Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1025/09.6TYLSB.L1-7
Relator: ALZIRO CARDOSO
Descritores: MARCAS
INSÍGNIA DO ESTABELECIMENTO
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2016
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Os sinais distintivos de que a Apelada é titular, destinam-se a assinalar uma clínica que presta o mesmo tipo de serviços dos que serão prestados pelo novo hospital a construir pelo Apelante– serviços de saúde -, sendo manifesta a identidade ou afinidade de tais serviços.
Assim, a utilização pelo Apelante da denominação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, como marca ou nome de estabelecimento, viola os direitos privativos da Apelada, tutelados pelo CPI (Código da Propriedade Industrial).

O Tribunal da Propriedade Intelectual é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de indemnização, com fundamento em responsabilidade extracontratual emergente de actuação da Administração Pública, pelo que se impõe, quanto ao pedido de indemnização, a absolvição do Apelante da instância.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
I – Relatório
CLÍNICA DE TODOS OS SANTOS, S.A. instaurou a presente acção declarativa com a forma de processo ordinário contra o MINISTÉRIO DA SAÚDE, pedindo a condenação do réu:
a) A cessar o uso da designação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, sob qualquer forma, nomeadamente em todos os documentos e/ou meios de divulgação em que a mesma já tenha sido utilizada, como seja, nos documentos relativos ao concurso público para construção desse hospital e no sítio da Internet do Ministério da Saúde;
b) A abster-se de pedir e usar a expressão “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” ou qualquer outra designação que contenha a expressão “TODOS-OS-SANTOS”, ou “TODOS OS SANTOS”, para identificar estabelecimentos de saúde; e
c) A pagar à autora uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo montante deverá ser liquidado em sede de execução de sentença.

Fundamentou o pedido na alegada infracção, pelo réu, do direito de exclusivo relativo à firma “CLÍNICA DE TODOS OS SANTOS, S.A.”, ao nome de estabelecimento n.º 33717 “CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS”, à insígnia de estabelecimento n.º 8426 , à marca nacional n.º 427210 “UNIDADE ONCOPLÁSTICA CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS” e à marca comunitária n.º 006611181, para além da prática, pelo demandado, de actos que podem ser qualificados de concorrência desleal.
Alegou, em síntese, que é titular dos sinais distintivos acima indicados, exercendo há mais de trinta anos a actividade de prestação de serviços médicos e hospitalares no seu estabelecimento designado “CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS”, instalado num edifício com vários andares situado em Lisboa.
Dispõe no seu estabelecimento de um vasto corpo clínico nas especialidades que enuncia na petição inicial, possuindo ainda serviços de internamento com quartos e enfermarias e bem assim de atendimento permanente vocacionado para a sinistralidade associada a acidentes de viação, de trabalho, domésticos, escolares ou desportivos, a que acresce ainda a “Unidade Oncoplástica da Mama”, criada em Outubro de 2007.
Sucede que o Estado, através do Ministério da Saúde, adoptou o projecto de edificação de um novo hospital, na zona oriental de Lisboa, designado por “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, o qual se encontra em fase de concretização.
O Estado terá escolhido o nome “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” para o novo hospital em Lisboa porque pretende igualmente, tal como a autora o fez há mais de trinta anos, recordar o nome do antigo Hospital Real de Todos-os-Santos, dada a sua dimensão e importância na época em que existiu.
Assim que teve conhecimento da séria probabilidade da utilização do nome “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, a autora encetou contactos sucessivos visando a resolução extrajudicial da situação, para o que enviou cartas ao então Ministro da Saúde, alertando para a confusão entre as designações e que a referida denominação poderia constituir violação de direitos de exclusivo da titularidade daquela, e apresentou exposições à Autoridade da Concorrência e à Entidade Reguladora da Saúde (ERS), tentativas essas que não obtiveram qualquer resultado.
A utilização da designação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” não constitui uma mera possibilidade ou eventualidade futura, decorrente de uma simples intenção anunciada, uma vez que a nível governamental não só foi anunciada oficialmente a utilização do referido nome para identificar o futuro hospital, como também já se iniciou esta utilização através dos actos públicos concretos indicados na petição inicial.
A expressão “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” confunde-se com os sinais distintivos titulados pela autora, sendo que já sucederam inúmeros casos de confusão entre o nome desta e a designação do futuro estabelecimento hospitalar que ainda não entrou em funcionamento nem foi construído, casos esses que a demandante enuncia na petição inicial.

O Ministério Público, em representação do ESTADO PORTUGUÊS, veio contestar, pugnando pela improcedência da acção, alegando, em síntese:
É impossível a efectiva concorrência entre a sociedade comercial de tipo anónima, ora autora, e um estabelecimento hospitalar integrado no Serviço Nacional de Saúde como será o futuro “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, sendo igualmente impossível qualquer hipótese de confundibilidade entre os sinais em questão nos autos;
Tal como resulta da Lei de Bases da Saúde, o futuro estabelecimento hospitalar “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” é o único habilitado a utilizar a designação de hospital, o que permite desde logo distingui-lo, sendo que quando entrar em funcionamento e se encontrar ao serviço da comunidade, ocupará uma posição relativamente ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) que será impossível de ocupar pela autora, uma vez que a prestação de cuidados de saúde no âmbito do SNS é financiada pela cobrança de taxas moderadoras que em momento algum se confundem com a facturação da prestação de cuidados médicos efectuada no âmbito da actividade e escopo de uma sociedade comercial como a demandante;
O réu tem o direito ao uso exclusivo e legítimo da designação globalmente considerada “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, o que dissipa qualquer hipótese de confusão entre a componente da denominação legalmente reservada “HOSPITAL” e a de “CLÍNICA”, que é genericamente admitida no mercado para as entidades prestadoras de serviços de saúde;
Nunca abandonou o uso da componente do nome “TODOS-OS-SANTOS” no exercício e meio hospitalares, designadamente ao ter consagrado a mesma ao serviço do Hospital de S. José, herdeiro directo do Hospital Real de Todos os Santos e actualmente integrado no Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE que usa a insígnia caracterizada por um “S” maiúsculo circundado por um “O” também maiúsculo que, como é do conhecimento público, quer significar Omnium Santorum, ou seja, “TODOS-OS-SANTOS”.
Assim, a componente da designação “TODOS-OS-SANTOS”, através do referido símbolo Omnium Santorum é ainda hoje utilizada pelo Estado pelo que, tratando-se de expressão genérica e de uso corrente, a mesma é insusceptível de monopolização em sede de registo de marca;
Acresce que o sinal do réu “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, consagrado publicamente por comando régio (testamento do rei D. João II, feito em Alcáçovas, em 29 de Setembro de 1495), é um sinal com prioridade relativamente a qualquer dos registos invocados pela autora e que, por isso, prevalece sobre estes e fora do âmbito de aplicação do artigo 245.º do Código da Propriedade Industrial.

A Autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pelo réu, alegando que a concorrência resulta desde logo do ordenamento jurídico invocado pelo contestante, que prevê que o sistema de saúde é também constituído pelas entidades privadas que acordem com o Estado a prestação de actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, sendo que os serviços da autora são os mesmos que o futuro hospital irá desenvolver e prestar ao mesmo universo de destinatários. Alegou ainda que o público de utentes, em geral, entende “Clínica” e “Hospital” como sinónimos, ou seja, como locais onde são prestados cuidados de saúde, sem os assimilar ao SNS ou ao sector privado, sendo, pois, ambos termos descritivos quando aplicados a tais locais. E impugnou o invocado uso continuado pelo Estado, até aos dias de hoje, do nome “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, sendo o próprio réu a admitir que o Hospital Real de Todos os Santos deixou de existir e que o seu herdeiro passou a designar-se Hospital de S. José, a que acresce que o público em geral não conhece o símbolo ou desenho Omnium Santorum nem o seu significado de “TODOS-OS-SANTOS”.
Conclui dizendo que os seus sinais distintivos de que é titular são válidos pois, ao contrário do que sustenta o Réu, a autora não utiliza em tais sinais qualquer símbolo ou emblema do Estado ou de entidade pública, nem um sinal com elevado valor simbólico.

Findos os articulados, dispensou-se audiência prévia e foi proferido despacho saneador, seguido da identificação do objecto do litígio e indicação dos temas da prova, de acordo com o preceituado no Novo Código de Processo Civil (NCPC).

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o Réu:
a) A cessar o uso da designação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, sob qualquer forma, nomeadamente em todos os documentos e/ou meios de divulgação em que a mesma já tenha sido utilizada, como seja, nos documentos relativos ao concurso público para construção desse hospital e no sítio da Internet do Ministério da Saúde;
b) A abster-se de pedir e usar a expressão “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” ou qualquer outra designação que contenha a expressão “TODOS-OS-SANTOS”, ou “TODOS OS SANTOS”, para identificar estabelecimentos de saúde; e
c) A pagar à autora uma indemnização em quantia que vier a ser liquidada, no termos do disposto no artigo 609.º, n.º 2 do NCPC, pelos danos patrimoniais sofridos em resultado dos comportamentos do réu descritos nos factos provados na presente sentença.
E absolveu o réu do pedido de condenação no pagamento à autora da pedida indemnização por danos não patrimoniais.

