquer despacho de aperfeiçoamento, aliás nem faria sentido, impondo-se por isso o indeferimento liminar. 5. A audiência de julgamento perante este Tribunal assume um carácter excepcional, só devendo ser requerida quando resulte do recurso escrito a impossibilidade de explicitar ou dirimir qualquer matéria controvertida que não possa de outra forma elucidar este tribunal sobre o alcance do recurso, não devendo ser arbitrariamente requerida só porque a parte quer vir reiterar oralmente o mesmo que já alegou por escrito. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa Por acórdão de 29.04.2020, deste Tribunal da Relação, proferido no processo nº 1402/07.7TDLSB.L1, foi negado provimento ao recurso interposto pelos arguidos X______Ldª- ,X______, J____, A____ e R____, confirmando-se a decisão que os condenou como co-autores e em concurso efectivo, do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. nos artigos 103º nº 1 e 104º, nº 1, al. g) e nº 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/06, com a alteração introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12, na pena de 18 meses de prisão, cada um (pessoas singulares) e na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), no total de € 1.500,00 (mil e quinhentos eutos). * Os recorrentes vieram apresentar uma reclamação, não do conteúdo do acórdão proferido, mas sim da alegada omissão da realização de audiência de julgamento que referem ter peticionado no recurso. Tal requerimento foi indeferido por simples despacho do titular do processo, atenta a sua natureza e porque não visava qualquer vício interno do acórdão, antes se reportava à tramitação do processado. * Inconformados, vieram os arguidos J______, R______, X______ e X, Ldª, reclamar para conferência, alegando em conclusão: «a) A reparação da ilegalidade cometida; b) Com consequente declaração da irregularidade verificada por não realização da audiência requerida ao abrigo do artigo 411º, nº 5 do Código de Processo Penal, daí se extraindo todas as legais consequências; c) Com inerente e necessária revogação da decisão do Senhor Desembargador Relator de indeferimento da irregularidade (com a referência 156821174); d) Prolação de nova decisão que conclua pela verificação da irregularidade suscitada pelos Arguidos Recorrentes, retirando daí todas as legais consequências, designadamente e) A revogação do Acórdão proferido; f) E a consequente designação de data para realização da audiência requerida nos termos do artigo 411º, nº 5 do Código de Processo Penal, g) Direito que legal e constitucionalmente assiste aos Arguidos Recorrentes, h) Que pretendem exercê-lo. i) E bem assim o reconhecimento da inconstitucionalidade da aplicação e interpretação normativa dos artigos 411º, nº 5 e 419º nº 3, alínea c), na decisão de indeferimento da irregularidade, assim como da convocação do artigo 412º na fundamentação do indeferimento da irregularidade oportuna e legitimamente suscitada, todos normativos do Código de Processo Penal, em frontal violação dos artigos 2º, 9º, 18º, 20º, 32º, 202º, 203º, 204º e 205º, todos da Constituição da República Portuguesa. j) Assim não sendo decidido, o que se antecipa por mero dever de patrocínio, desde já se invoca a inconstitucionalidade do indeferimento da reclamação com os mesmos fundamentos, que aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos. k) Inconstitucionalidade que também se verificará em caso de não admissão da presente reclamação, e que desde já para todos os efeitos legais se invoca, numa dupla perspectiva». * Cumpre decidir. Vieram os recorrentes arguir a «irregularidade por falta de audiência, pedida no requerimento do recurso interposto, com violação dos artigos 411º, nº 5 e 419º, nº 3, alínea c)», concluindo pelo pedido de “reparação da irregularidade cometida, com revogação do Acórdão proferido e consequente designação de data para realização da audiência» Com efeito, não assiste qualquer razão aos recorrentes. Ainda que se admita que tivessem essa pretensão, a verdade é que analisado o teor do extenso recurso, a única referência que se encontra a tal diligência é naquilo que podemos designar por uma espécie de preâmbulo (prévio à motivação) onde dizem vaga e laconicamente isto: Vêm interpor recurso (…): - “Com realização de audiência nos termos abaixo requeridos - artigo 411º, nº 5 do Código de Processo Penal". Apesar da remissão “nos termos abaixo referidos…”, a verdade é que nada mais