Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12382/17.0T8LSB.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: EXTINÇÃO DA SOCIEDADE
ACÇÕES JUDICIAIS PENDENTES
EX-SÓCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) A extinção de uma sociedade pelo registo da escritura de dissolução e liquidação e cancelamento de matrícula, não extingue as obrigações a que aquela se encontrava adstrita.
II) As ações judiciais pendentes em que uma sociedade seja parte – ativa ou passiva - continuam, mesmo após a sua extinção, sendo a mesma substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (cfr. artigo 162.º, n.º 1, do CSC).
III) Tal substituição é automática, não implicando qualquer suspensão da instância, nem exigindo o recurso ao incidente de habilitação (cfr. artigo 162.º, n.º 2, do CSC).
IV) As ações judiciais a instaurar após a extinção da sociedade por dívida não paga nem acautelada no ato da liquidação, serão propostas contra a generalidade dos sócios, também representados pelos liquidatários (art. 163°, n° 1, do CSC).
V) Dissolvida a sociedade, encerrada a liquidação e extinta aquela, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, nas operações de liquidação (passivo superveniente), até ao montante que receberam na partilha, não podendo o património pessoal dos sócios – para além do recebido na partilha- ser afetado (cfr. artigo 163.º, n.º 1, do CSC).
VI) Os antigos sócios – demandados como sucessores da sociedade ou prosseguindo na sua pessoa as ações pendentes relativamente à pessoa coletiva extinta - são responsáveis pelo pagamento do passivo superveniente, não incluído na liquidação - ou seja, não satisfeito ou acautelado - passando os débitos que tinham como sujeito a sociedade a ser encabeçados nos sócios, pela via da sucessão, mas até ao montante que receberam na partilha;
VII) “Antigo sócio”, para efeitos do disposto no artº 163º do CSC, não é todo aquele que tenha tido essa qualidade ao longo da vida da sociedade, mas apenas quem a possua na ocasião da partilha, sendo que, mesmo neste caso, em princípio, só responderá pelo passivo superveniente se houver recebido aquando da partilha e, nesse caso, ainda, apenas até ao montante que recebeu.
VIII) A representação dos sócios, nessas ações, é garantida pelos liquidatários, que agem como seus representantes legais, passando a figurar, nomeadamente do lado passivo, em substituição da primitiva ré sociedade, para todos os efeitos, incluindo a citação.
IX) Os casos de ativo e passivo societário verificados em momento superveniente ao da extinção da pessoa coletiva – a que se referem os artigos 163.º e 164.º do CSC- não implicam o “renascer” da pessoa coletiva extinta.
X) A relação jurídica que o credor social traz à lide liga-o à sociedade, pelo que àquele cabe apenas a prova dos factos constitutivos desse seu direito sobre a sociedade, cabendo correspetivamente aos antigos sócios da sociedade invocar e provar que o credor está impedido de obter, naquele momento, o ressarcimento total ou parcial do seu crédito sobre a sociedade, uma vez que da liquidação da sociedade não resultou para os sócios qualquer saldo ou não resultou saldo suficiente.
XI) Caso não sejam demonstrados os factos impeditivos invocados pelos antigos sócios e seja demonstrada a existência do direito do credor, caberá àqueles satisfazer o cumprimento da obrigação correspondente.
XII) Todavia, segundo o n.° 3 do art. 163.° do CSC, os antigos sócios que satisfizerem os credores – podendo estes demandar aquele ou aqueles sócios que entenderem - gozam de direito de regresso contra os restantes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
*
1. AM, identificado nos autos, instaurou contra ARTIGO CATORZE – ACTIVIDADES HOTELEIRAS, LDA. e MA, também identificados nos autos, a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento da quantia de € 11.027,04, bem como de juros no valor de € 812,45, à taxa legal em vigor de 4%, vencidos desde a interpelação dos réus e vincendos até integral cumprimento “e cujo cálculo se remete para liquidação em execução da sentença”.
Alegou, em suma, ter a ré sociedade recebido, na qualidade de lojista/arrendatária de um imóvel, carta do senhorio a denunciar o contrato de arrendamento e de que a indemnização a receber era de € 4.386,01 e que, nessa sequência, a segunda ré se deslocou ao escritório do autor, advogado, passando-lhe procuração em sede de eventual despejo e/ou para lograr melhor valor de indemnização por benfeitorias.
Nessa sequência, requereu a avaliação do imóvel e após várias reuniões, logrou um acordo entre as partes, por força do qual a indemnização passou a ser de € 80.000,00, tendo sido dado início ao despedimento de trabalhadores, na sequência do que apresentou nota de honorários, de que foi paga apenas a quantia de € 3.000,00 e concedido prazo até 31-10-2015 para pagamento do remanescente, que não veio a ser pago.
*
2. Em 05-06-2017 foi obtida, por consulta na respetiva base de dados, a certidão permanente do registo comercial da referida sociedade – cujo teor foi notificado ao autor -, de onde consta, nomeadamente, escrito o seguinte:
“(…) Matricula cancelada
Inscrições - Averbamentos - Anotações
(…)
Insc.6
AP. 7/20070424 10:08:46 UTC - ALTERAÇÕES AO CONTRATO DE SOCIEDADE
SÓCIOS E QUOTAS:
QUOTA : 2.500,00 Euros
TITULAR: JL
NIF: …
Estado civil : Casado(a)
Nome do cônjuge: MAL
QUOTA : 2.500,00 Euros
TITULAR: MAL
NIF: …
FORMA DE OBRIGAR/ÓRGÃOS SOCIAIS:
Forma de obrigar: Com a assinatura de um gerente.
Artigo(s) alterado(s): 1º, 4º, 5º e 7º.
(…).
Insc.7
AP. 25/20150227 10:32:59 UTC - DISSOLUÇÃO E ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO
NIF do depositário: …
Nome do depositário: MAL
Morada do depositário: Rua …, nº …, …, 2925-163 Azeitão
Data da aprovação das contas: 2015.02.25
(…)
Insc.8
OF. 20150227 - CANCELAMENTO DA MATRÍCULA
(…)”.
*
3. Por requerimento apresentado nos autos em 05-09-2017, o autor, “notificado que a matricula da Ré Artigo Catorze Lda encontra-se cancelada” veio “requerer nos termos do art.º 162 do Código das Sociedades Comerciais a substituição da sociedade pela generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário, uma vez que não foi salvaguardado no relatório que o crédito do ora autor estava satisfeito nos termos do art.º 157 do CSC”, o que foi deferido por despacho de 18-09-2017.
*
4. A ré MA “em seu nome como 2ª Ré e na qualidade de Liquidatária da sociedade Artigo Catorze Actividades Hoteleiras, Lda.” contestou, arguindo as exceções de ilegitimidade passiva e de prescrição do crédito do autor e impugnando, em parte, os factos alegados pelo autor e, concretamente, que tenha sido aceite o pagamento do valor em causa ao e/ou qualquer acordo entre a sociedade dissolvida e o autor, designadamente de pagar ao mesmo 10% sobre o valor de indemnização que viesse a ser logrado (que alega que, tendo existido, seria nulo, por força do artº 101 do E.O.A.) até porque a negociação efectuada pelo autor com o senhorio se referia a todos os inquilinos e que, por isso, o demandante também deles recebeu ou deveria receber honorários e, que, o valor peticionado excede os valores normais praticados por similares serviços.
Peticionou ainda a condenação do autor como litigante de má fé.
*
5. O autor respondeu à contestação, pugnando pela improcedência das exceções e da litigância de má fé arguidas.
*
6. Teve lugar audiência prévia, na qual foi elaborado despacho saneador, onde foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva e relegado para final o conhecimento da prescrição, tendo sido identificado o objecto do litígio e fixado o valor da causa e os temas da prova.
*
7. Teve lugar audiência de discussão e julgamento, após o que, em 18-03-2021, foi proferida sentença a julgar improcedente a excepção de prescrição do crédito do autor, a julgar parcialmente procedente a ação, condenando os sócios da “Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. (MA e JL), representados pela liquidatária MA, a pagar ao autor a quantia de € 10.000,00 Euros a título de honorários e, deduzido o valor já pago, de 3.000,00 Euros, condenar os mesmos a pagar ao Autor apenas a quantia de 7.000,00 Euros, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa legal sucessivamente em vigor para os créditos dos não comerciantes e a contar da citação dos mesmos, na pessoa da sua liquidatária, ou seja, a contar de 22.9.2017” e a julgar improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má fé, absolvendo-o de tal pedido.
*
8. Não se conformando com a referida decisão, interpuseram recurso de apelação os réus – achando-se a respetiva alegação tendo como requerentes “Artigo Catorze Actividades Hoteleiras, Lda. e MAL” - , pugnando pela revogação da decisão recorrida, com total improcedência da ação, formulando as seguintes conclusões:
“(…) A. A sentença proferida é nula, por excesso de pronúncia, nos termos previstos na al. d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, porquanto os sócios da Recorrente Artigo Catorze não são parte nestes autos, nunca foram chamados a intervir na lide para responder pela dívida reclamada, nem sequer foram alegados ou provados factos que pudessem consubstanciar a sua responsabilidade nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CSC, pelo que jamais poderiam ser condenados nos termos que constam da sentença;
B. A sentença proferida é igualmente nula, por excesso de pronúncia, nos termos previstos na al. d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, no que respeita à fixação do ponto 20 do elenco dos factos provados, na parte que considera que a indemnização aí aludida “foi recebida pelos sócios da Artigo Catorze – Atividade Hoteleiras, Lda., nessa qualidade” uma vez que esta factualidade não foi alegada pelas partes pelo que não podia ser discutida, não era objeto de prova e não devia constar da decisão sobre a matéria de facto;
C. Sem prescindir, tendo em conta as regras sobre a distribuição do ónus da prova e a prova efetivamente produzida, em especial, os documentos n.º 1 a 10 juntos com a PI do Recorrido, 2 e 3 da contestação das Recorrentes, o e-mail e documentos juntos com o e-mail de 11-10-2018 junto aos autos a 12-10-2018 e os depoimentos das testemunhas RG, HC, JPB e JL, nos termos expostos nas presentes alegações, deve:
i. A seguinte factualidade ser eliminada do ponto b) dos factos não provados e aditada aos factos dados como provados:
a) O A. havia combinado com a R. Artigo Catorze que os honorários pela negociação e outros atos que fossem necessários para obter uma melhor indemnização seriam de €3.000,00;
b) Nunca o A. referiu que iria cobrar mais honorários posteriormente, tendo a R. Artigo Catorze já havia pago €3.000,00 valor que havia sido acordado com o A);
c) A quantia de € 3.000,00 foi entregue para pagamento de honorários e não para qualquer provisão;
d) A negociação que o A. fez para a R. Artigo Catorze foi a mesma que realizou, e em simultâneo, para os restantes inquilinos do prédio;
e) Os honorários do A. para o assunto em apreço não foram apenas os €3.000,00 pagos pela R. Artigo Catorze, mas os pagos por todos os inquilinos.
ii. O ponto 20 dos factos dados como provados ser eliminado ou, no limite, ser reformulado, nos seguintes termos:
a) Na sequência do acordo aludido em 8 - e segs. a senhoria EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. pagou, em data não apurada, a quantia de 80.000,00 Euros devida por força do mesmo acordo, quantia que foi recebida pela Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda.
D. De acordo com o acima exposto, e em consequência, a sentença deve revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a ação proposta pelo Recorrido, por já se mostrarem pagos os honorários devidos pela Recorrente Artigo Catorze, nos termos acordados com o Recorrido.
E. Caso assim não se entenda (o que não se admite e apenas se refere por dever de patrocínio), a sentença deve revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a ação proposta pelo Recorrido porquanto alegação do acordo sobre os honorários e a efetiva prestação desses honorários eram constitutivos do direito do Recorrido, e inexiste qualquer prova sobre tais factos.
F. Em qualquer dos casos, a verdade é que a sentença sempre deverá ser revogada porquanto o Tribunal “a quo” faz uma incorreta e ilegal aplicação do Direito ao caso concreto, violando o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CSC, quando condena os sócios da Recorrente Artigo Catorze no pagamento do valor peticionado.
G. Para que os sócios de uma sociedade de responsabilidade limitada, como é o caso, possam ser responsabilizados pelo passivo superveniente da sociedade, é imperativo que tenham recebido, em partilha, na sequência da dissolução da sociedade, bens ou créditos da sociedade que sejam suficientes para satisfazer esse passivo.
H. Para o efeito, cabia ao Recorrido, nos termos do artigo 342.º, do Código Civil, chamar os sócios à ação, configurando-a para que os mesmos pudessem responder a título pessoal, e alegar e provar o recebimento, por parte destes, de bens ou créditos em partilha, suficientes à satisfação desta dívida – o que manifestamente não logrou provar ou sequer alegar (os sócios nem sequer são “parte” na presente ação, nunca tendo sido chamados a responder a título pessoal mas apenas em representação da sociedade).
I. Por estes motivos, não podia, em caso algum, a presente ação, intentada contra a sociedade, prosseguir para condenação dos seus sócios (…)”.
*
9. O autor não contra-alegou.
*
10. Foi liminarmente admitido o recurso interposto pelos réus, pessoas singulares, mas não o pretendido interpor pela referida sociedade – cuja personalidade jurídica e judiciária se mostra extinta - , nos termos do despacho proferido em 09-07-2021.
*
11. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
*
2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são as de saber:
*
I) Nulidades da decisão:
A) Se a sentença recorrida é nula, por excesso de pronúncia, nos termos previstos na al. d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC?
*
II) Impugnação da matéria de facto:
B) Se deve ser eliminada do ponto b) dos factos provados e incluída nos factos dados como provados, a seguinte factualidade:
a) O A. havia combinado com a R. Artigo Catorze que os honorários pela negociação e outros atos que fossem necessários para obter uma melhor indemnização seriam de €3.000,00;
b) Nunca o A. referiu que iria cobrar mais honorários posteriormente, tendo a R. Artigo Catorze já havia pago €3.000,00 valor que havia sido acordado com o A);
c) A quantia de € 3.000,00 foi entregue para pagamento de honorários e não para qualquer provisão;
d) A negociação que o A. fez para a R. Artigo Catorze foi a mesma que realizou, e em simultâneo, para os restantes inquilinos do prédio;
e) Os honorários do A. para o assunto em apreço não foram apenas os €3.000,00 pagos pela R. Artigo Catorze, mas os pagos por todos os inquilinos?
C) Se deve ser eliminado o ponto 20 dos factos provados ou reformulado nos seguintes termos: a) Na sequência do acordo aludido em 8 - e segs. a senhoria EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. pagou, em data não apurada, a quantia de 80.000,00 Euros devida por força do mesmo acordo, quantia que foi recebida pela Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda.?
*
III) Mérito do recurso:
D) Se o Tribunal recorrido errou na qualificação jurídica constante da decisão recorrida e se violou o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CSC, ao condenar os sócios da Artigo Catorze – Actividades Hoteleiras, Lda.?
*
3. Fundamentação de facto:
*
A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1 - O Autor é advogado.
2 - Por carta registada com aviso de recepção, datada de 19.9.2014, EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. - invocando a qualidade de proprietária do edifício sito na Avenida da República, nºs 37 a 37-E, em Lisboa, tornejando para a Avenida Miguel Bombarda, nºs 12 a 14-E, em Lisboa e de senhoria no arrendamento da loja com entrada pelo nº 14 D - comunicou à sociedade Artigo Catorze – Actividades Hoteleiras, Lda. que, por essa via comunicava à mesma a denúncia do contrato de arrendamento de tal loja, nos termos dos artºs 1101, al. b) e 1103 do C. Civil e 6º e 8º do Dec. Lei nº 157/2006, de 8/8, para a realização de obras de remodelação e restauro profundos, no âmbito de projecto de reabilitação licenciado para o mesmo, obras que obrigavam à desocupação do locado.
3 - Na carta aludida em 2 - a aludida EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. comunicou ainda à destinatária de tal carta, além do mais, que a mesma deveria desocupar o locado e proceder à sua entrega até ao dia 31.3.2015, que a mesma ia acompanhada dos documentos constantes de fls. 7 a 17 dos autos e a proposta de pagar à mesma, nos termos dos artºs 1103, nº 6 do C. Civil e 6º, nº 1 do RJOPA, uma indemnização no valor de 4.386,01 Euros, correspondente a um ano de renda, a pagar no momento da entrega do locado.
4 - Na sequência do referido em 2 - e 3 -, a Ré MA emitiu, na qualidade de sócia gerente da sociedade Artigo Catorze Actividades Hoteleiras, Lda. e a favor do Autor, a procuração constante de fls. 18 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
5 - Na sequência do referido sob 2 - e segs., o Autor, na qualidade de mandatário da sociedade Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., dirigiu à EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda., carta registada, datada de 29.9.2014, sob o “ Assunto: Denúncia do contrato de arrendamento da loja sita na Avenida Miguel Bombarda, nº 14 D “,com o seguinte teor:
“Exmos. Senhores,
Fomos mandatados pelo nosso constituinte, Artigo Catorze – Actividades Hoteleiras, Lda. para lhe tratar do assunto supra referido.
Neste sentido, vimos por este meio informar ( e sem embargo de não se concordar com a denúnica em questão, por uma miríade de razões de facto e de direito e das mais variadas ordens, pelo que se opta pelo realojamento ) que não podemos concordar com o valor da indemnização oferecido ao nosso constituinte, já que se encontra muitíssimo abaixo daquilo que na realidade deveria ser.
Na verdade, como o valor patrimonial ( Vp ), é elemento da fórmula de cálculo, e o constante da CPU está longe de ser o valor de mercado, sendo, na verdade, muito superior, tal como é do conhecimento de V. Exª, vimos propor em alternativa o seguinte:
a) uma conferência, no nosso escritório, para se acordar num outro valor, mais justo, ou;
b) requerer a avaliação tributária, nos termos do artº 38º e segs. do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis ( CIMI ).
A notar também que, nos termos gerais do Direito aplicável, tem a nossa constituinte também direito às benfeitorias efectuadas, que são, aliás, do vosso inteiro conhecimento.
Tudo isto, repetimos, sem embargo da via do realojamento, que pode vir a ser a mais benéfica para todos.
Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos melhores cumprimentos,
O Advogado,
(Assinatura)”.
6 - Por carta registada datada de 14.10.2014, dirigida ao Chefe da Repartição de Finanças de Lisboa 10, o Autor - invocando a qualidade de mandatário da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., arrendatária da loja sita na Avenida Miguel Bombarda, nº 14 D, em Lisboa - requereu, nos termos do artº 37º e segs. do CIMI, uma avaliação directa do referido imóvel, a fim de se fixar um valor patrimonial que se adequasse à realidade.
7 - Em data não concretamente apurada o Autor comunicou à Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., por carta, que, terminadas as negociações, o valor máximo de indemnização que o senhorio oferecia era de 80.000,00 Euros e que era sua opinião ser de aceitar e que ficava a aguardar por um dia resposta escrita de tal sociedade sobre a sua posição quanto a tal proposta.
8 - Na sequência do referido em 2 - e segs. e por acordo reduzido a escrito, datado de 29.10.2014 e por ambas assinado, a EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. acordou com a Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. que esta reconhecia expressamente a validade e eficácia da denúncia do contrato de arrendamento até ali vigente entre ambas, aceitando a segunda a sua cessação, o pagamento do valor da indemnização de 80.000,00 Euros e a obrigação de desocupação e restituição do imóvel e respectivas chaves àquela.
9 - Nos termos do acordo aludido em 8 - a EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. acordou com a Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. que o valor da indemnização a pagar por aquela à segunda pela denúncia do contrato de arrendamento, com fundamento na realização de obras de remodelação e restauro profundos, se fixava em 80.000,00 Euros, a pagar por aquela à segunda, por cheque visado ou bancário à sua ordem emitido, pagamento que seria efectuado no momento da restituição do imóvel locado.
10 - Nos termos do acordo aludido em 8 - e segs., a Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. deixaria de utilizar o prédio no dia 30.12.2014 e tinha, nessa data, de o restituir à senhoria, EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda., livre e devoluto de pessoas e bens, na mesma data tendo de entregar todas as respectivas chaves e meios de acesso ao prédio.
11 - Nos termos do acordo aludido em 8 - e segs., a EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. e a Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. acordaram entre si que paga a indemnização e entregue o imóvel, nada mais tinham as mesmas a haver uma da outra, fosse a que título fosse, por força do contrato de arrendamento aludido em 1 - e da respectiva denúncia, renunciando a Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. a qualquer outra indemnização ou compensação a que eventualmente entendesse ter direito da senhoria.
12 - Na sequência do aludido em 8 - e segs., o Autor redigiu as cartas a que se referem fls. 25, verso a 27 dos autos, dirigidas aos trabalhadores da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., tendo as mesmas cartas, após a sua assinatura pela gerente daquela entidade, sido expedidas por carta regista com aviso de recepção para os respectivos destinatários.
13 - Em 24.12.2014 o Dr. José Brito, advogado, declarou, por escrito, ter recebido da sócia gerente da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., a quantia de 3.000,00 Euros, a título de pagamento dos honorários dos advogados.
14 - Com data de 25.2.2015, na Avenida Miguel Bombarda, nº 14, letra D, pelas nove horas, teve lugar uma assembleia geral da sociedade Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., com o capital social de 5.000,00 Euros, titulado por duas quotas no valor de 2.500,00 Euros, pertença da RA e de JL.
15 - O ponto único da ordem de trabalhos da assembleia geral referida em 14 - reconduzia-se apenas ao seguinte: “Dissolução da sociedade e liquidação”.
16 - No dia, hora e local aludidos em 14 - e sob o ponto único aludido em 15 -, os sócios da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., após proposta nesse sentido apresentada pela Ré MA, deliberaram, por unanimidade, a dissolução e liquidação da sociedade.
17 - Da acta da assembleia geral aludida em 14 - e segs. e da proposta de dissolução e liquidação da sociedade apresentada pela Ré MA foi feito constar ter esta declarado que, naquela data, a sociedade não tinha activo nem passivo e se encontrava em condições de poder ser dada como liquidada e que fosse reportada, à data da dissolução, a inexistência de activo e passivo, ficando os livros e demais escrituração comercial à guarda de tal sócia, que ficaria encarregue de proceder aos actos de registo comercial, escolhendo o procedimento administrativo de extinção imediata da sociedade.
18 - Na assembleia aludida em 14 - e segs. foi a Ré MA nomeada depositária da escrituração comercial e representante tributária da sociedade, além de designada para formalizar os actos de registo comercial.
19 - A dissolução aludida em 14 - e segs. foi registada através da Ap. 25/20150227.
20 - Na sequência do acordo aludido em 8 - e segs. a senhoria EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. pagou, em data não apurada, a quantia de 80.000,00 Euros devida por força do mesmo acordo, quantia que foi recebida pelos sócios da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., nessa qualidade.
21 - Em data não concretamente apurada mas anterior a 7.8.2015, o Autor dirigiu à Ré, para a morada desta, carta registada a solicitar a sua comparência no escritório daquele no aludido dia 7.8.2015, pelas 17 horas a fim de tratar de assuntos do interesse da demandada.
22 - Com data de 27.8.2015 o Autor emitiu recibo da quantia aludida em 13 - em nome da Artigo Catorze - Avtividades Hoteleiras, Lda., recibo do qual fez constar referir-se a mesma a quantia paga por conta de honorários.