Inconformado o Réu interpôs o presente recurso de apelação, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões:
1. A Recorrida é titular das marcas nacionais “CLINICA DE TODOS-OS SANTOS” e “UNIDADE ONCOPLÁSTICA CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS” e da marca comunitária “CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS”, as quais assinalam os serviços da classe 44 da Classificação Internacional de Nice;
2. O Recorrente Estado Português – Ministério da Saúde, projectou a edificação de um novo hospital, na zona oriental de Lisboa, designado por “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS, denominação que tem sido utilizada pelo Ministério da Saúde nos documentos oficiais relativos ao lançamento do concurso público destinado à edificação do novo hospital de Lisboa e em diferentes despachos ministeriais;
3. A apelada intentou acção declarativa de condenação, com processo comum sob a forma ordinária, supra identificada, na qual requereu que o Réu - Estado Português - fosse condenado:
• A cessar o uso da designação “Hospital de Todos-os-Santos, sob qualquer forma, nomeadamente em todos os documentos ou meios de divulgação em que a mesma já tenha sido utilizada;
Abster-se de pedir e usar a expressão “Hospital de Todos-os-Santos” ou qualquer outra designação que contenha a expressão “Todos os Santos”, para identificar estabelecimentos de saúde;
• Pagar à Autora uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais;
4. A Apelada fundamentou os supra referidos pedidos no facto de a denominação “Hospital de Todos-Os-Santos” usada pelo Ministério da Saúde em documentos oficiais e no sítio da Internet do referido Ministério, para designar o futuro hospital que irá ser construído na zona oriental de Lisboa, reproduzir e imitar os direitos de propriedade industrial registados em nome da Autora (nome e insígnia), diminuindo gravemente a capacidade distintiva e de atracção de clientela dos sinais individualizadores do seu estabelecimento e dos serviços que a mesma presta;
5. Na douta sentença recorrida a Mmª Juiz “a quo” condenou o Estado Português nos termos peticionados pela Autora, à excepção da condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, por ter entendido que o sinal “TODOS-OS-SANTOS” utilizado pelo Recorrente para designar o futuro hospital que irá ser instalado na zona oriental de Lisboa, constitui violação do direito exclusivo decorrente do registo dos sinais distintivos da Autora, tendo-se considerado existir o risco de confusão a que se referem os artigos 9º do RMC, 258º e 304º-N do CPI de 2008;
6. Conforme resulta da matéria fáctica provada, o denominado Hospital de Todos-Os-Santos ainda não foi construído, sendo que a expressão “Todos-Os-Santos” tem sido utilizada apenas, em despachos ministeriais, no “site” da Internet do Ministério da Saúde e noutros documentos oficiais emanados do referido Ministério;
7. Daqui resulta que o Estado nunca usou a denominação “Todos-Os-Santos” como marca de um produto/serviço autónomo e simbolicamente representativo, não se podendo afirmar que o Recorrente-Estado Português, haja utilizado a marca registada a favor da Autora para, enquanto marca, concorrer no mercado com esta, até porque os serviços prestados pelo Estado não visam o lucro, nem o Estado está presente, com a Recorrida, no comércio de serviços;
8. O artigo 1º do CPI dispõe que “a propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza”. Um desses direitos privativos é a marca;
9. Porque o Estado não concorre com a Apelada no mercado de serviços de saúde, a denominação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” usada em documentos oficiais do Ministério da Saúde, não integra o conceito legal de marca;
10. Mas ainda que por hipótese se considerasse que a denominação do hospital integra o conceito de marca, os serviços prestados pela Autora e os serviços que vierem a ser prestados pelo Recorrente através do referido hospital, são substancialmente diferentes, muito embora ambos estejam inseridos na classe 44 da Classificação Internacional de Nice;
11. Na verdade, o novo hospital estará vocacionado para prestar serviços de saúde em todas as valências médicas. Oferecendo um vasto conjunto de serviços, quer em internamento quer em ambulatório (urgência básica, urgência médico-cirúrgica, consulta externa, hospital de dia e cirurgia de ambulatório), tendencialmente gratuito, enquanto a Apelada presta serviços de saúde numa área muito restrita e com fins lucrativos, não se podendo por isso afirmar que o utente possa confundir ou sequer associar os serviços prestados por esta aos serviços prestados por um hospital;
12. Por outro lado, apesar de a denominação “Hospital de Todos-Os- Santos” ter algumas palavras em comum com a marca registada da Apelada, consideramos que as mesmas são diferentes entre si e que o consumidor/utilizador, não as confundirá nem as associará, pois no seu conjunto, são muito diferentes;
13. O critério do consumidor médio, é o relevante, para em face dos elementos gráficos, fonéticos ou figurativos de uma marca, poder ou não, ter a percepção de que pode confundir essa com aquela outra ou associá-la a uma já existente, não sendo de exigir que, se tivesse a possibilidade de as confrontar, logo as suas dúvidas pudessem ser dissipadas;
14. A marca da Autora “CLÍNICA DE TODOS OS SANTOS, S.A.” e a denominação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” têm em comum, no que se refere ao elemento nominativo, a expressão – “TODOS OS SANTOS” – sendo que é o elemento “HOSPITAL” na denominação utilizada pelo Recorrente e os elementos CLÍNICA e S.A. nas marcas da Autora que ontologicamente as tornam diferentes;
15. Da análise global das marcas tituladas pela Autora e da denominação do futuro hospital, resulta que são gráfica e foneticamente distintas e a reprodução na íntegra da expressão “TODOS-OS-SANTOS”, sinal constante em todas as marcas da Autora, não é por si só suficiente para se concluir pela semelhança, porquanto o referido termo no caso do Recorrente se encontra relacionado com o termo “HOSPITAL” que é suficiente para conferir distintividade à respectiva designação;
16. Qualquer utente dos serviços médicos sabe distinguir o tipo de serviços que são prestados num hospital que possui todas as valências médicas e os serviços prestados por uma clínica que normalmente possui um número restrito de valências médicas, senão mesma uma única especialidade médica. Para além de que o custo dos serviços prestados no hospital é muito inferior aos de uma unidade de saúde privada, cujo escopo visa o lucro;
17. A expressão “Clínica” e a abreviatura de sociedade anónima “S.A.” que compõem os elementos nominativos das marcas da Autora têm preponderância muito significativa e relevante para afastar o erro, confusão ou associação dos utentes medianamente atentos, entre a marca “CLINICA DE TODOS OS SANTOS, S.A.” da A. e a denominação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” do Recorrente;
18. A decomposição das expressões que compõem a marca por forma a isolar apenas o elemento nominativo comum com outra marca, para daí concluir pela imitação/confusão, vai contra os princípios de análise, pois tais expressões valem pelo seu todo e não pelas suas partes integrantes e sem autonomia;
19. Da comparação de ambos os sinais, na sua globalidade ressaltam diferenças evidentes cuja verificação dispensa um exame atento ou o confronto directo por parte do utente dos serviços, pelo que fica afastada a possibilidade de confusão entre ambos;
20. O Ministério da Saúde faz parte da Administração Central do Estado e todos os actos praticados pelo Ministro da Saúde, constituem actos administrativos, no exercício de uma actividade notoriamente pública;
21. Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto as questões em que, nos termos da lei haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público (artigo 4º, nº1, al. g) do ETAF);
22. Em consequência o Tribunal da Propriedade Intelectual é materialmente incompetente para o pedido indemnizatório formulado pela Autora contra o Recorrente, por carecer de competência para o efeito, em razão da matéria;
23. A acção proposta pela Autora contra o Estado enquadra-se no n.º 1, alínea b) do artigo 111º, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, a qual define a competência do Tribunal da Propriedade Intelectual. Contudo, a condenação em indemnização da responsabilidade de uma entidade pública no exercício de funções administrativas é da competência exclusiva dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pelo que o Estado deveria ter sido absolvido da instância quanto a este pedido;
24. Na decisão recorrida ao ter-se entendido que o sinal “TODOS-OS-SANTOS” utilizado pelo Réu para designar o futuro hospital que irá ser instalado na zona oriental de Lisboa, constitui violação do direito exclusivo decorrente do registo dos sinais distintivos da Autora, por se considerar existir o risco de confusão a que se referem os artigos 9º do RMC, 258º e 304º -N do CPI de 2008, violaram-se as normas constantes dos artigos 1º, 258º e 245.º, n.º1 todos do CPI, o artigo 4º, n.º 1, alínea g) do ETAF e os artigos 96º, alínea a); 99.º,n.º1, 576º, n.º2; 577º, alínea a) e 578º do CPC;
25. Devendo, assim, ser revogada, pois que a mesma ofendeu os preceitos legais invocados supra.

Respondeu a Autora, defendendo a improcedência do recurso, sintetizando a sua posição nos seguintes termos:
A)- Ficou demonstrado nos autos que a aqui Apelada é titular de denominação social, registos de nome e de insígnia (agora logótipo) e de marcas, todos caracterizados pela expressão “Clínica de Todos-os-Santos”;
B)- Ficou, também, demonstrado que o Ministério da Saúde, aqui Apelante, escolheu como designação para um hospital a construir na área oriental de Lisboa, “Hospital de Todos-Os-Santos”, denominação que já publicitou em diversos documentos e actos oficiais;
C)- Resulta claro e evidente que esta designação é confundível com os sinais distintivos da Apelada, já que a expressão que os caracteriza (Todos-os-Santos) é exactamente a mesma, sendo genéricos os elementos Clínica e Hospital;
D) De acordo com o disposto no artigo 224.º do CPI, aos titulares do registo de uma marca são conferidos diversos direitos, designadamente a sua propriedade e uso exclusivo, tendo o titular da marca, nos termos previstos no artigo 258º do mesmo Código, o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor.
E) Os critérios para averiguar se existe, no caso em apreço, imitação vêm definidos no artigo 245º, nº 1 do CPI, devidamente adaptados à natureza dos sinais (no caso do nome e insígnia) e directamente aplicáveis no caso das marcas;
F) Sucede que tais critérios se verificam no caso dos autos, sendo que quanto à alegada diferenciação de actividades prosseguidas pela Apelada e pelo Apelante, o argumento não colhe dado que as respectivas actividades são idênticas, resultando demonstrado que a única diferença, é que a primeira se integra no sector privado - é uma unidade de saúde que, sob a forma de sociedade comercial prossegue o escopo lucrativo - e o segundo é uma entidade pública, sem fins lucrativos, inserida no Serviço Nacional de Saúde;
G) Assim, contrariamente àquilo que vem alegado pelo Apelante, não é a distinção entre o sector público e privado que afasta a identidade das actividades em confronto, até porque tal distinção é, nos tempos de hoje e na área em questão (cuidados de saúde), cada vez menos evidente e notória;
H) As palavras CLINICA/HOSPITAL não são suficientes para o consumidor distinguir as expressões “CLINICA TODOS-OS-SANTOS” e “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, por ter “TODOS-OS-SANTOS” o elemento que o público recorda ou retém e, portanto, as designações são globalmente semelhantes, gráfica e foneticamente;
I) Resulta, pois, inquestionável que o público de utentes, em geral, entende clínica e hospital como sinónimos – locais onde são prestados cuidados de saúde, sem os assimilar ao SNS ou ao sector privado, sendo, também, evidente que clínica e hospital são ambos termos descritivos quando aplicados a locais onde se prestam cuidados de saúde;
J) Carece de total fundamento o argumento defendido pelo Apelante, segundo o qual a denominação “Hospital de Todos-os-Santos” usada em documentos oficiais e no “site” da Internet do Ministério da Saúde, não estando o hospital ainda em funcionamento e não sendo as actividades concorrentes (segundo o Apelante), não integra o conceito de marca;
K) Salvo melhor opinião, não se vê motivo para a Autora, ora Apelada, ser agora absolvida da instância quanto ao pedido de indemnização formulado nos termos do disposto no CPI e decidido no âmbito da competência do Tribunal da Propriedade Intelectual;
L) A douta sentença recorrida, não merece, pois, censura.

