Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
618/24.6PISNT-B.L1-3
Relator: HERMENGARDA DO VALLE-FRIAS
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PRISÃO PREVENTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Sumário:
(da responsabilidade da Relatora)
I. As medidas de coacção restringem a liberdade das pessoas, daí o seu nome e função.
Essa restrição pode ser maior ou menor, e por isso a lei processual, conjugada com a Constituição da República Portuguesa, deve entender-se como impondo uma graduação entre as medidas previstas.
As medidas de coacção são todas, à excepção do Termo de Identidade e Residência [cuja particular natureza não se impõe aqui discutir], por isso mesmo, de aplicação excepcional e têm de estar taxativamente previstas na lei, conforme decorre dos arts. 27º e 28º da Constituição, e do artigo 191º do Cód. Proc. Penal.
Esta excepcionalidade decorre, como o referido preceito invoca, daquilo que sejam as exigências processuais de natureza cautelar que o crime indiciado suscite.
Por isso, todas as medidas de coacção obedecem, na sua aplicação, aos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação, pois que, como decorre do disposto no artº 18º, ns. 2 e 3 da Constituição, constituem um limite a um direito fundamental, qual seja, a liberdade pessoal.
II. Importa dizer que, ao contrário do que parece ter interiorizado o arguido, muito por via da legislação actual que tentou compatibilizar da melhor maneira a excepcionalidade da prisão preventiva com a protecção da vítima, sem que o tenha conseguido em pleno, no entanto, não é a vítima que deve ser retirada da sua casa, do seu emprego, do seu meio e relações, da sua vida, para poder ficar fora de um Estabelecimento Prisional o [ou a] agressor.
A sociedade não pode resolver os problemas que tem através do isolamento das vítimas, sejam elas vítimas de crimes ou das circunstâncias sociais em geral.
Não podemos viver em sociedades em que as pessoas cumpridoras são postergadas para os redutos do isolamento, para deixar em liberdade quem não tem pudor ou vontade para respeitar os direitos alheios.
Esta redução das vítimas a um cárcere socialmente aceite e justificado como ambiente de protecção constitui, em si mesma, não pode contribuir para a violação da sua liberdade e dignidade humana.
A percepção de que a liberdade dos arguidos vale mais do que a das vítimas é uma errada percepção da realidade que já não existe e nem pode ser tolerada nas sociedades actuais.
Não vale a pena disfarçar o que é uma evidência de humanismo: a prisão é um mal maior, mas não pode ser o maior mal quando já se é vítima de um tratamento incompatível com a dignidade da pessoa humana.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
Pelo Juízo de Instrução Criminal de Amadora em ........2025 foi proferido despacho na sequência da audição do arguido em interrogatório judicial, que decidiu do seguinte modo:
(…)
Indiciam fortemente os autos a prática pelo arguido de todos os factos narrados no despacho de apresentação.
*
Mais se indicia, relativamente ao arguido:
- O arguido foi já condenado pela prática de 1 crime de roubo qualificado, 1 crime de roubo simples, 2 crimes de condução sem habilitação legal e 1 crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
- Pelos crimes de roubo(s) e de tráfico de estupefacientes de menor gravidade cumpriu pena de prisão efectiva, beneficiando de liberdade condicional concedida em ...-...-2022 até ...-...-2025.
- É empregado de bar, auferindo uma média de 850,00 € mensais.
- Vive com uma companheira, empregada no continente, a qual aufere 900,00 € mensais.
- Esta encontra-se grávida de um filho do arguido, que nascerá no decurso do presente mês.
- Habitam residência da irmã do arguido.
*
Pelo exposto, encontra-se fortemente indiciada a prática, pelo arguido, de um crime de violência doméstica, p. e p. nos termos do artigo 152º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código Penal.
*
Prova que fundamenta a forte indiciação dos factos e crime imputado ao arguido:
Prova:
Testemunhal:
1. AA (fls. 11/12 e 57/58);
2. BB (fls. 59 e 60);
3. CC (fls. 61 e 62);
4. DD (fls. 79 e 80);
5. EE (fls. 83 e 84).
Documental:
- Auto de denúncia de fls. 3 a 8;
- Ficha RVD-1L de fls. 9 e 10;
- Fichas RVD-2L de fls. 24 a 26, 29 a 31, 33 a 35;
- Aditamentos de fls. 23, 28, 32, 43, 44, - CRC de fls. 46 a 51;
- Auto de denúncia de fls. 54 a 56;
- Cópias e imagens e autos de transcrição de fls. 63 a 78;
- Cliché de fls. 81 e 83;
- DVD-R constante na contracapa dos autos.
*
No presente interrogatório judicial o arguido pretendeu prestar declarações, também esclarecendo as suas condições socioeconómicas, estas assim consideradas indiciariamente assentes.
No essencial, o arguido tudo negou, apenas referindo contactar a vítima na data do aniversário da filha comum.
Referiu que já existe processo no Juízo de Família e Menores da ..., tendo ficado estabelecido um regime de visitas e de pensão que deveria pagar, o qual foi cumprido durante algum tempo, incumprido a partir do momento em que a vítima pretende manter relacionamento com o arguido, que este não pretende, passando a ficar impedido de estar com a sua filha, logo, deixando de pagar o valor alimentar devido àquela.
Expressamente instado, sequer admitiu o envio de mensagens escritas ou de voz, cujos teores demonstram que apenas o arguido as poderia ter enviado, já que seu conteúdo, inclusivamente, vai ao encontro do, pouco, referido pelo arguido em declarações perante este JIC.
O Tribunal louvou-se, ainda, para a forte indiciação supra, na conjugação dos elementos probatórios elencados.
De relevo, a documentação das mensagens remetidas pelo arguido, os autos de denúncia e de sucessivos aditamentos, sem esquecer os testemunhos exarados nos autos, dos quais ressalta que inclusivamente a filha comum tem verdadeiro medo de seu pai, não querendo estar com o mesmo.
Sequer a reclusão do arguido, por factos integradores, como o presente crime de violência doméstica, de criminalidade violenta, fez conter o arguido dos seus mais recentes comportamentos.