23 - Por carta registada dirigida à Ré MA e datada de 28.8.2015, pela Ré recebida, o Autor enviou à mesma a nota de honorários a que se referem fls. 29 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos, no valor total de 11.027,04 Euros e da qual fez constar ter sido paga a quantia de 3.000,00 Euros a título de provisão, de que enviava o correspondente recibo à Ré, nota essa de honorários emitida em nome da aqui Ré.
24 - Da carta aludida em 23 - o Autor fez constar que a nota de honorários enviada estava conforme com a reunião de 17.8.2015 e que a mesma era no valor acordado de 10% da diferença entre a indemnização proposta pagar pela EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. e o valor da indemnização efectivamente por tal entidade paga e que atentas as razões invocadas para o não pagamento da parte em falta ( de 11.027,04 Euros ) concedia um prazo para o seu pagamento até 31.1.2016.
25 - A presente acção entrou em juízo em 25.5.2017, tendo a Ré MA sido citada em 31.5.2017.
*
A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
a) o número de horas alegadamente despendidas pelo Autor com os serviços prestados e a que se refere o documento de fls. 29 dos autos e ainda o teor do artº 10º da p. inicial e,
b) os factos constantes dos artºs 3º, 4º, 25º, 27º, 29º, 34º, 45º, 49º, 51º a 53º da contestação, estando a prova do alegado nos artºs 30º e 31º da contestação prejudicado.
*
4. Fundamentação de Direito:
*
I) Nulidades da decisão:
*
A) Se a sentença recorrida é nula, por excesso de pronúncia, nos termos previstos na al. d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC?
Invocam os recorrentes que a sentença recorrida padece de nulidade, imputando-lhe excesso de pronúncia do julgador por dois motivos:
1.º) “porquanto os sócios da Recorrente Artigo Catorze não são parte nestes autos, nunca foram chamados a intervir na lide para responder pela dívida reclamada, nem sequer foram alegados ou provados factos que pudessem consubstanciar a sua responsabilidade nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CSC, pelo que jamais poderiam ser condenados nos termos que constam da sentença” (cfr. conclusão A); e
2.º) “no que respeita à fixação do ponto 20 do elenco dos factos provados, na parte que considera que a indemnização aí aludida “foi recebida pelos sócios da Artigo Catorze – Atividade Hoteleiras, Lda., nessa qualidade” uma vez que esta factualidade não foi alegada pelas partes pelo que não podia ser discutida, não era objeto de prova e não devia constar da decisão sobre a matéria de facto (cfr. conclusão B).
Vejamos cada um dos referidos segmentos, muito embora, preliminarmente, cumpra referir em que termos ocorrerá nulidade de sentença, com base no preceito que vem invocado.
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, será nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Sabe-se que, é “frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades” (assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, pág. 132).
Importa sublinhar que apenas existirá nulidade da sentença por pronúncia indevida (ou por omissão de pronúncia) com referência às questões objeto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte.
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608.º do Código de Processo Civil, preceito do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A “questão a decidir” pelo julgador está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.
De acordo com o n.º 2 do artigo 608º do CPC, “o juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, pelo que, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras, sendo certo que, o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção.
“O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Processo nº 1453/17.3T8BRG.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA).
Haverá nulidade por excesso de pronúncia se, “não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2)”, ainda assim, a decisão venha a conhecer das mesmas (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, p. 737).
Importa salientar que as causas que determinam a nulidade da sentença encontram-se enumeradas, de forma taxativa, no mencionado artigo 615.º do CPC, mas elas não se confundem com o erro de julgamento, seja este, de facto ou de direito.
As nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais, decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (“error in procedendo”) respeitante à disciplina legalmente estatuída (consistindo em vícios de formação ou atividade, referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronúncia de mérito).
Por sua vez, no erro de julgamento (“error in judicando”), que resulta de uma distorção da realidade factual (“error facti”) ou da aplicação do direito (“error iuris”), a decisão não corresponde à realidade ontológica ou à normativa, ocorrendo a injustiça da decisão, por não conformidade da decisão com o direito aplicável.
Como referia Alberto Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, pp. 124-125), “o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade”.
Na mesma linha, salientam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, (Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp. 687-689) que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…)”.
As nulidades da sentença ditam a anulação da decisão, por ser formalmente irregular, enquanto que, as ilegalidades decisórias ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico).
Em suma: As causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 615.º do CPC visam o erro na construção do silogismo judiciário e, não, o erro de julgamento, não estando subjacentes às mesmas quaisquer razões de fundo, motivo pelo qual a sua arguição não deve ser acolhida quando se sustente a mera discordância em relação ao decidido.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-03-2017 (Pº 7095/10.7TBMTS.P1.S1, rel. TOMÉ GOMES): “O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte” do CPC.
Vejamos, pois:
Relativamente ao primeiro segmento relativamente ao qual é invocada a ocorrência de excesso de pronúncia do julgador, foi invocado na alegação de recurso o seguinte:
“a) Da condenação dos sócios da Recorrente Artigo Catorze:
A presente ação foi proposta em 25-05-2017 pelo Recorrido contra a Recorrente Artigo Catorze e contra a Recorrente MA, ainda que, quanto a esta última, sócia-gerente da sociedade, não tenha o Recorrido alegado factos que pudessem consubstanciar a sua responsabilidade (a Recorrente MA era apenas gerente sociedade, e sempre atuou na relação com o Recorrido nessa qualidade, nunca a título pessoal).
Não obstante, em requerimento apresentado em 05-09-2017 (ref.ª Citius 16152860), veio o Recorrido peticionar “a substituição da sociedade pela generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário” (a Recorrente MA), por ter tomado conhecimento do encerramento e liquidação da sociedade Recorrente, registada a 27-02-2015, o que veio a ser deferido pelo Tribunal por despacho a fls._.
No entanto, o certo é que, nem nesse momento, nem posteriormente, foram pelo Recorrido alegados quaisquer factos que pudessem, de alguma forma, sustentar a responsabilidade dos sócios da sociedade dissolvida pelo pagamento dos honorários reclamados na presente ação.
E a verdade é que, como resulta expressamente do artigo 163.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”, o que não era o caso (negrito e sublinhado nossos).
Ou seja, ao Recorrido não cabia apenas requerer, por simples requerimento, a “substituição da sociedade pela generalidade dos sócios”, muito menos sem sequer fundamentar a que título e com que objetivo essa substituição era requerida.
De facto, para obter a condenação dos sócios nos termos inicialmente peticionados à sociedade, ao Recorrido cabia alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade, pois que só esses bens respondem, conforme previsto na lei, por eventuais passivos supervenientes à dissolução e encerramento.
No entanto, a verdade é que essa matéria não foi alegada pelo Recorrido, não foi por isso objeto de prova, nem consta, consequentemente, da decisão sobre a matéria de facto.
Assim sendo, verifica-se que quando o Tribunal, na sentença proferida, condena os sócios da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. (MA e JL), a pagar ao Autor a quantia de € 10.000,00 a título de honorários, vai muito para além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes.
De facto, a causa do julgado não se identifica com a causa de pedir nem o julgado coincide com o pedido.
Em bom rigor, os sócios da sociedade Recorrente – que, nos termos configurados pelo Tribunal, estão a ser chamados a título pessoal para proceder ao pagamento da alegada dívida – nem sequer são parte na presente ação!
Com efeito, o que requereu o Recorrido foi a intervenção da Recorrente MA, mas na qualidade de liquidatária, isto é, em representação da sociedade e do sócio JL.
Pretendendo o Recorrido a condenação dos sócios, devia tê-los chamado, a ambos, e a título pessoal, porque seria apenas a esse título que poderiam responder pela dívida aqui reclamada, caso tivessem herdado da sociedade algum bem ou crédito
Em face de todo o exposto, ao proferir a condenação que profere, e sem sequer fundamentar não só de facto, mas também de Direito, esta sua decisão, o excesso de pronúncia do Tribunal é manifesto.
O que consubstancia uma nulidade da sentença nos termos previstos na al. d), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, nulidade que aqui se argui para os devidos efeitos legais”.
Ora, conforme resulta evidente da tramitação que teve lugar no presente processo, instaurada que foi a ação contra as duas primitivas rés – sociedade e pessoa singular –, no ínterim entre a apresentação da petição inicial em juízo e a citação da sociedade, verificou-se que a sociedade por quotas demandada se encontrava extinta, após obtenção do registo comercial da mesma.
Nessa sequência, notificado que foi o autor de tal facto, o mesmo veio aos autos “requerer nos termos do art.º 162 do Código das Sociedades Comerciais a substituição da sociedade pela generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário, uma vez que não foi salvaguardado no relatório que o crédito do ora autor estava satisfeito nos termos do art.º 157 do CSC”, o que foi deferido por despacho de 18-09-2017.
Vejamos:
Sobre a temática da liquidação de sociedades, o Código das Sociedades Comerciais (aprovado pelo D.L. n.º 262/86, de 2 de setembro, na redação em vigor, abreviadamente, CSC) em vigor, ocupa-se nos artigos 146.º a 165.º.
Resulta desses normativos legais uma diferença essencial entre dissolução e liquidação.
A dissolução de uma sociedade constitui uma modificação da situação jurídica que se caracteriza pela sua entrada em liquidação. Neste sentido, a personalidade jurídica da sociedade conserva-se até ao registo do encerramento da liquidação.
A sociedade dissolve-se nos casos previstos no contrato de sociedade e, bem assim:
“a) Pelo decurso do prazo fixado no contrato;
b) Por deliberação dos sócios;
c) Pela realização completa do objecto contratual;
d) Pela ilicitude superveniente do objecto contratual;
e) Pela declaração de insolvência da sociedade.” (cfr. artigo 141.º do CSC).
Para além disso, a dissolução pode ter lugar por decisão administrativa ou por deliberação dos sócios (cfr. artigo 142.º do CSC).
A sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, mas mantém a personalidade jurídica, devendo ser aditada à firma a menção “sociedade em liquidação” ou “em liquidação” (artigo 146.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CSC).
Conforme refere António Pereira de Almeida (Sociedades Comerciais, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2003, p. 525), a “liquidação é a situação em que se encontra a sociedade em consequência da dissolução e tem por finalidade a partilha do activo remanescente após liquidação do passivo”.
A liquidação é uma fase económico-contabilística que permite a concretização da dissolução (enquanto facto extintivo que lhe é prévio) (assim, Paula Costa e Silva e Rui Pinto; anotação ao “Regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais”, em Código das Sociedades Comerciais Anotado; coord. de A. Menezes Cordeiro, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, p. 1395).
Nas palavras de Raul Ventura (Dissolução e Liquidação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, p. 296-305), “dissolvida a sociedade, não se altera radicalmente a sua organização, mas produzem-se algumas modificações na sua estrutura orgânica e bem assim na competência de alguns órgãos subsistentes”.
Explicitando a diferença substancial entre dissolução e liquidação societária, expressou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18-01-2018 (Pº 181/16.1T8PRG.G1, rel. JORGE TEIXEIRA) as seguintes considerações, que nos merecem total adesão:
“A dissolução da sociedade é a modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade consistente em ela entrar na fase da liquidação do respectivo património, dando-se a cessação gradativa da sua existência.
Trata-se, assim, de uma modificação e não da sua extinção, já que, não obstante a sua dissolução, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação, continuando, durante a fase da liquidação, temporariamente, a exercer a actividade social, passando, porém, os administradores a ser os liquidatários.
Só concluída a liquidação e feito o registo de encerramento da liquidação, cessa a personalidade jurídica da sociedade, só então se podendo considerar extinta, não podendo, então, a sociedade, regressar à actividade”.
Relativamente à liquidação e salvo nos casos em que o contrato de sociedade contenha cláusula diversa ou nos casos em que os sócios deliberem de outra forma, os administradores da sociedade assumem a posição de liquidatários (artigo 151.º, n.º 1, do CSC), detendo, em geral, os deveres, os poderes e a responsabilidade dos membros do órgão de administração da sociedade.
O “sistema de continuidade de pessoas” legalmente previsto no artº. 151º, do CSC, “recomenda-se por dois motivos: o conhecimento que os administradores ou gerentes já têm da sociedade que administraram ; a possibilidade de imediato começo das tarefas de liquidação”, decorrendo que “os administradores ou gerentes, mudam de qualidade (…), passando a exercer funções de liquidatários ; o órgão é outro, mas os novos cargos são, por força da lei, providos nas pessoas que exerciam os cargos anteriores” (assim, Raúl Ventura; Dissolução e Liquidação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, pp. 463 e 467).
Como regra geral, as funções dos liquidatários cessam com a extinção da sociedade, caso não tenha ocorrido qualquer anterior hipótese excecional, nomeadamente pela expiração do prazo de nomeação, pela morte, incapacidade ou inabilidade superveniente do liquidatário, por renúncia e por destituição.
Todavia, a intervenção dos liquidatários nem sempre cessa com a extinção da sociedade, cessação que, de facto, não tem lugar na hipótese de existirem ações pendentes, passivo ou ativo superveniente (arts. 162º a 164º do CSC), situações em que o liquidatário prolonga as suas funções.
Os liquidatários, autorizados pelos sócios, podem continuar a atividade anterior da sociedade, contrair empréstimos, desde que necessários à efetivação da liquidação, alienar em globo o património social e trespassar o estabelecimento; por imposição legal, devem ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações e cobrar os créditos da sociedade, reduzir a dinheiro o património social e propor a partilha dos haveres (artigo 152.º do CSC).
A liquidação destina-se a ultimar os negócios pendentes da sociedade, a cumprir as obrigações e a cobrar os créditos da sociedade, a reduzir a dinheiro o património residual (salvo o disposto no artigo 156.º, n.º 1, do CSC) e a propor a partilha dos haveres sociais (cfr. artigo 152.º, n.º 3, do CSC).
A liquidação “tem por finalidade última realizar um interesse dos sócios, mas que deve ser conseguida sem postergação dos interesses dos credores sociais” (assim, Carolina Cunha; “Liquidação de sociedades” in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume II, coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Almedina, 2015, p. 689). Estes interesses são potencialmente contraditórios. Por um lado, aos sócios interessa, não só recuperar o valor das suas entradas, como também receber os lucros produzidos e não periodicamente distribuídos (os lucros finais ou de liquidação, portanto). Por outro lado, aos credores sociais importa a satisfação dos seus créditos através do património da sociedade.
Concluído o processo de liquidação, os liquidatários submetem a deliberação dos sócios as contas finais, acompanhadas por um relatório completo da liquidação e por um projeto de partilha do ativo restante, devendo ser declarado, naquele, que estão satisfeitos ou acautelados os direitos dos credores (artigo 157.º do CSC).
Aprovadas que sejam as contas finais pelos sócios, em conformidade com o disposto no artigo 160.º do CSC, incumbe aos liquidatários requerer o registo do encerramento da liquidação, com o qual “(…), finalmente, a sociedade exala o último suspiro, isto é, se considera extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou activo superveniente” (assim, o Acórdão do STJ de 26-06-2008, in CJSTJ, Tomo II, p. 138).
A extinção da pessoa coletiva fá-la perder a personalidade jurídica, mas, nem por isso, cessam as relações jurídicas de que era sujeito ativo ou passivo.
Aliás, no que ao pagamento de responsabilidades respeita, a norma geral constante do artigo 1020.º do CC – de natureza geral e aplicável a qualquer contrato de sociedade – determina que “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, como se não tivesse havido liquidação”, situação que, assim, imporá a continuação das funções de liquidação.
O CSC distingue os casos em que existam ações pendentes, daqueles em que tais ações não existam ainda quando a sociedade é objeto de liquidação.
Dispõe o artigo 162.º do CSC – com a epígrafe “Acções pendentes” – o seguinte:
“1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação”.
Por seu turno, dispõe o artigo 163.º do CSC – com a epígrafe “Passivo superveniente” – o seguinte:
“1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
2 - As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.
3 - O antigo sócio que satisfizer alguma dívida, por força do disposto no n.º 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas.
4 - Os liquidatários darão conhecimento da acção a todos os antigos sócios, pela forma mais rápida que lhes for possível, e podem exigir destes adequada provisão para encargos judiciais.
5 - Os liquidatários não podem escusar-se a funções atribuídas neste artigo, sendo essas funções exercidas, quando tenham falecido, pelos últimos gerentes ou administradores ou, no caso de falecimento destes, pelos sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital da sociedade”.
O artigo 164.º do CSC trata, por seu turno, do ativo superveniente da sociedade extinta.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem incidido, em diversas situações, em torno da aplicação destes normativos legais podendo citar-se, exemplificativamente, as seguintes decisões (elencadas por ordem cronológica crescente):
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-06-2008 (Pº 08B1184, rel. SANTOS BERNARDINO): “Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha. A declaração, feita na escritura de dissolução e liquidação de uma sociedade por quotas, pelos seus dois únicos sócios, de que a sociedade não tem activo nem passivo e de que não há bens a partilhar, não vincula os credores sociais, porque não coberta pela força probatória material que, no art. 371º do CC, é reconhecida aos documentos autênticos”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-07-2009 (Pº 9792/06.2TBVNG.P1, rel. MARIA ADELAIDE DOMINGOS): “Apesar de extinta a sociedade, verificando-se que existe um passivo social não satisfeito ou acautelado, respondem então os antigos sócios, sem prejuízo do disposto quanto aos sócios de responsabilidade limitada, até ao montante que receberam na partilha. Isto relativamente às acções a propor, como às já propostas”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-04-2011 (Pº 3/05.9TTALM-B.L1.S1, rel. LEONOR CRUZ RODRIGES):
“As sociedades não se extinguem automaticamente por via do ato de dissolução conservando a sua personalidade jurídica até ao momento da inscrição no registo comercial do encerramento da respetiva liquidação. A declaração feita na ata da Assembleia Geral de uma sociedade por quotas, pelos seus dois únicos sócios, de que a sociedade não tem ativo nem passivo e de que não há bens a partilhar, não vincula os credores sociais, porque não coberta pela força probatória material, que no art.º 371.º do CC, é reconhecida aos documentos autênticos. A extinção da sociedade não produz nem a suspensão nem a extinção da instância nas ações em que a sociedade seja parte. (…) Sendo extinta a sociedade no decurso da execução contra ela instaurada esta prossegue contra os respetivos sócios, sem necessidade de habilitação, sendo a responsabilidade dos antigos sócios pelo passivo social limitada ao montante que receberam na partilha (artºs 162.º e 163.º, n.º 1, CSC). Prosseguindo a execução, nos termos dos artº.s 162.º e 163.º, n.º 1, do CSC, para pagamento do passivo, estando provado que à data da deliberação de dissolução existia passivo e ativo social, com este tendo sido posteriormente liquidadas dívidas da sociedade, e a existência de saldo remanescente do ativo social cujo destino não foi apurado, cabe aos sócios provar, através de outros meios que não a declaração mencionada em II, que se veio a revelar ser falsa, que nada receberam na partilha (art.º 414.º do CPC)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-05-2013 (Pº 656/12.1T4AVR-A.C1, rel. JORGE MANUEL LOUREIRO): “Dissolvida uma sociedade, esta entra em liquidação (artº 146º/1 CSC), mantendo ainda a sua personalidade jurídica (artº 146º/2 CSC). Os seus administradores passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (artº 151º/1 CSC), competindo-lhes, em tal veste, ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (artº 152º/3 CSC). Com a proposta respectiva, submetem a deliberação da sociedade (artº 157º/4 CSC) um relatório completo da liquidação, acompanhando as contas finais (artº 157º/1 CSC). Aprovada a deliberação, será requerido o registo do encerramento da liquidação – e é com este registo que a sociedade se considera extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou activo supervenientes. Apesar da extinção da sociedade, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, as relações jurídicas de que a mesma era titular não se extinguem, como resulta claramente do disposto nos artºs 162º, 163º e 164º do CSC”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-12-2014 (Pº 7534/13.5TBOER.L1, rel. PIMENTEL MARCOS): “Como resulta do n.º 1 do artigo 163.º do Código das Sociedades Comerciais, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, mas apenas até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada. A extinção da sociedade não produz a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte; estas prosseguem, a não ser que a sua continuação se torne inútil ou impossível”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-01-2019 (Pº 1500/12.5TBSCR.L1-1, rel. PEDRO BRIGHTON): “Uma vez dissolvida, a sociedade entra em liquidação, mantendo ainda a sua personalidade jurídica (cf. artº 146º nºs. 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais). Os seus administradores passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (artº 151º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais), competindo-lhes ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (artº 152º nº 3 do Código das Sociedades Comerciais). Com a proposta respectiva, submetem a deliberação da sociedade um relatório completo da liquidação, acompanhando as contas finais (artº 157º do Código das Sociedades Comerciais). Aprovada a deliberação, será requerido o registo do encerramento da liquidação. É com este registo que, finalmente, a sociedade se considera extinta. Com a extinção, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, ainda que não se extingam as relações jurídicas de que a sociedade era titular, como flui do disposto nos artºs. 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais, mas nos exactos termos neles previstos”; e
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2019 (Pº 4022/06.0TCLRS.L2.S1, rel. FÁTIMA GOMES): “Sendo extinta uma sociedade no decurso de acção judicial contra ela interposta, esta poderá prosseguir contra os antigos sócios, desde que estes tenham recebido bens na partilha, ficando a responsabilidade desses sócios pelo passivo social limitada pelo montante que receberam na partilha”.
