Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO GRILO AMARAL | ||
Descritores: | IMPEDIMENTO JUIZ LIBERDADE CONDICIONAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/22/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I. Não se verifica o impedimento previsto no art.40º nº1 al.c) do Cód.Processo Penal relativo a juiz que tenha participado em julgamento anterior, para proferir a decisão a que alude o art.61º do Cód.Penal. II. A concessão de liberdade condicional quando o condenado atingir metade do cumprimento da pena de prisão a que foi sujeito, está dependente de dois requisitos que são cumulativos (e não alternativos) : o primeiro acentua essencialmente razões de prevenção especial, seja negativa (de que o condenado não cometa novos crimes) seja positiva (de reinserção social ou preparação para a liberdade) ; o segundo requisito acentua as finalidades de execução das penas, estando assim aqui imediatamente em causa a satisfação do preceituado no artigo 40º nº1 do Cód. Penal. III. Tal instituto de graça implica o cumprimento efectivo da pena e logo apenas poderá ser apreciado posteriormente a tal marco temporal. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO I.1 No âmbito do processo de liberdade condicional nº 1995/22.9TXLSB-B que corre termos no Juízo de Execução das Penas de Lisboa - Juiz 8, em 02/02/2025 foi proferida decisão que não concedeu a liberdade condicional ao recluso AA. » I.2 Recurso da decisão final Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: (…) 1 - Foi ora Recorrente notificado do despacho de não concessão da liberdade condicional. 2 - Face à factualidade dada como provada - que se coaduna em perfeição com os requisitos legalmente exigidos para a concessão da liberdade condicional - . face a ausência de factos não provados que pudessem influir na decisão da causa e tendo conta o quantum de pena já cumprido pelo Recorrente (metade da pena cumpridos em novembro de 2024), entenda-se que o Tribunal a quo dispunha de todos os elementos para conceder a liberdade condicional ao Recorrente. 3 - Desde logo, salvo melhor opinião, andou mal o Tribunal recorrido ao ancorar a negação da liberdade condicional em razões de prevenção especial, por se entender existir falta de fundamentação. 4 - Dado que o Recorrente cumpriu metade da pena em novembro de 2024, são só atendíveis nesta fase, as razões de prevenção especial (a vertente da ressocialização) art.º 61.º n.º 3 do C.P. que remete para a alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo. 5 - A decisão recorrida, ao fundamentar a sua decisão por reporte à prevenção geral, ou seja, por reporte à alínea b) do n.º 2 do art.º 61.º do C.P. nega a liberdade condicional ao Arguido com base em pressupostos que não tem respaldo legal. 6 - Já quanto às razões de prevenção especial propriamente ditas, não se pode aceitar que o Tribunal a quo negue a liberdade condicional ao recorrente com base exclusivamente na natureza do crime praticado. 7 - Antes de mais, cumpre rememorar que o Recorrente cumpriu já 2 anos e 3 meses da pena, restando-lhe cumprir 1 ano 9 meses, tempo esse que serviu certamente para aquele sentir a censura pelos atos praticados e para inibi-lo de voltar a cometer um ilícito criminal. 8 - Por outro lado, não se ignorando a gravidade do crime praticado pelo Recorrente, certo é que a mesma foi já considerada - como manda a lei penal - na concreta pena que lhe foi aplicada, a decisão condenatória, não o podendo ser novamente nesta sede! 9 - A natureza do crime praticado não pode legitimar, por si só, a conclusão de que o Recorrente não saberá conduzir a sua vida de modo responsável e sem o cometimento de novos crimes. 10 - Os fatores que pesaram para essa fixação já foram convocados e valorados, a par da intensidade da culpa, no momento da determinação da medida da pena na decisão condenatória, não podendo ser agora renovados e apreciados, designadamente para contornar a decisão de não concessão da liberdade condicional (até por manifesta violação do princípio constitucional ne bis in idem!. 12 - Assim se entende que, sem descurar a gravidade do crime (já comprovada na condenação sofrida), mas tendo em conta a factualidade provada na decisão recorrida, é de formular um juízo de prognose favorável, no sentido de que o condenado conduzirá doravante a sua vida de modo sem cometer crimes. 13 - Os elementos do Relatório da D.G.R.S.P. analisados na Motivação deste Recurso, bem como, todos os que foram dados como provados, revelam que o Recorrente assume a responsabilidade pelo crime que praticou e demonstram suficientemente que o mesmo inverteu o rumo da sua vida. 14 - De tais elementos retira-se que o Recorrente mantém um comportamento normativo, sem conflitos, sem qualquer infração disciplinar no período de reclusão, é laboralmente ativo no estabelecimento prisional, beneficia do um bom enquadramento familiar que o apoia e acolhe e mantém perspetivas de trabalhar quando libertado. 15 – O Recorrente é favorecido por um seio familiar bem estruturado e do qual recebe apoio incondicional da irmã e do cunhado, sendo certo que uma vez restituído à liberdade inserir-se-á de imediato nesse meio familiar que o quer receber e que o ajudará a reintegrar-se na sociedade. 16 – Se o instituto da liberdade condicional visa minorar as dificuldades de adaptação à comunidade inevitavelmente associadas ao tempo de reclusão e alcançar uma gradual preparação ao reingresso na sociedade de alguém que há muito dela se encontra afastado não se compreende nem se aceita como pode o Tribunal a quo negar esta fase de transição gradual a um recluso que reúne todos os requisitos para o efeito e cuja pena será extinta em novembro do próximo ano. 17 - Ainda por mais tendo em conta que esta fase de adaptação à vida em comunidade, pode ser - justamente - condicionada ao cumprimento de determinadas obrigações e regras de conduta (de acordo com o disposto no art.º 64.º n.º 1 do C.P.), sendo esse o regime legal previsto para a concretização da liberdade condicional. 18- Refere o artigo 40 nº 1 al b) C.P.P nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver participado em julgamento anterior. 19-O preceito legal supra referido estabelece assim uma garantia de imparcialidade objetiva. 