especificam, nem fundamentam sobre as razões da audiência de julgamento, a qual, como se sabe, tem de ser devidamente fundamentada como adiante explicaremos. Por outro lado, nos termos do artº 412º nº 1 do cód. proc. penal, são as conclusões que delimitam o objecto do recurso que deve terminar pela formulação do pedido. Como se constata, apesar das prolixas conclusões que se confundem em muito com a motivação, em parte algum os recorrentes concluíram pela formulação do pedido de audiência. Em resumo, formalmente há um lapso manifesto e uma omissão dos recorrentes. * Sob o ponto de vista substancial e razão de ser da audiência de julgamento saliente-se que no artº 411º nº 5 do cód. proc. penal, consagrou o legislador aos recorrentes a faculdade de, «no requerimento de interposição de recurso poderem requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretendem ver debatidos». Ressalta com evidência da leitura do recurso e das respectivas conclusões, que delimitam o seu objecto (artº 412º nº 1 do cód. procº penal), que os recorrentes não cumpriram este requisito. Expuseram de forma clara e extensa a sua posição sobre as questões que suscitaram, mas não individualizaram os pontos concretos sobre que deveria incidir a audiência. Quando consagrou esta possibilidade, o legislador teve como objectivo central, a possibilidade de se discutir oralmente, em audiência, perante o tribunal de recurso, pontos específicos controvertidos que de alguma forma não pudessem resultar claros da simples leitura da motivação e das respectivas conclusões, visando assim, com o debate em audiência, um melhor esclarecimento desses pontos mais sensíveis. No caso concreto, os recorrentes parecem pretender que a audiência incidisse sobre tudo o que alegaram em sede de recurso o que salvo o devido respeito é inadmissível, face à letra explícita do preceito referido. Apesar da falta de fundamentação do requerimento em causa, ao contrário do que o legislador previu para a deficiência das conclusões no artº 417º nº 3 do cód. proc. penal, quanto à falta de fundamentação do pedido de audiência, a lei não contempla qualquer despacho de aperfeiçoamento neste caso, aliás nem faria sentido. A audiência de julgamento perante este Tribunal assume um carácter excepcional, só devendo ser requerida quando resulte do recurso escrito a impossibilidade de explicitar ou dirimir qualquer matéria controvertida que não possa de outra forma elucidar este tribunal sobre o alcance do recurso, não devendo ser arbitrariamente requerida só porque a parte quer vir reiterar oralmente o mesmo que já alegou por escrito.[1] Há dois princípios a observar que importa ter presentes, que são o da economia processual e o da celeridade. Ora, requerer audiências de julgamento sem fundamentar e especificar devidamente a sua incidência ou quando pela natureza dos recursos nenhuma questão excepcional suscita, viola claramente aqueles dois princípios. Não foi por acaso que o legislador se viu obrigado a alterar o regime das audiências em 2ª instância, tendo a actual redacção do artº 411º nº 5 do cód. proc. penal sido introduzida pela Lei 48/2007 de 29.08, no sentido de restringir o recurso às mesmas e reiterando o seu carácter de excepcionalidade[2] Resulta claro que a não realização de audiência perante este tribunal em nada afectou a situação processual dos arguidos, dado que a sua pretensão está exposta no recurso que foi analisado em todos os seus pontos. Nem sequer se pôs a questão prévia da realização da audiência, porque simplesmente o recurso não continha tal pedido específico onde o deveria ter, nem fundamentou as razões de tal pretensão - houve uma inexistência do pedido e uma omissão de fundamentação. Quanto à alegada inconstitucionalidade, há muito que esta matéria foi debatida e decidida pelo Tribunal Constitucional, o qual, considerou inexistir qualquer violação das normas constitucionais invocadas. No Acórdão nº 163/11 de 24/03 do Tribunal Constitucional plasmou-se o seguinte entendimento[3]: «Julga-se pois que a interpretação normativa do nº 5 do artigo 411º do cód. proc. penal, segundo a qual “o recorrente que pretenda ver o seu recurso de decisão que conheça a final do objecto do processo, apreciado em audiência no Tribunal da Relação deve requerê-lo aquando da interposição do recurso e indicar quais os pontos da motivação de recurso que pretende ver debatidos, sob pena de indeferimento da sua pretensão” não é contrária