Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | CONTRATO ENTRE AUSENTES NULIDADE ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/24/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA | ||
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Sumário: | I. O disposto no artº 6º nº1 do DL 359/91 de 21.09, não se aplica aos denominados contratos entre ausentes, rectius aqueles em que as assinaturas dos outorgantes são apostas em momentos diferentes. II. Bastando, nestes casos, que o exemplar do contrato seja enviado ao consumidor após a assinatura do locador e começando o prazo do período de reflexão a contar-se apenas a partir da data desta entrega, recaindo sobre o locador o ónus da prova da data da mesma em caso de dúvida ou litígio. III. A nulidade do contrato de mútuo pode não ser reconhecida caso ocorra comportamento subsequente comprovativo de que comprador aceitou a sua validade, o que ocorre se o mutuário adquire o veículo e com ele circula durante vários meses ou anos, pagando parte das prestações acordadas, renegociando a dívida, através da entrega do automóvel à autora e reassumindo novo acordo de pagamento, sem nunca ter manifestado considerar tal contrato como lesivo dos seus interesses nem ter diligenciado no sentido de o revogar, a ele aderindo e aproveitando as vantagens dele emergentes, pois, nestes casos, que a sua invocação traduz um comportamento abusivo e contrário à boa fé - art. 334º do C. Civil. (C.M.) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA 1. Banco, SA., instaurou contra J e M, acção declarativa de condenação, com processo sumário. Pediu a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a importância de 5.998,07 euros, acrescida de 1.121,02 euros de juros vencidos, 44,84 euros de imposto de selo sobre estes juros e os juros vincendos à taxa anual de 20,99%, desde 11 de Setembro de 2002 e até integral pagamento, bem como o imposto de selo que à taxa de 4% sobre estes juros recair. Alegou, para tanto: Que celebrou com os réus, em 20.101999, o segundo na qualidade de fiador, um contrato de mútuo para aquisição de veículo automóvel, no montante de 12,170,66 euros, nos ternos e condições do demonstrado pelo documento junto aos autos. Que ficou convencionado que o 1º réu satisfaria tal montante em 60 prestações mensais e sucessivas. Que o réu não pagou tais prestações. Que este lhe entregou o veículo automóvel para proceder à sua venda e creditasse o valor desta na dívida, o que veio a acontecer. Que em 01.02.2001 o autor e o réu J acordaram que o remanescente do débito relativo ao contrato fosse fixado em 15.109,71 euros e que este montante fosse pago em 60 prestações mensais e sucessivas. Que o réu não pagou a 24ª, vencendo-se então todas as restantes cujo total em débito ascende a 5.998,07 euros. Contestaram os réus. Tendo o primeiro e para além, do mais, invocado a nulidade do contrato de mutuo, nos termos dos artºs 6º nº1 e 7º nº 1 do DL 359/91 de 21 de Setembro, porque o contrato foi por si assinado no stand de venda do automóvel, o qual se apresentava ainda sem a assinatura da mutuante ora recorrente e, tendo pedido cópia do mesmo após nele colocar a sua assinatura, foi-lhe dito que tal só aconteceria depois de estar assinado por esta, facto que nunca aconteceu. 2. Em sede de despacho saneador o Sr. Juiz a quo julgou verificada a invocada nulidade e absolveu os réus d pedido. 3. Inconformada apelou a autora. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª O contrato em causa consubstancia-se como um contrato entre ausentes em que a concordância das partes ao acordo é dado em momentos diferentes. 2ª Assim, só após a assinatura do contrato por ambos os contraentes é que deve – e pode – ser entregue ao consumidor um exemplar do mesmo, pois que antes não existe qualquer contrato válido e juridicamente eficaz. 3ª O disposto no artº 6º nº1 do DL 359/91 de 21.09 apenas se aplica aos contratos celebrados entre presentes pelo que o contrato em causa não é nulo pois que ela o entregou ao réu após o ter assinado. 4. Sendo que, por via de regra – de que o presente caso não constitui excepção – o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte: Aplicação, ou não, do disposto no artº 6º nº1 do DL 359/91 de 21.09 aos denominados contratos entre ausentes, rectius aqueles em que as assinaturas dos outorgantes são apostas em momentos diferentes. 