II- Delimitação do objecto do recurso
Atendendo às conclusões do apelante que delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:
- Se a utilização da denominação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” viola os direitos privativos, resultantes do registo das marcas, nome e insígnia do estabelecimento (Clínica de Todos-os-Santos) e a firma da apelada Clínica de Todos os Santos, SA;
- Se o Tribunal da Propriedade Intelectual é incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido de indemnização deduzido contra o Ministério da Saúde.

III- Fundamentação
1.1. De facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. A autora, CLÍNICA DE TODOS OS SANTOS, S.A., exerce a sua actividade comercial no seu estabelecimento designado “CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS”, desde 1 de Novembro de 1973, data em que esta clínica privada de saúde foi inaugurada pelo seu fundador, o médico-cirurgião Professor Doutor António Baptista Fernandes.
2. Tendo sido constituída sob a forma de sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada com a firma “CLÍNICA DE TODOS OS SANTOS, LDA.”, por escritura pública celebrada em 11-11-1977, publicada no Diário da República III Série, n.º 287, de 14 de Dezembro de 1977 (páginas 11650 e 11651).
3. E tem como objecto social o recebimento de doentes para consulta, observação, tratamento, intervenção cirúrgica e hospitalização.
4. Há mais de três décadas que a autora presta serviços médicos e hospitalares no referido estabelecimento – um edifício com vários andares – situado em Lisboa.
5. A autora dispõe, no seu estabelecimento, de um corpo clínico especializado nas áreas da cirurgia plástica e reconstrutiva, cirurgia da mão, da face e dos maxilares, cirurgia estética para tratamento de fracturas, queimaduras e malformações congénitas ou adquiridas, e também tem, no mesmo estabelecimento, médicos especializados nas áreas da cirurgia vascular, neurocirurgia, ortopedia, oftalmologia e ginecologia, entre outras.
6. Possui, nesse seu estabelecimento, de serviços de internamento com quartos e enfermarias e também tem serviços de atendimento permanente vocacionado para o atendimento da sinistralidade, associada a acidentes de viação, de trabalho, domésticos, escolares ou desportivos, possuindo diversos meios auxiliares de diagnóstico, serviço de raio X e ecografia, assim como de um bloco operatório com salas de grande cirurgia.
7. A autora criou também, no seu estabelecimento acima referido, a “Unidade Oncoplática da Mama”.
8. Para além da sua firma, a autora é titular dos seguintes sinais distintivos:
a) nome de estabelecimento n.º 33717 “CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS”, com registo pedido em 07-05-1990 e concedido em 12-03-1993.
b) insígnia de estabelecimento n.º 8426 , Com registo pedido em 07-05-1990 e concedido em 02-10-1992.
c) marca nacional n.º 427210 “UNIDADE ONCOPLÁSTICA CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS”, com registo pedido em 25-01-2008 e concedido em 07-10-2008, para assinalar “serviços médicos; cuidados de higiene e de beleza para seres humanos; serviços de informações e assessoria relativas a saúde”, na classe 44 da Classificação Internacional de Nice.
d) marca comunitária n.º 006611181 , com registo pedido em 25-01-2008 e concedido em 30-01-2009, para assinalar “Serviços médicos; cuidados de higiene e de beleza para seres humanos; serviços de informações e assessoria relativas a saúde”, na classe 44 da Classificação Internacional de Nice.
9. A autora tomou conhecimento do projecto governamental de edificação de um novo hospital, na zona oriental de Lisboa, designado por “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”.
10. Quando começaram a surgir notícias sobre o nome do novo hospital a construir em Lisboa, a autora enviou uma carta dirigida ao então Ministro da Saúde, em 18-07-2005, chamando a atenção para a possibilidade de confusão entre os nomes das duas unidades hospitalares.
11. Em resposta a essa carta, a autora recebeu ofício do Chefe de Gabinete da então Secretária de Estado Adjunta e da Saúde em que se limita a agradecer as sugestões apresentadas para a designação de um futuro hospital na cidade de Lisboa.
12. Em 09-03-2006, foi enviada uma nova carta dirigida ao então Ministro da Saúde, por agente oficial da propriedade industrial, Mandatário da autora, advertindo para o risco de confusão entre as designações e que a denominação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” poderia constituir violação de direitos de exclusivo da titularidade da autora, carta esta que foi recepcionada em 10-03-2006.
13. A autora apresentou também uma exposição junto da Autoridade da Concorrência, tendo o seu Presidente respondido àquela, por carta de 20-06-2006, comunicando que as questões levantadas, por serem relativas a direitos de propriedade industrial e a concorrência desleal, não são da competência dessa Autoridade.
14. No mesmo sentido, a autora contactou a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) que, em resposta, por carta datada de 01-11-2006, informou que a matéria em causa não cabe no âmbito das suas atribuições.
15. Em 06-02-2008, foi enviada uma carta dirigida à actual Ministra da Saúde, através de Mandatário forense, que foi recepcionada por aquela.
16. Aquando da intervenção do anterior Ministro da Saúde na cerimónia pública de lançamento do “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, em Lisboa, foi anunciada a composição da respectiva Comissão de Acompanhamento.
17. Na Resolução do Conselho de Ministros n.º 65/2008, publicada no Diário da República n.º 72, Série I, de 11-04-2008, que autoriza a aquisição de um prédio rústico, propriedade do Município de Lisboa, para construção do “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, bem como a realização da respectiva despesa, pode-se ler o seguinte:
“Considerando que o lançamento do Hospital de Todos-os-Santos é reconhecido, há já várias décadas, como uma necessidade pelo Ministério da Saúde, constituindo a sua construção uma alavanca para todo o processo de reordenamento hospitalar na cidade e na região de Lisboa; (…)
Ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei 197/99, de 8 de Junho, e no n.º 4 do artigo 32.º do Decreto-Lei 280/2007, de 7 de Agosto, e nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1- Autorizar a aquisição onerosa para o Estado do direito de propriedade sobre 13 parcelas de terreno com a área total de 100 561 m2, pertencentes ao município de Lisboa, cuja regularização registral está a ser promovida pelo município, destinadas à construção do futuro Hospital de Todos-os-Santos, as quais se encontram identificadas na planta em anexo, que faz parte integrante da presente resolução (anexo n.º 1); (…)”.
18. E, de seguida, foi feito anúncio público do concurso para adjudicação do Contrato de gestão do edifício hospitalar do Hospital de Todos-os-Santos, o qual foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 79, de 22-04-2008.
19. Foi anunciado que o futuro “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” se irá localizar em Chelas, freguesia de Marvila, no município de Lisboa, e irá substituir os hospitais que integram o Centro Hospitalar de Lisboa Central (Hospitais de São José, de Santa Marta, dos Capuchos, do Desterro e da Estefânia), destinando-se a servir uma população de 951 mil habitantes.
20. Foram publicadas notícias na comunicação social em que surgia o referido nome, como sejam:
a) a notícia da Agência Financeira, de 14-02-2008, que relata a cerimónia oficial de lançamento do concurso público da parceria público-privada para o novo hospital, na qual se pode ler: “Foi esta segunda-feira lançado o concurso para o novo hospital de Lisboa, o Hospital de Todos os Santos (…);
b) a notícia do jornal Global, de 15-04-2008, que se refere à mesma cerimónia oficial;
c) a notícia/referência no sítio na Internet da Wikipédia intitulada “Hospital de Todos os Santos”;
d) a notícia no sítio na Internet do Hospital do Futuro, de 04-06-2008, que refere um sistema informático inovador a ser usado no futuro “Hospital Todos Os Santos”; e
e) a notícia no jornal Sol, de 03-01-2009, com o título “O novo Hospital de Todos-os-Santos A promessa finalmente cumprida”, que refere “só agora o novo Hospital de Todos-os-Santos começa a sair do papel”.
21. A designação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” para identificar o futuro hospital foi também utilizada nos seguintes despachos ministeriais:
a) Despachos n.ºs 10926-A/2008 e 10926-B/2008, publicados no Diário da República n.º 73, 2.ª Série, de 14-04-2008, que aprovam o lançamento do procedimento prévio para a celebração de uma parceria público-privada relativa ao contrato de gestão do edifício hospitalar do Hospital de Todos-os-Santos; e
b) Despacho n.º 16365/2008, publicado no Diário da República n.º 114, 2.ª Série, de 16-06-2008, que nomeia a comissão de abertura das propostas no concurso público n.º 3/2008, relativo ao contrato de gestão do edifício do Hospital de Todos-os-Santos.
22. A autora deve o seu nome, por um lado, à intenção de recordar no nosso tempo e na cidade de Lisboa, o nome “Hospital Real de Todos os Santos”, cuja edificação se iniciou em 1492 e que ocupava a actual área da Praça D. João I (Praça da Figueira), o qual foi destruído em consequência do terramoto de 1755 e ainda, por outro lado, ao desejo de manter o espírito do pioneirismo do referido Hospital Real, uma vez que a própria autora se assume pioneira, em Portugal, na constituição de um centro de cirurgia plástica reconstrutiva e estética (unidade de queimados).
23. No livro intitulado “V Centenário do Hospital Real de Todos os Santos”, de Irisalva Moita, edição do Clube de Coleccionador dos Correios, Correios de Portugal, Junho de 1992, lê-se: “Há 500 anos, em pleno período dos Descobrimentos, Portugal desempenhava um papel de vanguarda também no campo da assistência hospitalar. A atestá-lo está a fundação, em 1492, por D. João II, do Hospital Real de Todos-os-Santos, uma unidade modelar para a época (…)”.
24. Refere ainda o mesmo livro, na página 46, o seguinte: “Depois do Terramoto de 1755 e do incêndio que se lhe seguiu, que danificou profundamente o Hospital, (…) depois de um período de hesitação entre o seu restauro ou a sua mudança para outro local, em 1775 optou-se pela transferência para o antigo Colégio de Santo Antão-o-Novo (…). Em homenagem ao soberano, D. José I, que promoveu a transferência e as necessárias obras de adaptação, o Hospital Real passou a denominar-se Hospital de São José”.
25. Aquando da palestra proferida na cerimónia do protocolo do novo Hospital de Todos os Santos, no dia 26-12-2007, foi anunciado “Pelo nome que foi escolhido, (o novo Hospital de Todos os Santos) fica simbolicamente ligado ao primitivo hospital do século XV”.
26. O Estado terá escolhido o nome “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” para o novo hospital em Lisboa porque pretende, tal como a autora o fez há mais de trinta anos, recordar o nome do antigo Hospital Real de Todos-os-Santos, dada a sua dimensão e importância na época em que existiu.
27. Foram emitidos cheques para pagamentos à autora, à ordem de “Hospital de Todos os Santos” e que tiveram boa cobrança junto de instituições bancárias.
28. Foi efectuada uma transferência bancária destinada à autora que refere, no respectivo documento, “HOSPITAL TODOS OS SANTOS”.
29. A autora recebeu uma carta que reporta uma situação de confusão entre as designações “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” e “CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS”.
30. A autora recebeu correspondência dirigida ao “HOSPITAL TODOS OS SANTOS”.
31. A autora recebeu correspondência do remetente Centro Hospitalar de Lisboa dirigida ao “HOSPITAL CLÍNICO TODOS-OS-SANTOS”.
32. A autora recebeu um fax, dirigido ao “Hospital de Todos-os-Santos”, sobre um pedido de informações relativas a um sinistrado.
33. A autora recebeu um ofício dos Serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho de Lisboa, datado de 19-02-2009, que indica como destinatário “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”.
34. Foi emitido um cheque destinado à autora, datado de 03-03-2009, mas à ordem de “HOSP. TODOS OS SANTOS”.
35. Foi enviado à autora um email, datado de 27-04-2009, mas endereçado ao Director de Recursos Humanos do “HOSPITAL DE TODOS OS SANTOS”, relativo a uma candidatura a um lugar de psicologia clínica.
36. Foi enviada uma revista pela Multicare, tendo como destinatária a autora e que é endereçada “AO HOSPITAL CLÍNICA DE TODOS OS SANTOS SA”.
37. A autora tem divulgado, através de publicidade, o seu estabelecimento “CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS”.
38. O “Azulejo do Hospital de Todos-os-Santos, do começo do século XVIII”, relativo ao Hospital referido em 22, 23 e 24, representando um “O” em volta do “S” e com o significado “Omnia Sanctorum” que se encontra Biblioteca do Hospital de S. José, em Lisboa e apresenta a seguinte configuração:

39. O Centro Hospital de Lisboa Central, EPE, utiliza os símbolos a seguir reproduzidos, que representam as iniciais “O” e “S” que figuram no azulejo reproduzido em 38:


1.2. E considerou não provados os seguintes factos:
Do que foi alegado nos articulados que não seja conclusivo e/ou contenha matéria de direito e revista efectivo interesse para a decisão da causa, não se provou:
i.- O risco de confusão dos consumidores (doentes, médicos, enfermeiros, fornecedores e público em geral), derivado da idêntica designação dos dois estabelecimentos de saúde, tem causado desvio de clientela à autora e este tem implicado redução do volume da prestação de serviços, redução das vendas por parte da mesma e ainda, consequentemente, redução da sua boa reputação em termos de número de doentes atendidos e tratados (artigos 52.º e 54.º da petição inicial).
ii.- O novo hospital foi entretanto construído e entrou em pleno funcionamento (artigo 111.º da petição inicial).
iii.- O réu nunca abandonou o uso da componente do nome “TODOS-OS-SANTOS” no exercício e meio hospitalar, designadamente ao haver consagrado a mesma ao serviço do Hospital de S. José (artigo 22.º da contestação).
iv.- É do conhecimento geral público, reiterado e reforçado, que o símbolo
quer significar “Omnium Sanctorum”, ou seja “TODOS-OS-SANTOS” (artigos 23.º, 24.º e 25.º da contestação).
v.- A denominação “Todos-os-Santos” tem sido usada pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE (artigo 27.º da contestação).
vi.- Sendo uma componente da denominação que é do conhecimento público (artigo 28.º da contestação).
vii.- Foi e é do conhecimento geral e público que existiu um “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, em Lisboa, por instituição régia de D. João II e que o mesmo foi parcialmente destruído no terramoto de Lisboa de 1755 (artigo 29.º da contestação).
viii.- O sinal “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” encontra-se consagrado no próprio testamento do Rei D. João II, feito em Alcáçovas, a 29 de Setembro de 1495 (artigo 56.º da contestação).
ix.- Antiguidade na denominação (e legado histórico) em si mesmo e também do conhecimento público e plenamente reconhecida pela generalidade das pessoas (artigo 60.º da contestação).
x.- Tal como sucede à insígnia formada por um “O” com um “S” ao centro que perpetua o uso e legado da componente do sinal distintivo “TODOS-OS-SANTOS”, até aos dias de hoje (artigo 61.º da contestação).