A concatenação dos testemunhos conduz ao sério e seguro convencimento deste Tribunal, já que secundam os comportamentos do arguido, numa séria perseguição e ameaça dirigida à ofendida, em parte também abrangente da filha comum, quando afirma não se importar de “perder” a filha desde que a ofendida também se confronte com a sua perda.
A testemunha DD, que sequer é familiar do arguido, a fls. 79, relatou os factos de que teve conhecimento e que directamente percepcionou, não deixando de referir que o arguido tinha um olhar perturbador.
Ademais, o arguido não se inibiu de expor publicamente a foto não só da sua ex-companheira, como da sua filha, como modo de tentar saber do seu paradeiro, nenhum outro “interessado”, para além do arguido, o tendo feito, já que o arguido verbalizou que não mantém contactos com a sua filha e chega a desconhecer o seu paradeiro.
Importa salvaguardar os perigos de perturbação do inquérito para aquisição, conservação e veracidade da prova, continuação da actividade criminosa, bem como de grave perturbação da ordem e da tranquilidade públicas.
O arguido, como já se disse, mesmo após sofrer reclusão, logo que em liberdade, perseguiu e ameaçou a vítima, envolvendo também a filha menor, que sequer procurou recatar das suas condutas, demonstrando-se evidente, perante a gravidade dos factos, do crime que lhe está imputado que, em liberdade, tornará a cometer novos factos da mesma natureza.
Mesmo a circunstância de se encontrar no período de liberdade condicional por factos e crimes lesivos dos mesmos bens jurídicos, tal não o inibiu, também, de continuar na mesma senda, continuação esta que este tribunal deve fazer cessar.
O Tribunal designará data para tomada de declarações para memória futura da ofendida, importando que não silencie, por temor de factos da mesma natureza por parte do arguido ou de alguém a seu mando.
Por último, mas evidente, o perigo de grave perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, vistas a elevada gravidade dos factos e a circunstância de o arguido não se inibir, como já se disse, de os praticar na via pública, pondo em causa não só os bens jurídicos pessoais da vítima, como a própria tranquilidade pública, não se aquietando a sociedade se não aplicado seguro estatuto coactivo, e só assim, na comunidade, se reforçando o valor da norma jurídica pelo arguido violada.
Neste momento processual, somos a concordar com o promovido estatuto coactivo por, agora, ser o único que verdadeiramente satisfaz os aludidos perigos, com exclusão de qualquer outro.
A OPHVE (201º) mostra-se incapaz de satisfazer estas finalidades, pois a partir da residência logrará o arguido, mesmo que com auxílio de terceiros, a dirigir-se contra a ofendida, fazendo-a temer por si e pela sua filha.
Por tudo o exposto, considerando-se tais medidas adequadas, suficientes, necessárias e actuais, se determina que o arguido aguardará os ulteriores termos processuais na situação de prisão preventiva e TIR.
Ademais, deverá ficar proibido de contactar com a vítima.
Tudo nos termos dos artigos 191º a 194º, 196º, 200º, nº 1, al. d), 201º a contrario sensu, 202º, nº 1, al. b) e 204º, nº 1, als. b) e c) do C.P.P..
Notifique
(…)
Inconformado, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
1. Tendo por base o artigo 32°n.°2 da CRP, segundo o qual todo o Arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado de sentença de condenatória e atendendo ao sistema penal actual e vigente, é de carácter excepcional a medida de coação prisão preventiva.
2. Assim e atendendo àquele princípio e ao plasmado no art° 27° e no art° 28° da CRP e ao disposto nos art°s 191° a 193° do CPP, o arguido viu violado o seu direito fundamental à liberdade, por considerar que a prisão preventiva que lhe foi imposta é injusta, desadequada e desproporcional aos indícios inexistentes e às circunstâncias do seu comportamento.
3. Na verdade, a prisão preventiva não tem em vista uma punição antecipada, pois só excepcionalmente pode ser aplicada, desde que não possa ser substituída por outra medida de coacção mais favorável e neste caso a pulseira electrónica de afastamento e proibição de contactos com a vitima, nos termos do artigo 200.° n.° 1 alínea a) do CPP é mais que suficiente.
4. Com efeito, tem sido jurisprudência constante, que tal medida de coacção só deve ser aplicada em ultima ratio, precisamente em obediência ao comando contido no art° 28° n.° 2. da CRP.
5. Por outro lado, a prisão preventiva, incluindo os casos previstos no art° 209°, do CPP, só é admissível quando se verificam os requisitos e pressupostos dos art"s 202° e 204°, respectivamente, daquele mesmo diploma legal.
6. Ora, o recorrente não entende como pode estar fortemente indiciado que tenha alegadamente praticado o crime praticado de violência doméstica, já que tem uma filha em comum com a vitima, mas já não vive com a vitima e apenas pretende distância da mesma.
7. Na verdade, o Recorrente em sede de l.° interrogatório judicial teve negar todas as acusações e teve oportunidade de explicar ao meretíssimo juiz “ a quo”, a sua situação económica, social e familiar.
8. De facto a prova indiciária é incerta, e não se descortina nenhum facto que seja subsumível ao crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência agravado e crime de importunação sexual agravado.
9. Ora, a ausência de fortes indícios da prática desse crime, para além dos que já foram apontados, nomeadamente que o Recorrente fosse o co-autor material de um crimes imputados ao arguido, não existindo meras desconfianças, e nem sequer prova evidenciam por si só o carácter excessivo da medida.
10. Acresce que, o douto despacho, de que ora se recorre, não averigou a justeza das razões apresentadas pelo arguido, não tem antecedentes criminais por crimes desta natureza, que está a trabalhar actualmente e não cometeu nenhum ilícito.
11. Consequentemente, o 1 ribunal errou ao considerar que é de manter a convicção que o Recorrente se acha fortemente indiciado pela prática do crime de violência doméstica, já que este não praticou nenhum ilícito.
12. Ademais, o douto despacho recorrido deu ao art° 209°, do CPP uma interpretação que raia a inconstitucionalidade.
13. O tribunal também errou ao entender que se mantém a verificação de qualquer dos perigos que fundamentam a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
14. Mais ainda, tal douto despacho recorrido não fundamenta a existência dos pressupostos do art° 204°, do CPP, sendo certo que tais pressupostos se não verificam. Senão vejamos:
15. O recorrente não possuí antecedentes criminais recentes por este crime ou qualquer outro análogo.
16. O recorrente antes de ser detido estava a trabalhar como barman peito da sua casa, vive em casa da sua irmã que reside no estrangeiro.