5. Os factos a considerar são os resultantes do relatório supra e os apontados na decisão, na qual, tanto quanto se alcança e em síntese se deu como assente, com base em acordo das partes, que aquando da assinatura pelo mutuário do contrato em causa não lhe foi entregue uma cópia do mesmo, o que apenas sucedeu mais tarde, após a assinatura da entidade credora. 6. Apreciando. 6.1. Reza o artº 6º nº1 do DL 359/91 de 21.09: «O contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura. E nos termos do artº 7º nº 1 do mesmo diploma, a inobservância de tal imposição acarreta a nulidade do contrato. Há desde já que concluir que tal segmento normativo tem em vista e, em todo o caso - mesmo que não fosse essa a intenção do legislador -, apenas se pode aplicar aos contratos entre presentes, isto é em que o mesmo é concluído com os respectivos outorgantes a emitirem as respectivas declarações de vontade e aporem as suas assinaturas no documento em simultaneidade temporal. Em primeiro lugar porque ele não se reporta a todo e qualquer facto ou, até, negócio jurídico (vg. unilateral), mas apenas e tão somente a um negócio jurídico bilateral, receptício e sinalagmático, ie. a um contrato. Ora o contrato apenas se conclui, se forma, se torna perfeito e assume validade e eficácia, assim vinculando os respectivos outorgantes, após a emissão das respectivas declarações de vontade atinentes às pertinentes clausulas, o que, nos contratos formais e reduzidos a escrito, apenas se verifica com a aposição da correspondentes assinaturas. Assumindo estas, destarte, a natureza de verdadeiros requisitos ad substantiam do negócio. Na verdade contrato apenas está perfeito quando a resposta, contendo a aceitação, chega à esfera de acção do proponente, isto é, quando o proponente passa a estar em condições de a conhecer – Cfr. Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª ed. P. 441. Efectivamente o contrato só se conclui com a aceitação, sendo a conclusão o efeito desta. Mas para tanto a aceitação terá de revestir dois requisitos, a saber: a)- traduzir uma inequívoca e total concordância; b) – revestir a forma exigida pelo contrato – cfr. Menezes Cordeiro, Obrigações, 1980, 1º, 449. Em segundo lugar porque os contratos entre ausentes, isto é, aqueles em que as declarações de vontade e as assinaturas que as consubstanciam e evidenciam, são apostas em momentos diferenciados pelos outorgantes, são legalmente admissíveis e produzindo os seus efeitos jurídicos depois de concluídos. Neles podem distinguir-se quatro momentos sucessivos: a formulação da proposta, a sua expedição, a sua recepção e o conhecimento pelo destinatário – Cfr. Pessoa Jorge, Obrigações, 1966, p.184. Naturalmente que tais contratos apenas concluem com a aceitação na forma legalmente exigida e que, quando for a escrita, tem de conter as assinaturas dos contraentes. Ora em virtude da “décalage” na aposição das assinaturas, o contrato ainda não existe quando nele se contém apenas a assinatura de um deles. Logo, nem em termos estritamente jurídicos nem em termos de senso comum, faz sentido que se exija a entrega de um exemplar do mesmo ao consumidor logo após nele colocar a sua assinatura, se nele não consta nem vai imediatamente constar a assinatura do mutuante. Nem se diga, como defendido na sentença, que quando o contrato vai para assinar para o consumidor ele já devia estar assinado pelo credor. Em nenhum normativo do diploma em causa tal exigência é feita. Nem se vislumbra que a mesma representasse um beneficio para o devedor, ou noutra perspectiva, que este seja prejudicado pelo facto de ser o primeiro a assinar o contrato, na medida em que o mesmo pode ser alterado e porque perderia a totalidade ou a parte do período de reflexão de sete dias concedido pelo artº 8º. Quanto aquela objecção, há que conceder ou tem de presumir-se, ab initio e até prova em contrario, a boa fé dos outorgantes e, em todo o caso, sempre o consumidor poderá exigir – ao terceiro, normalmente o vendedor do bem – cópia do mesmo para prevenir a hipotética alteração. No atinente a esta, obviamente, o dies a quo do período de reflexão, apenas ocorre a partir da data da entrega do exemplar do contrato pelo credor ao devedor. E, a assim ser como se entende que é, o consumidor até fica beneficiado, pois que