20-Entenda-se que não está em causa que a intervenção da Mmª juíza sequer seja idónea a suscitar dúvidas sobre a sua capacidade para decidir de forma isenta . 21- No entanto, atendendo a ratio da norma supra referida ( garantia de imparcialidade objetiva) entende-se que a decisão sobre a concessão/ ou não concessão, da liberdade condicional, deveria ser proferida por Mmº Juiz que não conhecesse do mérito da causa. Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverão V. Exas. ordenar a revogação da decisão de que ora se recorre e a sua substituição por outra que conceda ao ora Recorrente a liberdade condicional que lhe é devida, por se entenderem preenchidos os elementos formais e materiais resultantes do disposto do artigo 61.º do Código Penal. Termos que deverá ser dado provimento ao presente recurso, Como é de JUSTIÇA (…) * O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido em 27/02/2025, com os efeitos de subir imediatamente e em separado, com efeito meramente devolutivo. * I.3 Resposta ao recurso Efectuada a legal notificação, o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto pelo condenado, pugnando pela sua improcedência apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: (…) IV – CONCLUSÕES a decisão recorrida não concedeu a liberdade condicional ao ora recorrente, por referência ao meio da pena (atingido em 23.11.2024), estando em causa a prática do crime de pornografia de menores agravada; a decisão recorrida mostra-se devidamente fundamentada, fazendo uma acertada avaliação dos relatórios instrutórios, bem como das declarações prestadas pelo recorrente, não ofendendo quaisquer preceitos legais, designadamente a norma que prevê o impedimento por participação em processo (artº 40º do CPP); há que considerar as exigências de prevenção especial porquanto o condenado deve evoluir no sentido de consolidar o seu percurso penitenciário, com vista à adequada interiorização do sentido da pena e do desvalor da sua conduta ilícita, de forma a não a repetir; o recorrente está a cumprir pena pela prática de um ilícito com impacto muito grave e nefasto naqueles que dele são vítimas, pelo que deve demonstrar um percurso prisional consolidado e revelador de que atingiu as diversas etapas do tratamento penitenciário; têm particular relevância, no caso, as necessidades de prevenção geral a satisfazer, atenta a gravidade do crime cometido e as suas repercussões ao nível da comunidade em geral, tornando-se necessário dissuadir a prática deste tipo de condutas e premente a reposição da confiança dos cidadãos no efeito tutelar das normas violadas; a continuação da execução da pena impõe-se para que haja consolidação do efeito de pacificação, decorrente da tranquilização da consciência jurídica geral, iniciada com a imposição de sanção adequada; assim, exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico impedem para já a liberdade, ainda que condicionada, a qual seria mal tolerada pela comunidade globalmente considerada; a concessão da medida, antecipando a liberdade quando ainda faltam pouco menos de 2 anos para o termo global das penas não seria compreendida pelo cidadão comum e afrontaria, sem dúvida, as finalidades que devem presidir à execução da pena de prisão, deixando sem tutela eficaz os bens jurídicos protegidos; a decisão recorrida fez correta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art. 61º n.ºs 2 als. a) e b) do Código Penal, pelo que deve ser mantida. Contudo V. Ex.as., decidindo, farão, como sempre JUSTIÇA (…) * I.4 Parecer do Ministério Público Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. * I.5. Resposta Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao dito parecer. * I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal. Cumpre, agora, apreciar e decidir. * II- FUNDAMENTAÇÃO II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso: Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal3. * II.2- Apreciação do recurso Assim, face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões decidendas a apreciar são as seguintes: a) Do impedimento do Juiz nos termos do art.40º nº1 al.c) do Cód.Processo Penal b) Decidir sobre se estão reunidas as condições para ser concedida a liberdade condicional ao recorrente. II.3 - Da decisão recorrida [transcrição], nos segmentos relevantas: (…) III – Da Fundamentação * Os Factos * 1. AA, afecto ao EP do ..., primário, cumpre uma pena de 4 anos de prisão, à ordem do Processo nº 280/22.0JGLSB, pela prática do crime de pornografia de menores agravada. 2. Atingiu o cumprimento de metade da pena em 23.11.2024, atingirá os dois terços em 23.07.2025, estando o termo da pena previsto para 23.11.2026. * 1. Uma vez em liberdade, irá residir com uma irmã e um cunhado, elementos que assumem perante ele uma atitude solidária e de apoio. O agregado dispõe de casa própria, de tipologia 2, com condições. No período anterior à prisão residia sozinho em casa própria, que adquiriu mediante empréstimo bancário, vindo com a situação de reclusão e com o suporte da família a vender o imóvel. 2. Pretende voltar para um meio que conhece, e onde já residiu anteriormente, não se antecipando problemas de inserção, tratando-se de uma zona residencial sem problemáticas assinaláveis. 3. Com o 9º ano de escolaridade, mantinha há vários anos a actividade de …, que conciliava com trabalhos temporários na área da …., revelando-se um indivíduo com hábitos de trabalho. Sem perspetivas consolidadas, pretende voltar a trabalhar no sector …, não antecipando problemas de colocação. Conta com o suporte da família até se reorganizar. 4. A avaliação efectuada a AA em sede da aplicação do instrumento SARNC (Sistema de Avaliação de Risco e Necessidades Criminógenas) permite identificar o perfil de necessidades criminógenas detidas, destacando-se a que se inscrevem nas áreas “história criminal” e “competências pessoais e emocionais, classificadas como áreas de médio risco, como as mais cotadas (numa escala de baixo, médio e elevado). A área de competências pessoais e emocionais surge como uma área prioritária de intervenção, sobretudo pelo facto de continuarem a ser nele identificadas crenças disfuncionais/ distorções cognitivas, pois percebe a agressão de acordo com as crenças estabelecidas, tentando de uma forma ou de outra justificar os actos por si perpetrado. 