17. No entanto, o recorrente há muito tempo que não tem contacto com a ofendida directamente, pelo facto de a mesma ser conflituosa e não queria problemas para não ter de envolver a filha de ambos.
18. Porém, convém referir que a ofendida é uma pessoa mentirosa, manipulável e já fio despedida de vários empregos por ser mentirosa e não aceitou o não do arguido quando recentemente quis voltar a namorar com o arguido.
19. Inclusivamente, sendo uma pessoa mentirosa e manipulável, será aconselhável efectuar exames médicos a ofendida e perícias no institudo de medicina legal.
18. O recorrente em liberdade irá viver com a sua esposa que está a espera de bebé, um filho, que é casa da sua irmã que está em ... e o arguido já vive a vários anos.
19. Consequentemente, inexiste perigo de fuga pelo facto de o Recorrente ter mulher que o apoia e ajuda que está desempregada , daqui a uns meses será pai e atenção visto padecerem de problemas graves de saúde, que o Tribunal “ a quo” ignorou - o que é como qualquer homem médio compreende, um lacto evidentemente dissuador de qualquer vontade ou desígnio de se evadir do País ou de se furtar à justiça.
20. Além disso, o Recorrente vivia com a sua esposa que está grávida, e a esposa está desempregada ficando a mesma desamparada, pois a mulher está desempregada, e o recorrente trabalha como barman e pretende estar perto da esposa que está quase a ter bebé, sendo manifesto que a sua situação laboral e familiar indiciam a ausência de qualquer intenção de fuga.
21. A esposa sente se sozinhas, não tem apoio de ninguém e necessita do auxílio do recorrente.
22. Inclusivamente, conforme referiu e bem a digníssima procuradora do Ministério Público, ainda existe muita matéria para investigar e o recorrente já veio apresentar prova para esclarecer a verdade, e tendo em conta que o recorrente sendo solto aceita que o coloquem de pulseira electrónica de afastamento para verificarem onde anda. e quer pretende ser controlado para a ofendida não inventar mentiras sobre o arguido sendo que o recorrente solto não existe perigo de continuação de actividade criminosa, até porque o mesmo pretende distância da ofendida que terá muito que explicar que poderá ser fiscalizado através de pulseira de afastamento.
23. Não obstante, tal apoio é, sem dúvida, um factor importante a considerar no que concerne ã possibilidade ou existência, por um lado, de perigo de fuga e, por outro, de perigo de continuação de actividade criminosa.
24. No caso vertente, não existem nos autos elementos de onde se retire que ocorre risco de fuga ou forte probabilidade de aquele acontecer.
25. Não se olvide que o Recorrente vive em Portugal e tem uma tremenda ligação (individual, familiar e social) com o nosso país, acrescendo que nunca sujeitaria a sua mulher e filho, á situação fugitiva, até porque quer a sua mulher e o filho o apoiam.
26. Tal como não se verifica perigo de continuação da actividade criminosa ou da perturbação o país ou de se furtar á justiça.
27. No que respeita ao perigo de continuação de actividade criminosa, a sua verificação não resulta da natureza e circunstância dos tipos de crimes sobre os quais os arguidos se encontram indiciados ao contrário do que sustenta o tribunal “a quo”, até porque o Recorrente não tem antecedentes criminais por crimes desta natureza e, não existe forma de imputar o perigo de continuação de actividade criminosa, que não existe e a ofendida está numa instituição onde o recorrente desconhece o seu paradeiro não o pretende conhecer, poderá revogar a medida de coacção a aplicar a medida de coacção de proibição de contactos e pulseira de afastamento não podendo o arguido aproximar- se mais de 500 metro sobre a vitima.
28. Consequentemente, não existiu como não existe continuidade da prática criminosa pela qual foi condenado, sendo que não existe prova ou indícios rigorosamente nenhuns que possam refutar isso.
29. Sendo que, estando a ofendida numa instituição e o recorrente irá trabalhar para outro local, também não existe perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, não existe nem nunca existiu qualquer contexto de violência doméstica seja entre quem for.
30. De acordo com a melhor jurisprudência, para que se entenda verificar-se tal perigo, é essencial que, tendo em conta as circunstâncias especificas e concretas do crime em apreço, resulte da não sujeição do arguido a prisão preventiva um especial risco de agitação social - que conduza à perturbação da ordem ou tranquilidade pública e neste caso não existe uma vez que o recorrente tem excelentes relações de vizinhança, vive com a sua esposa que vai ter bebé, desconhece onde a ofendida vive e facilmente caso incumpra o arguido facilmente será detectado e fiscalizado.
31. E mesmo que se entenda que, em concreto, se verifica qualquer dos perigos que justifica a aplicação de medida de coacção mais gravosa que o Termo de Identidade e Residência, sempre se dirá que, atento os princípios da adequação e proporcionalidade das medidas de coacção e ao carácter último ratio da prisão preventiva, outras medidas de coacção existem que satisfatoriamente realizam possíveis exigências cautelares e salvaguardam o normal prosseguimento dos autos.
32. Em concreto, a medida de coacção prevista no artigo 198." do C.P.P. ou no limite, que o Recorrente fique sujeito à proibição de contacto e não se pode aproximar até 500 metro da vitima.
33. No que toca à medida de coacção de afastamento entre arguido e ofendida, a mesma seria com recurso a meios de vigilância electrónica - tendo inclusivamente a própria Direcção Geral de Reinserçao Social atestado não existir qualquer impedimento à execução desta medida (como resulta de fls. 1407 dos autos).
34. Podendo, o Recorrente cumprir a medida de coacção com pulseira de afsatmento já que possuí trabalho , pois possui família de acolhimento a sua mulher e filho em qualquei sítio,que se encontra na disposição de não só o acolher, como responsabílizar-se pelo seu comportamento, e irá permitir ajudar a sua esposa que está com gravidez de risco.
35. Ora, observado que está que os indícios apontados pelo Tribunal de l.a Instância no despacho recorrido, bem como os perigos constantes das alíneas a) e c) do artigo 204.° do CPP, se não verificam deverão V. Exas. determinar a revogação da medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao Recorrente, ou, pelo menos, a sua substituição por medida menos gravosa.