E, especificamente, sobre a questão de saber como proceder no caso de a extinção da pessoa coletiva sobrevir ao conhecimento do demandante na pendência da ação, tomaram posição, designadamente, as seguintes decisões:
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-04-2001 (Pº 0120117, rel. TERESA MONTENEGRO): “Não pode ser suspensa a instância, por motivo de extinção da sociedade comercial, nas acções em que esta seja parte”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-02-2007 (Pº 1100/04.3TBVIS-A.C1, rel. HÉLDER ROQUE): “A habilitação incidental que acontece, por via de regra, quando, na pendência da causa, falece ou se extingue alguma das partes, pode, também, ocorrer por falecimento ou extinção anteriores à propositura da acção, certificadas no decurso das diligências efectuadas para a sua citação, sendo o meio idóneo de obter o levantamento da suspensão da instância. Consagrada na lei a responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente não incluído na liquidação, ou seja, não satisfeito ou acautelado, os débitos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios, pela via da sucessão”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-06-2008 (Pº 08B1184, rel. SANTOS BERNARDINO): “As acções pendentes, em que a sociedade seja parte, continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2012 (Pº 17316/09.3YIPRT-B.L1-7, rel. LUÍS LAMEIRAS): “Extinta uma sociedade comercial, pelo registo do encerramento da sua liquidação, as obrigações jurídicas que a vinculem transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios (artigos 160º, nº 2, e 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais); Ao cumprimento dessas obrigações apenas está afecto, contudo, o volume do património social distribuído na partilha, respondendo cada sócio apenas até ao montante do que nela houver recebido (artigo 163º, nº 1, citado); Nas acções (e execuções) pendentes contra a sociedade, à data da sua extinção, opera uma sucessão subjectiva, sem suspensão da instância e nem liquidação, considerando-se ela substituída pelos ex-sócios (artigo 162º do CSC)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2013 (Pº 2163/08.8YYLSB-B.L1-2, rel. VAZ GOMES): “A declaração feita na escritura, pelos sócios, de que nada receberam na sequência da liquidação apenas tem força probatória plena quanto ao facto de ter sido declarada a inexistência de activo e aos demais factos atestados com base na percepção do senhor notário (cfr. art.º 371, n.º 1 do CCiv), não faz prova plena de que inexiste activo e passivo. A sociedade considera-se extinta sem prejuízo do disposto nos art.ºs 162 a 164 do CSC pelo registo do encerramento da liquidação (cfr. art.º 160, n.º 2 do CSC); nas sociedades por quotas só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade salvo o disposto no art.º 198 do CSC ( cfr. 197, n.º 3 do CSC). A extinção da sociedade devedora pelo registo da escritura de dissolução e liquidação e cancelamento de matricula, não extingue a obrigação daquela sociedade plasmada na sentença condenatória dada à execução; encerrada a liquidação e extinta a sociedade, proposta a execução contra a sociedade extinta, certamente porque a exequente não cuidou de consultar previamente a certidão de matrícula da sociedade, nem por isso deve a sociedade extinta ser absolvida da instância, nem sequer suspensa a instância na medida em que a alínea a) do n.º 1 do art.º 276 ressalva essa situação das hipóteses de suspensão da instância, não sendo necessária a dedução do incidente de habilitação, bastando que se requeira que a execução prossiga contra os ex sócios-gerentes que são os sócios liquidatários da sociedade, as quais têm de ser, obviamente, citadas para execução. A falta de citação de uma das ex-sócias gerentes e liquidatárias dessa extinta sociedade para a execução nos termos do art.º 163 do CSC gera nulidade do processado quanto a ela, desde a prolação do despacho que determinou o prosseguimento da execução na pessoa dos ex-sócios”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-11-2013 (Pº 58/13.2TTSTB.E1, rel. PAULA DO PAÇO): “A extinção de uma sociedade ocorre com o registo do encerramento da liquidação. Tendo sido apresentada petição inicial contra uma sociedade que estava extinta, o que só se vem a conhecer aquando da tentativa de citação da mesma, é possível fazer intervir os sócios e/ou liquidatários, em substituição da sociedade, em prol do princípio da economia processual”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-06-2014 (Pº 20802/07.6YYLSB.L1, rel. MARIA TERESA ALBUQUERQUE): “Quando numa execução pendente se extinga a sociedade executada por dissolução e liquidação, não há que suspender a instância para potenciar a habilitação pelo exequente da generalidade dos sócios representados pelos liquidatários (ou, no caso da dissolução ter resultado do procedimento de extinção imediata consagrado no RJPADL, a habilitação dos membros do anterior orgão de administração), antes  devendo aqueles, ou estes, substituírem-se automaticamente  à sociedade executada”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-03-2015 (Pº 204/05.0TBPCR-B.G1, rel. MANUEL BARGADO): “Com a extinção da sociedade, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do disposto nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais. Assim, no tocante às acções pendentes em que a sociedade seja parte, elas continuam após a extinção desta, que se considera substituída – sem que haja lugar a suspensão da instância, uma vez que não é necessária habilitação – pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários. Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-03-2015 (Pº 85254/13.7YIPRT.P1, rel. ANA PAULA AMORIM): “Operando-se a extinção da sociedade deixa de existir a pessoa coletiva, perdendo a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do preceituado nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais. Face ao regime do art. 162º Código das Sociedade Comerciais, no que concerne às ações pendentes em que a sociedade seja parte, as mesmas continuam (após a sua extinção), que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (sem que haja suspensão da instância, por não ser necessária a habilitação): são eles que passam a ser parte na ação, representados pelos liquidatários. E estes passam a ser considerados como representantes legais da generalidade dos sócios. A extinção da sociedade, por efeito do registo do encerramento da liquidação, não produz a extinção da instância nas ações em que a sociedade seja parte, pois tais ações continuam, sem prejuízo das hipóteses em que a natureza da relação jurídica controvertida torne impossível ou inútil a continuação da lide”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-05-2015 (Pº 119/14.0TBCTB.C1, rel. FALCÃO DE MAGALHÃES): “Os arts. 162° e 163° do Código das Sociedades Comerciais, distinguem e regulam dois modos diferentes de fazer intervir os sócios em acção instaurada por dívida da sociedade extinta, consoante a acção esteja pendente à data da extinção da sociedade ou seja instaurada após a extinção da sociedade. Tratando-se de acção pendente à data da extinção da sociedade, a substituição da sociedade pelo conjunto dos sócios, representados pelos liquidatários, é imediata e feita no próprio processo, sem necessidade de qualquer justificação e sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação (art. 162° do CSC). Tratando-se de acção a instaurar após a extinção da sociedade por dívida não paga nem acautelada no acto da liquidação, terá que ser proposta contra a generalidade dos sócios, também representados pelos liquidatários, e considerando que cada sócio apenas responde até ao montante que recebeu na partilha (art. 163°, n° 1, do CSC), o demandante terá que justificar, na petição inicial, que, aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-10-2015 (Pº 482/12.8TBCBT.G1, rel. MARIA LUÍSA RAMOS): “Encontrando-se a sociedade Autora extinta pelo registo do encerramento da liquidação, nos termos do nº2 do artº 160º do CSC, tal não impede o prosseguimento da acção e reconvenção nos termos do citado artº 162º, do citado diploma legal, prosseguindo a acção, sendo a generalidade dos sócios representados pelos liquidatários. Nos termos do disposto no nº1 do artº 151º do CSC, “os membros da admistração da sociedade” passam a ser os liquidatários desta a partir do momento em que a sociedade se considera dissolvida, e, cujas funções terminam com a extinção da sociedade, sem prejuízo, porém, do disposto nos artº 162º a 164º”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-06-2017 (Pº 32079/15.5 T8LSB.L1-6, rel. TERESA PARDAL): “Extinta sociedade, depois de ter sido declarada insolvente e de ter sido encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, a acção onde se peticiona o reconhecimento da resolução de um contrato de aluguer de veículos e a restituição dos mesmos, deverá prosseguir, mediante a substituição da sociedade pelo sócio titular da sua única quota, nos termos do artigo 162º do CSC. Não obsta ao prosseguimento dos autos o facto de a extinção ter ocorrido antes da propositura da acção e ter sido apurada no âmbito das diligências de citação, devendo interpretar-se o artigo 162º do CSC como sendo aplicável às acções pendentes, quer a extinção da sociedade tenha ocorrido na pendência da acção, quer tenha ocorrido antes da propositura da acção, mas apurada na sua pendência”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-12-2017 (Pº 1850/15.9T8LRS.L1-6, rel. ANTÓNIO SANTOS): “A aplicação do disposto no artº 162º, nºs 1 e 2, do Código das Sociedades Comerciais, pressupõe que a sociedade demandada venha a extinguir-se já no decurso da acção. Mas, a admitir-se que seja também ele aplicável quando a acção é intentada já após a extinção da sociedade demandada, em consonância com o disposto no nº2, do artº 351º , do CPC, apenas se justifica haver substituição da sociedade extinta pelos seus sócios se o demandante, v.g. através de articulado superveniente, vier alegar que a sociedade extinta tinha bens e que os mesmos foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31-01-2019 (Pº 471/14.8T8SLV.E1, rel. SILVA RATO): “Em face das situações em que uma sociedade comercial, na constância de um processo judicial, se extinguiu, perdendo assim a sua personalidade jurídica e judiciária, mostrou-se necessário que o direito processual desse uma resposta adequada às situações em que as relações jurídicas de que era titular a extinta sociedade, nomeadamente as atinentes ao seu passivo, possam ser dirimidas pelos seus antigos sócios que, nos termos do art.º 163º do Código das Sociedades Comerciais, respondem por esse passivo, até ao montante que receberam na partilha da sociedade. Assegurando-se assim, de uma forma expedita, que os que sucederam no património da extinta sociedade e no limite dos direitos e das obrigações que lhes cabem nesse âmbito, em face do disposto nos art.ºs 163 e 164º do CSC, substituam processualmente a extinta sociedade. A habilitação dos sucessores da sociedade extinta, faz-se pela mera substituição processual da anterior parte, sociedade comercial extinta, pelos seus ex-sócios, representados pelos liquidatários, se os houver, ou pelos próprios sócios no caso de não haver liquidatários”
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-04-2019 (Pº 228/16.1T8VNF-A.G1, rel. CONCEIÇÃO SAMPAIO): “As ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, operando-se a substituição no próprio processo e sem necessidade de habilitação (art. 162.º do CSC). Uma vez extinta a sociedade os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha, assentando o fundamento desta limitação na distinção entre o património social e o património individual dos sócios, em obediência à autonomia da personalidade jurídica de cada um”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05-12-2019 (Pº 6925/18.0T8GMR-A.G1, rel. LIGIA VENADE): “Para efeito de sucessão no caso de pessoas coletivas e por analogia no caso das fundações há que atender á regra especial prevista no artº. 162º do Código das Sociedades Comerciais: dispensa-se a habilitação, prosseguindo a ação contra a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários; o que não significa que a substituição operada tenha imediata correspondência com a titularidade da relação material”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-02-2021 (Pº 2538/15.6T8PDL-B.L1-2, rel. LAURINDA GEMAS): “Na execução para pagamento de quantia certa em que, na pendência da mesma, ocorre a extinção da sociedade comercial (anónima) Executada, nos termos dos artigos 11.º, n.º 4, e 13.º do RJPADLEC, com o registo da decisão administrativa da dissolução e encerramento da liquidação, é aplicável o disposto no art. 162.º do CSC, do qual resulta que as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC. Com efeito, o legislador optou por facultar ao credor que já foi a juízo (para fazer valer o seu direito) um “caminho mais fácil”, o do n.º 2 do art. 163.º, ou seja, não determinou que o processo prosseguirá contra os próprios sócios (em sentido amplo entenda-se, incluindo, pois, os acionistas), que teriam de ser “habilitados”, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, reconhecendo assim a personalidade judiciária deste “coletivo dos sócios”. Em situações como a dos autos, em que não existiu procedimento de liquidação com partilha, mas está comprovada a existência de ativo, de bens que não foram partilhados (no caso, imóveis penhorados, com registo de aquisição a favor da sociedade Executada) e de passivo (no caso, o crédito exequendo), a execução pode e deve prosseguir contra a “generalidade dos sócios”, representados pelos liquidatários, pois não se está perante uma circunstância conducente à inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide”.
Da conjugação dos referidos normativos resulta que, havendo ações pendentes, as mesmas continuam o seu curso, só que com a substituição da sociedade por todos os sócios, que passam a ser representados pelos liquidatários (cfr. artigo 162.º do CSC).
Já se houver passivo social não satisfeito ou acautelado, é dos sócios a respetiva responsabilidade, até ao montante do que receberam na partilha, sendo as ações necessárias para tanto, propostas contra eles, mas na pessoa dos liquidatários, considerados, para o efeito, como seus representantes legais (artigo 163.º do CSC).
O ativo não partilhado que eventualmente possa existir é levado a partilha adicional pelos liquidatários, que podem propor as ações que se revelarem necessárias para a cobrança de créditos, caso em que serão considerados representantes legais dos sócios, sem embargo de cada qual destes poder propor ação limitada ao seu interesse (artigo 164.º do CSC).
Assim, nos termos do referido regime legal, a extinção da sociedade não produz a extinção da instância nas ações em que a sociedade seja parte. Tais ações continuam, considerando-se a sociedade “substituída pela generalidade dos sócios”, sem necessidade de suspensão da instância ou de habilitação (não se subscrevendo, por isso, a tese de que para tal suceda tenha de ocorrer algum destes mecanismos processuais ou a citação dos sócios – cfr., em sentido contrário, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-10-2007, Pº 0740654, rel. FERNANDES ISIDORO), o que configura solução legal compatível com a prevista no nº. 2 do artigo 269.º do CPC, para as situações de transformação ou fusão de pessoa coletiva ou sociedade, que seja parte na causa.
No que concerne à intervenção do liquidatário, este funcionava no processo como representante da sociedade e passará a ser considerado representante legal da generalidade dos sócios.
E, conforme explica Mircéa Isadora Araújo Delgado (“Dissolução e liquidação das sociedades comerciais”, in Revista de Direito das Sociedades, Coimbra, a. 2 n. 1-2 (2010), p. 264, disponível em: http://www.revistadedireitodassociedades.pt/files/RDS%202010-1e2%20(251-267)%20-%20Doutrina%20-%20Mirc%C3%A9a%20Isidora%20Delgado%20-%20Dissolu%C3%A7%C3%A3o%20e%20liquida%C3%A7%C3%A3o%20das%20sociedades%20comerciais.pdf), “quanto às dívidas litigiosas, os liquidatários devem prestar caução ao credor como forma de acautelar os seus eventuais direitos. A consignação em depósito efectuada pela sociedade uma vez efectuada não pode ser revogada pela mesma, a menos que prove que a dívida se extinguiu por outro facto”.
Explicitando as razões – o porquê e o como de os débitos, bens e créditos, que tinham como sujeito a sociedade passarem a ser encabeçados nos sócios - da solução legal refere Raúl Ventura (Dissolução e Liquidação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, pp. 480 a 490) o seguinte: “o como não pode deixar de ser uma sucessão”, enquanto que, “o porquê é, em primeiro lugar, intuitivo; desaparecida a sociedade-sujeito, e mantidos vivos os direitos da sociedade ou contra esta, só os sócios podem ser os novos titulares desse activo e passivo. A explicação jurídica dessa instituição reside na extensão do direito de cada sócio relativamente ao património ex-social. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação, distribuído pela partilha. Se tiverem recebido mais do que era seu direito, porque há débitos sociais insatisfeitos, terão se os satisfazer; se tiverem recebido menos, porque não foram partilhados bens sociais, terão direito a estes (…).
(…) a legal solução consagrada no transcrito artº. 1020º, do Cód. Civil, consiste em os antigos sócios continuarem responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, como se não tivesse havido liquidação. Por outras palavras, a responsabilidade dos sócios para com terceiros, relativos aos débitos sociais não satisfeitos durante a liquidação, não é afectada pela facto de a liquidação ter terminado e a sociedade ter sido extinta”.
E, conclui o referido Autor (ob. e loc. cits.): “A responsabilidade recai sobre os «antigos sócios», corroborando o adjectivo que a sociedade está terminada e afastando a ideia de que, para esse efeito limitado, se considere constituída alguma nova sociedade. São de tomar como «antigos sócios» aqueles que tinham essa qualidade no momento da extinção da sociedade ; no caso de posteriormente falecer algum antigo sócio, respondem os seus sucessores nos termos legais (…).
Esta responsabilidade “é limitada ao montante que receberam na partilha (…) relativamente a cada sócio, i.e., cada sócio é responsável até ao montante por ele recebido na partilha e não por aquilo que outros sócios também tenham recebido, o que atingiria potencialmente a totalidade do activo partilhado”.
Pode concluir-se que, “as situações de existência de activo ou passivo que se venham a constatar em momento superveniente ao da extinção da pessoa colectiva foram expressamente ressalvadas pelo legislador nos artigos 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais, sem que tal implique o “renascer” da pessoa colectiva” (assim, o Aórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-01-2013 (Pº 144/12.6TBFIG.C1, rel. CARVALHO MARTINS).
Por outro lado, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2019 (Pº 9148/10.2YIPRT-C.L1-2, rel. ARLINDO CRUA), “o mecanismo legal inscrito no transcrito nº. 2, do artº. 162º, visa facilitar a actuação dos credores sociais, sem prejudicar os sócios. Com efeito, depois de extinta a sociedade, os credores sociais ver-se-iam confrontados com “uma pluralidade de devedores, desprovidos, em princípio, de uma representação unitária e embora os pudessem demandar conjuntamente, nos termos do art. 30º, nº. 1, CPC, estariam sujeitos a incómodas contingências para a identificação dos actuais réus (por exemplo, dificuldades de determinação dos sucessores, no caso de falecimento de algum antigo sócio; desconhecimento dos antigos titulares de acções não registadas) e a complicações processuais, como as citações de numerosos réus e a eventual separação das defesas destes” (sublinhado nosso).
Desta forma, a consagrada solução alternativa, “consiste em «despersonalizar» os sócios, para efeitos processuais, admitindo a propositura das acções contra a «generalidade» deles e ao mesmo tempo atribuir aos liquidatários (ou outras pessoas, na falta deles) a representação processual dessa «generalidade»”. Pelo que bastará, aquando da propositura da acção pelo reclamado credor social, identificar na petição inicial os representantes, ou seja, os liquidatários da extinta sociedade, “o que o credor não tem dificuldade em fazer, bastando-lhe consultar o registo comercial” (…).
[A] enunciada “generalidade dos (antigos) sócios” tem personalidade judiciária, actuando os liquidatários “judicialmente como representantes da generalidade dos sócios ; recebem da lei o encargo de defender interesses alheios, em continuação de uma função que, relativamente à sociedade, aceitaram exercer”.”.
Importa ainda salientar que, conforme se evidenciou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-05-2015 (Pº 119/14.0TBCTB.C1, rel. FALCÃO DE MAGALHÃES): “Só tem direito ao reembolso do activo restante quem for sócio na data da partilha ou o titular do direito, se tiver sido alienado o direito ao saldo de liquidação. E se de acordo com o que estabelece o artº 163º, nas acções que, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, foram interpostas para cobrança do passivo social não satisfeito ou acautelado, os antigos sócios respondem apenas até ao montante que receberam na partilha, afigura-se que só quem, à data da partilha, tenha a qualidade de sócio, pode responder nos termos do preceito em análise. Significa isto que “antigo sócio”, para efeitos do disposto no artº 163º do CSC, não é todo aquele que tenha tido essa qualidade ao longo da vida da sociedade, mas apenas quem a possua na ocasião da partilha, sendo que, mesmo neste caso, em princípio, só responderá pelo passivo superveniente se houver recebido aquando da partilha e, nesse caso, ainda, apenas até ao montante que recebeu”.
Por entendermos situar, com clareza e precisão, os termos da questão, reproduzimos as considerações expendidas por Carolina Cunha (“Responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente após a extinção da sociedade nos casos de ausência de liquidação”, in III Congresso de Direito das Sociedades em Revista, 2014, Almedina, pp. 173 a 175):
“Por circunstâncias várias, envolvendo ou não culpa (ou dolo) dos liquidatários, pode a sociedade vir a ser extinta sem que estejam satisfeitos todos os credores sociais. Os interesses dos credores e do tráfico jurídico em geral opõem-se fortemente a que a extinção da sociedade acarrete a extinção das dívidas sociais. Ora, permanecendo as dívidas, há que determinar quem responde por elas.
A regra geral é a consagrada pelo art. 163.°: a responsabilidade dos antigos sócios, embora limitada pelo montante que receberam em partilha.
O fundamento da solução legalmente consagrada radica numa ideia de sucessão na titularidade daquela relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social. Os sócios têm direito ao saldo de liquidação distribuído pela partilha; mas, se houverem recebido mais do que o que era seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora, à custa dos bens que receberam.
Assim se compreende que a responsabilidade de cada sócio pelo passivo superveniente tenha como limite o montante que recebeu em partilha. Depois, segundo o n.° 3 do art. 163.°, o(s) antigo(s) sócio(s) que satisfizerem os credores - credores que podem demandar aquele ou aqueles sócios que entenderem e que podem proceder judicial ou extrajudicialmente - gozam de direito de regresso contra os restantes, de maneira a restabelecer a proporção de cada um nos lucros e nas perdas (cfr. em particular, o art. 156.°, 3).
O fundamento desta espécie de sucessão restrita no débito societário assenta portanto numa ideia de devolução: se os sócios houverem recebido mais do que lhes pertencia porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, mais tarde, à custa dos bens que lhes haviam sido entregues.
O art. 163.°, 2 vem ainda estabelecer, com vantagens para credores e sócios, um mecanismo de representação processual encabeçado no liquidatário. O credor superveniente pode, desde logo, optar por demandar apenas um ou alguns dos sócios (como decorre directamente do n.° 1), mas o n.° 2 vem igualmente conceder-lhe a faculdade de propor a acção contra a generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário. Os proveitos desta opção são manifestos, ao poupar aos credores os incómodos e as contingências de terem de intentar uma acção contra vários réus - basta-lhes consultar o registo comercial para identificar o liquidatário. Mas também os antigos sócios colhem benefício nesta representação global (veja-se, aliás, a obrigação que o art. 163.°, 4 impõe ao liquidatário de dar conhecimento da acção a todos eles da forma mais rápida que for possível).
Por força do art. 163.°, 2, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles (com as excepções previstas no art. 332.° do CPCiv quando o sócio tenha intervindo como assistente ). Quer isto dizer que, tratando-se de uma sentença condenatória, pode ser executada na medida das responsabilidades individuais de cada um”.
Prosseguindo a sua análise, refere a referida Autora (“Responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente após a extinção da sociedade nos casos de ausência de liquidação”, in III Congresso de Direito das Sociedades em Revista, 2014, Almedina, pp. 192 a 194) o seguinte:
“(…) O grande melindre da responsabilização dos sócios pela via fornecida pelo art. 163.° CSC - aquela que a prática demonstra ser a preferida dos credores – permanece (…) a limitação dessa responsabilidade ao montante que os mesmos sócios hajam recebido em partilha.
O facto de haverem declarado - seja no procedimento de extinção imediata, seja (com maior frequência, parece) na escritura pública por intermédio da qual procedem à dissolução da sociedade - a inexistência quer de activo, quer de passivo não impede a sua responsabilização subsequente, sendo entendimento pacífico da jurisprudência que a declaração de inexistência de bens a partilhar, mesmo que exarada em escritura, "não vincula os credores sociais porque não coberta pela força probatória material que, no art. 371.° do CCiv. , é reconhecida aos documentos autênticos"; e, seja como for, "a verdade patrimonial de uma sociedade não se demonstra com uma simples declaração unilateral dos seus sócios, dizendo que não há activo" .
Resta, então, a vexata quaestio de saber a quem incumbe o ónus de provar a (in)existência de bens partilhados: se são os credores que devem alegar e provar a existência de bens sociais como facto constitutivo do seu direito (art. 342.°, 1 CCiv.), se são os sócios que, instados a responder pela dívida societária terão de alegar e provar a inexistência de bens partilhados como facto impeditivo do direito dos credores (342.°, 2).
A tese do facto constitutivo, que assaca o ónus da prova da existência e partilha de bens societários aos credores como pressuposto do exercício judicial do seu direito, parece ainda dominar a jurisprudência, embora tenha vindo perder terreno para a posição contrária”.
De acordo com a mencionada “tese do facto constitutivo”, compete aos credores alegar e provar a existência de bens na esfera patrimonial da sociedade e que esses bens foram partilhados pelos sócios, sob pena de estes não serem responsabilizados pelo passivo superveniente, considerando-se que o ónus da prova em questão traduz um facto constitutivo do direito dos credores, nos termos do artigo 342º nº 1 do Código Civil.