5. Em contexto prisional tem demonstrado potencial de adaptação ao meio, revelando motivação para investir na aquisição de competências profissionais e pessoais, estruturantes da sua personalidade. 6. Decorrente da sua atitude respeitadora face à prisão, não regista qualquer apontamento disciplinar, sendo um indivíduo de bom trato, que se afasta dos seus pares mais problemáticos a este nível, preferindo investir no seu percurso de uma forma positiva e pró-social. 7. Em contexto de entrevista com o técnico gestor do caso, revela-se educado e assertivo, demonstrado estar permeável à intervenção técnica. 8. Tem habilitações literárias adequadas para a sua idade, motivo pelo qual não foram identificas necessidades de evolução nesta dimensão. 9. No Estabelecimento Prisional, demonstrou sempre forte motivação para exercer … ao longo do cumprimento da pena de prisão, tendo integrado em ...-...-2024 uma ... do setor … onde se encontra alocado. 10. Aguarda-se a sua integração no Programa de Desenvolvimento Moral e Ético no Programa de Agressores Sexuais, objetivos contratualizados no seu PIR. O recluso demonstra estar motivado para integrar ambos os programas, não tendo ainda participado por motivos que não lhe podem ser imputáveis. 11. Tem revelado interesse em ser acompanhado em consultas de psicologia conseguindo identificar ganhos em ser seguido nesta valência. É assíduo e demonstra adesão ao acompanhamento. 12. Padece de diabetes, fazendo a toma da medicação prescrita. 13. Em termos gerais, tem revelado um percurso e adaptação positivos em termos comportamentais, acarretando as regras de funcionamento e disciplina do EP. Assim, mantém um comportamento prisional isento de qualquer apontamento. 14. Aufere o dinheiro da … que exerce gastando o dinheiro no carregamento do cartão telefónico e na aquisição de bens na cantina. 15. Ocupa-se a fazer caminhas no pátio, a jogar às cartas com os companheiros de reclusão e participa nas actividades socioculturais dinamizadas pelos SAEP naquele setor. 16. Tem beneficiado de um forte apoio por parte dos familiares, recebendo visitas frequentes e estabelece contactos telefónicos regulares com os seus irmãos. 17. Assume um comportamento de aceitação face ao cumprimento de pena de prisão dada a gravidade do crime por si cometido e percepciona que esse cumprimento tem vindo a contribuir para a reflexão da sua conduta. 18. Assume frontalmente a responsabilidade pelo crime pelo qual está condenado, verbalizando arrependimento. No entanto, faz uso de um discurso de desculpabilização para justificar a sua conduta criminosa, negando qualquer desvio sexual e contextualiza os actos por si praticados com o não ter conseguido, à época dos factos, assumir a sua orientação homossexual e por ter sido, ele próprio, com apenas 10 anos de idade, vítima de abuso sexual, por parte de um primo, com 17 anos de idade. 19. Assim, embora procure atenuar a sua conduta, justificando-se pelas dificuldades em assumir a sua orientação sexual, mostra-se capaz de avaliar a gravidade da sua acção, legitimando a punição de comportamentos sexuais desviantes. 20. A prisão é sentida como impactante, sendo neste contexto que expressa motivação para se reajustar à vida em meio livre, afigurando-se importante a consolidação de estratégias de prevenção da reincidência. 21. Encontra-se em regime comum, nunca lhe foram concedidas saídas jurisdicionais. * Motivação * Fundou-se a nossa convicção para dar como provada a antecedente factualidade, na análise conjugada dos documentos juntos aos autos, com relevo para a certidão das decisões condenatória, o certificado do registo criminal, a ficha biográfica, as declarações prestadas pelo recluso, aquando da sua audição, o relatório integrado dos serviços de Reinserção Social e de Tratamento Penitenciário, e o teor do extracto do SIP (Sistema de Informações Prisionais) a ele referentes. * Os Factos e o Direito * Considerando os factos relevantes “supra” descritos e os pareceres desfavoráveis do Conselho Técnico e do Ministério Público, conclui-se que não se mostram ainda verificados os pressupostos que fundamentam a concessão da liberdade condicional. Com efeito, se é certo que o recluso revela um percurso prisional meritório e tem o apoio da sua família, o certo é que, embora assuma frontalmente a responsabilidade pelo crime pelo qual está condenado, verbalizando arrependimento faz, no entanto, uso de um discurso de desculpabilização para justificar a sua conduta criminosa, negando qualquer desvio sexual e contextualiza os actos por si praticados com o não ter conseguido, à época dos factos, assumir a sua orientação homossexual e por ter sido, ele próprio, com apenas 10 anos de idade, vítima de abuso sexual, por parte de um primo, com 17 anos de idade. Mostrando-se embora capaz de avaliar a gravidade da sua acção, legitimando a punição de comportamentos sexuais desviantes, não deixa de procurar atenuar a sua conduta, justificando-se pelas dificuldades em assumir a sua orientação sexual, parecendo esquecer-se de que homossexualidade e pedofilia estão longe de ser equivalentes. Donde, é ainda necessária a consolidação de estratégias de prevenção da reincidência. Do ponto de vista das necessidades de prevenção especial, pese embora a normatividade do comportamento do recluso e o seu empenho laboral, embora assuma um comportamento de aceitação face ao cumprimento de pena de prisão e perspectiva que contribuiu para a reflexão da sua conduta, continua a evidenciar lacunas ao nível da interiorização do desvalor da sua conduta criminosa, rejeitando qualquer problemática do foro sexual, o que, infelizmente, é comum neste tipo de criminoso. Na verdade, estamos, “in casu”, perante uma situação de pedofilia, por parte do recluso, pedofilia que tem uma natureza predominante de comportamento compulsivo, o que leva a recear que prossiga na sua actividade criminosa. Como escreveu no Acórdão do TRP de 11/02/2015, «Segundo o "Dicionário de Sexologia", Hugo G. Beigel, in Publicações D. Quixote, a pedofilia não é uma doença, mas antes, uma "... Anomalia sexual na qual