36. Ademais, a passagem do tempo desde a aplicação ao Recorrente da prisão preventiva sem que tenham sido recolhidos quaisquer novos indícios quanto aos factos criminosos em investigação nos presentes autos ou que firmemente suportem a sustentação da existência de perigos a acautelar justificam a revogação ou alteração da medida de coacçâo confirmada pelo despacho recorrido.
37. Ora, deverão V. Exas ponderar as alterações de circunstâncias indicadas, das mesmas retirando as devidas consequências, como deverão, de acordo com o princípio do favor libertatis ( resultante do artigo 28 n.°2 da CRP) que norteia o nosso ordenamento jurídico, ponderar tudo quanto se alegou relativamente à insuficiência dos indícios da prática de crime e à inexistência, em concreto, de perigos que fundamentem a aplicação ao Recorrente da prisão preventiva.
38. Ou seja, dos argumentos ora esgrimidos, não pode senão entender-se resultar um esbatiamento das exigências cautelares que o Meretíssimo Juiz de Instrução entendeu verificarem-se tal implicando, de acordo com o n.° 3 do artigo 221.° C.P.P., a revogação ou substituição da medida de coacção aplicada ao Recorrente.
39. Por isso, a manutenção da prisão preventiva do Recorrente atenta contra os seus direitos e sentimentos de Justiça.
40. Assim, com a privação da sua liberdade, ainda que preventivamente, sofrerá prejuízos irreparáveis dado que tem a seu cargo a sua esposa e filho que está quase a nascer, a sua esposa tem gravidez de risco e corre o risco de perder o bebé, pelo que ambas vivem exclusivamente dos seus rendimentos de trabalho.
41. Sendo que neste momento é mais provável que seja absolvido do que condenado ou eventualmente o inquérito seja arquivado, já que a investigação não terminou e há muito para investigar e uma boa investigação permite concluir que a ofendida não tem credibilidade nenhuma e que os crimes não foram praticados.
42. Pelo exposto, é evidente que o despacho recorrido violou entre outros os artigos 193.°, artigo 204.° e artigo 212 n.r,3 todos do CPP e o artigo 28.° n.°3 da CRP, normas estas que se consideram violadas, deve o arguido alterada a medida de coação aplicada ao arguido, para proibição de contacto com a ofendida e não se aproximar da ofendida por mais de 500 metros sendo tal situação fiscalizada por pulseira electrónica.
(…)
O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo:
(…)
1. Mantêm-se inalterados os pressupostos que determinaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva, a única que, no caso sub judice, salvaguarda as exigências cautelares requeridas.
2. Existem nos autos fortes indícios de o arguido ter praticado um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, nº 1, alíneas b) e c), do Código Penal.
3. A decisão que sujeitou o arguido à medida de coacção de prisão preventiva encontra-se devidamente fundamentada, nomeadamente no que concerne aos perigos elencados de continuação da actividade criminosa, de perturbação do inquérito para aquisição, conservação e veracidade da prova, e de grave perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, e à inadequação, insuficiência e desproporcionalidade da aplicação de outras medidas de coacção.
4. Os factos elencados como fortemente indiciados são muito graves, uma vez que o arguido manteve um comportamento persistente de perseguição em relação à vítima, de insultos e de ameaças, nomeadamente de morte à vítima e à filha comum, ainda criança.
5. Atenta a natureza e gravidade do crime fortemente indiciado, aliado aos antecedentes criminais do arguido, condenado por crimes inseridos na chamada "criminalidade violenta", mormente crimes de roubos pelos quais já foi condenado e em que cumpriu pena de prisão efectiva, existe um claro e nítido perigo concreto de continuação da actividade criminosa.
6. Afigura-se-nos que o ilícito em causa nos autos e a forma como o mesmo foi praticado, desaconselha fortemente a mera aplicação das medidas de coacção de proibição de contactos e de afastamento, ainda que com recurso à fiscalização através de meios de controlo à distância, uma vez que não obstaculizaria os perigos que se encontram presentes.
7. Tal como foi detalhadamente analisado na douta decisão ora em causa, a prisão preventiva é a medida de coação que se mostra, 'in casu” necessária e adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcional à gravidade do crime imputado ao arguido, e à pena que previsivelmente lhe caberá.
8. O douto despacho em análise não viola qualquer preceito constitucional ou legal, antes interpretando correctamente os artigos 191.º a 196.º, 202.º e 204.º, todos do Código de Processo Penal.
9. Pelo exposto, o recurso deve improceder por não ter sido violado qualquer normativo legal.
(…)
***
O recurso foi admitido, com modo e efeito devidos.
Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmo. Senhor Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, remetendo argumentos para a resposta na primeira instância.
Por via disso, foi prescindido o cumprimento do disposto no artº 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a Conferência.
***
Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos arts. 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
O arguido, nas conclusões do recurso fixa o objecto de apreciação requerida na seguinte questão:
- o Tribunal a quo valorou erradamente os factos indiciados e as necessidades cautelares, uma vez que não existem indícios da prática de crime e nem estão reunidos os pressupostos de aplicação das medidas de coacção enunciados pelo Tribunal e sobre que fez assentar a decisão.
***
Fundamentação
O Tribunal recorrido fixou a matéria de facto indiciada, em conformidade com o despacho de apresentação do arguido a interrogatório, do seguinte modo:
(…)
1. O arguido e AA (doravante designada por AA) mantiveram uma relação de namoro entre o mês de Novembro de 2017 e o mês de Janeiro de 2018.
2. Fruto da referida relação nasceu uma filha:
- FF, nascida no dia 15-11-2018.
3. No mês de Julho de 2018, após ter tomado conhecimento que estava grávida dele, AA contou ao arguido.
4. A partir dessa altura e até ao presente, o arguido passou a contactar AA variadas vezes e de forma insistente, remetendo-lhe constantes mensagens e contactando-a telefonicamente.
5. Nesses constantes contactos que fazia, o arguido dizia a AA que a filha não era dele e que ela tinha que abortar.
6. Ainda na sequência desses constantes contactos, o arguido dirige-se a AA, dizendo-lhe e escrevendo-lhe, nomeadamente:
- “Puta”;
- “Bandida”;
- “Puta de merda”;
- “Filha da puta”.