Perfilham esta orientação, Raúl Ventura (Dissolução e Liquidação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, p. 471); os Acórdãos do Supremo Tribunal Justiça, de 23-04-2008 (Pº 07S47.45, rel. SOUSA PEIXOTO); de 26-06-2008 (Pº 08B1184, rel. SANTOS BERNARDINO); de 07-02-2013 (Pº 9787/2003, rel. BETTENCOURT DE FARIA); de 12-03-2013 (Pº 7414/09.9TBVNG.P2.S1, rel. GARCIA CALEJO); de 04-06-2013 (Pº 5475/11.0TBMTS.P1, rel. FERNANDO SAMÕES); de 25-10-2018 (Pº 3275/15.7T8MAI-A.P1.S2, rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO); de 09-12-2021 (Pº 4301/14.2T8LOU.P1.S1, rel. CATARINA SERRA); da Relação de Lisboa de 12-07-2012 (Pº 17316/09.3YIPRT-B.L1-7, rel. LUÍS LAMEIRAS); de 12-06-2014 (Pº 20802/07.6YYLSB.L1, rel. MARIA TERESA ALBUQUERQUE); de 05-11-2015 (Pº 1461-13.3TVLSB-A.L1-6, rel. REGINA ALMEIDA); de 16-03-2016 (Pº 921/14.3 T8LRS.L1-4, rel. PAULA SANTOS); de 21-12-2017 (Pº 1850/15.9T8LRS.L1-6, rel. ANTÓNIO SANTOS); de 29-01-2019 (Pº 1500/12.5TBSCR.L1-1, rel. PEDRO BRIGHTON); da Relação do Porto de 10-09-2012 (Pº 2001/05.3TVPRT.P1, rel. SOARES DE OLIVEIRA); de 04-06-2013 (Pº 5475/11.0TBMTS.P1, rel. FERNANDO SAMÕES); de 13-01-2014 (Pº 472/06.0TTSTS-C.P1, rel. JOÃO NUNES); de 21-09-2015 (Pº 639/10.6TTMTS.1.P1, rel. PAULA MARIA ROBERTO); de 06-04-2017 (Pº 1345/14.8T2AGD-A.P1, rel. FILIPE CAROÇO); de 27-04-2017 (Pº 546/12.8T2ILH.P1, rel. RUI MOREIRA); de 05-02-2018 (Pº 3275/15.7T8MAI-A.P1, rel. CORREIA PINTO); de 15-11-2021 (Pº 15/14.1TTOAZ.1.P2, rel. PAULA LEAL DE CARVALHO); da Relação de Coimbra de 05-05-2015 (Pº 119/14.0TBCTB.C1, rel. FALCÃO DE MAGALHÃES); da Relação de Évora de 28-11-2013 (Pº 58/13.2TTSTB.E1, rel. PAULA DO PAÇO); da Relação de Guimarães de 27-02-2012 (Pº 255205/09.6YIPRT-B.G1, rel. ANA CRISTINA DUARTE); de 28-11-2013 (Pº 58/13.2TTSTB.E1, rel. PAULA DO PAÇO); de 04-04-2019 (Pº 228/16.1T8VNF-A.G1, rel. CONCEIÇÃO SAMPAIO); de 04-03-2021 (Pº 278/19.7T8BCL.G1, rel. MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO).
Em sentido contrário situa-se a denominada “tese do facto impeditivo”, segundo a qual se considera que o ónus da prova traduz um facto impeditivo dos direitos dos credores, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do CC, invocável mediante exceção perentória, pelo que incumbirá aos antigos sócios o ónus de provar que a sociedade extinta não era detentora de bens ou valores e que, como tal, nada receberam na partilha do património social ou que receberam valores inferiores ao do crédito peticionado; aos credores sociais caberá apenas a alegação e a prova de que têm um direito sobre a sociedade.
Trata-se – a mencionada tese do facto impeditivo - da orientação perfilhada por Carolina Cunha (“Responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente após a extinção da sociedade nos casos de ausência de liquidação”, in III Congresso de Direito das Sociedades em Revista, 2014, Almedina, pp. 193-194); Sónia Alexandra dos Santos Felício (A Dissolução Imediata de Sociedades por Deliberação dos Sócios; Escola Superior de Tecnologia e Gestão, Instituto Politécnico de Leiria, Leiria, Agosto 2015, p. 31, disponível no endereço: https://iconline.ipleiria.pt/bitstream/10400.8/1538/1/S%C3%B3nia%20Fel%C3%ADcio_Disserta%C3%A7%C3%A3o%20MSE-ESTG.pdf); Ana Luísa Miranda Ferreira (A Liquidação societária e a responsabilidade pelo passivo superveniente; Universidade Católica Portuguesa, Escola de Direito do Porto, 2015, pp. 47-50, consultado em: https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18945/1/Liquida%C3%A7%C3%A3o%20societ%C3%A1ria%20e%20Responsabilidade%20pelo%20passivo%20superveniente_vf.pdf); Joana Alexandra Carvalho Maia (Dissolução e Liquidação Societária: A (Des)proteção dos credores sociais; FDUP, Porto, 2017, pp. 44-47, disponível em: https://sigarra.up.pt/reitoria/pt/pub_geral.show_file?pi_doc_id=129486); e, na jurisprudência, nela alinharam, os Acórdãos: do Supremo Tribunal de Justiça de 28-04-2011 (Pº 3/05.9TTALM-B.L1.S1, rel. LEONOR CRUZ RODRIGES); do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-03-2010 (Pº 418/11.3TTVCT. P2, rel. FERNANDA SOARES); de 15-03-2011 (Pº 611/09.9TJLSB.L1-1, rel GRAÇA ARAÚJO); de 12-06-2014 (Pº 4777/06.1TVLSB. L1-1, rel. AFONSO HENRIQUE); de 07-10-2015 (Pº 518/12.2TTCSC.L2-4, rel. MARIA JOÃO ROMBA); de 08-03-2017 (Pº 449/08.0TTCSC.1.L1-4, rel. MARIA JOÃO ROMBA) e, ainda, o voto de vencido de PINTO HESPANHOL, expresso no Acórdão do STJ de 23-04-2008 (Pº 07S4745).
Ora, afigura-se-nos que a correta interpretação dos normativos em apreço e a adequada consideração dos interesses em presença, determinam que se mostre mais ajustada a consideração da aludida “tese do facto impeditivo”, que ora se perfilha.
A razão de ser da opção perfilhada assenta nos válidos argumentos expendidos pela jurisprudência e pela doutrina em apreço, que se podem sintetizar, nas palavras de Carolina Cunha, nos seguintes termos:
“(…) A tese do facto impeditivo, para a qual já me havia inclinado anteriormente tem vindo a ganhar o favor de alguma jurisprudência. Os argumentos em que se apoia são detalhadamente formulados pela Relação de Lisboa no seu acórdão de 15-03-2011.
O tribunal começa por estabelecer que a relação jurídica que o credor social traz à lide, nos termos do art. 163.° do CSC, é aquela que o liga à sociedade, posto que nenhuma outra, diversa e autónoma, se constituiu com os respectivos sócios. Daqui retira que ao credor social apenas cabe a prova dos factos constitutivos desse seu direito sobre a sociedade (nos termos, obviamente, do art. 342.°, 1 CCiv.), cabendo correspectivamente aos sócios invocar e provar que o credor está impedido de obter, naquele momento, o ressarcimento total ou parcial do seu crédito sobre a sociedade, uma vez que da liquidação da mesma não resultou qualquer saldo ou não resultou saldo suficiente. Nas palavras do tribunal, esta posição é "a única que assegura ao credor insatisfeito uma situação idêntica à que se verificaria caso a sociedade não estivesse extinta"; ora, "tendo a sociedade sido dissolvida por deliberação dos sócios, como é o caso, e igualmente por estes liquidado o respectivo património (circunstâncias a que o credor social é alheio)", não se compreende "por que razão deve ser o credor insatisfeito a suportar os custos acrescidos dessa situação no que respeita aos ónus que processualmente lhe incumbem (sendo, aliás, certo que já sofre as consequências derivadas da cessação do giro comercial da empresa)".
Adicionalmente, critica a Relação de Lisboa à tese contrária o facto de exigir do credor uma prova que "necessariamente pressupõe um conhecimento sobre a situação económico-financeira da sociedade que ele, naturalmente, não terá, em muito dificultando ou, mesmo, inviabilizando a satisfação de um crédito que ele, efectivamente, tem" - isto quando, correlativamente, os sócios se encontram numa "posição ideal para alegar e provar aquilo que receberam ou não receberam na partilha".
Trata-se, de facto, da solução que melhor adequa os interesses divergentes em presença, pois, na realidade, são os antigos sócios que “conhecem melhor a situação económico-financeira da sociedade comercial, encontram-se numa posição privil[e]giada em relação aos credores para alegar e provar que antes da dissolução da sociedade não existiam bens sociais e que, por causa disso, não existiu qualquer partilha que os beneficiasse. O facto de os sócios suportarem os custos processuais inerentes à realização da prova conduz a uma injustiça, só ultrapassável com a interpretação do ónus da prova, como facto impeditivo do direito nos termos do nº 2 do art. 342º do Código” (assim, Sónia Alexandra dos Santos Felício; A Dissolução Imediata de Sociedades por Deliberação dos Sócios; Escola Superior de Tecnologia e Gestão, Instituto Politécnico de Leiria, Leiria, Agosto 2015, p. 31).
Perante o que vem acabado de referir, podem-se extrair as seguintes conclusões:
- A extinção de uma sociedade pelo registo da escritura de dissolução e liquidação e cancelamento de matricula, não extingue as obrigações a que aquela se encontrava adstrita;
- As ações judiciais pendentes em que uma sociedade seja parte – ativa ou passiva - continuam, mesmo após a sua extinção, sendo a mesma substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (cfr. artigo 162.º, n.º 1, do CSC);
- Tal substituição é automática, não implicando qualquer suspensão da instância, nem exigindo o recurso ao incidente de habilitação (cfr. artigo 162.º, n.º 2, do CSC);
- As ações judiciais a instaurar após a extinção da sociedade por dívida não paga nem acautelada no ato da liquidação, serão propostas contra a generalidade dos sócios, também representados pelos liquidatários (art. 163°, n° 1, do CSC),
- Dissolvida a sociedade, encerrada a liquidação e extinta aquela, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, nas operações de liquidação (passivo superveniente), até ao montante que receberam na partilha, não podendo o património pessoal dos sócios – para além do recebido na partilha- ser afetado (cfr. artigo 163.º, n.º 1, do CSC);
- Os antigos sócios – demandados como sucessores da sociedade ou prosseguindo na sua pessoa as ações pendentes relativamente à pessoa coletiva extinta - são responsáveis pelo pagamento do passivo superveniente, não incluído na liquidação - ou seja, não satisfeito ou acautelado - passando os débitos que tinham como sujeito a sociedade a ser encabeçados nos sócios, pela via da sucessão, mas até ao montante que receberam na partilha;
- “Antigo sócio”, para efeitos do disposto no artigo 163.º do CSC, não é todo aquele que tenha tido essa qualidade ao longo da vida da sociedade, mas apenas quem a possua na ocasião da partilha, sendo que, mesmo neste caso, em princípio, só responderá pelo passivo superveniente se houver recebido aquando da partilha e, nesse caso, ainda, apenas até ao montante que recebeu;
- A representação dos sócios, nessas ações, é garantida pelos liquidatários, que agem como seus representantes legais, passando a figurar, nomeadamente do lado passivo, em substituição da primitiva ré sociedade, para todos os efeitos, incluindo a citação;
- Os casos de ativo e passivo societário verificados em momento superveniente ao da extinção da pessoa coletiva – a que se referem os artigos 163.º e 164.º do CSC- não implicam o “renascer” da pessoa coletiva extinta;
- A relação jurídica que o credor social traz à lide liga-o à sociedade, pelo que àquele cabe apenas a prova dos factos constitutivos desse seu direito sobre a sociedade, cabendo correspectivamente aos antigos sócios da sociedade invocar e provar que o credor está impedido de obter, naquele momento, o ressarcimento total ou parcial do seu crédito sobre a sociedade, uma vez que da liquidação da sociedade não resultou para os sócios qualquer saldo ou não resultou saldo suficiente;
- Caso não sejam demonstrados os factos impeditivos invocados pelos antigos sócios e seja demonstrada a existência do direito do credor, o cumprimento da obrigação em que sucederam, poderá ser assacado aos antigos sócios;
- Todavia, segundo o n.° 3 do art. 163.° do CSC, os antigos sócios que satisfizerem os credores - credores que podem demandar aquele ou aqueles sócios que entenderem e que podem proceder judicial ou extrajudicialmente - gozam de direito de regresso contra os restantes.
Revertendo estas considerações para o caso que nos ocupa, verifica-se que, instaurada que foi a ação pelo autor/demandante contra uma das sócias e gerente da sociedade e contra esta sociedade - demandada como uma das primitivas rés- e indagando-se pela citação desta, veio a ser constatado que a pessoa coletiva se encontrava extinta, porque concluídas as operações de dissolução e liquidação, encontrando-se cancelada a respetiva matrícula no registo comercial.
Notificado o autor de tal situação, o mesmo veio requerer, nos termos do artigo 162.º do CSC, a substituição da sociedade pela generalidade dos sócios, representados pela liquidatária (a 2.ª ré), que foi citada nessa qualidade.
Tal prosseguimento da demanda foi fundado pelo autor, na circunstância que alegou: “uma vez que não foi salvaguardado no relatório que o crédito do ora autor estava satisfeito nos termos do art.º 157 do CSC”.
Ora, conforme resulta claro, a intervenção do Tribunal ocorreu na sequência de requerimento apresentado pelo autor, no qual veio este suscitar a questão, cujo conhecimento se mostrou pertinente e que ocupou o objeto do referido despacho de 18-09-2017.
Não se alcança, pois, excesso na pronúncia levada a efeito pelo Tribunal recorrido, ao admitir, nos termos processualmente exarados, a substituição da sociedade demandada pelos respetivos sócios.
Para além disso, cumpre salientar que não é compatível com a realidade ocorrida que o autor não tenha introduzido nos autos os factos que, no seu entender, justificavam o prosseguimento da demanda contra os sócios da sociedade extinta, representados pelo liquidatário, legitimando a pronúncia subsequente do Tribunal, adiante-se, sem se aquilatar algum excesso na mesma.
As rés, aliás, compreendendo a demanda, pronunciaram-se sobre a responsabilidade pugnada pelo autor, alegando, nomeadamente, na contestação, o seguinte:
“(…) 24. Conforme decorre da Certidão do Registo comercial junta aos autos, a sociedade R. foi dissolvida e encerrada a sua liquidação conforme apresentação AP.25/20150227, com contas aprovadas em 25.02.2015.
25. Conforme decorre da acta de dissolução e liquidação da R. Artigo Catorze, à data da liquidação não tinha a sociedade qualquer activo ou passivo conhecido (Doc. 2).
26. Assim, da liquidação nada receberam os seus sócios, incluindo a R. Maria Antónia.
(…)
29. Pelo que, os sócios da sociedade R. Artigo Catorze desconheciam qualquer passivo que se pudesse relacionar com a dívida de honorários em apreço (e que não se reconhece).
30. Logo, sempre estaríamos perante um passivo superveniente, pelo que a R. MA, na qualidade de antiga sócia, só responderia pelo montante que pudesse ter recebido na partilha.
31. Nada tendo esta recebido, nenhum valor poderá ser reclamado à R. MA (…)”.
Improcedente se mostra, pois, o primeiro segmento invocado para sustentar excesso na pronúncia levada a efeito pelo Tribunal recorrido, não merecendo procedência a conclusão A constante das alegações de recurso.
Quanto ao segundo segmento relativamente ao qual é invocada a ocorrência de excesso de pronúncia do julgador, foi invocado na alegação de recurso o seguinte:
“b) Da fixação do ponto 20 no elenco dos factos provados
O Tribunal considerou provado, no ponto 20 da decisão a matéria de facto, que “(…) a senhoria EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. pagou, em data não apurada, a quantia de 80.000,00 Euros devida por força do mesmo acordo, quantia que foi recebida pelos sócios da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., nessa qualidade”.
Ora, também no que concerne a este ponto se verifica que o Tribunal extravasa manifestamente os limites de conhecimento que lhe eram conferidos.
É que percorridas as peças processuais apresentadas nestes autos, verificamos que esta circunstância (do alegado recebimento, por parte dos sócios ou sequer da sociedade, dos € 80.000,00 de indemnização), não foi alegada por nenhuma das partes, nomeadamente, pelo Recorrido.
Como tal, (…) este ponto não podia ser discutido, não era objeto de prova e, consequentemente, muito menos podia inserido na decisão sobre a matéria de facto.
Assim sendo, também nesta parte se verifica que a sentença é nula nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, uma vez que o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento (…)”.
Ora, importa liminarmente evidenciar que, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 5.º do CPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
Além dos factos articulados pelas partes, de acordo com o disposto no n.º 2, do artigo 5.º do CPC, o juiz deve considerar ainda:
“a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”.
Vê-se, assim, que o acervo factual a considerar pelo julgador não se cinge ao núcleo de factos aportados pelas partes – que devem alegar os factos essenciais que fundamentam a causa de pedir – devendo contemplar – sem que se verifique qualquer excesso de “pronúncia” – os factos notórios, os que o tribunal conheça por virtude do exercício das suas funções, os instrumentais e os complementares ou concretizadores daqueles que tenham sido alegados pelas partes e resultem da instrução da causa, desde que, quanto aos últimos, as partes sobre eles tenham tido a possibilidade de exercer contraditório.
No presente caso, diga-se, não se alcança que o facto consignado no ponto 20 dos factos provados, seja integrador da causa de pedir aportada pelo autor, dado não se mostrar essencial ou fundamentador da norma jurídica, do facto jurídico concreto, em que assenta a respetiva pretensão (a prestação de serviços cuja remuneração pretende e o não pagamento do respetivo valor pela contraparte), antes sendo instrumental ou complementar do mencionado núcleo de factos essenciais.
De todo o modo, na petição inicial alcança-se que foi alegado pelo autor que, “após várias reuniões com os mandatários do senhorio, chegou-se a acordo, com indemnização de 80.000,00€ do qual se notificaram as RR. (doc. nº 5)” e que “[t]al foi aceite (como é óbvio, face a tão elevado valor em comparação com o legal) e lavrado acordo (doc. nº 6)” (cfr. artigos 5.º e 6.º da petição inicial).
A eventual divergência entre o facto apurado e o facto alegado não configura, contudo, excesso na pronúncia do julgador.
Com efeito, situação diversa da nulidade da sentença – por alguma das causas previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC – é a do erro de julgamento: “Se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “errore in procedendo” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-05-2009, Pº 692-A/2001.S1, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).
É que, conforme se afirmou, com inteiro acerto, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-04-2015 (Pº 185/14.9TBRGR.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES):
“A nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º, nº 1 do nCPC terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do nCPC.
Não pode, na verdade, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, pelo que a referida nulidade tem de resultar da violação do referido dever.
As questões a que alude a alínea em apreciação, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, embora reportado ao anterior regime processual civil, mas que nesta parte se mantém inalterável são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.
Esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, 220 e 221, que está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “.
Como escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito da omissão de pronúncia, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.
E, refere ainda ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que deverá entender-se por “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir.
Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.
E, refere ainda ALBERTO DOS REIS que: “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.
Salienta-se, por outro lado, no Ac. do STJ de 06.05.04 (Pº 04B1409), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, a propósito da omissão de pronúncia, que “(...) terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. (....) E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia”.
E concluiu-se no referido aresto que: “A sentença não é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d) do nCPC, se o juiz dá como provado determinado facto que o recorrente considera não ter sido alegado ou não constar dos Temas da Prova”.
No caso, vem invocado no recurso que a sentença é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), por ter considerado factos de que não poderia conhecer.
Ora, conforme decorre do exposto – voltando-se a acolher a argumentação expendida no mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-04-2015 - a “questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem.
Apreciar e rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da acção, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não determina a nulidade da sentença por excesso ou omissão de pronúncia”.
O Tribunal recorrido procedeu à seleção fatual, de harmonia com a alegação das partes e os demais âmbitos do poder de cognição que lhe estava atribuído, aplicando o direito aos factos, de forma que julgou pertinente, discorrendo sobre o pedido e a causa de pedir formulados pelo autor, não se vislumbrando que haja conhecido de questões que não poderia conhecer ou de objeto diverso do pedido.
Ora, a invocação supra enunciada e efetuadas pela recorrente, respeita ao juízo formulado pelo Tribunal recorrido em torno do julgamento efetuado pelo Tribunal e, não, sobre o modo de construção do silogismo judiciário, não ocorrendo, na realidade, algum excesso de pronúncia do Tribunal recorrido, relativamente ao leque de questões de que lhe cumpria conhecer.
Do que se vem referindo extrai-se a clara conclusão de que, a questão invocada não integra causa de nulidade da sentença, mas, quando muito, configurará eventual causa de erro do julgamento efetuado.
Não ocorre, pois, algum excesso na pronúncia na apreciação levada a efeito na decisão recorrida e improcede a conclusão B formulada na alegação de recurso.
A invocada nulidade, com referência a ambos os segmentos em que foi sustentada é, pois, improcedente.
*
II) Impugnação da matéria de facto:
Alegou a recorrente, na sua alegação de recurso, nomeadamente, o seguinte:
“(…) III. Da alteração da matéria de facto
a) Dos pontos de facto incorretamente julgados e dos meios probatórios que impunham decisão diversa
Como acima mencionado, as Recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” no que respeita ao ponto 20 do elenco dos factos dados como provados e ao ponto b) do elenco dos factos dados como não provados.
Com efeito, no entendimento das Recorrentes, a decisão sobre a factualidade acima mencionada não encontra qualquer assento na prova produzida nos presentes autos, nomeadamente, na prova documental carreada para os autos pelas partes e na prova testemunhal produzida na audiência de julgamento que se realizou em 04-10-2018 e 13-03-2019.
As Recorrentes impugnam, assim, pelas presentes alegações de recurso, a decisão sobre a matéria de facto acima mencionada, sendo os seguintes os meios probatórios que, no seu entendimento, impunham decisão diversa da recorrida, nos termos que abaixo se irão expor:
i. Documentos n.º 1 a 10 juntos com a PI do Recorrido;
ii. Documentos n.º 2 e 3 da contestação das Recorrentes;
iii. E-mail e documentos juntos com o e-mail de 11-10-2018 junto aos autos a 12-10-2018 (ref.ª citius n.º 20508390);
iv. Depoimento prestado pela testemunha RG na audiência de julgamento realizada no dia 04-10-2018, entre as 09:53:42 e as 10:22:23, gravação n.º 20181004095340_19316619_2871102;
v. Depoimento prestado pela testemunha Helena Costa na audiência de julgamento realizada no dia 13-03-2019, entre as 14:22:0142 e as 14:33:18, gravação n.º 20190313142159_19316619_2871102;
vi. Depoimento prestado pela testemunha Pedro Castelo Branco na audiência de julgamento realizada no dia 13-03-2019, entre as 14:36:31 e as 14:56:51, gravação n.º 2019031343631_19316619_2871102;
vii. Depoimento prestado pela testemunha JL na audiência de julgamento realizada no dia 13-03-2019, entre as 14:58:31 e as 15:18:59, gravação n.º 20190313151900_19316619_2871102.
De facto, da conjugação dos elementos probatórios acima descritos, cuja apreciação se requer, resulta inequívoco que a Recorrente Artigo Catorze (e os seus sócios), não se encontram em dívida para com o Recorrido de quaisquer montantes a título de honorários pelos serviços jurídicos prestados, pelo que a presente ação sempre deveria ter improcedido.