o objecto preferido é uma criança. Esta perversão baseia-se, na maioria das vezes, em sentimentos de inadequação sexual, desejos incestuosos transferidos ou em fixações numa experiência sexual dos primeiros anos de vida." Há pedófilos de todas as condições sociais. Os mais perigosos são, certamente, aqueles em quem a criança/jovem confia por natureza ou admira - um professor, um médico, um artista conhecido, um familiar, “maxime” um pai (...). Por outro lado, e do ponto de vista moral, o pedófilo não é um doente mental isento de responsabilidades, nem um delinquente à margem das leis da vida social e familiar (podendo até ser um bom profissional e um bom pai de família), mas um homem ou uma mulher, diferentes na maneira de viverem a sexualidade, condicionados na liberdade pela estrutura da sua personalidade, ainda que responsáveis pelo mal que introduzem no mundo, quando actuam pedofilicamente. A luta contra a violência sexual com crianças passa, necessariamente, por dois aspectos: o lugar da criança na sociedade e a atitude dos adultos em relação às crianças, mas que convergem para o mesmo foco, qual seja, o direito da criança e sua violação - "A Pedofilia" - Gelson Francisco Alves da Costa, Cadernos jurídicos. A pedofilia é um comportamento compulsivo, determinando esta circunstância até a existência de um perigo concreto de continuação da actividade criminosa.» Ora, a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências é indispensável para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Quem não logrou ainda percepcionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta. Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in “Reclusão e Mudança” - “Entre a Reclusão e a Liberdade”, Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), “sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos”. Necessita, pois, de reflectir criticamente sobre o seu comportamento criminoso de forma a interiorizar, verdadeiramente, o desvalor da conduta e, assim, permitir que no futuro, possa conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. Ademais, dir-se-á que a liberdade condicional, atenta a sua natureza e repercussões deve, na sua aplicação prática, cingir-se a situações que não gerem dúvidas de qualquer espécie e que sejam de prognóstico unânime pelas pessoas que intervêm no acompanhamento da execução da pena. No caso presente, tanto o M.P. como os elementos do Conselho Técnico são desfavoráveis à sua aplicação, o que bem evidencia a impossibilidade de, nesta altura, formular o referido juízo. É irrelevante, diga-se, que o recluso tenha capacidades pessoais e sociais adequadas a uma vida digna em sociedade, como de resto é comum na grande maioria dos predadores sexuais. Sempre as teve, e isso não o impediu de praticar actos graves de abuso. E, continuando, como vimos, a mostrar lacunas ao nível da interiorização do desvalor da sua conduta criminosa e a rejeitar ter qualquer problemática do foro sexual, não podemos dizer que o tempo de reclusão que sofreu já cumpriu a sua função regeneradora. Acresce que são muito relevantes as necessidades de prevenção geral, atenta a frequência com que ocorre o tipo de crimes em referência, sendo necessário dissuadir a sua prática e premente a reposição da confiança dos cidadãos no efeito tutelar das normas violadas. A continuação da execução da pena de prisão, estamos em crer, neste momento, é ainda indispensável para que não seja posta em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e para a estabilização das expectativas comunitárias na validade das normas incriminadoras. Assim, pese embora se julgue positivo que o recluso possua apoio familiar e residencial no exterior, é mister concluir que fortes razões de prevenção especial impõem que se acompanhe o parecer maioritário do Conselho Técnico e o do M.P., no sentido de que ainda não estão reunidas condições para que lhe seja concedida, neste momento, a liberdade condicional. * IV – Dispositivo * Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, não se concede a liberdade condicional ao recluso AA. (…) » II.4- Apreciemos, então, as questões a decidir. a) Do impedimento do Juiz nos termos do art.40º nº1 al.c) do Cód.Processo Penal Veio o recorrente sustentar que a Mmª Juíza a quo que proferiu a decisão recorrida estaria impedida para intervir na mesma, apelando ao disposto no art.40º nº1 al.c) do Cód.Processo Penal (indica a al.b) mas trata-se de manifesto lapso), sem que peticione a nulidade de qualquer acto ou a declaração do referido impedimento. Cumpre apreciar: Efectivamente, da análise dos autos resulta que A Mmª Juíza a quo interveio como juíza adjunta no acórdão que condenou o arguido recorrente na pena de 4 anos de prisão. Ora, desde logo, do disposto no mencionado art.40º do Cód.Processo Penal não resulta qualquer impedimento decorrente da actividade no âmbito do Tribunal de Execução de Penas. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque em “Comentário do Código de Processo Penal À luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em anotação ao artigo 40º, do CPP: “Se é certo que a suspeita legal em relação ao juiz que interveio no julgamento e proferiu sentença de mérito sobre os factos se justifica plenamente, não devendo ele mais intervir em novo julgamento que resulte de reenvio, a verdade é que a nova redacção da lei vai muito para além desta situação. De acordo com a lei nova, o juiz que participou em julgamento anterior fica impedido, quer o tribunal de recurso tenha reenviado o processo para novo julgamento nos termos do artigo 410º, nº2, conjugado com o artigo 426º, quer o tribunal de recurso tenha remetido o processo para repetição do julgamento pelo mesmo tribunal (…)” Primordial é que o juiz não intervenha em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver participado em julgamento anterior. O que pressupõe que se trata de julgamento anterior, dentro do mesmo processo, e não toda e qualquer participação em Julgamento anterior, sobre os mesmos factos ou factos idênticos e pelos mesmos crimes objecto do novo julgamento, mas em outros processos. Para tais situações, observadas as condições legais, pode sempre lançar-se mão dos incidentes de recusa e escusa (artº 