- “Mato-te a ti e a ela.
Eu fico sem a minha filha, mas tu também”;
- “Vou-te aleijar”;
- “Vais ter problemas”.
8. E, mesmo quando ficou privado da liberdade, em prisão, o que ocorreu entre os dias 12-11-2018 e 14-03-2022, o arguido manteve o mesmo comportamento descrito em 6. e 7., continuando a contactar AA, insistindo que ela levasse a filha ao estabelecimento prisional para o ver e a dizer-lhe:
- “Puta”;
- “Bandida”;
- “Puta de merda”;
- “Filha da puta”.
- “Mato-te a ti e a ela.
Eu fico sem a minha filha, mas tu também”;
- “Vou-te aleijar”;
- “Vais ter problemas”.
9. Após ter saído do estabelecimento prisional onde esteve preso, o arguido continua a utilizar vários contactos para telefonar e para enviar mensagens a AA do mesmo teor dos descritos em 6., 7. e 8, importunando-a e amedrontando-a.
10. E desde essa altura que o arguido segue AA, nomeadamente rondando a residência dela e deslocando-se ao local de trabalho dela, para a abordar.
11. Saturada e com medo do que de pior ele lhe possa fazer, AA tem bloqueado todos os números telefónicos que ele tem utilizado para a contactar.
12. Também com medo dele, AA teve que sair da própria residência, encontrando-se resguardada em local desconhecido.
13. Em data não concretamente apurada, mas situada em meados do ano de 2023, o arguido deslocou-se à residência de CC, sita em ..., para falar com AA.
14. Ali chegado, no interior da habitação, o arguido iniciou uma discussão com AA, na sequência da qual lhe desferiu várias chapadas na cara, empurrões e puxões de cabelo.
15. Ainda na mesma ocasião, o arguido cuspiu para a cara de AA.
16. No dia 5 de Agosto de 2024, o arguido deslocou-se ao local de trabalho de AA e, dizendo que queria falar com ela, deu um nome falso à colega de trabalho dela.
17. Mais tarde, ainda no mesmo dia, e na sequência de não ter conseguido falar com ela, o arguido dirigiu-se a AA e disse-lhe: “Senão vieres com a minha filha, mato-vos, fico sem a miúda, mas tu também”, amedrontando-a.
18. Em data não concretamente apurada, mas situada no decurso do mês de Agosto de 2024, o arguido contactou telefonicamente AA e, no decurso dessa chamada, disse-lhe: “Não te podes esconder durante muito tempo”.
19. Entre as 09h06m do dia 5 de Agosto de 2024 e as 06h50m do dia 6 de Agosto de 2024, do cartão com o n.º ..., o arguido telefonou 19 vezes a AA, que lhe atendeu uma das chamadas, mas que lhe recusou as restantes.
20. Ainda no dia 5 de Agosto de 2024, às 12h13m, do cartão telefónico com o número ..., o arguido remeteu para AA a seguinte mensagem escrita: “tu que sabes Faz outra filha Faz uma filha nova Dps vais dizer que sou mau”.
21. No dia 25 de Agosto de 2024, pelas 11h50m, do cartão telefónico com o número ..., o arguido remeteu as seguintes mensagens escritas para AA:
- “Puta porca de merda”;
- “Vai morrer”;
- “Puta de merda”;
- “Porca”.
22. Em data não concretamente apurada, mas situada no decurso do mês de Setembro de 2024, entre as 12h00m e as 13h00m, o arguido deslocou-se ao local de trabalho de AA, sito no ....
23. Ali chegado, o arguido, identificando-se como GG, perguntou a uma educadora que ali se encontrava por AA.
24. No dia 05 de Outubro de 2024, cerca das 10h20m, do número telefónico ..., o arguido remeteu a seguinte mensagem falada para o voice-mail, de AA:
- “Sua porca de merda, vai fazer vídeos pah, vai fazer vídeos para ganhares dinheiro pah, porca de merda pah, dizer Às pessoas que eu ando atrás de ti. Que nojo, que nojo, atrás de uma pessoa porca como tu (…) a HH é do meu sangue, sua puta, sua mal amada”.
25. No decurso do mês de Novembro de 2024, de cartões telefónicos diferentes, o arguido remeteu várias mensagens de voz para o telemóvel de AA, nomeadamente com os seguintes teores:
- “És uma puta de merda”;
- “És uma porca”;
- “És uma estúpida do caralho”;
- “Precisas da minha piça para fazeres uma criança”;
- “Não vales nada”
26. No dia 15 de Novembro de 2024, cerca das 12h01m, do cartão telefónico n.º ..., o arguido remeteu a seguinte mensagem por áudio para AA:
- “Sua puta de merda, sua porca de merda, estúpida, devias ir para a escola pá. Sabia que as crianças não se fazem sozinhas, precisas de uma piça para fazer uma criança, tá bom? Sua puta de merda, sua porca, estúpida, mal amada”.
27. No final do mês de Fevereiro de 2025, e desconhecendo o paradeiro de AA, que se tem escondido dele, o arguido colocou na via pública, em vários locais sitos em ... e na ..., um dos quais num poste eléctrico, junto da residência de AA, sita na ..., panfletos com uma fotografia dela com a filha comum, acompanhada do seguinte escrito: “Procura desaparecidas a 6 meses tai o número se souberem de algo ... SFV”.
28. No dia 25 de Março de 2025, cerca das 10h59m, o arguido tentou estabelecer ligação com AA via “instagram” e remeteu-lhe as seguintes mensagens escritas:
- “Agradeço que vai pagar isso que andas Filha tens que fazer outra. Sua puta de merda”;
- “Sua porca de merda. És um cocó de pessoa”.
29. No mesmo dia, às 20h36, o arguido remeteu outra mensagem escrita para AA, com o seguinte teor:
- “Porca. Puta”.
30. Ainda nesse dia, entre as 20h35m e as 20h39m, o arguido efectuou diversas tentativas de ligação para o número de telefone de AA.