Com efeito, como resulta dos autos, a Recorrente Artigo Catorze recorreu aos serviços do Recorrido, advogado, após receber por parte do senhorio da loja que arrendava na Avenida Miguel Bombarda, n.º 14, em Lisboa, em 19-09-2014, a comunicação da denúncia do contrato de arrendamento para realização de obras de remodelação e restauro profundo do prédio em que a loja se inseria, que obrigavam à sua desocupação.
A Recorrente Artigo Catorze não põe assim em causa que pelo referido advogado, aqui Recorrido, foram efetivamente prestados determinados serviços jurídicos no período de mediou a data da receção da referida comunicação, em 19-09-2014, e a data em que foi celebrado com o senhorio o acordo junto como documento n.º 6 da PI, em 29-10-2014, por meio do qual foi acordado o pagamento de uma indemnização de € 80.000,00 pela denúncia do contrato”.
Com a alegação produzida, visa-se no recurso colocar em crise a factualidade apurada pelo Tribunal a quo.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, pelo que, cumpre apreciar se deve este Tribunal ad quem proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, atentos os ónus para o recorrente que impugna meios de prova objeto de gravação.
Prescreve o artigo 639.º do CPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos:
“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.
Por sua vez, dispõe o artigo 640.º do CPC que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No que toca à especificação dos meios probatórios, “quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Quanto ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, Processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efetivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO).
A cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona automaticamente, devendo o Tribunal, se se patentear a falta de indicação das passagens exatas da gravação, a convidar o recorrente a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (cfr. Ac. do STJ de 26-05-2015, P.º n.º 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exata das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO);
O ónus atinente à indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exatidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1, relator PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Processo 6871/14.6T8CBR.C1, relator MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
Para além disso, e especificamente sobre a reapreciação probatória, importa referir que, como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, relatora MARIA JOÃO MATOS): “O recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art. 640º do C.P.C.)”.
Do mesmo modo, se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-04-2018 (processo 1716/15.2T8BGC.G1, relatora MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO) escrevendo-se o seguinte:
“1. O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
2. Ao impor tal artigo um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância.
3. Ao cumprimento do ónus da indicação dos concretos meios probatórios não bastará somente identificar os intervenientes, efectuar uma apreciação do que possam ter dito ou impugnar de forma meramente genérica os factos em causa, devendo antes precisar-se, em primeiro lugar, detalhadamente cada um dos pontos da matéria de facto constante da decisão proferida colocados em crise, indicando-se depois, relativamente a cada um deles, as passagens concretas e determinadas dos depoimentos em que se funda a impugnação que impõem decisão diversa (e não que meramente a possibilitariam) e procurando-se localizar, ao menos de forma aproximada, o início e termo de tais passagens por referência aos suportes técnicos, conforme o preceituado no referido n.º4.
4. Se o recorrente não cumpre tais deveres, não é exigível ao Tribunal que aprecia o recurso que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique concretos erros de julgamento da peça recorrida que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.
Refira-se, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-06-2018 (Processo 123/11.0TBCBT.G1, Relator JORGE TEIXEIRA) concluindo que: “Tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal “a quo”. Nestas situações, não podendo o Tribunal da Relação retirar as consequências que a impugnação da matéria de facto, deve entender-se que essa omissão impõe a rejeição da impugnação do pertinente recurso, por não cumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do CPC e consequente inviabilização do cumprimento do princípio do contraditório por parte do recorrido, quando a esses pontos da matéria de facto não concretizados”.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-09-2012 (processo 245/09.8 GBACB.C1, relator BRÍZIDA MARTINS): “O recorrente que queira impugnar a matéria de facto tem que (…) indicar, dos pontos de facto, os que considera incorretamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência”.
Sobre a indicação concreta de meios de prova que se pretendem utilizar, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-09-2018 (Processo 15787/15.8T8PRT.P1.S2, rel. GONÇALVES ROCHA) decidiu que: “A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”.
E, conforme se concluiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015 (Processo 405/09.1TMCBR.C1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA), não observa o ónus legalmente exigido, “o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado”.
Em feliz síntese, expressou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2017 (Pº 1426/15.0T8BGC-A.G1, rel. ANTÓNIO JOSÉ SAÚDE BARROCA PENHA): “I- Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; II- Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. III- Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
Revertendo ao caso dos autos, diga-se, liminarmente, que se afigura ter a apelante cumprido os ónus de impugnação de facto acima mencionados, no que respeita aos factos colocados em crise e que, em seu entender, deveria ter tido diverso resultado probatório, bem como, o sentido deste e, ainda, os meios de prova que, na sua perspetiva, a tal conduzem, tendo procedido à devida extratação da prova que foi objeto de gravação.
Vejamos, pois, as questões de facto colocadas.
*
B) Se deve ser eliminada do ponto b) dos factos provados e incluída nos factos dados como provados, a seguinte factualidade:
a) O A. havia combinado com a R. Artigo Catorze que os honorários pela negociação e outros atos que fossem necessários para obter uma melhor indemnização seriam de €3.000,00;
b) Nunca o A. referiu que iria cobrar mais honorários posteriormente, tendo a R. Artigo Catorze já havia pago €3.000,00 valor que havia sido acordado com o A);
c) A quantia de € 3.000,00 foi entregue para pagamento de honorários e não para qualquer provisão;
d) A negociação que o A. fez para a R. Artigo Catorze foi a mesma que realizou, e em simultâneo, para os restantes inquilinos do prédio;
e) Os honorários do A. para o assunto em apreço não foram apenas os €3.000,00 pagos pela R. Artigo Catorze, mas os pagos por todos os inquilinos?
Conclui a recorrente no sentido de que devem os factos que menciona, como acima referenciado, ser eliminados dos factos não provados e inseridos na matéria de facto dada como provada.
Vejamos:
O Tribunal recorrido enunciou na alínea b) dos factos não provados, que não ficaram provados os factos constantes dos artigos 3º, 4º, 25º, 27º, 29º, 34º, 45º, 49º, 51º a 53º da contestação, estando a prova do alegado nos artºs 30º e 31º da contestação prejudicado.
Em sede de motivação da convicção, enunciou o Tribunal recorrido que a mesma assentou no seguinte:
“(…) b) no que toca não prova dos factos alegados em 3º a 4º da contestação: do facto de este tribunal não ter concedido credibilidade, nesta parte, ao depoimento da testemunha JPB por, em suma, a mesma ter tido também um litígio com o Autor e ter revelado manifesta animosidade contra o mesmo em sede de julgamento e a sua parcialidade patente, no que ao demandante se refere e por mais nenhuma das testemunhas inquiridas ( com excepção de JL, ex-marido da Ré e sócio da Artigo 14, logo com interesse na lide, por ser também demandado, face à prossecução da acção contra os sócios da referida sociedade, por força da sua dissolução ) ter declarado semelhante facto, não sendo também suficiente, para a sua prova, o documento de fls. 55, verso, por nem se saber por quem elaborado e não estar assinado;
c) no mais: por nenhuma das testemunhas inquirida em sede de julgamento ter referido tais factos e pela circunstância de o demandante apenas ter enviado a nota de honorários em Agosto de 2015 não significar, de per si, que os mesmos não estivessem já em débito antes, embora sem elaboração da respectiva nota de honorários e ainda por a circunstância de os sócios terem declarado - em sede da assembleia geral em que deliberaram a dissolução da Artigo Catorze – Actividades Hoteleiras, Lda., que a mesma sociedade não tinha activo nem passivo a tal momento - não significar, só por si, a veracidade de tal afirmação, mais a mais conjugada com o depoimento de uma testemunha como RG, seu contabilista, que primeiro declarou uma coisa em julgamento e depois se pretendeu retratar, por escrito, pelo menos quanto à declaração fiscal do valor da indemnização da senhoria recebido, não sendo por isso tal depoimento crível, quanto à ausência de activo ou passivo da sociedade.
Quanto ao alegado acordo de pagamento, a título de honorários, entre a Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. e o Autor ( no sentido de apenas ter aquela de pagar 3.000,00 Euros ao segundo e nada mais ter sido referido quanto a honorários ), a sua não prova decorreu do facto de o depoimento da testemunha RG não merecer crédito deste tribunal, pelas razões já aludidas supra e por o depoimento da testemunha JL também não ter sido considerado, dado o seu interesse, na causa, por ter sido sócio da sociedade dissolvida e, logo, ser aqui Réu, representado pela liquidatária, sua ex-cônjuge.
Além do mais, a não prova de tais factos decorreu ainda da consideração de que os eventuais honorários pagos ao demandante por outros inquilinos do prédio em causa nos autos serem matéria alheia à situação dos autos ou, pelo menos, não se mostrar comprovada qualquer prestação de serviços, pelo demandante aos mesmos e/ou, sequer, a similitude ou identidade das situações, por nem se saber se os locados eram idênticos ou não e ainda, quanto ao alegado excesso de honorários, por se tratar tal matéria de mera conclusão dos demandados.”.
A recorrente insurge-se contra a decisão de facto na alínea b) dos factos não provados, a respeito da falta de prova dos factos vertidos nos artigos 34.º, 45.º e 49.º da contestação, com os seguintes argumentos:
“b) Quanto ao ponto b) dos factos não provados – artigos 34.º, 45.º e 49.º da contestação das Recorrentes
Considerou o Tribunal “a quo” não ter resultado provado que “logo em Setembro/Outubro de 2014, o A. havia combinado com a R. Artigo Catorze que os honorários pela negociação e outros atos que fossem necessários para obter uma melhor indemnização seriam de €3.000,00” ou que “nunca o A. referiu que iria cobrar honorários posteriormente (como adiante se demonstrará, a R. Artigo Catorze já havia pago €3.000,00 valor que havia sido acordado com o A)”.
Na fundamentação da sua convicção, o Tribunal refere que “a sua não prova decorreu do facto de o depoimento da testemunha RG não merecer crédito deste tribunal” – o que desde logo nem se compreende porquanto em nenhum momento esta testemunha prestou depoimento sobre o assunto… – e, ainda, pelo facto de a testemunha JL ser ex-marido da Recorrente MAL e sócio da Recorrente Artigo Catorze e, “logo, com interesse na lide, por ser também demandado”.
Ora, será desde logo de referir que a circunstância desta testemunha ser ex-marido de uma das partes e/ou sócio gerente da outra não é suficiente para, sem mais, desvalorizar o seu depoimento.
Em primeiro lugar, porque a própria lei admite a depor como testemunhas quem com a parte mantém uma relação de parentesco, nos termos previstos no artigo 497.º do Código de Processo Civil.
Em segundo lugar – e esclarecesse que a testemunha não é, ao contrário do que refere o Tribunal, “demandado”, até porque se fosse demandado nem sequer podia prestar depoimento como testemunha – o facto de ter uma relação profissional com a sociedade demandada não pode, por si só, servir para questionar a sua credibilidade, se o depoimento for prestado de forma isenta, como foi o caso, e for corroborado por outros meios de prova.
De facto, a testemunha é um terceiro em face da relação jurídica processual, ainda que não perante a relação jurídica material ou os interesses que no processo se discutem.
Assim, não obstante a relação pessoal ou profissional que possa ter com a parte, se o seu testemunho for claro, seguro e coerente, aquela circunstância não pode influir de forma negativa na avaliação da credibilidade do seu depoimento.
Muito menos da forma que foi considerada pelo Tribunal “a quo”.
(…), o Tribunal conclui pela falta de credibilidade desta testemunha tendo exclusivamente em conta o facto de este ser ex-marido e sócio das Recorrentes (veja-se que o Tribunal refere apenas o seguinte: “com exceção de JL, ex-marido da Ré e sócio da Artigo 14, logo com interesse na lide, por também ser demandado”).
Na verdade, o Tribunal “a quo” nem sequer cuida de fundamentar a desconsideração do depoimento desta testemunha, por o ter considerando, por exemplo, parcial, interessado ou pouco credível, atendendo às circunstâncias acima descritas.
Optando por estabelecer, ao invés, uma relação de causa efeito automática pelo facto de existir uma relação pessoal ou profissional com a parte. O que em nenhum caso se poderá admitir.
Muito menos quando, neste caso, o depoimento da testemunha JL quanto ao acordo de honorários em causa se encontra em consonância com os demais elementos de prova disponíveis.
Com efeito, como explicou esta testemunha (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada no dia 13-03-2019, entre as 14:58:31 e as 15:18:59, gravação n.º 20190313151900_19316619_2871102), recorreu aos serviços do Recorrido para tratar do assunto relacionado com a denúncia do contrato de arrendamento da loja que a sociedade de que era sócio era arrendatária (do min. 00:02:42 ao min. 00:03:50 da gravação acima identificada).
Como eram vários inquilinos, após a primeira reunião com o Recorrido, a testemunha ficou encarregue de “angariar” os demais lojistas para o processo, sendo que, nessa reunião, como conhecia a testemunha, porque eram conterrâneos, o Recorrido até lhe “disse que, à partida, com respeito a honorários, não iria pagar nada” (do min. 00:04:30 ao min. 00:05:10 da gravação acima identificada).
Como também referiu a testemunha, tudo isto aconteceu cerca de “1 ou 2 semanas” após a receção da carta do senhorio (19-09-2014) (do min. 00:06:00 ao min. 00:06:36 da gravação acima identificada), o que também se mostra consentâneo com a procuração junta aos autos como documento n.º 2 da PI, emitida a 29-09-2014, e com a primeira carta enviada pelo Recorrido no âmbito deste patrocínio, na mesma data (cf. documento n.º 1 da PI).
Referindo depois, ainda que não se recorde da data concreta, que aceitou a proposta do senhorio e encerrou o restaurante no final de outubro (“em novembro a gente já não trabalhou”) (do min. 00:08:14 ao min. 00:09:42 da gravação acima identificada), o que se mostra igualmente coerente em relação aos documentos juntos aos autos e aos factos dados como provados pelo douto Tribunal, designadamente, com o acordo assinado a 29-10-2014 (documento n.º 6 da PI; facto provado n.º 8) e com as cartas de despedimento enviadas às trabalhadoras da sociedade (documentos n.º 7 e 8), em 28-10-2014.
Ora, em data que a testemunha não soube precisar, mas após aceitar a proposta do senhorio para indemnização pela denúncia do contrato, o Recorrido veio, afinal, cobrar honorários. E considerando a relação de proximidade que existia entre ambos, foi acordado entre o Recorrido e a testemunha o pagamento do valor de € 3.000,00 para “fechar” o assunto (do min. 00:11:00 ao min. 00:13:09 da gravação acima identificada).
Sendo este valor pago pela testemunha e pela mulher, a Recorrente MAL, na qualidade de sócios e gerentes da sociedade Recorrente, em 24-12-2014 (do min. 00:13:04 ao min. 00:13:37 da gravação acima identificada), conforme resulta também do documento n.º 3 junto com a contestação (facto provado n.º 13), de onde consta expressamente ter sido recebido esse valor a título de honorários dos advogados por parte do advogado-estagiário que colaborava com o Recorrido (“Eu, JAB, advogado-estagiário, com a cédula profissional n.º E38498L, recebi da gerente da sociedade Artigo Catorze – Actividades Hoteleiras, Lda., a quantia de 3.000,00 a título de pagamento dos honorários dos advogados.”)
Ou seja, a descrição feita pela testemunha JL mostra-se absolutamente conforme com a cronologia dos factos que foi dada como provada pelo Tribunal, tendo por base os documentos juntos aos autos.
E foi feita de forma absolutamente coerente, segura e isenta, pese embora a relação da testemunha com as Recorrentes.
O que não se mostra conforme com a cronologia dos factos provados é, na verdade, a teoria apresentada pelo Recorrido e considerada demonstrada pelo Tribunal.
De facto, tenha-se em conta que a nota de honorários alegadamente em dívida apenas foi elaborada e apresentada pelo Recorrido em agosto de 2015 (isto é, cerca de 9 meses após o encerramento do assunto), depois de a Recorrente Artigo Catorze já ter pago € 3.000,00 a título de honorários em dezembro de 2014, isto é, logo no momento do encerramento do processo e do patrocínio do Recorrido.
Para mais, a testemunha Helena Costa, secretária do Recorrido, que prestou depoimento na audiência de julgamento realizada no dia 13-03-2019 (entre as 14:22:00 e as 14:22:06, gravação n.º 20190313142159_19316619_2871102), foi perentória ao afirmar que “O Dr. Fialho, regra geral, não deixa protelar muito as coisas, ele quando acaba os trabalhos ele já faz logo as coisas” (referindo-se às notas de honorários) (do min. 00:09:42 ao min. 00:09:55 da gravação acima identificada).
Por este motivo, não se compreendem e não se aceitam as conclusões do Tribunal “a quo” no que respeita à valoração do depoimento desta testemunha quanto à fixação dos honorários em € 3.000,00.
O seu depoimento, conjugado com os documentos juntos (em especial, o documento n.º 3 da contestação) e com a própria cronologia dos factos, era mais do que suficiente para formar convicção segura de que, de facto, o valor de honorários acordado foi o valor de € 3.000,00 e que este valor pago pela sociedade Recorrente após conclusão dos trabalhos e encerramento do assunto, como de resto foi deixado consignado pelo advogado-estagiário que colaborava com o Recorrido à data dos factos.
Só esta situação encontra correspondência com a cronologia dos acontecimentos descrita na sentença, ou, a não ser assim, a que se destinava, então, o montante de € 3.000,00 pago pela Recorrente? A provisões, como pretendia o Recorrido fazer valer? Provisões depois de encerrado o processo?
De facto, é evidente que os € 3.000,00 foram pagos pela Recorrente pelos honorários devidos pelos serviços prestados no âmbito do patrocínio assumido pelo Recorrido até ao final de outubro de 2019, nada mais tendo sido acordado entre as partes.
Nestes termos, a factualidade constante dos artigos 34.º, 45.º e 49.º da contestação, que o Tribunal “a quo” inseriu no ponto b) do elenco dos factos não provados, deveria, ao invés, ter sido dada como provada.
Requerendo-se, desde já, a alteração desta decisão sobre a matéria de facto, com a sua eliminação do ponto b) do elenco dos factos não provados e a inclusão na factualidade provada dos seguintes pontos:
a) O A. havia combinado com a R. Artigo Catorze que os honorários pela negociação e outros atos que fossem necessários para obter uma melhor indemnização seriam de €3.000,00;
b) Nunca o A. referiu que iria cobrar mais honorários posteriormente, tendo a R. Artigo Catorze já havia pago €3.000,00 valor que havia sido acordado com o A);
c) A quantia de € 3.000,00 foi entregue para pagamento de honorários e não para qualquer provisão”.
Vejamos:
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar que, funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”, o que significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivam nova decisão especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (assim, Abrantes Geraldes; Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 22).
Nessa apreciação, o Tribunal da Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-04-2019 (Pº 6062/16.1T8VNF-C.G1, rel. FERNANDO FERNANDES FREITAS), “na reapreciação da decisão da matéria de facto, a Relação, como tribunal de instância também quanto à apreciação dos factos, deve formar a sua própria convicção, pelo que não está limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, devendo avaliar livremente todas as provas carreadas para os autos e valorando-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas”.
Decorre deste regime legal que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais (assim, Abrantes Geraldes; Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, 3.ª Ed., 2000, p. 272).
Cumpre ainda considerar, a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos testemunhais, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto nos artigos 396.º do CC e 607.º, n.º 5, do CPC.
E, “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol IV, p. 569).
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto, quer sobre os factos provados, quer sobre os factos não provados (cfr. artigo 607.º, n.º 4, do CPC).
Esta exigência de especificação dos fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão, pois, é através da fundamentação de facto que o tribunal de recurso vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância.
Contudo, nesta valoração, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que são intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-2009, P.º 4303/05.0TBTVD.S1, rel. SANTOS BERNARDINO).
Por outro lado, porque se mantêm vigentes no Tribunal da Relação os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deverá restringir-se aos casos em que, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, determine decisão diversa da do tribunal recorrido e patenteiem um erro de julgamento ou de apreciação do julgador, que deva ser corrigido.
Assim, “a apreciação da decisão de facto impugnada pelo Tribunal da Relação não visa um novo julgamento da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros da decisão. No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do artigo 662º do CPC], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. O Tribunal da Relação, tal como decorre do preceituado nos artigos 5º, nº 2, alínea a), 640º, nº 2, alínea b) e 662º, nº1, todos do Código de Processo Civil, tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa e não está adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes nem aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância, apenas relevando o fator da imediação prevalecente em 1ª Instância quando o mesmo se traduza em razões objetivas. Em sede de reapreciação da decisão de facto é conferido ao Tribunal da Relação o poder de se socorrer, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo bem como do uso a presunções judiciais, nos termos permitidos pelos artigos 349º e 351º, ambos do Código Civil” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-10-2018, Pº 588/12.3TBPVL.G2.S1, rel. ROSA TCHING).
Em síntese - e com inteiro acerto - referiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-05-2018 (Pº 258/14.8TBELV.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO) que:
“I - A reapreciação do julgamento de facto pela Relação destina-se primordialmente a corrigir invocados erros de julgamento que se evidenciem a partir dos factos tidos como assentes, da prova produzida ou de um documento superveniente, por forma a imporem decisão diversa. Significa esta formulação legal que não basta que a prova produzida nos autos permita decisão diversa, necessário é que a imponha.
II - Por isso se exige ao Recorrente que motive as alegações de recurso, dizendo as razões que determinam, em seu entender, diverso juízo probatório, para que a Relação possa aquilatar se os meios de prova por aquele indicados impõem ou não decisão diversa da recorrida quanto aos concretos pontos de facto impugnados.
III - A convicção do Tribunal, quer de primeira instância, quer da Relação, assenta na apreciação conjugada de todos os meios de prova, sendo evidentemente apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas, quando não estamos em presença de prova vinculada (…)”.
“Se o juiz fica em dúvida sobre determinado facto, por não saber se ele ocorreu ou não, o non liquet do julgador converte-se (…) num liquet contra a parte a quem incumbe o ónus da prova do facto” (assim, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, p. 447).
Importa sublinhar que - ao contrário do que já sucedeu em Portugal (cfr. artigo 2512.º do Código Civil de Seabra) - não se encontra enunciado na lei um patamar mínimo de meios de prova a produzir no sentido de se obter um dado resultado probatório, podendo o julgador, claro está, de forma suficiente e motivada, fundar a sua convicção na prova de um determinado facto, com base num único documento ou num único testemunho (para mais desenvolvimentos, vd. Fernando Pereira Rodrigues; A Prova em Direito Civil; Coimbra Editora; 2011, p. 149 e ss.)
Conforme se dá nota no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-01-2019 (Processo 3239/17.9T8VFR.P1, rel. CARLOS GIL), “o limiar relevante da prova em matéria civil requer a denominada probabilidade prevalecente; isto é, sempre que se defrontem hipóteses contraditórias relativamente à realidade de um certo facto, a decisão do tribunal deve apoiar-se na hipótese que se apresente com uma probabilidade mais forte. A livre apreciação da prova não significa apreciação arbitrária da prova, mas antes a ausências de critérios rígidos que determinam uma aplicação tarifada da prova, traduzindo-se tal livre apreciação numa valoração racional e criticamente fundamentada das provas de acordo com as regras da experiência comum e com a corroboração pelos dados objectivos existentes, quando se trate de questão em que tais dados existam”.