à Constituição, seja por violação do direito de assistência por advogado (artigo 32º, nº 3, da CRP), seja por violação do direito de recurso penal (artigo 32º, nº 1, da CRP), seja por violação de quaisquer outros princípios ou normas constitucionais, designadamente dos princípios do Estado de Direito (artigo 2º, da CRP), da proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da CRP) ou do direito ao contraditório em processo penal (artigo 32º, nº 1, da CRP)». Como atrás referimos, também nesta matéria não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento e sobre este ponto específico se pronunciou também Douto Tribunal Constitucional no acórdão referido, quando disse: - «(…) as situações que justificam o convite ao aperfeiçoamento dizem respeito a um ónus de indicação de elementos do recurso cuja omissão redunda na rejeição ou no não conhecimento parcial do objecto do recurso interposto (artigo 417º, nº 3, in fine, do CPP). Com efeito, as situações em causa dizem respeito a: i) indicação de normas ou interpretações normativas, em caso de recurso sobre matéria de Direito (artigo 412º, nº 2, do CPP); ii) indicação de concretos pontos de facto e provas, em caso de recurso sobre matéria de facto (artigo 412º, nº 3, do CPP); iii) identificação das gravações da audiência de julgamento, quando existentes (artigo 412º, nº 4, do CPP), iv) especificação obrigatória dos recursos retidos nos quais o recorrente mantém interesse (artigo 412º, nº 5, do CPP). Ora, não é esse o caso dos presentes autos. Nunca a decisão recorrida considerou que o recorrente ficaria privado de uma decisão sobre o objecto do respectivo recurso, limitando-se a afirmar a impossibilidade de realização de audiência de julgamento e, consequentemente, a produção de alegações orais. Assim sendo, não se vislumbra o eventual paralelismo entre a situação em apreço nos presentes autos e as situações que foram alvo da jurisprudência constitucional supra citada e que, presentemente, justificam a formulação de despacho de aperfeiçoamento ao abrigo do nº 3 do artigo 417º, do cód. proc. penal». Mais concluiu o Douto acórdão: «Em suma, cabe ao legislador ordinário determinar quais as consequências processuais da falta de indicação dos elementos exigidos pelo nº 5 do artigo 411º do cód. proc. penal. Tendo optado por não incluir essa omissão nas causas que justificam o convite ao aperfeiçoamento, na fase de exame preliminar (artigo 417º, nº 3, do cód. proc. penal), só se justificaria julgar inconstitucional a interpretação normativa segundo a qual não existe dever legal de convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, mediante indicação dos pontos da motivação que o recorrente pretende sejam alvo de alegações orais, se aquela se afigurasse grave e manifestamente desproporcionada face ao direito de recurso e às garantias de defesa do recorrente (artigo 32º, nº 1, da CRP). Não se verificando, em concreto, qualquer desproporcionalidade nessa interpretação normativa, mais não resta do que julgar improcedente o recurso, também quanto à segunda interpretação normativa». Ao colocar apenas no preâmbulo do recurso a mera intenção de realização de audiência, remetendo para o artº 411º nº 5 do cód. proc. penal e para a extensa motivação, sem individualizar nem especificar que pontos visava discutir, a que acresce o facto na parte das conclusões e pedido final nada mais referir, obviamente que os recorrentes não cumpriram as exigências legais referidas. Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, concluímos pela inexistência de qualquer irregularidade processual e muito menos nulidade. * DECISÃO Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em negar provimento à reclamação apresentada pelos arguidos. * · Custas a cargo dos reclamantes, cuja taxa de justiça se fixa em 5 UC (cinco unidades de conta). * Lisboa 24 de Junho de 2020 A. Augusto Lourenço João Lee Ferreira _______________________________________________________ [1] - Sobre esta matéria e em situações similares, se pronunciou já este Tribunal da Relação de Lisboa por decisões de: 20.04.2016 no Proc°. n° 6337/10.3TDLSB.L1; de 24.05.2018 no Proc° n° 353/11.5TALRA.L1; de 28.09.2018, no Proc° n° 739/16.9JDLSB.L1. [2] - Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque - Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009, p. 1118. [3] - Sobre esta matéria vejam-se ainda os Ac. do Tribunal Constitucional nº 193/97 e nº 43/99. |