31. E posteriormente, ainda no mesmo dia, às 20h39m e às 20h40m, do cartão telefónico número ..., o arguido remeteu duas mensagens de voz para o telemóvel de AA, com os seguintes teores:
- “És mesmo criança mano, cresce um pouco, cresce um bocadinho tás mesmo criança não vais ganhar nada com isso, só tás a deixar uma filha sem pai. Como tu já não tens pai, não tens mãe queres pá miúda passar a mesma coisa que tu passaste. És porca, és uma puta. Isso que tas a fazer é crime, eisso que tás a fazer é um crime, mas vais pagar. Acredita que vais pagar bem caro por isso que andas a fazer”;
- “(…) já sei tudo de ti, calma que agora esta semana eu vou-te apanhar, depois vamos ver quem é pai. Fica atenta, esta semana aqui vou-te encontrar, tá bom? (…) depois vamos ver como conversamos”.
32. O arguido continua a tentar contactar AA de forma insistente e constante, muitas vezes de madrugada, utilizando para o efeito cartões pré-pagos.
33. Em face desses comportamentos insistentes e persecutórios do arguido, depois de abandonar a sua residência, AA despediu-se do seu trabalho e mudou a filha de escola, por temer pela integridade física e pela vida da própria e da filha.
34. AA vive diariamente em pânico, com medo que o arguido a possa matar a si e à filha comum.
35. Com as condutas acima descritas o arguido quis e conseguiu ofender AA na sua honra e dignidade, na sua integridade física, e na sua liberdade pessoal, para que esta se sentisse lesada na sua dignidade, causando-lhe um profundo sentimento de insegurança.
36. O arguido actuou com o propósito alcançado de atingir e lesar o corpo e saúde de AA, sabendo que dessa forma lhe causaria dores e lesões.
37. Sabia o arguido que as expressões e escritos dirigidos a AA eram insultuosos e que a ofendiam na sua honra e consideração, o que logrou conseguir.
38. E que as expressões ameaçadoras que lhe dirigiu foram proferidas de forma a provocar-lhe receio e inquietação pela sua integridade física e pela própria vída e da filha comum, ainda menor de idade, o que logrou conseguir.
39. O arguido actuou sempre com intenção de maltratar física e psiquicamente AA, o que de facto veio a conseguir.
40. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Tais factos indiciam fortemente a prática pelo denunciado, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código Penal.
Prova:
Testemunhal:
1. AA (fls. 11/12 e 57/58);
2. BB (fls. 59 e 60);
3. CC (fls. 61 e 62);
4. DD (fls. 79 e 80);
5. EE (fls. 83 e 84).
Documental:
- Auto de denúncia de fls. 3 a 8;
- Ficha RVD-1L de fls. 9 e 10;
- Fichas RVD-2L de fls. 24 a 26, 29 a 31, 33 a 35;
- Aditamentos de fls. 23, 28, 32, 43, 44,
- CRC de fls. 46 a 51;
- Auto de denúncia de fls. 54 a 56;
- Cópias e imagens e autos de transcrição de fls. 63 a 78;
- Cliché de fls. 81 e 83;
- DVD-R constante na contracapa dos autos.
(…)
O Tribunal recorrido, em desconformidade com o despacho de apresentação do arguido a interrogatório, considerou indiciada a prática de:
(…)
encontra-se fortemente indiciada a prática, pelo arguido, de um crime de violência doméstica, p. e p. nos termos do artigo 152º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código Penal.
(…)
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão do recorrente.
Comecemos por atender aos elementos relevantes resultantes do processo.
De acordo com o Ministério Público que sustentou o despacho de apresentação de detido na prova que ali indica e que está já no processo, ocorreram e estão suficientemente indiciados os seguintes factos, entre outros:
O arguido e a ofendida AA mantiveram entre si um relacionamento afectivo que envolveu relacionamento sexual.
Desse relacionamento nasceu uma filha agora com quase sete anos de idade.
O arguido diversas vezes insultou a ofendida AA, dirigindo-lhe expressões injuriosas [como puta, filha da puta, puta de merda, Sua puta de merda, sua porca de merda, estúpida, devias ir para a escola pá. Sabia que as crianças não se fazem sozinhas, precisas de uma piça para fazer uma criança, tá bom? Sua puta de merda, sua porca, estúpida, mal amada, entre outras], dirigindo-lhe ameaças, a si e filha, também por diversas vezes [Mato-te a ti e a ela. Eu fico sem a minha filha, mas tu também; Vou-te aleijar; tu que sabes Faz outra filha Faz uma filha nova Dps vais dizer que sou mau; És mesmo criança mano, cresce um pouco, cresce um bocadinho tás mesmo criança não vais ganhar nada com isso, só tás a deixar uma filha sem pai. Como tu já não tens pai, não tens mãe queres pá miúda passar a mesma coisa que tu passaste. És porca, és uma puta. Isso que tas a fazer é crime, e isso que tás a fazer é um crime, mas vais pagar. Acredita que vais pagar bem caro por isso que andas a fazer, entre outras expressões contendo ameaças que lhe dirigiu].
Factos estes que foram ocorrendo desde Julho de 2018 até Março de 2025, com diversas tentativas e abordagem à ofendida, no emprego e em casa da mesma, inclusivamente afixando junto à porta dela papeis com a fotografia dela e da filha e em que escreveu: Procura desaparecidas a 6 meses tai o número se souberem de algo ... SFV.
O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido já condenado pela prática de 1 crime de roubo qualificado, 1 crime de roubo simples, 2 crimes de condução sem habilitação legal e 1 crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. Pelos crimes de roubo(s) e de tráfico de estupefacientes de menor gravidade cumpriu pena de prisão efectiva, beneficiando de liberdade condicional concedida em 15-3-2022 até 12-4-2025.
É empregado de bar, vivo com a companheira que está grávida, e habita numa casa que é de uma irmã sua.
O juiz, no fim do interrogatório, no qual o arguido, querendo falar, negou os factos, aplicou a medida de coacção de prisão preventiva.
Os pressupostos da fixação do estatuto coactivo determinado
As medidas de coacção restringem a liberdade das pessoas, daí o seu nome e função.
Essa restricção pode ser maior ou menor, e por isso a lei processual, conjugada com a Constituição da República Portuguesa, deve entender-se como impondo uma graduação entre as medidas previstas.