2. De direito
A sentença recorrida fundamentou a decisão de direito, nos seguintes termos:
“Segundo dispõe o artigo 1.º do Código da Propriedade Industrial actualmente em vigor (CPI) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 05-03 e alterado pelos seguintes diplomas: Decreto-Lei n.º 318/2007, de 26 de Setembro, Decreto-Lei n.º 360/2007, de 02 de Novembro, Lei n.º 16/2008, de 01de Abril, Decreto-Lei n.º 143/2008, de 25 de Julho, Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, e Lei n.º 46/2011, de 24 de Junho, sendo de destacar a Lei n.º 16/2008 e o Decreto-Lei n.º 143/2008, que levaram a efeito uma reforma relevante deste Código.
, a propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza.
Um desses direitos privativos é a marca, que se destina a individualizar produtos ou serviços de uma empresa e a distingui-los dos produtos ou serviços de outras empresas.
Daí que se afirme que a sua principal função é a distintiva, ainda que possa também desempenhar uma função de garantia da qualidade dos produtos e serviços (função derivada) e uma função de publicidade (função complementar) Cf. Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2013, págs.161-169..
A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas (artigos 222.º do CPI e 4.º do Regulamento (CE) n.º 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009).
Atentos os elementos que compõem a marca, esta pode ser nominativa ou verbal (constituída por sinais nominativos, nomes, dizeres), figurativa ou emblemática (figuras ou desenhos) e mista (compreendendo simultaneamente elementos nominativos ou verbais e elementos figurativos ou emblemáticos).
Pelo registo o titular adquire o direito de propriedade e o exclusivo da marca para os produtos e serviços a que se destina (artigo 224.º, n.º 1 do CPI), conferindo-lhe o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício das actividades económicas, qualquer sinal igual ou semelhante em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou de associação, no espírito do consumidor (artigo 258.º do CPI).
Por seu turno, a marca comunitária, sujeita ao regime jurídico constante do Regulamento (CE) n.º 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009 (RMC), consiste num sinal de carácter unitário que enquanto tal produz os mesmos efeitos em toda a Comunidade (cf. artigo 1.º do RMC).
A marca comunitária confere ao seu titular o direito exclusivo consagrado no artigo 9.º do RMC, o qual fica por essa via habilitado a proibir um terceiro de utilizar, sem o seu consentimento, na vida comercial:
- um sinal idêntico à marca em causa, para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta foi registada [artigo 9.º, n.º 1, alínea a)]; ou
- um sinal que, pela sua identidade ou semelhança com a marca comunitária e pela identidade ou semelhança dos produtos ou serviços abrangidos pela marca comunitária e pelo sinal, provoca o risco de confusão no espírito do público, sendo que o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca [artigo 9.º, n.º 1, alínea b)].
Segundo o n.º 2 do mesmo preceito, a proibição pode abranger os seguintes comportamentos:
a) Apor o sinal nos produtos ou na respectiva embalagem;
b) Oferecer os produtos, colocá-los no comércio ou possuí-los para esses fins, ou oferecer ou prestar serviços sob esse sinal;
c) Importar ou exportar produtos sob esse sinal;
d) Utilizar o sinal em documentos comerciais e na publicidade. Por seu turno, o nome de estabelecimento consiste no sinal distintivo que serve para designar, individualizar o próprio estabelecimento Cf. A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Coimbra, 1973, vol. I, págs.296-297. , com características nominativas e que, a par da insígnia de estabelecimento, o direito português pôs à disposição dos interessados durante longas décadas. Cf. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. I, 8.ª ed., Almedina, 2001, pág.353.
A insígnia tem também por finalidade designar e individualizar o estabelecimento, só que é um sinal figurativo ou emblemático. Cf. A. Ferrer Correia, op. cit, págs.296-297.
Neste contexto, o artigo 142.º do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto n.º 30.679, de 24-08-1940 O CPI 1940, com as alterações introduzidas por legislação posterior, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 27/84, de 18 de Janeiro, e o Decreto-Lei n.º 40/87, de 27 de Janeiro, era o diploma que vigorava à data do registo do nome e da insígnia de estabelecimento da autora.
(doravante CPI 1940), determina que podem constituir nome de estabelecimento o pseudónimo ou alcunha do dono, os nomes históricos, excepto se do seu emprego resultar menoscabo ou ofensa da consideração que geralmente lhes é atribuída, as denominações de fantasia ou específicas, o nome da propriedade ou local do estabelecimento, quando este seja acompanhado de um elemento distintivo.
Segundo o artigo 143.º do CPI 1940, considera-se insígnia de estabelecimento qualquer sinal externo composto de figuras ou desenhos, simples ou combinados com os nomes ou denominações referidos no artigo 142.º, ou com outras palavras ou divisas, contanto que no conjunto sobreleve a forma ou configuração específica, como elemento distintivo e característico.
Com o Decreto-Lei n.º 143/2008, de 25 de Julho, que introduziu alterações no CPI 2003, a insígnia e o nome de estabelecimento deixaram de existir enquanto sinais autónomos, passando a integrar a figura do logótipo.
Como se assinala, pois, no preâmbulo do referido Decreto-Lei, o diploma efectuou a “fusão de três modalidades de direitos da propriedade industrial (nomes, insígnias de estabelecimento e logótipos) numa só (logótipos). Esta agregação permite distinguir com mais clareza as diversas modalidades de protecção da propriedade industrial, evitando o recurso a diversos registos e a diversos pagamentos para um mesmo fim”.
Por outro lado, o artigo 12.º do citado Decreto-Lei veio estabelecer que às insígnias de estabelecimento existentes à data da entrada em vigor do diploma se aplicam, com as necessárias adaptações, as disposições relativas aos registos de logótipos.
Assim, nos termos do disposto no artigo 304.º-A do CPI 2008, o logótipo é um sinal distintivo de entidade que preste serviços ou comercialize produtos, podendo ser usado, nomeadamente, em estabelecimentos, anúncios, impressos ou correspondência, susceptível de representação gráfica (por elementos nominativos, figurativos ou por uma combinação de ambos).
O registo do logótipo confere ao seu titular o direito de impedir terceiros de usar, sem o seu consentimento, qualquer sinal idêntico ou confundível que constitua reprodução ou imitação do seu – artigo 304.º-N do CPI 2008.
Já o CPI 2003 estabelecia, no artigo 295.º, que o registo do nome ou da insígnia confere ao seu titular o direito de impedir terceiros de usar, sem o seu consentimento, qualquer sinal idêntico ou confundível nos seus estabelecimentos, conferindo ainda o direito de impedir o uso de qualquer sinal que contenha o nome ou a insígnia registados.
Ademais, a firma constitui um sinal distintivo do comerciante que se traduz no “nome por ele adoptado no exercício da sua empresa”, identificando-o na sua individualidade económica. Cf. A. Ferrer Correia, op. cit., pág.258.
O registo da firma de uma sociedade comercial confere à titular o direito ao seu uso exclusivo em todo o território nacional, assistindo-lhe também o direito de exigir a proibição do uso ilegal da sua firma – artigos 3.º, 35.º, n.º 1, e 37.º, n.º 2 e 62.º do Regime do RNPC. Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio, alterado pelos Decretos-Leis n.os 12/2001, de 25 de Janeiro, 323/2001, de 17 de Dezembro, 2/2005, de 4 de Janeiro, 111/2005, de 8 de Julho, 76-A/2006, de 29 de Março, 125/2006, de 29 de Junho, 8/2007, de 17 de Janeiro, 247-B/2008, de 30 de Dezembro, 122/2009, de 21 de Maio, Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho, e Decreto-Lei n.º 250/2012, de 23 de Novembro.
Conforme resulta do preceituado no artigo 10.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a firma pode ser constituída por uma denominação particular ou pelo nome, completo ou abreviado, ou firma dos sócios.
No que respeita às sociedades anónimas, a firma deve ser formada, com ou sem sigla, pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios (a chamada firma-nome), por uma denominação particular (firma-denominação), ou pela reunião de ambos esses elementos (firma mista), mas em qualquer caso concluirá pela expressão «sociedade anónima» ou pela abreviatura «S.A.». – artigo 275.º, n.º 1 do CSC.
As denominações particulares podem respeitar a designações que identifiquem o objecto ou a actividade da sociedade (firmas materiais ou objectivas, segundo Menezes Cordeiro Cf. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, I vol., Almedina, 2003, págs.280-281.
), ou a expressões de fantasia, sem representação imediata de pessoas, actividade ou objecto (firmas de fantasia).
No caso sub judice, a autora invoca a protecção de duas marcas, a saber, a marca nacional n.º 427210 e a marca comunitária n.º 0066111181, do nome e insígnia do seu estabelecimento e bem assim da sua firma.
No que respeita às referidas marcas, nome e insígnia (agora logótipo), a primeira questão que se coloca é a de saber se a utilização, pelo réu, do sinal “TODOS-OS-SANTOS” na designação do futuro hospital a instalar na zona oriental de Lisboa constitui violação do direito exclusivo resultante do registo, a favor da autora, de tais sinais (artigos 258.º e 304.º-A do CPI 2008 e 9.º do RMC).
Trata-se, pois, de aferir:
a) se o sinal é igual ou semelhante aos sinais anteriores registados;
b) se os serviços, actividades e estabelecimento assinalados pelo primeiro são idênticos, semelhantes ou afins dos serviços, actividades e estabelecimento para os quais os referidos sinais anteriores foram registados; e
c) Se a semelhança entre os sinais e a afinidade dos serviços, actividades e estabelecimento pode causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor (artigo 258.º do CPI) ou, segundo o texto comunitário, provoque o risco de confusão no espírito do público, sendo que o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca comunitária (artigo 9.º, n.º 1, alínea b), do RMC).
O juízo avaliativo destes elementos pressupõe um processo de comparação dos sinais que deve ser feito “por intuição sintética e não por dissecação analítica”, apreciando-se a imitação “pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem [os sinais em questão], e não pelas diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerandos isolados e separadamente”. Cf. Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Sinais Distintivos do Comércio, Concorrência Desleal, 2.ª ed., Almedina, 2005, pág.102.
Como resulta da jurisprudência firmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante TJUE), a existência do risco de confusão no espírito do público deve ser apreciada globalmente, tomando em consideração todos os factores que revistam pertinência no caso concreto, sendo que “no que respeita à semelhança visual, auditiva ou conceptual dos sinais em causa, a apreciação global deve basear-se na impressão de conjunto produzida pelos mesmos, atendendo, nomeadamente, aos seus elementos distintivos e dominantes”. Cf. Acórdão do proferido em 11-11-1997, no processo C-251/95 (SABEL BV contra Puma AG, Rudolf Dassler Sport), n.º 23.
Vejamos, pois.
No caso vertente, a prioridade dos sinais da autora não suscita qualquer questão, uma vez que o sinal do réu não se mostra registado.
Acresce que, pese embora o réu tenha invocado que nunca abandonou o uso da designação “TODOS OS SANTOS” no meio hospitalar, através do símbolo, certo é que não logrou provar que seja do conhecimento público que este símbolo quer significar “Omnium Sanctorum”, ou seja, “TODOS-OS-SANTOS”. Como também não logrou provar que a denominação “TODOS-OS-SANTOS” tem sido usada pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, e que tal é do conhecimento público.
Ademais, como se salienta no Acórdão da Relação de Lisboa proferido nos autos apensos de procedimento cautelar Acórdão de 05-11-2009, que se encontra disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
, “o facto de a designação “Hospital de Todos-os-Santos” ter sido primitivamente empregue no estabelecimento hospitalar criado por D. João II, estabelecimento esse que viria a ser destruído durante o terramoto de 1755, não é susceptível de criar prioridades no tocante a essa designação, desde logo porque se trata de mera referência histórica – ainda que muito relevante, mas não no domínio da designação – e depois porque tal hospital há séculos que deixou de existir”.
Assim, para que o réu se pudesse valer de qualquer prioridade registral teria, desde logo, que efectuar registo do sinal, tal como resulta do disposto no artigo 224.º. n.º 2 do CPI 2008, sendo certo que no caso vertente não se provou (nem foi invocado) qualquer registo a seu favor.
No que respeita aos produtos, serviços, actividades e empresa identificados pelos sinais registados da autora e serviços/entidade a que respeita o sinal utilizado pelo réu, entendemos que existe identidade entres uns e outros.
Com efeito, a autora dedica-se à prestação de serviços médicos e hospitalares no seu estabelecimento sito em Lisboa, sendo que as suas marcas (nacional n.º 427210 e comunitária n.º 006611181) se destinam a assinalar “serviços médicos; cuidados de higiene e de beleza para seres humanos; serviços de informações e assessoria relativas a saúde”.
Por seu turno, o futuro “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, a edificar na zona oriental de Lisboa, irá substituir os hospitais que integram o Centro Hospitalar de Lisboa Central (Hospitais de São José, de Santa Marta, dos Capuchos, do Desterro e da Estefânia).
Verifica-se, pois, que os serviços que a autora presta e a actividade que desenvolve no seu estabelecimento são idênticos aos que futuramente irão ser prosseguidos no novo hospital de Lisboa, apenas diferindo na natureza da entidade que os disponibiliza: a Clínica de Todos-os-Santos tem natureza privada, é uma sociedade comercial e visa o lucro, o Hospital de Todos-os-Santos uma entidade pública, sem fins lucrativos, inserida no Serviço Nacional de Saúde.
Contudo, tal como se referiu no citado Acórdão proferido no procedimento cautelar, a diferente estrutura e natureza “não afasta o facto de ambos os estabelecimentos visarem a prestação de cuidados na área da saúde e é esta característica que os identifica perante o utente médio, não a sua diversa natureza jurídica e económica”.
No que respeita à identidade ou semelhança entre sinais, também exigida pela lei, há que considerar a configuração dos sinais distintivos da autora e a designação utilizada pelo réu.
Assim, para além da firma “CLÍNICA DE TODOS OS SANTOS, S.A.”, temos os seguintes sinais da marca da autora:
“CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS” (nome de estabelecimento n.º 33717);
(insígnia de estabelecimento n.º 8426);
“UNIDADE ONCOPLÁSTICA CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS” (marca nacional n.º 427210); e
(marca comunitária n.º 006611181).
Por outro lado, é a seguinte a designação que o réu vem utilizando:
“HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”.
Ora, do confronto dos sinais em questão resulta que o elemento nominativo “TODOS-OS-SANTOS” constitui o núcleo distintivo dominante de todos eles e encontra-se também presente na designação utilizada pelo réu, sendo certo que o vocábulo “hospital” nela contido reveste natureza genérica e descritiva e não é, assim, apto a desempenhar qualquer função diferenciadora face aos sinais da autora, em que o termo “clínica” é de igual modo descritivo da actividade e serviços identificados.
Assim, como se sustenta no sobredito Acórdão proferido nos autos apensos, “entre as designações “CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS” e “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” existe uma similitude profunda: a única diferença consiste nas designações “Clínica” e “Hospital” e essa diferença não tem qualquer relevância, na medida em que constituem, para além de elementos componentes de um nome, substantivos comuns, ou seja, vocábulos que identificam coisas concretas mas também coisas na generalização de características comuns. “Clínica” e “hospital” são palavras que identificam determinadas realidades pelo que têm em comum, nomeadamente prestação de cuidados de saúde, sejam elas quais forem, situem-se onde se situarem e partilhem ou não outras características”.
Ademais, o facto de a palavra “hospital” se encontrar legalmente reservada a determinados estabelecimentos públicos do ramo da saúde em nada altera o que se disse supra, pois que, como se refere no mencionado aresto, “é do conhecimento geral que existem estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde privados que usam a palavra Hospital: Hospital Particular, Hospital da CUF, Hospital da Cruz Vermelha, por exemplo” e, “por outro lado, o utente médio desconhece a subtileza dessa exigência legal” utente esse que “não tem, enquanto tal, qualquer obrigação de saber distinguir o regime jurídico associado à palavra “hospital” e o associado à palavra “clínica”. Isso faria dele não um utente comum mas antes alguém com conhecimentos especializados e é exactamente isso que nunca deve ser considerado na abordagem da possibilidade de confusão entre marcas ou denominações similares”.
Aliás, a apontada utilização de “hospital” em vez de “clínica” pelo público está bem patente nos episódios descritos nos factos apurados sob os n.ºs 27, 28, 29, 30, 31 (este relativo a correspondência remetida pelo próprio Estado, através do Centro Hospitalar de Lisboa), 32, 33 (este referente a ofício proveniente dos Serviços do Ministério Público), 34, 35 e 36.
Refira-se ainda que, ao contrário do que sustenta o demandado, a expressão “TODOS-OS-SANTOS” não reveste natureza genérica nem de uso corrente, desempenhando, ao invés, a função distintiva que lhe cumpre assegurar.
Com efeito, se é certo que se pode considerar de uso corrente quando utilizada para assinalar a festividade religiosa celebrada no dia 1 de Novembro de cada ano, não é menos verdade que no contexto dos sinais em análise, destinados a identificar empresa, estabelecimento e serviços relativos a cuidados de saúde, tal uso corrente ou natureza genérica não se verifica, tanto mais que não resultou provado que foi e é do conhecimento geral e público que existiu em Lisboa um “HOSPITAL REAL DE TODOS-OS-SANTOS”, parcialmente destruído no terramoto de 1755 (cf. facto não provado vii.).
Por outro lado, não colhem as excepções baseadas na invalidade dos sinais da autora, invocadas pelo réu na contestação.
Na verdade, não se provou que o Estado continue a utilizar a designação “TODOS-OS-SANTOS” (cf. factos não provados iii., v. e vi.), nem que é do conhecimento geral e público que existiu em Lisboa um “HOSPITAL REAL DE TODOS-OS-SANTOS”, que o terramoto de 1755 destruiu parcialmente (cf. facto não provado vii.), para além de não se ter provado que o sinal “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” se encontra consagrado no próprio testamento do Rei D. João II e que se trata de legado histórico do conhecimento público e plenamente reconhecido pela generalidade das pessoas, tal como sucede com o símbolo formado por um “O” com um “S” no centro, que perpetua o uso e legado da componente do sinal “TODOS-OS-SANTOS” (cf. factos não provados viii., ix. e x.).
Como também não resultou demonstrado que é do conhecimento geral público, reiterado e reforçado que o símbolo quer significar “Omnium Sanctorum”, ou seja “TODOS-OS-SANTOS” (cf. facto não provado iv.).
É certo que se provou a existência do “Azulejo do Hospital de Todos-os-Santos, do começo do século XVIII” (relativo ao hospital que outrora existiu em Lisboa ), representando um “O” em volta do “S” e com o significado “Omnia Sanctorum”, o qual se encontra Biblioteca do Hospital de S. José, em Lisboa, e que o Centro Hospital de Lisboa Central, EPE, utiliza os símbolos:(cf. factos n.ºs 38 e 39).
Contudo, tais factos estão longe de consubstanciar que a designação “TODOS-OS-SANTOS” constitui um sinal do Estado ou com elevado valor simbólico, nos termos previstos nos artigos 238.º, n.º 4, alíneas a) e b) do CPI 2008 (quanto à marca nacional), 7.º, n.º 1, alíneas h) e i) do RMC (quanto à marca comunitária) e 93.º § 1.º e 4.º, ex vi artigo 144.º § 5.º do CPI 1940 (quanto ao nome e insígnia de estabelecimento), inexistindo, pois, qualquer fundamento que determine a invalidade dos sinais da autora, como pretendia o demandado.
A reprodução na designação utilizada pelo réu do núcleo distintivo que caracteriza os sinais da autora – “TODOS-OS-SANTOS” – facilmente induz o consumidor em erro ou confusão, levando-o a atribuir a actividade e serviços de saúde em questão à mesma entidade e estabelecimento, o que não corresponde à verdade.
Assim, considerando a “grande similitude” detectada (consubstanciada na reprodução do elemento distintivo dos sinais da autora) e a verificação do risco de confusão a que se referem os artigos 9.º do RMC, 258.º e 304.º-N do CPI 2008, dúvidas não restam que a actuação do réu constitui violação do direito exclusivo decorrente do registo dos sinais distintivos da autora, o que fundamenta a imposição da proibição de uso prevista naqueles normativos.
Violação essa que já ocorre, embora o hospital em questão ainda se encontre em fase de projecto, sem que haja notícia de que a sua construção tenha sido entretanto concluída (cf. facto não provado ii.).
É que, como se sublinhou no Acórdão proferido no procedimento cautelar, e face aos factos que se provaram nos presentes autos (cf. factos n.ºs 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 25) “são já diversos os actos relativos ao futuro hospital e nos quais o nome é sistematicamente repetido, mesmo nas publicações oficiais como o Diário da República. Isto significa que a denominação do futuro hospital está a ser usada de modo a que a mesma se torne uma realidade junto da comunicação social e mesmo do público em geral. Existe assim já uma flagrante violação do direito de propriedade industrial da requerente, introduzindo e à escala nacional a divulgação de uma denominação que, como se salientou, cria inevitavelmente confusão com a denominação da requerente. É que não estamos a falar de um pequeno centro de saúde ou de qualquer outra iniciativa de reduzi relevo. Trata-se do futuro grande hospital de Lisboa, de uma referência evidente e predominante entre os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde da capital. Perante a importância do hospital projectado, com denominação idêntica à da clínica da requerente, a identidade desta, em termos de nome e assim de referência junto do público, acaba inevitavelmente por se diluir”.
Assim, analisada a infracção apurada à luz dos preceitos legais acima citados e tendo em vista as pretensões deduzidas pela autora, conclui-se que merecem procedência os pedidos que formulou sob os n.ºs I e II, condenando-se o réu a cessar o uso da designação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, sob qualquer forma, nomeadamente em todos os documentos e/ou meios de divulgação em que a mesma já tenha sido utilizada, como seja, nos documentos relativos ao concurso público para construção desse hospital e no sítio da Internet do Ministério da Saúde, e a se abster de pedir e usar a expressão “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” ou qualquer outra designação que contenha a expressão “TODOS-OS-SANTOS”, ou TODOS OS SANTOS”, para identificar estabelecimentos de saúde.
A autora invoca ainda a tutela contra actos de concorrência desleal cuja prática imputa ao réu, nos termos previstos no artigo 317.º, n.º 1, alínea a), do CPI.
Trata-se, como é sabido, de um instituto que assume carácter complementar em relação à tutela dos direitos de propriedade industrial, sendo que os pressupostos desta não coincidem com os da concorrência desleal.
Como se sustenta, pois, no Acórdão do STJ de 24-04-2012 “pode haver acto de concorrência desleal sem haver violação de direitos privativos da propriedade industrial (e vice-versa), tratando-se de institutos distintos na medida em que através dos direitos privativos da propriedade industrial se procura proteger uma utilização exclusiva de determinados bens imateriais (v.g. direito à marca), enquanto que através da repressão da concorrência desleal se pretende estabelecer deveres recíprocos entre os vários agentes económicos”. Aresto disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.