Dito de outra forma: “Prova livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. A questão da credibilidade ou não da testemunha insere-se no âmbito da livre apreciação das provas pelo julgador, caindo a sua sindicabilidade fora das competências do tribunal de recurso, excepto se existirem outras provas que imponham decisão diversa. O mesmo sendo de dizer quanto às declarações de parte, posto que o n.º 3 do art.º 466.º admite a livre valoração pelo juiz (art.º 607.º, n.º5) de todo o conteúdo das declarações que não se reconduza à figura da confissão, sendo esta valorada em sede própria. A menos que existissem fundamentos sérios, devidamente sustentados em dados concretos, que tornassem evidente que a valoração da prova foi incorrecta, não pode a recorrente pretender sobrepor a sua “convicção” à do julgador, no pressuposto que é mais acertada, pretendendo, no rigor das coisas, um segundo julgamento da causa por este Tribunal ad quem, no essencial sustentado naquela sua convicção. Para por em causa a convicção formada pelo Tribunal recorrido, é necessário demonstrar que a mesma assenta em pressupostos que são logicamente inaceitáveis ou impossíveis, designadamente, por contrariarem regras de experiência comum” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-04-2020, Processo 1740/18.3T8VNG.P1, rel. JERÓNIMO FREITAS).
Revertendo estas considerações e aplicando-as ao caso em apreço, cumpre liminarmente referir que, considerando as alegações da recorrente, lidos os elementos documentais e ouvidos os depoimentos prestados nas duas sessões da audiência de discussão e julgamento, onde foram inquiridas 4 testemunhas, não se afigura que tenha existido erro de julgamento na apreciação dos factos atinentes aos artigos 34.º, 45.º e 49.º da contestação.
De facto, verifica-se que, nenhum elemento de prova permite, com a necessária e suficiente consistência, sustentar a tese defendida pela ré, de que uma tal factualidade se logrou provar.
No artigo 45.º da contestação foi alegado o seguinte: “(…) logo em Setembro/Outubro de 2014, o A. havia combinado com a R. Artigo Catorze que os honorários pela negociação e outros atos que fossem necessários para obter uma melhor indemnização seriam de €3.000,00”; no artigo 34.º do mesmo articulado foi alegado que, “nunca o A. referiu que iria cobrar honorários posteriormente (…) a R. Artigo Catorze já havia pago €3.000,00 valor que havia sido acordado com o A)” e, no artigo 49.º da contestação foi invocado que “(…) foi, efetivamente, essa quantia [3.000,00€] entregue para pagamento dos honorários combinados e não para qualquer provisão”.
Ora, considerados os meios de prova produzidos – testemunhal e documental – não permite qualquer deles assentar, com a necessária e suficiente consistência, na afirmação de uma tal factualidade.
As testemunhas HC e JB (referindo-se este a contratação de serviços com o “Dr. JB” mas nada situando sobre a contratação do autor com a demandada nos autos) nada adiantaram sobre esta matéria.
Por seu turno, RG retratou, com segurança, objetividade e clareza, sem que se demonstrasse nesse depoimento alguma “concertação” ou falta de isenção, os termos em que presenciou a contratação de serviços do autor, realizados por intermédio de JL (que foi sócio da 1.ª ré e ex-marido da 2.ª ré), bem como, qual o objeto a que os mesmos se destinavam: realizar o “acordo possível” de valor de “saída” e tratar do procedimento inerente ao “despedimento dos funcionários”. Esclareceu ainda que a remuneração acordada e que o autor cobraria seria de 10% sobre a diferença “entre o pedido inicial [oferta do senhorio] e o que se conseguisse”.
Quanto a JL, o mesmo começou por referir que o autor não lhe cobraria honorários, atenta a circunstância de serem ambos “conterrâneos”, mas, depois, inexplicavelmente, na sua tese, referiu que o após a conclusão do acordo com o “chinês” (que adquiriu o prédio onde estava instalada a sociedade Artigo Catorze) recebeu um telefonema do estagiário do autor que lhe referiu que teria que pagar “7000 e tal euros quase 8000 a pagar”, ao que o depoente contrapôs: “Tanto?!” (fazendo intuir por esta interrogação que a prestação dos serviços contratados não seria gratuita…) e mais lhe dizendo: “Vê lá se o Dr. faz um abatimentimentozinho…inclusive sendo lá da terra e não sei quê…fala lá com ele…”. Mais referiu que, na sequência, recebeu um sequente contacto do autor – sintetizando-o do seguinte modo: “diz lá o que é que queres?”. A isso o depoente retorquiu: “Ó Fialho, tenho indemnizações a pagar às funcionárias…não recebo quase dinheiro nenhum disto tudo” (…eu a fazer um “choradinho”)”. Referiu que, após continuaram a conversa na pastelaria Sabiá, mencionando que o autor lhe disse que como era bom rapaz lhe fazia “uma atenção”, tendo feito contas…e disse: “Ora pronto. Deves-me três mil e tal…”. O depoente disse que lhe referiu: “Vá pronto. Dou-te três mil e pago o almoço a nós os 4”. Disse que entendeu o assunto como finalizado, mas que, “passados uns dias” o autor lhe disse que precisava de falar, mas que, por razões de saúde foi a 2.ª ré que foi ao escritório do autor, segundo referiu em Agosto e que nessa reunião terá pedido à 2.ª ré para assinar a declaração que constitui o documento n.º 1 junto com a contestação, ao que aquela se recusou.
Ora, conforme resulta destes meios de prova, não se encontra cabalmente demonstrado que tenha ocorrido algum acordo em Setembro/Outubro de 2014, no sentido de que tenha sido acordada a remuneração dos serviços do autor no valor de € 3.000,00. A própria testemunha JL situa o invocado “abatimento” em data claramente ulterior à da contratação dos serviços do autor. Os elementos documentais aportados para os autos não permitem concluir do modo invocado no artigo 45.º - e, na parte coincidente, com o artigo 34.º - da contestação. E, assim, não merece qualquer censura a conclusão probatória alcançada pelo Tribunal recorrido, no sentido da não demonstração de uma tal factualidade.
O mesmo se diga quanto à restante invocação constante do artigo 34.º da contestação, que nenhum testemunho referiu (salvo JL, mas que, como se viu, sem concludência, pois, veio a admitir que seria devida contrapartida pecuniária, que, aliás, satisfez), nem resulta de algum documento dos autos.
Finalmente, quanto ao artigo 49.º da contestação, o depoimento de JL (assim como qualquer dos demais depoimentos) não permite inculcar que a quantia entregue de € 3.000,00, o tenha sido para outra finalidade que não a de provisão – aliás usual no giro da advocacia para satisfação das despesas, custos e trabalhos a encetar – não permitindo, o por si referido, colocar em crise, o que resulta vertido documentalmente, na nota de honorários junta aos autos e na carta que a acompanhava.
As demais considerações da recorrente a este respeito soçobram.
Assim, no âmbito da livre apreciação probatória, a que estão sujeitos os meios de prova em questão, a conclusão alcançada pelo Tribunal recorrido não merece censura.
De facto, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Ponderando estes aspetos e, em suma, cumpre concluir que nenhum dos meios de prova produzidos, permite revelar algum erro de apreciação da prova, não determinando a alteração sobre a convicção alcançada pelo Tribunal a respeito da falta de prova sobre o facto não provado em b) dos factos não provados, no que aos artigos 34.º, 45.º e 49.º da contestação, respeita.
Ainda quanto à alínea b) dos factos não provados, mas quanto ao que nele se reporta aos artigos 51.º a 53.º da contestação, considera a recorrente que tal matéria deverá transitar dos factos não provados para os provados, tendo alegado o seguinte:
“c) Quanto ao ponto b) dos factos não provados – artigos 51.º a 53.º da contestação das Recorrentes
O Tribunal considerou também que os eventuais honorários pagos ao Recorrido por outros inquilinos do prédio em causa nos autos eram “matéria alheia à situação dos autos” ou, pelo menos, não se mostrou “comprovada qualquer prestação de serviços, pelo demandante aos mesmos e/ou, sequer, a similitude ou identidade das situações, por nem se saber se os locados eram idênticos ou não e ainda, quanto ao alegado excesso de honorários, por se tratar tal matéria de mera conclusão dos demandados”.
No entanto, a verdade é que essa matéria também resulta à saciedade dos elementos de prova juntos aos autos.
Com efeito, da carta enviada pelo senhorio à Recorrente (documento n.º 1 da PI) resulta expressamente que o edifício ia ser sujeito a obras de remodelação e restauro profundos, obras essas que, pela sua dimensão e impacto, implicavam necessariamente a desocupação total do prédio (cf. termo de responsabilidade do técnico autor do projeto junta como documento n.º 1).
Sendo que, como referiram as testemunhas Pedro Castelo Branco (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada no dia 13-03-2019, entre as 14:36:31 e as 14:56:51, gravação n.º 2019031343631_19316619_2871102, em especial, do min. 00:05:42 ao min. 00:06:24) e JL (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada no dia 13-03-2019, entre as 14:58:31 e as 15:18:59, gravação n.º 20190313151900_19316619_2871102, em especial, do min. 00:04:43 ao min. 00:06:00), dois dos lojistas do prédio em causa, no prédio existiam, àquela data, 5 lojistas, que receberam todos a mesma comunicação do senhorio.
Ora, como explicou a testemunha JL (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada no dia 13-03-2019, entre as 14:58:31 e as 15:18:59, gravação n.º 20190313151900_19316619_2871102), o assunto foi conversado entre os lojistas (com exceção da testemunha Pedro Castelo Branco, da loja “Jardim Flor”), estando todos de acordo que deveriam contratar um advogado.
Sendo que, depois de conversar com o Recorrido, a testemunha JL ficou encarregue de “angariar” os demais lojistas para que, juntos, e representados pelo Recorrido, negociassem com o senhorio. E assim foi.
Isto mesmo resulta do seu depoimento da referida testemunha JL (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada no dia 13-03-2019, entre as 14:58:31 e as 15:18:59, gravação n.º 20190313151900_19316619_2871102):
Início ao min. 00:04:43
Advogado das RR.: Foi o Sr. que foi angariar os outros lojistas?
Testemunha: Exatamente. Exatamente. Eu falei com eles, eles estiveram de acordo, tinha que se arranjar alguém, e então eles estiveram de acordo.
Advogado das RR.: Diga-me só uma coisa, com o lojista do Jardim Flor, foi o Sr. também que falou?
Testemunha: Nunca falei com ele.
Advogado das RR.: Com esse nunca falou.
Testemunha: Nunca o vi.
Advogado das RR.: Portanto, esse só entra mais tarde?
Testemunha: Mais tarde, que eu nem tive conhecimento.
Advogado das RR.: Então e quantos é que o Sr. conseguiu angariar para este (impercetível)?
Testemunha: Ora, foi o Planeta dos Crepes, o Sr. Carlos ao lado, o (impercetível)… 4. Não, comigo 4.
Advogado das RR.: O prédio tinha quantas frações?
Testemunha: Lojas?
Advogado das RR.: Sim, sim.
Testemunha: Eramos na altura 5, só. O resto estava tudo devoluto.
Fim ao min. 00:06:00
E foi confirmado pela testemunha Pedro Castelo Branco (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada no dia 13-03-2019, entre as 14:36:31 e as 14:56:51, gravação n.º 2019031343631_19316619_2871102): Início ao minuto 00:05:42
Advogado das RR.: Essas diligências que o Dr. Fialho ia realizar, ele ou através do seu estagiário, eram iguais para todos os proprietários do prédio?
Testemunha: Ele disse-me que eram iguais para todos… nunca estive com os outros.
Advogado das RR.: O que fazia para um, no fundo, fazia para todos…
Testemunha: Fazia para todos igual. O processo era o mesmo. Era pedir uma avaliação patrimonial do prédio para provar que a avaliação que existia não era a verdadeira…
Advogado das RR.: Portanto, o trabalho que ele ia ter com um ia ter com os outros? Quantos proprietários é que havia naquele prédio?
Testemunha: Não sei, eram quatro ou cinco (impercetível).
Fim ao min. 00:06:24
Sendo certo que, no que respeita a esta última testemunha, apesar da “animosidade” que o Tribunal possa ter revelado do seu depoimento no que toca aos factos alegados em 3.º e 4.º da contestação (e apenas nessa parte, como se refere na sentença, até porque apenas essa parte se relaciona exclusiva e diretamente com a testemunha), a verdade é que do seu depoimento, conjugado com o depoimento da testemunha JL (que, pelos motivos acima expostos, também não podia ser desconsiderado), e do documento n.º 1 da PI, resulta demonstrada a factualidade acima alegada.
Isto é, que existia um prédio onde se inseriam 5 lojas (no mais, encontrava-se devoluto), prédio esse que ia ser sujeito a obras de remodelação e restauro profundos, que implicavam a sua desocupação total, e que, por esse motivo, todos os lojistas receberam uma comunicação do senhorio, a dar conta deste facto e a informar que teriam de proceder à entrega do locado, contra o pagamento de uma indemnização.
Mostrando-se igualmente demonstrado que o Recorrido representou todos esses lojistas nas negociações encetadas com o senhorio.
Pelo que, também neste ponto, deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto proferida, com a sua eliminação do ponto b) dos factos não provados e aditamento à factualidade provada dos seguintes pontos:
a) a negociação que o A. fez para a R. Artigo Catorze foi a mesma que realizou, e em simultâneo, para os restantes inquilinos do prédio.
b) os honorários do A. para o assunto em apreço não foram apenas os €3.000,00 pagos pela R. Artigo Catorze, mas os pagos por todos os inquilinos.
Pois que, na verdade, a prova produzida é mais do que suficiente à demonstração desta factualidade.
De facto, tratando-se de situações idênticas (denúncia do contrato de arrendamento das lojas sitas no mesmo prédio por parte do senhorio para realização de obras no edifício), torna-se evidente concluir que as diligências encetadas pelo Recorrido seriam igualmente idênticas e passavam pelo envio da mesma comunicação ao senhorio, da mesma comunicação ao serviço de finanças e da mesma negociação de valores, ainda que em representação de arrendatários diferentes.
Em bom rigor, o Recorrido despenderia apenas tempo (ou a maior parte do seu tempo) na preparação do primeiro processo, que seria depois utilizado nas situações (idênticas) das restantes arrendatárias, sendo apenas necessário “adaptar” a cada uma, o que não lhe levaria certamente mais de 15 minutos.
Sendo que, em caso algum poderá considerar-se, como considerou o Tribunal “a quo”, que esta matéria é “alheia à situação dos autos”.
Na verdade, estamos perante uma ação de honorários em que o Tribunal considera equilibrado o Recorrido cobrar às Recorrentes o valor de € 10.000,00 pelos serviços que se vêm descrevendo.
Mas será que esse valor continuaria a ser equilibrado se tivermos em consideração que o Recorrido representou não um, mas cinco lojistas, de todos eles recebendo (ou reclamando) o mesmo valor de honorários?
Ou seja, o Tribunal consideraria equilibrado se, pelos serviços descritos, o Recorrido cobrasse € 10.000,00 a cada um dos cinco lojistas, recebendo pelo trabalho descrito o valor de € 50.000,00, mesmo quando, tratando-se de situações idênticas, apenas terá tido o trabalho descrito (ou grande parte dele) com o primeiro dos processos, indo os seguintes “à boleia” desse último?
A resposta seria certamente negativa, como certamente concordaria a Ordem dos Advogados.
Com efeito, neste ponto, não podia o Tribunal ter desconsiderado que, para além dos € 3.000,00 pagos pela Recorrente, o Recorrido recebeu também os honorários dos restantes 4 inquilinos dos prédios, de valores senão superiores, pelo menos semelhantes.
Pelo que, também neste ponto, não se aceita a decisão do Tribunal”.
Nos artigos 51.º a 53.º da contestação ficou vertido o seguinte:
“51. Valor que se compreende, pois a negociação que o A. fez para a R. Artigo Catorze foi a mesma que realizou, e em simultâneo, para os restantes inquilinos do prédio.
52. Ou seja, os honorários do A. para o assunto em apreço não foram apenas os €3.000,00 pagos pela R. Artigo Catorze, mas os pagos por todos os inquilinos.
53. De referir, ainda, que o A. cobrar de honorários o montante de €14.027,04, quando não despendeu mais de 25 horas de trabalho (vide doc. 10 com P.i.), ainda para mais repartidas com os restantes inquilinos por si representados, é um valor demasiado elevado e muito acima os valores praticados no mercado.”.
Ora, quanto aos artigos 51.º e 52.º da contestação, se é certo que os depoimentos de RG, JB e JL aludiram a que a situação em que se viu envolvida a sociedade Artigo Catorze foi a mesma que veio a envolver os demais arrendatários do prédio onde aquela se achava instalada – militando, nesse sentido, a própria missiva remetida pelo senhorio para a cessação do arrendamento - , certo é que, a vacuidade das afirmações prestadas e a ausência de outra demonstração de prova, não permite concluir, de forma positiva, no sentido de que a negociação das “saídas” dos arrendatários do prédio, tenha sido sequer contemporânea (veja-se, por exemplo, que as testemunhal JB e JL aludiram a uma sequência – e não a uma coincidência – na aceitação de valores por banda dos arrendatários), nem, igualmente, existiu alguma demonstração de que tenha havido algum tratamento conjunto (o que não foi afirmado por qualquer meio de prova, sendo que, designadamente, José Branco, aludiu sempre aos contactos tidos com o Dr. JAB e, nunca, com o ora autor e mencionando que o que lhe foi pedido, por aquele, em termos de honorários foi inicialmente de “€ 400,00 e, nem mais um tostão”, mas que, “depois, passou para 600, por causa do IVA e do IRS”, valores que não permitem aportar qualquer relação com a prestação de serviços - e sua remuneração – do autor) ou acordo no sentido de pagamento de honorários conjunto pelos arrendatários ou, ainda, que o pagamento de € 3.000,00 correspondesse a algum valor nesse âmbito.
Nesta matéria, a “versão” apresentada por JL, para além de contrastante com a de JB (que salientando que uma empresa sua – denominada Jardim Flor - tinha instalações no prédio, mas não afirmando qualquer “angariação” ou tratamento conjunto da questão com o senhorio) não é credível, atento o facto de que, na sua tese, teria sentido obter, junto dos demais inquilinos, a quota-parte de responsabilidade no pagamento dos honorários (comuns) que fossem satisfeitos, aspeto que, contudo, a testemunha não fez qualquer referência ou adiantou alguma circunstância ou explicação.
Relativamente ao valor de horas despendido pelo autor, desde logo, não suportado por qualquer elemento de prova, nem corroborado pelo que se lê no documento n.º 10 junto com a petição inicial ou com qualquer outro aportado para os autos, não se logrou demonstrar a versão invocada no artigo 53.º da contestação.
Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto visada pela recorrente a respeito da alínea b) dos factos não provados.
*
C) Se deve ser eliminado o ponto 20 dos factos provados ou reformulado nos seguintes termos: a) Na sequência do acordo aludido em 8 - e segs. a senhoria EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. pagou, em data não apurada, a quantia de 80.000,00 Euros devida por força do mesmo acordo, quantia que foi recebida pela Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda.?
Finalmente, invocou a recorrente quanto ao ponto 20 dos factos provados o seguinte:
“(…) O Tribunal considerou provado, no aludido ponto 20, que “Na sequência do acordo aludido em 8 - e segs. a senhoria EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. pagou, em data não apurada, a quantia de 80.000,00 Euros devida por força do mesmo acordo, quantia que foi recebida pelos sócios da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., nessa qualidade”.
Ora, em primeiro lugar, como acima referido, será de referir que o Tribunal extravasa, neste ponto, os limites de conhecimento que lhe eram conferidos.
Com efeito, a circunstância do recebimento, por parte dos sócios ou da sociedade, dos € 80.000,00, não foi alegada por nenhuma das partes, nomeadamente, pelo Recorrido, e, como tal, não podia ser discutida nem ser inserida na decisão sobre a matéria de facto.
Assim sendo, nesta parte, verifica-se que a sentença é nula nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, uma vez que o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento.
Mas ainda que assim não se entenda (o que apenas por hipótese académica se refere), a verdade é que, ao contrário do que refere o Tribunal, da prova produzida na audiência de julgamento, conjugada com os documentos juntos, não resulta provado este facto.
De facto, do artigo 40.º da contestação não decorre qualquer “confissão”, muito menos a configurada pelo Tribunal.
Com efeito, a Recorrente limita-se a confirmar ser verdade que das negociações com o senhorio “foi obtido (…) o valor de €80.000,00” e que este foi aceite pela Recorrente Artigo Catorze.
Por este motivo, não se compreende nem se aceita que dessa alegação (“É verdade que foi obtido por parte dos Senhorios o valor de €80.000,00, referido no artº 6º. e que este valor, por indicação do A. foi aceite pela R. Artigo Catorze”) possa resultar uma qualquer confissão de que essa quantia tenha sido recebida, ainda para mais por parte dos sócios da Recorrente Artigo Catorze.
Essa circunstância também não resulta do depoimento da testemunha JL, que nas declarações prestadas na audiência de julgamento não refere, em momento algum, que o dinheiro foi recebido pelos sócios, limitando-se a referir que a sociedade tinha aceite tal indemnização (cf. depoimento prestado na audiência de julgamento realizada no dia 13-03-2019, entre as 14:58:31 e as 15:18:59, gravação n.º 20190313151900_19316619_2871102).
Já quanto ao depoimento da testemunha RG, cumpre também esclarecer que o Tribunal não pode, evidentemente, utilizá-lo como “lhe convém”.
Com efeito, veja-se que na fundamentação da sua decisão o Tribunal deixa consignado que o depoimento da testemunha RG “não mereceu crédito deste tribunal” por ter declarado uma coisa em julgamento e depois ter vindo retardar por escrito o seu depoimento e, por isso, não o levou em consideração para prova da factualidade alegada pelas Recorrentes.
Porém, no que se refere ao ponto de facto em análise, já refere o Tribunal que a prova desse facto assentou “na confissão da Ré, conforme artigo 40.º da contestação” (…), no depoimento da testemunha JL (…), e ainda no depoimento conjugado, nesta parte, com o teor do depoimento da testemunha RG”.
O que se afigura manifestamente inadmissível pois que o Tribunal não pode considerar inverosímil o depoimento de uma testemunha para uns factos, muito menos pelos motivos expõe (veio retratar o depoimento, declarando ter prestado falsas declarações), mas depois utilizá-lo para outros.
Acresce que, como acima já referido e aqui se dá por integralmente reproduzido, o depoimento da testemunha RG não foi de modo algum apto a fazer prova deste ou qualquer outro facto (neste caso, nem sequer alegado).
O depoimento desta testemunha mostrou-se absolutamente duvidoso pelos motivos já referidos, pretendendo apenas a testemunha depor sobre conversas de honorários, com demasiados pormenores, de um assunto com o qual não tinha qualquer relação direta.
Acresce que, como resulta dos documentos que veio juntar em 12-10-2018 após prestar depoimento na audiência de julgamento de 04-10-2018 (requerimento com a referência n.º 20508390), e que não foram impugnados pelo Recorrido, do “extrato de conta n.º 7888 (01-00-2014 até 31-12-2014” resulta a entrada, na conta da sociedade, do referido valor de € 80.000,00 a título de indemnização, em 31-12-2014.