As medidas de coacção são todas, à excepção do Termo de Identidade e Residência [cuja particular natureza não se impõe aqui discutir], por isso mesmo, de aplicação excepcional e têm de estar taxativamente previstas na lei, conforme decorre dos arts. 27º e 28º da Constituição, e do artigo 191º do Cód. Proc. Penal.
Esta excepcionalidade decorre, como o referido preceito invoca, daquilo que sejam as exigências processuais de natureza cautelar que o crime indiciado suscite.
Por isso, todas as medidas de coacção obedecem, na sua aplicação, aos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação, pois que, como decorre do disposto no artº 18º, ns. 2 e 3 da Constituição, constituem um limite a um direito fundamental, qual seja, a liberdade pessoal.
Essa é a razão pela qual o artº 193º do Cód. Proc. Penal, determina que a medida de coacção aplicada seja a adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcional à gravidade do crime e das suas previsíveis sanções.
Em termos de graduação – que, note-se, não assenta apenas na medida da pena imposta ao crime indiciado -, as medidas de coacção graduam-se do Termo de Identidade à prisão preventiva.
Porque reflectem tais princípios, as medidas de coacção são necessariamente precárias, substituíveis ou revogáveis, única forma de em cada momento se ajustarem à finalidade que visam e as justifica no caso concreto (artº 212º do Cód. Proc. Penal).
A prisão preventiva apresenta-se, como tal, como a medida de coacção mais gravoso prevista na lei portuguesa, sendo, também por isso, subsidiária, porque só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção (nº 2 do artº 193º e nº 1 do artº 202 do mesmo Código, artº 28º da Constituição e artº 2º, nº 2, al. 38 da Lei de Autorização Legislativa nº 43/86 de 26.09).
E também por isso se impõe o controlo periódico dos pressupostos que levaram à sua determinação (artº 213º do Cód. Proc. Penal).
Como sabemos, porque estamos aqui em fase de despacho proferido na sequência da apresentação do arguido a interrogatório, durante o inquérito, nesta fase o Juiz de Instrução avalia os indícios existentes e da eventual prática de um crime [ou mais], e que se enquadre, ele mesmo, nos parâmetros do disposto pelo artº 204º daquele Código.
Daqui decorre que se impõe que a aplicação de medidas de coação assente em pressupostos que o legislador deixou muito claros na lei:
- fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos [artº 200º do Cód. Proc. Penal].
Reunidos que estejam todos estes pressupostos, e cumpridas ainda as determinações ínsitas no artº 204º do Cód. Proc. Penal, mostra-se legitimada a aplicação da medida referido [que é, por referência de importância, o que nos ocupa].
Vejamos os indícios.
Os factos acima descritos indiciam, de facto, pelo menos, o crime de violência doméstica, p. e p. nos termos do artigo 152º, nº 1, als b) e c) do Cód. Penal.
Dizemos pelo menos porque há circunstâncias nas referidas que, conquanto a investigação assim venha a apurar, podem autonomizar-se no sentido de considerar-se verificado ainda um eventual crime também cometido sobre a pessoa da filha do casal.
O arguido nega os factos e vem dizer que, como os nega, inexistem indícios deles.
No entanto, esclarecendo o arguido, podemos desde já dizer, resumidamente, que o Tribunal analisa a prova, ainda que indiciariamente, e decide de acordo apenas com a sua convicção formada sobre a mesma prova, a isso se chamando liberdade de convicção que é uma das garantias de independência dos Tribunais.
Vem ainda dizer que não percebe como é que, não vivendo com a ofendida, se indicia tal crime.
E também esta parte é simples de explicar.
A violência doméstica, para ser considerada como crime, não precisa de reiteração, característica comportamental de repetição que a última alteração legislativa deixou para trás, e não precisa de coabitação, desde que esteja verificada a relação afectiva com características emocionais, desde logo, que sejam mais do que o contacto esporádico e sem vínculo emocional.
Por outro lado, ao contrário do que diz, o arguido não pretende distância da vítima, pois que a procura e importuna constantemente, seja por que motivo for, sendo certo que não tem sido no sentido de lhe fazer bem, nem à ofendida e nem à filha de ambos.
Muito embora se não entenda a conclusão 8 do seu recurso, até porque os indícios não permitem chegar aí, conquanto aqui tudo dependa do que a investigação ainda possa vir a apurar, como sempre acontece, sempre se dirá, ainda, que o juiz ponderou a prova que já se encontra junta ao processo e que, como o próprio refere no despacho recorrido, é reveladora. Aliás, as mensagens enviadas pelo arguido à ofendida, ainda que mais nada houvesse, já seriam muito reveladoras, não apenas da perseguição e desconsideração e ameaças a que a vinha expondo, como deixam perfeitamente evidenciada a personalidade do arguido.
Além disto, as declarações da ofendida.
Do mesmo passo, estes elementos de prova indiciaria são, ainda, demonstrativos dos perigos evidenciados neste caso também.
Os indícios, como sabemos, decorrem dos factos que o inquérito investiga e com que o Ministério Público apresenta o arguido a interrogatório, imputando-os indiciariamente ao mesmo, como autor [no que aqui importa].
E, no presente caso, os factos indiciados constam enumerados e foi deles dado conhecimento prévio [à sua audição] ao arguido.
Como se deixou clarificado acima, mostram-se incontornáveis.
Á parte isso, a sua situação de aparente ou indiciada integração também não foi suficiente factor de contenção, sendo manifestamente evidente que o tempo em que os factos se prolongaram é demasiado extenso para a vítima que deixa de ter uma vida normal por via destes acontecimentos, vivendo com ela suspensa e sempre receosa daquele que seja o próximo passo do agressor.
Como tal, ao contrário do que alega o arguido, os perigos descritos pelo Tribunal a quo estão muito evidenciados, cada um deles, tal como refere a decisão recorrida.
A actuação indiciariamente imputada no âmbito da acção em autoria está caracterizada pelos indícios a que se refere o despacho na enunciação e dos meios de prova que ponderou. Indiciada a actuação, como está, e sempre sem prejuízo do que a investigação ainda possa vir a apurar, também se acentua o perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade pública.