43º, nº1, do CPP). Ora, é o próprio recorrente que “que não está em causa que a intervenção da Mmª juíza sequer seja idónea a suscitar dúvidas sobre a sua capacidade para decidir de forma isenta.” Entende-se assim não estar verificado o impedimento ora suscitado pelo recorrente. Mas mesmo que assim se não entendesse, dispõe o artigo 41º nº 2 do Cód.Processo Penal, que a declaração de impedimento pode ser requerida pelo Ministério Público ou pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis logo que sejam admitidos a intervir no processo, em qualquer estado deste. Ora, no caso, apenas agora veio o recorrente suscitar tal questão. De acordo com as regras da distribuição, a Mmª. Juíza foi indicada como titular dos autos, e nessa qualidade proferiu o despacho que determinou a reunião do Conselho Técnico, e presidido a tal diligência em 13/12/2024. Ou seja, desde essa data que o arguido teve conhecimento que Mmª. Juíza era titular dos autos, pelo que, e atenta a letra da lei, teria 10 dias (artigo 105º nº 1 do CPP) para suscitar o incidente. Como é evidente, encerra o artigo 41º nº 2 do Cód.Processo Penal – há semelhança do que acontece para os requerimentos de recusa e de escusa, Cfr. artigo 44ª do Cód.Processo Penal – um prazo para que seja despoletado o incidente de afastamento do juiz, sendo a expressão “logo que” não só aplicável aos assistentes e às partes civis, traduzindo tal expressão a necessidade de uma iniciativa imediata por parte de quem acabou de chegar aos autos, independentemente da fase em que o processo se encontrar, como também ao arguido e ao Ministério Público. Assim e quanto ao arguido, a expressão “logo que”, tem o alcance de significar que o seu requerimento para a declaração de impedimento teria que ser formulado no prazo supletivo legal constante do artigo 105º nº 1 do Cód.Processo Penal, sendo tal prazo contado da data em que teve conhecimento da identidade do juiz que foi sorteado para titular os autos, e no caso, pelo menos desde ... que o arguido teve conhecimento da titularidade dos autos por parte da Dra. BB. Esta mesma posição foi defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 28-09-2011, proferido no processo 5/05.5TELSB-L.L1.S1 e que se revela claro ao dizer: “I – Nos termos do n.º 2 do art. 41.º do CPP, «a declaração de impedimento [do juiz] pode ser requerida pelo Ministério Público ou pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis logo que sejam admitidos a intervir no processo, em qualquer estado deste». II – A expressão «logo que» só pode significar que o arguido, o assistente e as partes civis devem requerer o impedimento do juiz no prazo de 10 dias (art. 105.º do CPP), a partir do momento em que tenham intervenção no processo, no caso de o impedimento já se verificar, ou, quando o impedimento só for conhecido posteriormente, no mesmo prazo, após esse conhecimento. III – Por sua vez, a expressão «em qualquer estado do processo» significa que o impedimento pode ser suscitado pelo sujeito processual qualquer que seja a fase processual em que seja admitido a intervir. IV – Uma interpretação da norma que permitisse às partes requerer o impedimento do juiz em qualquer altura do processo, independentemente do momento em que tivesse adquirido conhecimento do fundamento do impedimento, abriria as portas a estratégias perversas, contrárias à boa-fé, que são intoleráveis em processo penal.” Teremos assim que concluir que o requerimento formulado pelo recorrente sempre seria extemporâneo, razão pela qual igualmente não poderia ser atendido. b) Decidir sobre se estão reunidas as condições para ser concedida a liberdade condicional ao recorrente. Apreciemos agora então se no caso se mostram verificados os pressupostos para a concessão da liberdade condicional ao recorrente, e assim da peticionada inversão do sentido da decisão recorrida. Segundo dispõe o art. 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação de penas “visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. E “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” – art. 42º, nº 1, do Cód.Penal. Portanto, a ressocialização é perspetivada pela lei portuguesa como escopo essencial do ius puniendi. Também a ressocialização dos criminosos se apresenta, em face dos pressupostos jurídico-constitucionais próprios do Estado de Direito material e das considerações humanitárias, como um imperativo de carácter ético, vale dizer, como “concretização de um dever geral de solidariedade e de auxílio às pessoas que deles se encontrem carecidas”4. Tal como se escreveu no nº 9 do Preâmbulo do D. L. 400/82, de 23 de Setembro – que aprovou o Código Penal de 1982 –, e em termos que mantém absoluta actualidade, o instituto da liberdade condicional, cuja ponderação surge em contexto de cumprimento de pena privativa da liberdade, não seve ser entendida como uma «medida de clemência ou de recompensa por boa conduta», tendo antes como objectivo definidor e orientador, «o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão». Como refere Figueiredo Dias5, a “finalidade da execução da pena é simultaneamente mais modesta, mais nobre – e mais difícil. Do que se trata, verdadeiramente, é de oferecer ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico-penal – visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e ativa daquele”. Estabelece o artigo 61º do Cód. Penal o seguinte : “1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado. 2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social. 3. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior. 4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena. 5. Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.” Daqui resulta que são os seguintes os pressupostos de natureza formal da liberdade condicional: a) O consentimento do condenado – art. 61º nº1 do Código Penal; b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas – arts. 61º nº2 e 63º nº2, do Código Penal; c) O cumprimento de metade, 2/3 ou 5/6 (em penas superiores a 6 anos) da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas – arts. 61º nº2, 3 e 4 e 63º nº2, do Código Penal. Decorre ainda desta previsão legal que a liberdade condicional quando reportada a metade ou a 2/3 da pena, a chamada liberdade condicional facultativa, consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, os quais são mais exigentes no caso aplicação a meio da pena, coerentemente com a necessidade de acautelar as finalidades das penas previstas no art. 40º/1 do Código Penal. Assim, são pressupostos de natureza material da concessão da liberdade condicional a meio da pena: a) Um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade – art. 61º nº2, a) do Código Penal; b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade, ou seja, sobre o seu impacto na comunidade sob o prisma da ordem e paz social, acautelando exigências de tutela dos bens jurídicos protegidos pelas normas violadas, e portanto, de prevenção geral positiva. Assim, a concessão de liberdade condicional quando, como é aqui o caso, o condenado atingir metade do cumprimento da pena de prisão a que foi sujeito, está dependente destes dois requisitos que são cumulativos (e não alternativos) : o primeiro acentua essencialmente razões de prevenção especial, seja negativa (de que o condenado não cometa novos crimes) seja positiva (de reinserção social ou preparação para a liberdade) ; o segundo requisito acentua as finalidades de execução das penas, estando assim aqui imediatamente em causa a satisfação do preceituado no artigo 40º nº1 do Cód. Penal, onde se prevê que “a aplicação de penas (...) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, bem como quanto estipula o artigo 42º nº1 do mesmo código, ao dizer-nos que “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes". Conforme refere António Latas6, no que respeita aos pressupostos materiais da liberdade condicional, o da alínea a) assegura uma finalidade de prevenção especial, enquanto o da alínea b) prossegue um escopo de prevenção geral Para a formulação do juízo de prognose sobre o comportamento do condenado, em liberdade, o tribunal atenderá, aos critérios estabelecidos na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal, quais sejam: 1) as circunstâncias do caso; 2) a vida anterior do agente; 3) a sua personalidade e 4) a evolução desta durante a execução da pena de prisão. Assim, se ponderados tais critérios, for possível concluir, em termos de fundadamente ser expectável (aceitando, obviamente, “um risco prudencial”7), que uma vez em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, será formulado juízo de prognose favorável e, consequentemente, a liberdade condicional poderá ser concedida, o que não acontecerá na situação inversa – Ac.RE de 08/09/2021, proc. nº 480/20.0TXEVR-C.E1. Porém, como faz notar Joaquim Boavida8: «Na dúvida, a liberdade condicional não será concedida. É sabido que na fase de julgamento, a dúvida sobre a realidade de um facto é resolvida a favor do arguido, em decorrência do princípio in dubio pro reo. Na fase de execução da pena de prisão e da consequente apreciação da liberdade condicional esse princípio não tem aplicação. A lei exige, na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal, para que o condenado seja colocado em liberdade, que seja possível concluir por um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro sem reincidência, ou seja, exige um juízo positivo e só nesse caso a medida será aplicada. Portanto, em caso de dúvida séria, que não possa ser ultrapassada, sobre o caráter favorável da prognose, o juízo deve ser desfavorável e a liberdade condicional negada.» Tendo presentes estas considerações, voltemos então ao caso dos autos. Tal como já se referiu acima, os pressupostos formais da liberdade condicional mostram-se preenchidos, posto que o recorrente já cumpriu metade da pena de quatro anos a que foi condenado e declarou aceitar a liberdade condicional. E aqui surge-nos desde logo o primeiro erro do recorrente, porquanto parece entender que como tinha já cumprido mais de metade da pena em que foi condenado, então os pressupostos a ter em conta para a concessão da liberdade condicional seriam os relativos ao efectivo cumprimento dos 2/3 da pena, e logo considerações de prevenção geral não seriam já admissíveis. É evidente que tal entendimento não tem qualquer acolhimento na lei, que refere de forma expressa que a apreciação de tal instituto de graça implica o cumprimento efectivo da pena e logo apenas poderá ser apreciado posteriormente a tal marco temporal, o que não invalida, como é o caso dos autos, que os elementos em que o Tribunal irá basear a sua decisão sejam colhidos com antecedência a tal data. Em relação a tal pressuposto substancial ou material, entendeu o Tribunal a quo não estar o mesmo verificado, o que fundamentou do seguinte modo: “Acresce que são muito relevantes as necessidades de prevenção geral, atenta a frequência com que ocorre o tipo de crimes em referência, sendo necessário dissuadir a sua prática e premente a reposição da confiança dos cidadãos no efeito tutelar das normas violadas. A continuação da execução da pena de prisão, estamos em crer, neste momento, é ainda indispensável para que não seja posta em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e para a estabilização das expectativas comunitárias na validade das normas incriminadoras.” São inteiramente acertadas as considerações tecidas, atenta a gravidade do crime cometido e o alarme social que o mesmo gera. No atual enquadramento legal, seriam defraudadas as expectativas comunitárias na validade da norma violada se o tribunal concedesse desde já a liberdade condicional a este recluso. Donde, desde logo em termos de prevenção geral, tanto positiva, como intimidatória, as necessidades de endurecimento da reacção penal fazem-se sentir de forma muito elevada, perante a repulsa e o concomitante alarme gerados junto da população em geral pelo tipo de criminalidade em apreço e pelas suas circunstâncias concretas no caso, exigindo–se uma repressão eficaz destas condutas delituosas com o fim de prevenir a sua renovação, em nome de uma aguda necessidade de reposição de sentimentos de tranquilidade e segurança. Ora, a compatibilidade da liberdade condicional com a defesa da ordem e da paz social pretende precisamente salvaguardar o sentimento geral de vigência da norma penal violada com a prática do crime. Por isso que, conquanto não haja