Também no documento intitulado “demonstração dos resultados por natureza – períodos de 2010 e seguintes”, igualmente junto em 04-10-2018 e não impugnado pelo Recorrido, resulta que a sociedade Recorrente recebeu, a título de “outros rendimentos e ganhos”, a quantia de € 80.000,00.
Sendo, de resto, novamente inaceitável a conclusão do Tribunal “a quo” no sentido de que apenas foi junta “mera contabilidade interna da sociedade, não comprovativa da entrada de tal valor na sociedade e sua declaração fiscal, como rendimento e, logo, pela sua receção pelos sócios da sociedade”.
A Recorrente não compreende como é que do facto de não ter sido junta a declaração de IRC do ano de 2014 se pode de alguma forma concluir que a indemnização não foi recebida pela sociedade, mas sim pelos seus sócios?!
A indemnização foi, sim, recebida pela sociedade, no final do ano de 2014, como demonstram os documentos juntos.
Ou, caso assim não se entenda, o que em nenhum caso se admite e apenas por hipótese se refere, então ter-se-á que concluir que não foi porque de resto nem tinha que ser feita prova desse facto que, como acima já referido, não foi alegado pelas partes.
Não podendo é o Tribunal concluir, como concluiu, por manifesta ausência de prova nesse sentido, que a indemnização foi recebida pelos sócios da sociedade.
Assim sendo, deverá ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto em causa, sendo o ponto 20 dos factos dados como provados eliminado.Ou, no limite, caso assim não se entenda, ser o mesmo reformulado de acordo com o acima exposto, nos seguintes termos: 20 - Na sequência do acordo aludido em 8 - e segs. a senhoria EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. pagou, em data não apurada, a quantia de 80.000,00 Euros devida por força do mesmo acordo, quantia que foi recebida pela Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda.”.
Apreciando o invocado, cumpre salientar que, como já supra se analisou – para aí se remetendo – a questão suscitada não revela excesso de pronúncia, mas, quando muito, erro de julgamento na apreciação factual, perante o acervo probatório produzido.
Quanto ao mais, afigura-se que, contudo, assiste razão à impugnante no sentido de ser alterada a redação de tal ponto, pois, de facto, o invocado no artigo 40.º da contestação – que se cingiu à afirmação de que “[é] verdade que foi obtido por parte dos Senhorios o valor de € 80.000,00, referido no artº 6 e que este valor, por indicação do A. foi aceite pela R. Artigo Catorze”- , não permite, considerados os demais meios de prova produzidos, a conclusão de que tal quantia tenha sido recebida pelos sócios da Artigo Catorze, nessa qualidade, nos termos vertidos na parte final do ponto 20 dos factos provados.
De facto, o depoimento de RG – que referenciou não dispor no momento da sua prestação de elementos documentais contabilísticos de uma tal realidade – assim como o ulterior requerimento de sua parte anexando os documentos juntos aos autos em 11-10-2018 – não permite, com a suficiente demonstração e consistência, a conclusão de que o recebimento tenha ocorrido por banda da Artigo Catorze (ou por banda dos seus sócios). Os documentos anexos pela testemunha reportam-se apenas a:
i) Extrato de um elemento contabilístico – extrato de conta 7888 (correspondente a “outros proveitos e ganhos financeiros”) - referente à Artigo Catorze (contendo diversas datas -“2018-10-08” e “2014-12-31” -, mas também, valores não compreensíveis - “01-00-2014 até 31-15-2014”; “Data Contab.: 31-15-2015”, “2014-14-31”), onde é mencionado o valor de € 80.000,00 (a crédito na rúbrica “ACORDO INDEMNIZAÇÃO” e a débito, na rúbrica, “Resultados antes impostos”), mas que, por si só e sem outra explicação, não demonstra quem recebeu tal quantia e, se de facto, em que termos (e, na afirmativa, quando), foi ingressado no património social;
ii) Excerto de um documento onde consta “Página 4 de 54”, “Página 5 de 54” e “Comprovativo IES-DA: 500633142/2014/3255-IO396-79”, mencionando-se no mesmo o valor de € 80.000,00, mas sem se ter apurado a que respeita esse valor;
iii) Declaração Modelo 22 de IRC, relativo ao ano de 2015, da Artigo Catorze, mas onde não consta qualquer referência ao recebimento dos € 80.000,00.
A testemunha em questão tinha, contudo, em sede de inquirição, afirmado que o valor de € 80.000,00 não tinha ingressado para o património social.
Em face do exposto, não se alcança motivo para a eliminação do ponto 22 dos factos provados, atenta a demonstração (relacionada com o alegado no artigo 6.º da p.i.) da obtenção do valor correspondente por banda do senhorio (neste ponto, concordantemente, corroborado documentalmente e pelas testemunhas RG e JL) muito embora, não se tenha logrado demonstrar, com a necessária concludência, o que consta da sua parte final.
Subsistindo a dúvida sobre qual o património em que foi inserido o recebimento da quantia de € 80.000,00 – se no património da sociedade ou nos dos seus sócios - não suprida por qualquer modo, a mesma não pode redundar na prova do facto, nos termos consignados pelo Tribunal recorrido, antes, devendo a parte onerada com a demonstração probatória de tal factualidade, suportar o ónus correspondente – cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC.
É que, ao invés do pugnado pela recorrente, certo é que, a ausência de demonstração probatória não permite, igualmente, dar como demonstrado que o recebimento de tal quantia – assumido, por exemplo, por JL, mas sem precisar em que património tal ingresso teve lugar - tenha tido lugar pela Artigo Catorze.
Assim, atenta a alteração a introduzir no ponto 20 dos factos provados e atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, haverá, igualmente, que incluir na alínea b) dos factos não provados, também a referência ao artigo 26.º) da contestação, cuja matéria, objeto de alegação pelos demandados, não resultou demonstrada.
Nestes termos, por força da reapreciação probatória realizada, deverá:
a) A redação do ponto 20 dos factos provados passar a ser a seguinte: “20 - Na sequência do acordo aludido em 8 - e segs. foi obtida da senhoria EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda., em data não apurada, a quantia de € 80.000,00 devida por força do mesmo acordo”; e
b) A redação da alínea b) dos factos não provados passar a ser a seguinte: “b) os factos constantes dos artºs. 3.º, 4.º, 25.º, 26.º, 27.º, 29.º, 34.º, 45.º, 49.º, 51.º a 53.º da contestação, estando a prova do alegado nos artºs. 30.º e 31.º da contestação prejudicada”.
*
NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
1 - O Autor é advogado.
2 - Por carta registada com aviso de recepção, datada de 19.9.2014, EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. - invocando a qualidade de proprietária do edifício sito na Avenida da República, nºs 37 a 37-E, em Lisboa, tornejando para a Avenida Miguel Bombarda, nºs 12 a 14-E, em Lisboa e de senhoria no arrendamento da loja com entrada pelo nº 14 D - comunicou à sociedade Artigo Catorze – Actividades Hoteleiras, Lda. que, por essa via comunicava à mesma a denúncia do contrato de arrendamento de tal loja, nos termos dos artºs 1101, al. b) e 1103 do C. Civil e 6º e 8º do Dec. Lei nº 157/2006, de 8/8, para a realização de obras de remodelação e restauro profundos, no âmbito de projecto de reabilitação licenciado para o mesmo, obras que obrigavam à desocupação do locado.
3 - Na carta aludida em 2 - a aludida EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. comunicou ainda à destinatária de tal carta, além do mais, que a mesma deveria desocupar o locado e proceder à sua entrega até ao dia 31.3.2015, que a mesma ia acompanhada dos documentos constantes de fls. 7 a 17 dos autos e a proposta de pagar à mesma, nos termos dos artºs 1103, nº 6 do C. Civil e 6º, nº 1 do RJOPA, uma indemnização no valor de 4.386,01 Euros, correspondente a um ano de renda, a pagar no momento da entrega do locado.
4 - Na sequência do referido em 2 - e 3 -, a Ré MA emitiu, na qualidade de sócia gerente da sociedade Artigo Catorze Actividades Hoteleiras, Lda. e a favor do Autor, a procuração constante de fls. 18 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
5 - Na sequência do referido sob 2 - e segs., o Autor, na qualidade de mandatário da sociedade Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., dirigiu à EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda., carta registada, datada de 29.9.2014, sob o “Assunto: Denúncia do contrato de arrendamento da loja sita na Avenida Miguel Bombarda, nº 14 D”, com o seguinte teor:
“Exmos. Senhores,
Fomos mandatados pelo nosso constituinte, Artigo Catorze – Actividades Hoteleiras, Lda. para lhe tratar do assunto supra referido.
Neste sentido, vimos por este meio informar ( e sem embargo de não se concordar com a denúnica em questão, por uma miríade de razões de facto e de direito e das mais variadas ordens, pelo que se opta pelo realojamento ) que não podemos concordar com o valor da indemnização oferecido ao nosso constituinte, já que se encontra muitíssimo abaixo daquilo que na realidade deveria ser.
Na verdade, como o valor patrimonial ( Vp ), é elemento da fórmula de cálculo, e o constante da CPU está longe de ser o valor de mercado, sendo, na verdade, muito superior, tal como é do conhecimento de V. Exª, vimos propor em alternativa o seguinte:
a) uma conferência, no nosso escritório, para se acordar num outro valor, mais justo, ou;
b) requerer a avaliação tributária, nos termos do artº 38º e segs. do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis ( CIMI ).
A notar também que, nos termos gerais do Direito aplicável, tem a nossa constituinte também direito às benfeitorias efectuadas, que são, aliás, do vosso inteiro conhecimento.
Tudo isto, repetimos, sem embargo da via do realojamento, que pode vir a ser a mais benéfica para todos.
Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos melhores cumprimentos,
O Advogado,
(Assinatura)”.
6 - Por carta registada datada de 14.10.2014, dirigida ao Chefe da Repartição de Finanças de Lisboa 10, o Autor - invocando a qualidade de mandatário da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., arrendatária da loja sita na Avenida Miguel Bombarda, nº 14 D, em Lisboa - requereu, nos termos do artº 37º e segs. do CIMI, uma avaliação directa do referido imóvel, a fim de se fixar um valor patrimonial que se adequasse à realidade.
7 - Em data não concretamente apurada o Autor comunicou à Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., por carta, que, terminadas as negociações, o valor máximo de indemnização que o senhorio oferecia era de 80.000,00 Euros e que era sua opinião ser de aceitar e que ficava a aguardar por um dia resposta escrita de tal sociedade sobre a sua posição quanto a tal proposta.
8 - Na sequência do referido em 2 - e segs. e por acordo reduzido a escrito, datado de 29.10.2014 e por ambas assinado, a EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. acordou com a Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. que esta reconhecia expressamente a validade e eficácia da denúncia do contrato de arrendamento até ali vigente entre ambas, aceitando a segunda a sua cessação, o pagamento do valor da indemnização de 80.000,00 Euros e a obrigação de desocupação e restituição do imóvel e respectivas chaves àquela.
9 - Nos termos do acordo aludido em 8 - a EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. acordou com a Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. que o valor da indemnização a pagar por aquela à segunda pela denúncia do contrato de arrendamento, com fundamento na realização de obras de remodelação e restauro profundos, se fixava em 80.000,00 Euros, a pagar por aquela à segunda, por cheque visado ou bancário à sua ordem emitido, pagamento que seria efectuado no momento da restituição do imóvel locado.
10 - Nos termos do acordo aludido em 8 - e segs., a Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. deixaria de utilizar o prédio no dia 30.12.2014 e tinha, nessa data, de o restituir à senhoria, EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda., livre e devoluto de pessoas e bens, na mesma data tendo de entregar todas as respectivas chaves e meios de acesso ao prédio.
11 - Nos termos do acordo aludido em 8 - e segs., a EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. e a Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. acordaram entre si que paga a indemnização e entregue o imóvel, nada mais tinham as mesmas a haver uma da outra, fosse a que título fosse, por força do contrato de arrendamento aludido em 1 - e da respectiva denúncia, renunciando a Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. a qualquer outra indemnização ou compensação a que eventualmente entendesse ter direito da senhoria.
12 - Na sequência do aludido em 8 - e segs., o Autor redigiu as cartas a que se referem fls. 25, verso a 27 dos autos, dirigidas aos trabalhadores da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., tendo as mesmas cartas, após a sua assinatura pela gerente daquela entidade, sido expedidas por carta registada, com aviso de recepção, para os respectivos destinatários.
13 - Em 24.12.2014 o Dr. JAB, advogado, declarou, por escrito, ter recebido da sócia gerente da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., a quantia de 3.000,00 Euros, a título de pagamento dos honorários dos advogados.
14 - Com data de 25.2.2015, na Avenida Miguel Bombarda, nº 14, letra D, pelas nove horas, teve lugar uma assembleia geral da sociedade Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., com o capital social de 5.000,00 Euros, titulado por duas quotas no valor de 2.500,00 Euros, pertença da Ré MA e de JL.
15 - O ponto único da ordem de trabalhos da assembleia geral referida em 14 - reconduzia-se apenas ao seguinte: “Dissolução da sociedade e liquidação”.
16 - No dia, hora e local aludidos em 14 - e sob o ponto único aludido em 15 -, os sócios da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., após proposta nesse sentido apresentada pela Ré MA, deliberaram, por unanimidade, a dissolução e liquidação da sociedade.
17 - Da acta da assembleia geral aludida em 14 - e segs. e da proposta de dissolução e liquidação da sociedade apresentada pela Ré MA foi feito constar ter esta declarado que, naquela data, a sociedade não tinha activo nem passivo e se encontrava em condições de poder ser dada como liquidada e que fosse reportada, à data da dissolução, a inexistência de activo e passivo, ficando os livros e demais escrituração comercial à guarda de tal sócia, que ficaria encarregue de proceder aos actos de registo comercial, escolhendo o procedimento administrativo de extinção imediata da sociedade.
18 - Na assembleia aludida em 14 - e segs. foi a Ré MA nomeada depositária da escrituração comercial e representante tributária da sociedade, além de designada para formalizar os actos de registo comercial.
19 - A dissolução aludida em 14 - e segs. foi registada através da Ap. 25/20150227.
20 - Na sequência do acordo aludido em 8 - e segs. foi obtida da senhoria EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda., em data não apurada, a quantia de € 80.000,00 devida por força do mesmo acordo.
21 - Em data não concretamente apurada mas anterior a 7.8.2015, o Autor dirigiu à Ré, para a morada desta, carta registada a solicitar a sua comparência no escritório daquele no aludido dia 7.8.2015, pelas 17 horas a fim de tratar de assuntos do interesse da demandada.
22 - Com data de 27.8.2015 o Autor emitiu recibo da quantia aludida em 13 - em nome da Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda., recibo do qual fez constar referir-se a mesma a quantia paga por conta de honorários.
23 - Por carta registada dirigida à Ré MA e datada de 28.8.2015, pela Ré recebida, o Autor enviou à mesma a nota de honorários a que se referem fls. 29 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos, no valor total de 11.027,04 Euros e da qual fez constar ter sido paga a quantia de 3.000,00 Euros a título de provisão, de que enviava o correspondente recibo à Ré, nota essa de honorários emitida em nome da aqui Ré.
24 - Da carta aludida em 23 - o Autor fez constar que a nota de honorários enviada estava conforme com a reunião de 17.8.2015 e que a mesma era no valor acordado de 10% da diferença entre a indemnização proposta pagar pela EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda. e o valor da indemnização efectivamente por tal entidade paga e que atentas as razões invocadas para o não pagamento da parte em falta (de 11.027,04 Euros) concedia um prazo para o seu pagamento até 31.1.2016.
25 - A presente acção entrou em juízo em 25.5.2017, tendo a Ré MA sido citada em 31.5.2017.
*
NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA NÃO PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
a) o número de horas alegadamente despendidas pelo Autor com os serviços prestados e a que se refere o documento de fls. 29 dos autos e ainda o teor do artº 10º da p. inicial e,
b) os factos constantes dos artºs. 3.º, 4.º, 25.º, 26.º, 27.º, 29.º, 34.º, 45.º, 49.º, 51.º a 53.º da contestação, estando a prova do alegado nos artºs. 30.º e 31.º da contestação prejudicada.
*
III) Mérito do recurso:
*
D) Se o Tribunal recorrido errou na qualificação jurídica constante da decisão recorrida e se violou o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CSC, ao condenar os sócios da Artigo Catorze – Actividades Hoteleiras, Lda.?
Pugnam ainda os recorrentes pela alteração da matéria de Direito em que se fundamentou a decisão recorrida, tendo expendido a seguinte alegação:
“(…) IV. Da alteração da matéria de Direito
Aqui chegados, resta ainda concluir, sem prejuízo do que acima se alegou quando à nulidade referida em s), que o douto Tribunal errou também na qualificação jurídica da situação objecto dos presentes autos.
Com efeito, consta da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial o registo da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade Recorrente.
Com o registo do encerramento da liquidação, a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo das ações pendentes (que neste caso inexistem) ou do passivo ou ativo supervenientes que, como veremos, também não se verifica.
Em consequência da extinção, deixa de existir a pessoa coletiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária.
Sendo verdade que as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, estas limitam-se às situações previstas nos artigos 162.º a 164.º do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente – e no que ao caso importa – aos casos do passivo superveniente ou débitos sociais não satisfeitos depois da partilha entre os sócios.
Casos em que, como se dispõe nos acima mencionados preceitos legais, a responsabilidade e a titularidade do passivo e do ativo supervenientes passam, em determinados termos, para os sócios, por sucessão.
Porém, para que tal ocorra, é absolutamente imperativo que os sócios tenham recebido, em partilha, na sequência da dissolução da sociedade, bens ou créditos que eram da sociedade, que sejam suficientes para satisfazer esse passivo superveniente.
Pressuposto de facto que, por sua vez, era constitutivo do direito do Recorrido (em ser ressarcido do alegado valor de honorários devido), a quem incumbia o ónus da sua alegação e prova nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Ora, in casu, como acima já mencionado, os sócios da sociedade Recorrente nem sequer foram chamados aos autos para responderem pela dívida alegada pelo Recorrido nos termos em que vieram a ser condenados pelo Tribunal.
E, para além disso, ainda que assim não fosse (o que não se admite e apenas se refere por cautela e dever de patrocínio), a verdade é que nada se alegou ou provou a esse respeito.
De facto, no caso dos autos, o Recorrido limitou-se a requerer que a Recorrente Artigo Catorze fosse substituída pelos seus sócios, nomeadamente, pela Recorrente M.ª Antónia Lourenço, na qualidade de liquidatária e em representação dos sócios, em face do encerramento e liquidação da sociedade (cfr. requerimento de 05-09-2017, ref.ª 16152860).
No entanto, nem nesse seu requerimento, nem posteriormente, se pronunciou o Recorrido sobre a eventual responsabilidade dos sócios da Recorrente, sendo totalmente omisso sobre uma pretensa herança de bens ou créditos que pudesse satisfazer este seu alegado crédito.
Talvez porque, na sua perspetiva, apenas estava obrigado a provar o seu direito sobre a sociedade, cabendo depois aos sócios provar que da liquidação da sociedade não resultou qualquer saldo, ou não resultou saldo suficiente para satisfazer o crédito peticionado.
No entanto, era ao Recorrido que, nos termos do n.º 1, do artigo 342.º, do Código Civil, cabia alegar e provar o recebimento pelos sócios de bens ou direitos em partilha, na sequência da dissolução da respetiva sociedade, tendo em vista ser ressarcido de uma alegada dívida superveniente.
Neste sentido, veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2013, proc. n.º 7414/09.9TBVNG.P2.S1, de 01-10-2019, proc. n.º 4022/06.0TCLRS.L2.S1, de 25-10-2018, proc. n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1.S2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Como se transcreve do primeiro:
«[u]ma vez extinta uma sociedade comercial, os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha, sendo que incumbe ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade» (…).
Seja como for, parece não haver dúvidas que o ónus de alegação e prova de que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade cabe à autora.
Com efeito, «[o] art.º 163º nº 1 é claro: o direito do credor sobre o sócio depende do facto deste ter partilhado. Assim, a existência de partilha é um facto constitutivo desse direito, não um facto que, provado, seja modificativo, impeditivo ou extintivo do direito em questão. Logo, estamos perante um facto constitutivo do direito e que, portanto, deve ser alegado e provado pelo autor – cf. art.º 342º do C. Civil nºs 1 e 2».
Em suma, a existência de bens e a sua partilha entre os sócios eram elementos constitutivos do direito do Recorrido (responsabilização dos sócios da sociedade), cabendo a este o ónus da respetiva alegação e prova.
Não podendo, em caso algum, a presente ação, intentada contra a sociedade, prosseguir contra os seus sócios, quando não foram alegados os pressupostos da sua responsabilização, nem, muito menos, provado que aqueles receberam quaisquer bens ou direitos em partilha do património societário para o pagamento do crédito peticionado.
Sendo que, em reforço, sempre se dirá que como decorre da ata da sociedade junta como documento n.º 2 da contestação, a sociedade Recorrente deliberou e aprovou, no dia 25-02-2015, a sua dissolução e liquidação.
Daí consta que a sociedade não tinha qualquer ativo nem passivo.
A ata em questão (ata n.º 36) foi junta pelas Recorrentes com a sua contestação (documento n.º 3) e não foi impugnada pelo Recorrido.
Essa ata foi também apresentada na conservatória do registo comercial, juntamente com todos os documentos oficiais (como a aprovação de contas pelo respetivo órgão fiscal da sociedade), tendo tal encerramento e liquidação sido consideradas conformes pela conservatória, que procedeu ao seu registado através da Ap. 25/20150227 (ponto 19 dos factos provados).
Nada disto foi colocado em causa pelo Recorrido nestes autos ou em sede própria.
Ora, salvo o devido respeito, não compete ao Tribunal sindicar a veracidade das declarações consignadas em ata pelos sócios, que se presumem verdadeiras para os devidos efeitos legais.
Como é evidente, o Tribunal não pode substituir-se às partes na alegação e prova dos factos constitutivos dos direitos alegados e a verdade é que, in casu, o Recorrido não colocou em causa a veracidade das declarações prestadas pelos sócios na assembleia realizada, sendo certo que, ainda que o tivesse feito, era ao Recorrido que competia fazer prova desses factos, o que também não logrou fazer.
De facto, nos termos do artigo 376.º, n.º 1, do Código Civil, o documento particular cuja autoria seja reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
Sendo que, a letra e a assinatura de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado (cf. artigo 374.º, n.º 1, do mesmo diploma legal).
O que, neste caso, não sucedeu.
Deste modo, a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” é manifestamente ilegal, porque absolutamente contrária ao estabelecido na lei, nomeadamente, no disposto no artigo 163.º do Código das Sociedades Comerciais, desvirtuando inclusivamente a própria natureza da sociedade por quotas, enquanto sociedade de responsabilidade limitada.
Na verdade, o que se verifica de todo o exposto é que o Tribunal pretendia, efetivamente, a todo o custo, fazer prevalecer a tese apresentada pelo Recorrido nos autos, para tanto tentando onerar excessivamente as Recorrentes da prova que lhes competia e, até, da prova que não lhes competia, desonerando o Recorrido de todos os ónus que sobre ele impendiam.
O que, como é evidente, não se poderá aceitar
Face ao exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-se por outra que, fazendo a correta aplicação da lei, absolva dos pedidos deduzidos nos autos pelo Recorrido os sócios da Recorrente Artigo Catorze, aqui representados pela Recorrente M.ª Antónia Lourenço.