Aliás, avaliando este último no âmbito em que deve, fica evidenciado indiciariamente que a manutenção do arguido em liberdade seria um factor de perturbação, não apenas para a, ou as, vítimas desta actuação, como para a própria comunidade envolvente que, aliás, nem tinha como perceber que uma pessoa com este comportamento permanecesse em liberdade quando o que aqui se indicia é a violação grave, repetida, sem nenhum grau de auto censura de bens eminentemente pessoais, como a integridade física e emocional da ou das vítimas, e o índice de criminalidade que está em causa por via, ainda, da natureza do crime que está em causa, que é criminalidade considerada violenta pelo nosso Cód. Penal (artº 1º, al. f).
Ora, em face dos elementos já recolhidos de prova, a valoração a que se procedeu no despacho recorrido não pode ser infirmada.
Assim, ao contrário do alegado pelo arguido recorrente, não apenas os factos indiciados se mostram circunstanciados e dentro da natureza da imputação criminal que também se indicia, como também se mostram verificados os pressupostos de aplicação da medida de coacção que, ainda que nesta fase indiciária, se revela a adequada [a garantir as finalidades do processo – garantir a ordem e tranquilidade públicas e a cessação da actividade criminosa, em face da situação pessoal do arguido e gravidade das imputações indiciariamente daqui decorrentes] e proporcional à gravidade dos factos indiciados [que decorre, também, da moldura abstracta prevista para o crime indiciado] – arts. 193º a 196º, 202º e 204º do Cód. Proc. Penal e artº 152º, nº 2 do Cód. Penal.
Também não se entende a alegação da quase inconstitucional interpretação do artº 209º do Cód. Proc. Penal, pois que se há norma simples de interpretar é essa e não se vê que interpretação dela esta em causa no despacho recorrido.
Nem se vê que segmento do despacho recorrido lhe faça referência ou mereça aqui qualquer referência ao referido normativo.
De todo o modo, está garantida a salvaguarda do disposto na norma para que remete.
Finalmente, vem o arguido dizer que existem medidas de coacção alternativas, como a OPHVE, que garantirão as necessidades processuais que, no entanto, a seu ver, não se verificam.
Muito embora a DGRSP analise as condições objectivas de instalação de equipamento, como aconteceu, essa análise não passa disso mesmo. Nem a DGRSP é juiz para decidir medidas de coacção e nem a verificação objectiva das necessidades físicas da instalação de equipamentos é fundamento da aplicação dessa ou se outra qualquer medida de coacção.
O fundamento é constituído pelos factos indiciados.
Ora, o arguido, como diz, não vive com a ofendida. No entanto, desde 2018 que, não coabitando, indicia a prova que vai procurar a ofendida a casa e ao trabalho, agrediu já fisicamente a ofendida, dirige-lhe frequentemente mensagens insultuosas e ameaçadoras, tudo isto, como diz o arguido, sem viver com a vítima.
Viver, como tal, fora do meio da ofendida, não evitou o comportamento do arguido que não se inibiu, repete-se, de o exercer de variadas maneiras.
Por outro lado, como se disse também antes, o arguido passou, neste ínterim, por uma reclusão pela prática de crime muito grave, reclusão essa que devia tê-lo feito repensar prioridades e desagravar a sua vontade e atitude violenta, ficando claro que nada disso aconteceu, persistindo naquele comportamento após ser colocado em liberdade.
Pelo que, vir dizer que estão reunidas as condições para que seja aplicada medida de coacção que não seja de reclusão é um excesso da sua parte.
Estamos perante a indiciação, para já, de um crime de violência doméstica grave, com todas as consequências que daí advêm para a vítima, pelo menos para a vítima que é, neste momento, a única ofendida nos termos processuais.
Estamos perante um indivíduo que, não sendo este o primeiro comportamento violento [o roubo é um crime violento], também não é este o seu único comportamento anti social, sendo que tem passado associado a criminalidade grave, e demonstrando estes factos indiciariamente que não se inibe de usar da violência mesmo contra a mãe de um filho seu.
Não se mostra necessário acrescentar a isto mais alguma coisa para que tenhamos de concluir que o despacho recorrido, fundamentado e com a avaliação correcta dos pressupostos legais de determinação de estatuto coactivo, deve ser confirmado.
Aliás, não se vê mesmo como poderia não ser.
Finalmente, importa dizer que, ao contrário do que parece ter interiorizado o arguido, muito por via da legislação actual que tentou compatibilizar da melhor maneira a excepcionalidade da prisão preventiva com a protecção da vítima, sem que o tenha conseguido em pleno, no entanto, não é a vítima que deve ser retirada da sua casa, do seu emprego, do seu meio e relações, da sua vida, para poder ficar fora de um Estabelecimento Prisional o [ou a] agressor.
A sociedade não pode resolver os problemas que tem através do isolamento das vítimas, sejam elas vítimas de crimes ou das circunstâncias sociais em geral.
Não podemos viver em sociedades em que as pessoas cumpridoras são postergadas para os redutos do isolamento, para deixar em liberdade quem não tem pudor ou vontade para respeitar os direitos alheios.
Esta redução das vítimas a um cárcere socialmente aceite e justificado como ambiente de protecção não pode contribuir para que se mantenha a violação da sua liberdade e dignidade humana.
A percepção de que a liberdade dos arguidos vale mais do que a das vítimas é uma errada percepção da realidade que já não existe e nem pode ser tolerada nas sociedades actuais.
Não vale a pena disfarçar o que é uma evidência de humanismo: a prisão é um mal maior, mas não pode ser o maior mal quando já se é vítima de um tratamento incompatível com a dignidade da pessoa humana.
Razão pela qual nada há a apontar à decisão recorrida.
Nenhuma garantia de defesa se mostra postergada, nenhuma norma vinculativa se mostra desconsiderada, nenhum princípio ou pressuposto se mostra inoperante ou ausente, sendo de acerto a decisão que, por via disso, é de manter inalterada.
Pelo exposto, é de julgar não provido integralmente o recurso.

Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso interposto pelo arguido II, mantendo-se a decisão do Exmo. Juiz a quo.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC’s, que acresce aos demais encargos legais.
Notifique.

Lisboa, 14 de Julho de 2025
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO
Hermengarda do Valle-Frias
Carlos Alexandre
Ana Rita Loja