Temos, assim que, ao contrário da tutela contra a concorrência desleal, a protecção do exclusivo conferida pelas normas da propriedade industrial, mormente os artigos 9.º do RMC, 258.º e 304.º-N do CPI 2008, analisados na presente decisão, não exige que o acto praticado se inscreva numa relação de concorrência e seja contrário às normas e usos honestos do ramo de actividade económica.
Conforme dispõe o artigo 317.º, n.º 1, alínea a), do CPI, “constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica”, nomeadamente, “os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue”.
Decorre dos termos da cláusula geral consagrada no proémio do citado normativo que a concorrência desleal pressupõe que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
- um acto de concorrência;
- contrário às normas e usos honestos;
- de qualquer ramo da actividade económica.
Neste contexto, pode-se afirmar que “constituem concorrência desleal os actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela”. Cf. Carlos Olavo, obra citada, pág. 252.
No caso sub judice, está em causa, por um lado, a construção de um hospital do Estado, ou seja, uma instituição pública, sem fins lucrativos, inserida no Serviço Nacional de Saúde, e, por outro, uma entidade que, embora destinada também à prestação de cuidados na área da saúde, assenta numa organização comercial com escopo lucrativo.
Acresce que, pese embora a projectada implementação tenha sido alvo de ampla divulgação pública, certo é que não se provou que a construção do referido hospital se mostra concluída (ou sequer que já teve início), não havendo, pois, notícia de que se encontra em efectivo funcionamento e a desenvolver a actividade que se propõe prosseguir.
Não se pode, assim, dizer que autora e réu se encontram numa situação de concorrência, actuando ambos com idênticas finalidades comerciais e lucrativas e no mesmo contexto temporal.
Ora, na linha do que se referiu no Acórdão proferido no procedimento cautelar apenso, não está aqui em causa uma situação de “concorrência comercial”, reconduzindo-se antes o problema ao “direito de uma clínica privada manter a sua identidade própria, representada em larga medida pela sua designação e que ao longo dos anos a foi identificando junto do público em geral e dos utentes em particular”.
Face ao exposto, forçoso se torna concluir, pois, que não se verifica a invocada prática de actos de concorrência desleal por banda do réu.
Contudo, tratando-se de um instituto que assume carácter complementar em relação à tutela dos direitos de propriedade industrial e que no caso vertente se mostra justificada a protecção do exclusivo conferida pelos artigos 9.º do RMC, 258.º e 304.º-N do CPI 2008, a ausência de demonstração de actos de concorrência desleal em nada afecta as proibições de uso a impor ao réu, nos termos supra enunciados. A autora invoca ainda que está desde já a sofrer danos patrimoniais e não patrimoniais que devem ser indemnizados pelo réu.
Esta pretensão inscreve-se no domínio da responsabilidade civil por facto ilícito, a qual pressupõe a verificação dos pressupostos previstos no artigo 483.º do Código Civil.
Segundo dispõe o n.º 1 do citado normativo, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
São pois, elementos constitutivos da referida modalidade de responsabilidade civil: o facto ilícito, o dano, o nexo de causalidade entre aquele e este e a imputação do facto ao lesante.
Para além do regime geral previsto no artigo 483.º do Código Civil, em matéria indemnizatória os direitos de propriedade industrial gozam também da tutela específica consagrada no 338.º-L do CPI, cuja redacção em vigor resultou da transposição para o ordenamento jurídico nacional da Directiva 2004/48/CE (a chamada “Directiva Enforcement”), efectuada pela Lei n.º 16/2008, de 01-04.
Baseado no artigo 13.º (“indemnização por perdas e danos”) da citada Directiva, o artigo 338.º-L do CPI (com a mesma epígrafe da disposição transposta) dispõe o seguinte:
1 - Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de propriedade industrial de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelos danos resultantes da violação.
2 - Na determinação do montante da indemnização por perdas e danos, o tribunal deve atender nomeadamente ao lucro obtido pelo infractor e aos danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela parte lesada e deverá ter em consideração os encargos suportados com a protecção, investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito.
3 - Para o cálculo da indemnização devida à parte lesada, deve atender-se à importância da receita resultante da conduta ilícita do infractor.
4 - O tribunal deve atender ainda aos danos não patrimoniais causados pela conduta do infractor.
5 - Na impossibilidade de se fixar, nos termos dos números anteriores, o montante do prejuízo efectivamente sofrido pela parte lesada, e desde que esta não se oponha, pode o tribunal, em alternativa, estabelecer uma quantia fixa com recurso à equidade, que tenha por base, no mínimo, as remunerações que teriam sido auferidas pela parte lesada caso o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos de propriedade industrial em questão e os encargos suportados com a protecção do direito de propriedade industrial, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito.
6 - Quando, em relação à parte lesada, a conduta do infractor constitua prática reiterada ou se revele especialmente gravosa, pode o tribunal determinar a indemnização que lhe é devida com recurso à cumulação de todos ou de alguns dos aspectos previstos nos n.ºs 2 a 5.
7 - Em qualquer caso, o tribunal deve fixar uma quantia razoável destinada a cobrir os custos, devidamente comprovados, suportados pela parte lesada com a investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito.