E, terminam os recorrentes concluindo, quanto a este segmento recursório, conforme mencionado nas alíneas D a I das alegações de recurso, supra transcritas, designadamente, dizendo que o Tribunal recorrido fez uma incorreta e ilegal aplicação do Direito ao caso concreto, violando o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CSC, quando condena os sócios da Artigo Catorze no pagamento do valor peticionado.
Apreciando a fundamentação de Direito explanada na decisão recorrida, nela se vislumbra que foram produzidas, designadamente, as seguintes considerações:
“(…) impõe-se ter presente que o objecto do litígio se reconduz à indagação do eventual direito do Autor a haver dos Réus ( sócios da sociedade dissolvida, representados pela liquidatária, também sócia ) a quantia nos autos peticionada, a título de honorários, por força de contrato de mandato.
Por seu turno, as questões a decidir cifram-se, no essencial, nas seguintes:
a) na indagação da natureza jurídica do acordo outorgado entre Autora e sociedade dissolvida ( Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. ) e quais as obrigações para cada uma delas decorrentes e, face à dissolução de tal sociedade, da eventual responsabilidade dos sócios - pela Ré MA representados - dos mesmos pelo seu pagamento;
b) na indagação do eventual não cumprimento, pela sociedade e ou seus sócios, da obrigação de pagamento dos honorários em causa nos autos;
c) na indagação da eventual prescrição do crédito do Autor e,
d) na indagação da eventual litigância de má fé do Autor, questões que se passam a analisar, sendo as duas primeiras de forma breve e conjunta.
A) e B)
Da natureza jurídica do acordo outorgado entre Autor e sociedade Artigo Catorze – Actividades Hoteleiras, Lda. e obrigações e direitos dele decorrentes para cada uma e do eventual direito do Autor a haver dos sócios da mesma, pela liquidatária representados, a quantia peticionada
Sendo claro que nos situamos em sede de responsabilidade contratual, sobre o Autor incidia o ónus da prova da prestação dos serviços à sociedade dissolvida e seu montante e aos demandados a prova da efectivação do correspondente pagamento, ( artºs. 342, nºs 1 e 2 e 799 do C. Civil, decorrendo deste último preceito legal que o cumprimento da obrigação se não presume ).
Ora, dos factos dados como provados resulta claro ter o Autor outorgado com a Artigo Catorze - Actividades Hoteleiras, Lda. um contrato de prestação de serviços jurídicos/mandato, contrato esse oneroso ( dada a circunstância de o Autor dessa actividade fazer profissão ) e previsto pelo artº 1154 e segs. do C. Civil, tendo assim o demandante direito a ver-se pago dos serviços jurídicos por si prestados à mesma e o inerente direito do mesmo de receber o correspondente valor e de exigir a sua prestação/pagamento.
Ora, no caso, a única especialidade da situação nos autos vertida cifra-se na circunstância de a entidade a quem o Autor, de forma evidente, prestou os serviços cujo pagamento é peticionado, ter sido dissolvida e liquidada, razão pela qual, sendo a Ré MA, sua liquidatária ex-sócia e liquidatária, os autos prosseguiram contra os sócios da sociedade dissolvida, representados pela liquidatária aludida, nos termos do artº 162 do C. S. Comerciais, a pedido do demandante.
Cumpre agora indagar se ao Autor foram pagos, pela sociedade aludida ou pelos seus sócios ( face à sua dissolução/liquidação ), os serviços pelo Autor àquela prestados, prova essa que se entende não ter sido feita por os demandados ( através da liquidatária ) não terem logrado provar que tivesse sido acordado com o Autor que o único pagamento a efectuar seria o da quantia de 3.000,00 Euros, a título de honorários ( valor pela sociedade dissolvida pago ) e se não constatar qualquer nulidade do peticionado valor coincidente a 10% do valor obtido de indemnização do senhorio.
Na verdade, a própria entidade competente para emitir laudos de honorários ( a Ordem dos Advogados, através do seu Conselho Superior e do laudo por este emitido, na sequência de pedido deste tribunal ) que entendeu que, apesar de não dar laudo ao valor de honorários pretendido, já seria de o dar se o valor fosse de 10.000,00 Euros ( acrescido de I.V.A. ), relevando a mesma, para o efeito, a importância do efeito logrado pelo Autor na obtenção do valor da indemnização a receber pela cliente do demandante e, logo, pela inexistência de qualquer alegada nulidade de tal consideração dessa vantagem na fixação dos honorários.
Consequentemente e atenta a natureza/competência da entidade emitente de tal laudo, crê-se que o tribunal ao mesmo se deve ater e/ou ter em consideração, quer por não se vislumbrar qualquer razão que justifique a sua desconsideração por este tribunal nem a mesma se mostrar invocada, quer por o valor indicado como sendo aquele pelo qual a Ordem dos Advogados concederia o laudo se afigurar equilibrado aos serviços prestados.
Daí decorre, por isso, entender-se que face à comprovada prestação, pelo Autor, dos serviços em causa nos autos e ao valor que o laudo da Ordem dos Advogados entendeu que seria mais consentâneo com os mesmos serviços, ter o demandante direito, aparentemente e desde já, a haver dos sócios da cliente dissolvida, representados pela sua liquidatária, a quantia de 10.000,00 Euros, acrescida de I.V.A. à taxa legal, descontando-se o valor já pago ( de 3.000,00 Euros ) e, em suma, ao valor de 7.000,00 Euros (…)”.
Vejamos:
Perante a factualidade apurada mostra-se, na realidade, suficientemente demonstrado que, o autor - que desempenha a profissão de advogado – foi contratado para o exercício da respetiva atividade profissional, sendo que, a ré MA emitiu, na qualidade de sócia-gerente da sociedade Artigo Catorze a procuração constante de fls. 18 dos presentes autos (cfr. facto provado n.º 4), sendo que, no desenvolvimento desse patrocínio, o autor praticou os atos inerentes ao mesmo (cfr. factos provados n.ºs. 5, 6, 7 e 12), tudo confluindo na conclusão da celebração de um típico contrato de prestação de serviços - pelo qual, a então sociedade se obrigou ao pagamento dos serviços por si contratados ao autor - na modalidade do contrato de mandato e o autor a desempenhar o mandato que lhe foi conferido (cfr. artigos 1154.º, 1157.º e 1158.º do CC).
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., Coimbra Ed., 1986, pag. 710), «casos correntes de mandato oneroso são os dos advogados e dos solicitadores».
Ora, são obrigações do mandatário, entre outras, a prática de actos compreendidos no objecto do contrato, segundo as instruções do mandante, a prestação de informações sobre o estado do serviço se solicitada, a comunicação ao mandante da execução do serviço ou da razão da sua inexecução, a prestação de contas e a entrega ao mandante do que recebeu em execução do mandato ou no seu exercício, caso não o tenha despendido no normal cumprimento do contrato (cf. artigo 1161º do Código Civil).
Por sua vez, constituem obrigações do mandante, fornecer ao mandatário os meios necessários para a execução do convencionado (salvo acordo em contrário), o pagamento da retribuição (se acordada) e seu provisionamento se usual, o reembolso ao mandatário das despesas (com juros legais) feitas, que este tenha, fundadamente, considerado como indispensáveis e a indemnização ao mandatário dos prejuízos sofridos em consequência do mandato (ainda que o mandante tenha procedido sem culpa) - cf. artigo 1167º do Código Civil.
Sendo estipulada a medida da remuneração pelas partes, deverá atender-se, desde logo, a tal estipulação e, só depois, às eventuais tarifas profissionais fixadas e aos demais critérios previstos na lei (na falta de tarifas profissionais, deverá recorrer-se aos usos; e, na falta de umas e outras, importará recorrer a juízos de equidade para fixar a retribuição do mandato).
As tarifas profissionais serão, assim, de atender, em primeiro lugar. Como refere Rui Delgado, «contribuindo para uma mais justa, certa e adequada remuneração dos serviços profissionais prestados pelos Advogados, as normas respeitantes a honorários cumprirão, como sempre deverá acontecer, objectivos que são de toda a sociedade e não apenas de um grupo profissional. Será útil exercer essa pedagogia, num tempo em que, tantas vezes, os interesses das diversas corporações tendem a sobrepor-se ao interesse geral» (“Honorários”, in Boletim da Ordem dos Advogados, nº 22, p. 65).
Especificamente, sobre honorários da profissão de Advogado prescrevia o artigo 100.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro e vigente à data das relações estabelecidas entre as partes), que:
“1. Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.
2. Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.
3. Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais”.
E, o artigo 101.º do referido Estatuto (à semelhança do precedente artigo 66º do anterior Estatuto) prescreve que é proibido ao advogado, exigir, a título de honorários, uma parte do objecto da dívida ou de outra pretensão, repartir honorários (excepto com colegas que tenham prestado colaboração) e estabelecer que o direito a honorários fique dependente, em exclusivo, dos resultados da demanda ou negócio, não constituindo, contudo, «quota litis o acordo que consista na fixação prévia do montante dos honorários, ainda que em percentagem, em função do valor do assunto confiado ao advogado ou pelo qual, além dos honorários calculados em função de outros critérios, se acorde numa majoração em função do resultado obtido» (cfr. n.º 3 do referido artigo 101.º do mencionado Estatuto).
A Ordem dos Advogados, apreendendo a importância de uma regulamentação mais detalhada das normas relativas a honorários, aprovou, inclusive, regras específicas sobre a matéria, naquilo a que denominou «Regulamento dos Laudos de Honorários».
Assim, um primeiro Regulamento de Laudos de Honorários (publicado no D.R., II Série, nº 8, de 10 de Janeiro de 2001, pp. 445-447) dispunha no artigo 4.º os termos em que devia ser apresentada a conta de honorários:
“1 – A conta de honorários deve ser apresentada ao cliente por escrito e assinada pelo advogado.
2 – Os honorários devem ser fixados em dinheiro e em moeda com curso legal em Portugal, sem prejuízo da sua conversão em qualquer outra moeda ao câmbio da data da fixação.
3 – A conta deve enumerar e discriminar os serviços prestados.
4 – Os honorários devem ser separados das despesas e encargos, sendo todos os valores especificados e datados.
5 – A conta deve mencionar todas as provisões recebidas.
6 – O advogado não pode alterar a conta apresentada ao cliente no caso de não pagamento oportuno ou de cobrança judicial, embora possa, querendo, exigir a indemnização devida pela mora nos termos legais”.
Subsequentemente, foi aprovado o Regulamento dos Laudos de Honorários n.º 40/2005, publicado no Diário da República, II Série, n.º 98, de 20 de Maio de 2005.
Cumpre, ainda, salientar que, os mencionados critérios de fixação de honorários, não são taxativos (podendo ser caso de ponderar, por exemplo, também o esforço, a urgência do serviço, a eventual incomodidade da prestação do serviço – cfr. Orlando Guedes da Costa; Direito Profissional do Advogado – Noções Elementares; 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 223), caso não tenha sido acordado valor para o seu pagamento.
Concretizando os referidos critérios, refere Orlando Guedes da Costa (Direito Profissional do Advogado – Noções Elementares; 4ª Ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 221) o seguinte:
“Na falta de ajuste de honorários entre o Advogado e o seu cliente, devem os mesmos ser fixados de acordo com diversos factores.
Na fixação de honorários deve o Advogado proceder com moderação por eles corresponderem a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, atendendo ao tempo gasto, às responsabilidades assumidas, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual, à importância do serviço prestado, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e aos demais usos profissionais.
O critério geral é, pois, o da fixação dos honorários com moderação, o que não quer dizer com modéstia, mas apenas sem exagero.
O tempo gasto não é tanto o despendido no estudo do assunto, porque depende da ciência e da inteligência de quem presta o serviço, como o tempo em que o escritório do Advogado, com custos fixos cada vez mais elevados, esteve na disponibilidade do cliente, de tal maneira que se tivesse sido necessário intervir, a intervenção ter-se-ia verificado em tempo oportuno, o que supõe, muitas vezes, a limitação de número de processos afectos a um escritório.
A dificuldade do assunto não pode deixar também de ser um critério de grande importância para a fixação dos honorários do Advogado.
Quanto à importância do serviço prestado, importa ter presente que “os serviços prestados abrangem não só matérias de jurisdicionalidade incontroversa como todas as matérias com aquelas conexas que, embora de diferente natureza, sejam complementares das primeiras ou indispensáveis para o respectivo bom êxito”, pois “todas as actividades ou serviços prestados por advogado, em complemento de outros tipicamente jurídicos, devem, em princípio, ser remunerados e são, em princípio, cobráveis.
Deve atender-se às posses dos interessados que são não só apenas as que resultaram dos serviços prestados, pois os resultados obtidos devem ser valorados com autonomia, mas “pura e simplesmente, às que definem a sua situação económica”.
Outro critério muito importante é o dos resultados obtidos, que “são os que se verificaram enquanto o advogado exerceu o mandato, não sendo, por isso, necessário, quando este cesse no decurso da causa, aguardar o seu termo para se considerar se o resultado final foi ou não favorável ao seu constituinte” (…).
Note-se, porém, que “é devida justa remuneração por todas as diligências feitas por mandatário judicial, ainda que improfícuas” e que “são devidos honorários ao Advogado, mesmo quando a acção se perde na totalidade”.
Para a fixação de honorários deve atender-se também aos usos profissionais, designadamente à praxe do foro e estilo da comarca, ou seja, “àquela média de honorários que o colégio dos Advogados de uma comarca estabelece parta alguns certos e determinados serviços prestados pelos advogados dessa comarca e dentro dela” e que não tem que ser observada nos “serviços que presta fora da comarca onde tem o seu escritório” (…)».
Especificamente sobre os «resultados obtidos», cumpre referir que, “se for claro que é em resultado do trabalho prestado pelo advogado que o efeito útil obtido com o serviço prestado é diminuto ou praticamente inexistente (por ter deixado caducar o registo da execução específica do contrato-promessa), o valor a pagar por tal serviço prestado terá necessariamente de repercutir, e substancialmente, tal facto” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/11/2010, Pº 4416/03.2TBVIS-A.C1, rel. PEDRO MARTINS).
Tecidas estas considerações genéricas, verifica-se o acerto da decisão recorrida, relativamente ao enquadramento jurídico operado e, bem assim, à consideração do valor da remuneração adequada ao serviço realizado, justificada cabalmente em face do laudo obtido, no qual foi especial e adequadamente valorizado o sucesso obtido pela intervenção do autor (“resultado obtido”), de forma ajustada e compatível com o resultado de tal intervenção (cfr., em especial, os factos provados n.ºs. 7, 9 e 20) e o estado de coisas prévio à mesma (cfr. factos provados n.ºs. 1 a 3).
Para além destes aspetos, cumpre salientar que o pagamento invocado pelos demandados, não resultou comprovado.
O cerne da impugnação recursória prende-se, contudo, relativamente à imputada violação pelo Tribunal recorrido do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CSC, relativamente à condenação dos sócios da extinta sociedade.
Ora, conforme resulta das considerações já expendidas a respeito da apreciação da questão A) supra enunciada, apurada a extinção da sociedade Artigo Catorze, a demanda prosseguiu relativamente aos seus antigos sócios, que, representados pela liquidatária, teriam plena legitimidade passiva, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CSC para serem demandados.
Apreciada a questão processual (sendo certo que, qualquer dos sócios podia intervir no processo como assistente – cfr. artigo 163.º, n.º 2, do CSC) sem que a mesma merecesse/mereça qualquer reparo ou censura, subsistia a questão substantiva de saber se, ainda assim, os sócios da sociedade extinta seriam responsáveis pelo pagamento do valor das responsabilidades que fossem reconhecidas relativamente àquela sociedade.
Conforme acima se desenvolveu – para aí se remetendo – invocada a existência de passivo societário por banda do autor – a invocação pelo autor de que existia um débito de responsabilidade da sociedade extinta – aos atuais réus, sucessores da sociedade extinta, representados pela liquidatária, caberia a invocação e prova dos factos impeditivos do direito de que o autor se arrogou, alegação que fizeram.
Contudo, não obstante o que porfiaram, não lograram os mencionados “antigos sócios” da sociedade demonstrar probatoriamente nos autos, algum dos factos impeditivos que foram invocados.
E, não procede a argumentação deduzida de que, da ata da sociedade junta como documento n.º 2 com a contestação, a sociedade deliberou a dissolução e liquidação, dela constando que não tinha qualquer ativo e passivo.
Ao contrário do que invocam os recorrentes, a ata em questão não faz presumir que a sociedade foi dissolvida e partilhada sem bens.
Conforme resulta da ata em questão, os sócios aprovaram que fosse seguido, para a dissolução da sociedade, o procedimento administrativo de extinção imediata da sociedade.
Um tal procedimento encontra-se regulado nos artigos 27.º e ss. do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais (aprovado pelo D.L. n.º 76-A/2006, de 29 de março e, designado abreviadamente por RJPADLEC), o qual exige, em suma, a verificação de dois requisitos:
a) Que a sociedade não tenha activo nem passivo, situação a ser certificada por mera declaração dos sócios (cfr. artigo 27.º, n.º 1, al. b) do referido RJPADLEC); e
b) Que exista uma deliberação unânime dos sócios no sentido de recorrer ao procedimento de extinção imediata ou um requerimento subscrito por todos os sócios (cfr. artigo 27.º, n.º 1, al. a) do RJPADLEC).
Contudo, como salienta criticamente Carolina Cunha (“Responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente após a extinção da sociedade nos casos de ausência de liquidação”, in III Congresso de Direito das Sociedades em Revista, 2014, Almedina, p. 179), a lógica deste processo não é, muitas vezes, conforme com a realidade, pois, na realidade, é “(…) muito difícil a verificação de um “património zero” numa sociedade que funcionou durante certo período de tempo; só por grande coincidência o activo societário cobrirá exactamente o passivo, sem faltar nem sobejar. Não se olvide, caso “sobeje” activo, que a sociedade ainda não foi dissolvida nem liquidada e será ilícita uma distribuição aos sócios de bens necessários à cobertura do capital social (art. 32.º CSC), Caso “falte” activo para cobrir o passivo, estará provavelmente a sociedade em situação de insolvência (cfr. os n.ºs. 1 e 2 do art. 3.º do CIRE), insolvência cuja declaração tem o dever de requerer nos termos do art. 18.º do CIRE”.
Ora, o facto de os sócios terem declarado – seja no procedimento de extinção imediata, sem na escritura pública onde procedem à dissolução da sociedade – a inexistência de activo e de passivo sociais, não impede a sua responsabilização subsequente, pois, é “entendimento pacífico da jurisprudência que a declaração de inexistência de bens a partilhar, mesmo que exarada em escritura, “não vincula os credores sociais porque não coberta pela força probatória material que, no art. 371.º do CCiv., é reconhecida aos documentos autênticos”; e, seja como for, “a verdade patrimonial de uma sociedade não se demonstra com uma simples declaração unilateral dos seus sócios, dizendo que não há activo” (assim, Carolina Cunha; “Responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente após a extinção da sociedade nos casos de ausência de liquidação”, in III Congresso de Direito das Sociedades em Revista, 2014, Almedina, p. 193, citando os Acórdãos do STJ de 26-06-2008; da Relação de Lisboa de 11-07-2013; da Relação de Guimarães de 18-01-2011 e da Relação de Coimbra de 19-12-2000).
Na realidade, a acta deliberativa de dissolução da sociedade junta aos autos apenas faz prova plena de que os sócios nela intervenientes declararam nos termos aí consignados, designadamente, que a sócia gerente declarou que, “tendo a sociedade sido constituída no ano de 1978, denominada «Artigo Catorze – Actividades Hoteleiras, Lda.», e tendo cumprido integralmente o seu objecto social, propunha à assembleia que a mesma fosse dissolvida, em virtude da sociedade, na presente data, já não ter qualquer activo nem passivo e se encontra em condições de poder ser dada como liquidada (…)” e que propôs “que fossem reportadas à data da dissolução e reconhecida a existência de ativo e passivo (…)”, bem como, que, na sequência, “os sócios concordaram que os documentos em apreciação eram do seu perfeito conhecimento, pelo que dispensaram a leitura e outras formalidades” e, ainda, que, posta à votação “foi aprovada, por unanimidade, a declaração de encerramento da liquidação, por inexistência de activo e passivo (…)”.
Contudo, para além da prova dessas declarações – o que resulta do preceito consignado no artigo 376.º do CC – não faz o aludido documento prova plena dos factos declarados.
Ou seja: “O documento particular prova plenamente que a pessoa a quem é atribuído fez as declarações dele constantes, ou seja, a força probatória respeita somente a materialidade das declarações feitas no documento” (cfr. Luís Filipe Pires de Sousa; Direito Probatório Material Comentado; Almedina, 2020, p. 163), mas, relativamente ao conteúdo das próprias declarações, o seu valor probatório é objeto de livre apreciação do julgador.
Em face do exposto, improcedem as aludidas conclusões recursórias, cabendo aos antigos sócios da sociedade satisfazer, enquanto sucessores da extinta sociedade (e, dado que, não demonstraram não terem recebido bens sociais na liquidação da sociedade) o cumprimento da obrigação correspondente.
Em face do exposto, a apelação deduzida improcederá, mantendo-se a decisão recorrida.
*
De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve:
“I. O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão.
II. A decisão de facto inserida em sentença ou acórdão não constitui ato decisório autónomo, assumindo antes a natureza de fundamento no quadro e economia da decisão final ali proferida.
III. Assim, o vencimento obtido pelo recorrente na impugnação de determinado ponto de facto, mas sem repercussão na solução jurídica da pretensão recursória, não importa em juízo de procedência parcial da apelação nem releva para efeitos de repartição da responsabilidade pelas custas”.
Em conformidade com o exposto, as considerações expendidas em sede de impugnação da matéria de facto – que determinaram a alteração de parte da decisão de facto prolatada – não relevam para efeitos de repartição da responsabilidade por custas.
Ou seja: O vencimento obtido pelo recorrente na impugnação de determinado ponto de facto ou em determinado fundamento jurídico acessório, que não determinou, todavia, repercussão na decisão da pretensão recursória, não importa em juízo de procedência parcial da apelação, nem releva para efeitos de repartição da responsabilidade pelas custas.
Assim, de acordo com o julgado, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre os recorrentes, que, nos termos expostos, decaíram integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
*
5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar:
I) Não verificadas as nulidades arguidas relativamente à decisão recorrida;
II) Alterar a redação do ponto 20 dos factos provados, passando a mesma a ser a seguinte: “20 - Na sequência do acordo aludido em 8 - e segs. foi obtida da senhoria EMGI Investment Group, Unipessoal, Lda., em data não apurada, a quantia de € 80.000,00 devida por força do mesmo acordo”;
III) Alterar a redação da alínea b) dos factos não provados, passando a mesma a ser a seguinte: “b) os factos constantes dos artºs. 3.º, 4.º, 25.º, 26.º, 27.º, 29.º, 34.º, 45.º, 49.º, 51.º a 53.º da contestação, estando a prova do alegado nos artºs. 30.º e 31.º da contestação prejudicada”;
IV) Improcedente, quanto ao mais, a impugnação da matéria de facto deduzida; e
V) Improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 27 de janeiro de 2022.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
Maria José Mouro Marques da Silva