tendo tomado conhecimento do teor da proposta de contrato desde que a assinou – e podendo até ficar com uma cópia da mesma para sua orientação e segurança pessoal – goza ainda do período de tempo adicional que decorre entre a sua entrega ao mutuante e o recebimento do exemplar já assinado por este, para a sua apreciação, a cumular com o aludido período legal de reflexão. Devendo, neste caso e se dúvidas surgirem quanto á entrega e à data da mesma, impender sobre o mutuante/credor o ónus da prova destes factos. E sendo a questão contra ele decidida se não cumprir tal ónus. Assim ficando legal, sensata e razoavelmente defendidos os interesses do consumidor aderente, parte tendencialmente mais frágil no negócio. Nesta conformidade, a questão de quem assina em primeiro lugar o contrato é mera res inter allios acta, não podendo o outorgante que assina em primeiro lugar, com liberdade de decisão neste particular, invocar, sem que motivos justificativos o imponham, e, muito menos, o tribunal decretar, oficiosamente, a irregularidade ou nulidade de tal procedimento, já que, como se referiu, inexiste na lei apoio nesse sentido. Conclui-se, deste modo, que a teleologia da lei – DL359/91 – qual seja a protecção do consumidor, não é frustrada com as assinaturas em “décalage” dos outorgantes do contrato, mesmo que a última a ser aposta seja a do credor, desde que, após a assinatura deste, seja enviada ao devedor um exemplar totalmente assinado. E que o artigo 6.° do Decreto-Lei n.°359/91, de 21 de Setembro, que, nos contratos de crédito ao consumo, exige a entrega de um exemplar do contrato ao consumidor no momento da respectiva assinatura, contempla a forma de conclusão do contrato em que ambas as partes se encontram presentes e, assim, não se aplica quando assinado pelo mutuário fora da presença do mutuante e a este enviado, na medida em que tal exigência não é juridicamente relevante, dada a ineficácia da (ainda) mera proposta de contrato e se revela factualmente impraticável – Aderindo-se, assim, ao decidido no Ac. do STJ de 12.01.2006, in dgsi.pt, p.05B3756 e contra alguma jurisprudência desta Relação de Lisboa - cfr. Acs. de16.12.2003, de 25.11.2004 e de 09.05.2006, in dgsi.pt., ps. 7985/2003-2, 7589/2004-6 e 12155/2066-7, respectivamente. 6.2. Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, sempre invocação da nulidade constituiria abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por parte do réu. Em primeiro lugar nota-se que ele, em sede de contestação – artº34º - afirmou terminantemente que nunca a autora ou o vendedor lhe enviaram o exemplar do contrato. Para, em sede de recurso, colocar a questão na inadmissibilidade da entrega do exemplar em momento posterior à sua assinatura, o que, implicitamente admite que tal entrega se processou. Por outro lado, a nulidade do contrato de mútuo, nulidade atípica, pode não ser reconhecida, caso ocorra comportamento subsequente comprovativo de que comprador aceitou a validade do contrato de mútuo, traduzindo oportunismo a invocação da omissão de formalidades em si susceptíveis de permitir invocar a nulidade. Assim se o mutuário adquire o veículo e com ele circula durante vários meses pagando parte das prestações acordadas, sem nunca ter manifestado considerar tal contrato como lesivo dos seus interesses nem ter diligenciado no sentido de o revogar, a ele aderindo e aproveitando as vantagens dele emergentes, a invocação que fizer da referida nulidade traduz um comportamento abusivo e contrário ao direito e à boa fé, o que lhe é vedado pelo art. 334º do C. Civil – neste sentido, cfr. entre outros, os Acs. desta Relação de 02.06.2005 e de 09.05.2006, in dgsi.pt. ps.4336/2005-8 e 12156/2005-7. É o caso dos autos, em que o réu manifestou, durante um largo lapso de tempo – anos – a sua anuência ao contrato, sem, tanto emerge do processo, alegar a ora invocada nulidade, quer usando o veículo, quer renegociando a dívida, através da entrega do automóvel à autora, quer reassumindo novo acordo de pagamento que, outrossim, não cumpriu. Procede, pois, o recurso. 7. Decisão. Termos em que se acorda julgar o recurso procedente e, consequentemente, se revoga o despacho saneador/sentença, devendo os autos prosseguir os seus legais termos. Custas pelos réus. Lisboa, 2007.04.24. Carlos Moreira Isoleta Almeida e Costa Rosário Gonçalves |