Será, pois, à luz deste quadro de tutela específica, conjugado com as normas do regime geral que não se mostrem prejudicadas por tal regulação especial, que devemos apreciar a pretensão indemnizatória formulada pela autora.
Nos termos gerais, a obrigação de indemnizar compreende não só o prejuízo causado (dano emergente), como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante) - artigo 564.º, n.º 1 do Código Civil.
Como refere António Abrantes Geraldes, em matéria de infracção aos direitos de propriedade intelectual são exemplos de danos emergentes “os que se revelam através do desprestígio da marca, do produto ou da obra, da perda do crédito ou da afectação da imagem, designadamente quando da actuação do infractor resulte uma desconfiança em relação à qualidade dos bens protegidos de natureza comercial ou cultural, ou ainda as despesas necessárias para a recuperação do prestígio da marca ou do produto ou clarificação de dúvidas que a actuação tenha causado”, bem como “os custos da protecção do direito (registo, publicidade legal, etc.) ou os imputados à actividade de investigação e de cessação da conduta, designadamente os custos de natureza judicial com advogados, custas processuais ou peritagens”. Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Indemnização por Infracção aos Direitos de Propriedade Intelectual, “Curso de Especialização: Temas da jurisdição dos tribunais do comércio”, CEJ, 31-05-2010, pág.17. Devem também ser considerados os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo lesado, nos termos previstos no artigo 13.º, n.º 1, alínea a), da “Directiva Enforcement” e transpostos para o artigo 334.º-L, n.º 4 do CPI, os quais devem ser apreciados autonomamente, “circunstanciando os aspectos que exercem influência tanto na gravidade da infracção, como no montante da compensação que ao titular do direito seja devida”.
Devem também ser considerados os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo lesado, nos termos previstos no artigo 13.º, n.º 1, alínea a), da “Directiva Enforcement” e transpostos para o artigo 334.º-L, n.º 4 do CPI, os quais devem ser apreciados autonomamente, “circunstanciando os aspectos que exercem influência tanto na gravidade da infracção, como no montante da compensação que ao titular do direito seja devida”. Cf. António Santos Abrantes Geraldes, op. cit., pág.19.
Segundo o princípio geral consagrado no artigo 562.º do Código Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Neste quadro, importa ainda atender ao nexo de causalidade definido no artigo 563.º do Código Civil: “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
In casu, analisada a factualidade apurada, conclui-se que o réu, ao utilizar uma designação que imita os sinais distintivos registados a favor da autora, levou a cabo uma actuação ilícita (por violar o direito exclusivo da autora), culposa (pelo menos na modalidade de comportamento negligente, visto que agiu sem previamente se certificar da existência de um tal exclusivo, que não podia desconhecer e lhe era exigível, enquanto pessoa colectiva pública que assegura a prossecução de interesses públicos O que não significa, contudo, que no presente caso a actuação ilícita geradora de responsabilidade civil respeite ao exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo, em função do que se lhe aplicaria o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas (responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função administrativa), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.
, e face à actividade que também desenvolve no sector em que a autora actua com os seus sinais registados) e que provocou danos à demandante (pelo menos as quantias que despendeu com a protecção do direito de propriedade industrial, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito), sendo estes danos um resultado causal da referida actuação ilícita.
Da factualidade apurada resulta a ocorrência de danos patrimoniais para a autora (como se referiu, pelo menos os correspondentes aos encargos suportados com a protecção do direito de propriedade industrial, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito). Ficou, no entanto, por determinar qual a dimensão concreta dos referidos danos, sendo que em relação às pretensões indemnizatórias que deduziu a autora formulou pedido genérico a liquidar em momento ulterior.
A este respeito o artigo 556.º, n.º 1, alínea b), do NCPC (com a mesma redacção do artigo 471.º, n.º 1, alínea b), do CPC) dispõe que é permitido formular pedido genérico quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil Artigo 569.º do Código Civil: “Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos”.
.
O n.º 2 do mesmo preceito estabelece que em tais casos o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 358.º
Na sentença a proferir, se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida (artigo 609.º, n.º 2 do NCPC).
O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.
In casu, uma vez que a falta de elementos se reporta, não à ocorrência do dano patrimonial, mas à sua quantificação, ficando tão-somente para momento posterior a determinação do montante indemnizatório, conclui-se que estão verificados os pressupostos que à luz dos normativos acima citados fundamentam a condenação em indemnização que vier a ser liquidada.
Isto porque se pode relegar para ulterior liquidação a fixação do quantum dos prejuízos quando se provou a ocorrência do dano, ficando apenas em falta os elementos relativos à sua quantificação. Só quando não se prova a existência de danos é que se forma caso julgado material sobre tal objecto e este é impeditivo de nova prova do facto em posterior incidente de liquidação. Cf. os Acórdãos do STJ de 17-06-2008 e 25-03-2010, ambos disponíveis na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
No que respeita aos danos não patrimoniais cuja indemnização a demandante também reclama na presente acção, a pretensão deduzida centra-se nos danos de imagem decorrentes da perda de prestígio que alegadamente foi adquirindo, com enorme esforço e custo, ao longo de mais de três décadas, danos esses que a mesma antecipa que se irão produzir caso o novo hospital seja construído e entre em pleno funcionamento antes de a presente acção ter sido julgada (cf. artigos 111.º e 114.º da petição inicial).
Sucede, porém, que para além de não se ter provado que o novo hospital foi entretanto construído e se encontra já em funcionamento (cf. facto não provado ii., sendo que os factos n.ºs 19, 21 e 26 apontam no sentido de que trata de uma edificação projectada e ainda não concluída), também não se apurou que da conduta ilícita praticada pelo réu resulte a ocorrência (já produzida ou que previsivelmente venha a ter lugar no futuro) de danos não patrimoniais para a autora que devam ser objecto de tutela indemnizatória.
Aliás, mesmo admitindo “o entendimento de que as pessoas colectivas são sujeitos activos de direitos de personalidade ou estruturalmente idênticos e de que, da sua violação, pode emergir compensação por danos não patrimoniais” Cf. Acórdão do STJ de 09-07-2014, disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>. , sempre essa compensação pressupõe a verificação de um dano que, pela sua gravidade, mereça a tutela do direito, nos termos previstos no artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil.
Ademais, sendo a lesada uma pessoa colectiva, mais concretamente uma sociedade comercial, “a fasquia relativa à gravidade merecedora da tutela do direito deverá ser colocada em ponto elevado” Cf. Acórdão do STJ de 09-07-2014, acima indicado.
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Ora, tendo em conta os supra apontados critérios para aferição da gravidade dos danos não patrimoniais que justifiquem a sua tutela pelo direito, a verdade é que dos factos apurados não resulta que a autora tenha sofrido ou venha previsivelmente a sofrer graves afectações na sua pessoa, decorrentes do facto ilícito praticado pelo réu, sendo certo que a pretensão a este respeito formulada na petição inicial teve por base a condição de o novo hospital ser construído e entrar em pleno funcionamento antes de a presente acção ter sido julgada, a qual não se verificou.
Assim, os danos não patrimoniais cuja indemnização a autora reclama não lograram demonstrar-se e, ao contrário do que sucede com os invocados prejuízos patrimoniais, a falta de elementos aqui detectada respeita à própria ocorrência dos mesmos e não apenas à sua quantificação, pelo que em nada aproveita à demandante a indeterminação em que fez assentar o pedido genérico que formulou.
Improcede, pois, a peticionada indemnização por danos não patrimoniais.
Face ao exposto, conclui-se que o réu deve ser condenado no pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais em quantia a liquidar em momento ulterior, nos termos do artigo 609.º, n.º 2 do NCPC (artigo 661.º, n.º 2 do CPC), devendo ser absolvido quanto à peticionada indemnização por danos não patrimoniais.
Em suma, analisadas que estão todas as questões suscitadas no presente pleito, deve o mesmo ser julgado parcialmente procedente, nos termos acima enunciados”.