crimes pelos quais não possa ser concedida a liberdade condicional a meio da pena, a concessão de liberdade condicional em tal momento a um arguido condenado pela prática de um crime e de factos como os dos presentes autos, obriga a uma particular atenção às exigências de prevenção geral, por forma a não se correr o risco de tal decisão ser interpretada pela comunidade como uma forma de depreciação dos bens jurídicos violados – sendo inevitável a consideração de que, como avisadamente adverte o Ac.RP de 28/10/2015, proc.1391/12.6TXPRT–I.P1, Col. Jur., ano XL, Tomo IV, pág. 234, «o cidadão comum não vê a liberdade condicional como um modo de cumprimento de pena». No caso, julga–se perfeitamente avisada e acertada a conclusão do tribunal recorrido de que a gravidade do crime pelo qual o recorrente está a cumprir pena, as circunstâncias específicas que rodearam a sua prática, as consequências que dos seus actos são de molde a provocar grande alarme e convocam fortes exigências de prevenção geral, de tal forma que a expiação de metade da pena não se apresenta como suficiente para as satisfazer e transmitiria à comunidade uma imagem enfraquecida das capacidades do sistema judicial na contenção e dissuasão da prática deste tipo de crimes. Deste modo, julgamos que a decisão recorrida fez uma adequada e irrepreensível interpretação e aplicação do art. 61º nº2 al.b) do Cód. Penal, uma vez que nesta fase do cumprimento da pena, a liberdade condicional frustrava o sentimento geral de vigência das normas punitivas que o recorrente violou com a prática do crime por que foi condenado. Assim, ao contrário do sustentado pelo recorrente, uma vez que a concessão da liberdade condicional ao meio da pena, para além dos requisitos formais, exige o preenchimento simultâneo e cumulativo da verificação das razões de prevenção especial e de prevenção geral, não se verificando este último requisito, tal torna só por si desnecessário indagar a verificação do requisito da alínea a), uma vez que em qualquer caso o recurso não merecerá provimento. Mas mesmo nesse caso, acertadamente, o tribunal recorrido entendeu igualmente não se verificar. Decisão que, ademais diga–se, se sustenta também desde logo na circunstância de o Conselho Técnico junto do Estabelecimento Prisional haver emitido parecer unanimemente desfavorável à concessão da liberdade Condicional – facto que também se mostra ausente da cogitação do recurso ora em análise. Nesta sequência, também o Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão de liberdade condicional ao recorrente. Ou seja, ainda que, como se escreve no Ac.RL de 19/01/2021, proc. 440/11.0TXLSB-P.L1-5, «Os relatórios e pareceres da DGRS, dos Serviços de Educação, do Diretor do Estabelecimento, do Ministério Público e do Conselho Técnico não são vinculativos, constituindo apenas informação auxiliar do juiz, a valorar livremente», certo é que, in casu, muito claramente se constata que a percepção manifestada pelo tribunal a quo se mostra materialmente corroborada, afinal, pela das demais entidades intervenientes na coadjuvação do Tribunal de Execução de Penas no processo de decisão sobre a concessão de liberdade condicional – cfr. designadamente. arts. 142º nº1, 175º e 177º da Lei 115/09, de 12 de Outubro (Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade – CEP). Vejamos aquilo que o recorrente apelida de “modesta fundamentação” do tribunal recorrido: “Com efeito, se é certo que o recluso revela um percurso prisional meritório e tem o apoio da sua família, o certo é que, embora assuma frontalmente a responsabilidade pelo crime pelo qual está condenado, verbalizando arrependimento faz, no entanto, uso de um discurso de desculpabilização para justificar a sua conduta criminosa, negando qualquer desvio sexual e contextualiza os actos por si praticados com o não ter conseguido, à época dos factos, assumir a sua orientação homossexual e por ter sido, ele próprio, com apenas 10 anos de idade, vítima de abuso sexual, por parte de um primo, com 17 anos de idade. Mostrando-se embora capaz de avaliar a gravidade da sua acção, legitimando a punição de comportamentos sexuais desviantes, não deixa de procurar atenuar a sua conduta, justificando-se pelas dificuldades em assumir a sua orientação sexual, parecendo esquecer-se de que homossexualidade e pedofilia estão longe de ser equivalentes. Donde, é ainda necessária a consolidação de estratégias de prevenção da reincidência. Do ponto de vista das necessidades de prevenção especial, pese embora a normatividade do comportamento do recluso e o seu empenho laboral, embora assuma um comportamento de aceitação face ao cumprimento de pena de prisão e perspectiva que contribuiu para a reflexão da sua conduta, continua a evidenciar lacunas ao nível da interiorização do desvalor da sua conduta criminosa, rejeitando qualquer problemática do foro sexual, o que, infelizmente, é comum neste tipo de criminoso. Na verdade, estamos, “in casu”, perante uma situação de pedofilia, por parte do recluso, pedofilia que tem uma natureza predominante de comportamento compulsivo, o que leva a recear que prossiga na sua actividade criminosa. Como escreveu no Acórdão do TRP de 11/02/2015, «Segundo o "Dicionário de Sexologia", Hugo G. Beigel, in Publicações D. Quixote, a pedofilia não é uma doença, mas antes, uma "... Anomalia sexual na qual o objecto preferido é uma criança. Esta perversão baseia-se, na maioria das vezes, em sentimentos de inadequação sexual, desejos incestuosos transferidos ou em fixações numa experiência sexual dos primeiros anos de vida." Há pedófilos de todas as condições sociais. Os mais perigosos são, certamente, aqueles em quem a criança/jovem confia por natureza ou admira - um professor, um médico, um artista conhecido, um familiar, “maxime” um pai (...). Por outro lado, e do ponto de vista moral, o pedófilo não é um doente mental isento de responsabilidades, nem um delinquente à margem das leis da vida social e familiar (podendo até ser um bom profissional e um bom pai de família), mas um homem ou uma mulher, diferentes na maneira de viverem a sexualidade, condicionados na liberdade pela estrutura da sua personalidade, ainda que responsáveis pelo mal que introduzem no mundo, quando actuam pedofilicamente. A luta contra a violência sexual com crianças passa, necessariamente, por dois aspectos: o lugar da criança na sociedade e a atitude dos adultos em relação às crianças, mas que convergem para o mesmo foco, qual seja, o direito da criança e sua violação - "A Pedofilia" - Gelson Francisco Alves da Costa, Cadernos jurídicos. A pedofilia é um comportamento compulsivo, determinando esta circunstância até a existência de um perigo concreto de continuação da actividade criminosa.» Ora, a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências é indispensável para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Quem não logrou ainda percepcionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta. Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in “Reclusão e Mudança” - “Entre a Reclusão e a Liberdade”, Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), “sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos”. Necessita, pois, de reflectir criticamente sobre o seu comportamento criminoso de forma a interiorizar, verdadeiramente, o desvalor da conduta e, assim, permitir que no futuro, possa conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. Ademais, dir-se-á que a liberdade condicional, atenta a sua natureza e repercussões deve, na sua aplicação prática, cingir-se a situações que não gerem dúvidas de qualquer espécie e que sejam de prognóstico unânime pelas pessoas que intervêm no acompanhamento da execução da pena. No caso presente, tanto o M.P. como os elementos do Conselho Técnico são desfavoráveis à sua aplicação, o que bem evidencia a impossibilidade de, nesta altura, formular o referido juízo. É irrelevante, diga-se, que o recluso tenha capacidades pessoais e sociais adequadas a uma vida digna em sociedade, como de resto é comum na grande maioria dos predadores sexuais. Sempre as teve, e isso não o impediu de praticar actos graves de abuso. E, continuando, como vimos, a mostrar lacunas ao nível da interiorização do desvalor da sua conduta criminosa e a rejeitar ter qualquer problemática do foro sexual, não podemos dizer que o tempo de reclusão que sofreu já cumpriu a sua função regeneradora.” Concorda-se inteiramente com as considerações tecidas, face ao acerto das mesmas. Como na decisão recorrida se assinala, e é possível confirmar pela consulta do acto processual em causa, aquando da sua audição ao abrigo do disposto no art. 176º da Lei 115/09 do CEP, o recorrente pretendeu referir como justificação para os actos praticados, a sua homossexualidade, e nunca assumindo a existência de um desvio sexual, procurando uma equivalência inexistente entre aqueles e a opção sexual. Ou seja, embora exista alguma reflexão do recorrente sobre os factos, continua a existir desculpabilização, tendo em conta a natureza do crime praticado e as circunstâncias em que o foi, o que logo determina o perigo de continuação da actividade criminosa, enquanto que determinados mecanismos frenadores não se mostrem ainda consolidados. O recorrente coloca, para além do mais, o assento tónico no seu bom comportamento no estabelecimento prisional e no apoio familiar. No entanto, não basta para a concessão da liberdade condicional que o condenado tenha em reclusão bom comportamento e que aparente uma perspectiva de vida de acordo com as regras sociais, para se poder concluir pelo necessário juízo de prognose favorável. O que aqui releva é a "capacidade objectiva de readaptação", de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade, a qual necessita de comprovação em contexto adequado, sob pena de deixar de ser um juízo de prognose para passar a ser um exercício de adivinhação. Nunca é demais salientar que um adequado comportamento prisional não evidencia nada de muito excepcional, sendo aquele exigível a qualquer recluso, não se podendo esquecer que o meio prisional – enquanto organização da vida imposta ao recluso – não emula perfeitamente o meio social livre, em que, para além do auto-sustento, o indivíduo tem que auto-controlar todas as componentes da sua actividade e os impulsos que lhe subjazem, o que manifestamente não se mostra ainda demonstrado, face às especificidades do caso concreto. Concluímos assim, tal como o tribunal recorrido, que seria arriscada a formulação de um juízo de prognose favorável sobre a adequação social do seu comportamento futuro em liberdade. Sem a verdadeira interiorização da gravidade e do desvalor da sua conduta, este recluso não revela, por ora, capacidade de readaptação social. Por conseguinte, concluímos não estarem verificados os pressupostos da concessão da liberdade condicional, nomeadamente os previstos nas alíneas a) e b) do nº 2, do artigo 61º do Código Penal, pelo que, tem de manter-se a decisão de não concessão da liberdade condicional ao recluso/recorrente, que respeitou os critérios legais e não violou as normas legais invocadas pelo recorrente. Improcede, assim, o recurso. » III- DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em não conceder provimento ao recurso interposto por AA, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. Custas da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 3 UC´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último). » Lisboa, 22 de Abril de 2025 (O presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia) Os Juízes Desembargadores, João Grilo Amaral Ester Pacheco dos Santos Alexandre Veiga ____________________________________________ 1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt. 2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113. 3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995. 4. (A. Almeida Costa, “Passado, presente e futuro da liberdade condicional no direito português”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1989, págs. 449-50). 5. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, págs. 529-30, 553-4 6. (Intervenção Jurisdicional na Execução das Reações Criminais Privativas da Liberdade – Aspetos Práticos, Direito e Justiça, vol. especial, 2004, págs. 223 e 224, nota 32). 7. Jescheck – Tratado de Derecho Penal. Parte General, 3ª edição, Barcelona, Boch, pág. 770. 8. A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, pág. 137. |