Cumpre apreciar e decidir:
Defende o Apelante que a utilização da denominação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, utilizada para designar o futuro hospital que irá ser instalado na zona oriental de Lisboa não viola o direito ao uso exclusivo pela apelada dos sinais distintivos registados em nome desta (firma, marcas, nome e insígnia de estabelecimento.
Entendemos que não lhe assiste razão, concordando-se nessa parte com a decisão recorrida.
A denominação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” e os sinais distintivos previamente registados em nome da apelada (firma, marca nacional e internacional, insígnia e nome de estabelecimento), têm como prevalente, ou seja, como elemento que se afigura mais idóneo a perdurar na memória do público a expressão “Todos-os-Santos”. Ainda que, como refere o Apelante, a comparação, relativamente a sinais mistos, tenha de ser feita considerando os referidos sinais globalmente, a comparação deve incidir sobre o elemento prevalente Cf. Prof. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Coimbra, 1973, vol. I, pp.331-332; e, entre outros, o Ac. desta Relação de Lisboa de 24-06-2014, proferido no processo n.º 10231/08.0TYLSB.L1.7, disponível in www.dgsi.pt.. E no presente caso a denominação que o Recorrente tem utilizado e pretende adoptar para o novo hospital, é igual ao elemento nominativo prevalente na firma, marcas, insígnia e nome de estabelecimento da apelada. O que permite induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão, sendo manifesto o risco de associação da referida denominação com os sinais da apelada, anteriormente registados. Tanto assim que apesar de ainda não ter sido sequer construído, a utilização da referida denominação, gerou já várias situações concretas de confusão entre os sinais distintivos da apelada e a referida denominação escolhida para o novo hospital (cf. pontos 28 a 36 da matéria de facto provada).
Defende o Apelante que a expressão “Clínica” e a abreviatura de sociedade anónima “S.A.” que integram os elementos nominativos dos sinais registados em nome da apelada, têm preponderância muito significativa e relevante para afastar o erro, confusão ou associação dos utentes medianamente atentos. Argumenta ainda que na designação do futuro hospital, o elemento prevalente e mais idóneo é a expressão “Hospital” e não o elemento comum com os sinais da apelada “TODOS-OS-SANTOS”. Diz ainda que os serviços prestados pelo Estado não visam o lucro, nem o Estado concorre com a apelada no mercado de serviços de saúde. E que os serviços prestados pela autora são substancialmente diferentes, muito embora ambos estejam inseridos na mesma classe (44) da Classificação Internacional de Nice.
Mais alega que o novo hospital está vocacionado para prestar serviço de saúde em todas as valências médicas, oferecendo um vasto conjunto de serviços, quer internamente quer em ambulatório, tendencialmente gratuitos, enquanto a apelada presta serviços de saúde em valências muito restritas e com fins lucrativos, não podendo por isso afirmar-se que o utente possa confundir ou sequer associar os serviços prestados por esta aos serviços prestados num hospital.
Posição de que discordamos.
Desde logo não está em causa apenas a comparação entre a denominação social da apelada e a denominação que o Apelante pretende atribuir ao novo hospital.
A denominação social, as marcas, insígnia e nome de estabelecimento, constituem sinais distintivos do comércio com funções e significados jurídicos distintos.
Enquanto a denominação social identifica a sociedade, como seu único sinal de identificação, na sua individualidade e personalidade, não podendo as sociedades adoptar mais do que uma denominação social, as marcas constituem sinais destinados a individualizar produtos ou serviços e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie (cf. A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, vol. I, p. 312 e 313, Universidade de Coimbra, 1973). O nome de estabelecimento consiste no sinal distintivo que serve para designar, individualizar o próprio estabelecimento. E a insígnia tem também por finalidade designar e individualizar o estabelecimento, só que é um sinal figurativo ou emblemático.
Como acima se referiu, defende a sentença recorrida e consta da fundamentação do Acórdão desta Relação proferido na providência cautelar apensa, que entre as designações “CLÍNICA DE TODOS OS SANTOS” e “HOSPITAL DE TODOS OS SANTOS” «existe uma similitude profunda: a única diferença consiste nas designações “Clinica e “Hospital” e essa diferença não tem qualquer relevância, na medida em que constituem, para além de elementos componentes de um nome, substantivos comuns, ou seja, vocábulos que identificam coisas concretas mas também coisas na generalização de características comuns. “Clinica “ e “Hospital” são palavras que identificam determinadas realidades pelo que têm em comum, nomeadamente prestação de cuidados de saúde, sejam eles quais forem, situem-se onde se situarem e partilhem ou não outras características. Um hospital para tratamento de doenças oftalmológicas, um outro para tratamento psiquiátrico e um terceiro para tratamento de crianças, decerto se diferenciam pelo tipo de assistência que prestam, pelas características das doenças ou lesões de que se ocupam, pelo próprio nível etário dos doentes, mas são todos hospitais.
Logo, será absurdo querer integrar na identificação específica de um nome, um substantivo comum que o integre, do mesmo modo que a palavra “leite” não identifica uma marca. O vocábulo poderá servir como elemento de identificação e distinção apenas quando confrontado com outros vocábulos que se reportem a realidades diversas, insusceptíveis de serem abrangidas pelo mesmo substantivo comum.
Será este o caso de marcas em que a diferenciação opera apenas por tal substantivo comum. Imagine-se o seguinte exemplo: “papelaria Todos-os-Santos “ e “azeite Todos-os-Santos”. Aqui seria realmente o substantivo comum (papelaria /azeite) a diferenciar ambos os nomes, já que indica de imediato duas realidades inteiramente diferentes.
Não é esse o caso dos vocábulos clínica/hospital. Ambos descrevem instituições prestadoras de cuidados de saúde. E pouco importa que legalmente a palavra hospital esteja reservada a determinado tipo de estabelecimentos públicos prestadores de cuidados na área da saúde. Desde logo, é do conhecimento geral que existem estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde privados que usam a apalavra Hospital: Hospital Particular, Hospital da CUF, Hospital da Cruz Vermelha, por exemplo.
Por outro lado, o utente médio desconhece a subtileza dessa exigência legal.
(…)
Não colhe igualmente e no seguimento do que já referimos atrás, que a distinção se estabeleça pela diferente estrutura e natureza de cada um dos estabelecimentos. É certo que a “Clínica Todos-os-Santos “ é uma entidade privada, visando o lucro, e o “Hospital de Todos-os-Santos” uma entidade pública inserida no Serviço Nacional de Saúde e sem fins lucrativos.
Essa diferença contudo não afasta o facto de ambos os estabelecimentos visarem a prestação de cuidados na área de saúde e é esta característica que os identifica perante o utente médio, não a sua diversa natureza jurídica e económica.
(…) a distinção clínica/hospital não é o elemento diferenciador que afaste a confusão do uso de denominação idêntica “Todos-os-Santos”.

O futuro hospital a construir pelo Apelante poderá vir a ter mais valências e/ou valências diversas da Clínica da apelada. Porém, os sinais distintivos de que a apelada é titular, destinam-se a prestar o mesmo tipo de serviços dos que serão prestados pelo novo hospital a construir pelo apelado – serviços de saúde -, sendo manifesta a identidade ou afinidade dos serviços que os sinais distintivos do estabelecimento da apelada se destinam a assinalar com os serviços que o hospital irá prestar.
Assim, como bem decidiu a sentença recorrida, a utilização pelo Apelante da denominação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, como marca ou nome de estabelecimento, viola os direitos privativos da apelada, tutelados pelo CPI (Código da Propriedade Industrial).

Por último defende o Apelante que em relação ao pedido de indemnização o Tribunal de Propriedade Intelectual é incompetente em razão da matéria, sendo competente o Tribunal Administrativo.
Entendemos que nessa parte procedem as conclusões do interposto recurso de apelação.
Conforme refere na sua alegação, nos termos do artigo 4,º, n.º 1, alínea g), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002 (na redacção da Lei n.º 59/2008, de 11-09, vigente à data em que a acção foi proposta), compete aos Tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público.
Nos termos da citada disposição legal são da competência dos Tribunais Administrativos (com as excepções previstas no mesma disposição legal que no caso não se verificam) todas as questões de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, independentemente de as mesmas serem regidas pelo direito público ou pelo direito privado.
Assim, no âmbito do novo ETAF deixaram de relevar os conceitos de gestão pública e privada dos entes públicos para determinação da competência jurisdicional de questões relativas à responsabilidade civil extracontratual desses entes por tribunais da ordem judicial ou da ordem administrativa. Ac. do STJ de 12-02-2007, de que foi relator o Exmo. Conselheiro Dr. Salvador da Costa.
No mesmo sentido: Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime Do Processo Nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., pág. 99; e Sérvulo Correia, in “Direito do Contencioso Administrativo I, pág. 714.
Sendo o Tribunal da Propriedade Intelectual incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de indemnização, com fundamento em responsabilidade extracontratual emergente de actuação da Administração Pública, impõe-se quanto ao pedido de indemnização, a absolvição do Apelante da instância.

IV- Decisão
Pelo exposto acordam em julgar a apelação apenas parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou o Réu no pagamento de indemnização por danos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença, absolvendo-se o Réu da instância quanto ao referido pedido, mantendo-se na restante parte.
Custas pela autora e pelo réu, na proporção de metade para cada uma das partes.
Lisboa, 7 de Junho de 2016

Alziro Antunes Cardoso


Dina Monteiro


Luís Espírito Santo
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Voto de vencido:
Consideraria inteiramente procedente a apelação.
Um hospital integrado na rede nacional pública de saúde não é confundível, aos olhos do cidadão médio minimamente diligente, com uma clínica privada, explorada por uma sociedade anónima, num âmbito social e jurídico totalmente diferente.
São realidades cuja natureza é de tal forma díspar que não podem, razoavelmente, ser tidas uma pela outra.
Também o peso secular e histórico da expressão “Todos os Santos” directamente associada ao Hospital Real de Todos os Santos, construído em finais do século XV, tendo os seus serviços sido transferidos, em virtude o terramoto de 1755, para o emblemático Hospital de S. José, em Lisboa, obsta à sua hodierna apropriação por uma clínica privada, explorada por uma sociedade anónima, vocacionada basicamente para o negócio e para o lucro, com apenas algumas décadas de vida, em detrimento da sua natural e justificada utilização por parte de um hospital público que se pretende que venha a ser uma referência a nível nacional.

(Luís Espírito Santo)