Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5364/06.0YYLSB-A.L1-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
TAXA DE JUSTIÇA
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/21/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1. Em caso de falta ou erro no montante do pagamento da taxa de justiça inicial, não recusando a secretaria a petição, não deve o juiz decidir logo pelo desentranhamento desta, devendo dar-se a oportunidade ao autor de, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
2. Ainda que a lei empregue a expressão “juntar o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça”, o que poderia pressupor que o pagamento estava efectuado quando a petição deu entrada em juízo, faltando apenas juntar o documento comprovativo desse pagamento, entende-se que a lei confere o benefício referido no art. 476º do CPC também à situação em que houve omissão de pagamento prévio.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO
O Ministério Público veio, em 21 de Abril de 2008, por apenso à execução em que é executada A. S.A., reclamar créditos nos termos do art. 871º do CPCivil.
            A secretaria não recusou o requerimento de reclamação, pese embora não tivesse sido feita a junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, na data da entrega da petição de reclamação, ou nos dez dias seguintes.
O Exequente, veio impugnar a reclamação de créditos, alegando, além do mais, a falta de pagamento da taxa de justiça por parte do reclamante.
Notificado o MºPº, em 26.6.2008, da impugnação apresentada, veio este, em resposta que deu entrada em 4 de Julho de 2008, admitir o lapso, efectuando então, a junção do comprovativo do pagamento de taxa de justiça, pagamento esse que foi efectuado em 3 de Julho de 2008.
Foi, então, proferido despacho que determinou o desentranhamento e subsequente devolução ao Ministério Público da referida reclamação de créditos, devido à não junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial na data da entrega da petição de reclamação, nem nos dez dias seguintes.

Não se conformando com tal despacho, o MºPº recorreu e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
1 - Nos termos do artigo 476° do Código de Processo Civil, o comprovativo do pagamento da taxa de justiça pode ser junto dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado.
2 - O deficiente pagamento da taxa de justiça inicial ou a sua inexistência não detectada pela Secretaria, não dá ao Juiz a possibilidade de indeferimento liminar.
3 - Antes deve notificar o faltoso para suprir a falta em prazo a fixar.

Corridos os vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
O objecto do recurso, definido pelas conclusões do Recorrente, consiste em saber se este devia ter sido convidado para pagar o montante em falta da taxa de justiça, ao invés de se determinar a devolução do requerimento de oposição com as demais consequências.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. A reclamação de créditos constitui um procedimento de natureza declarativa, à semelhança também da oposição à execução, correndo por apenso à execução, por uma questão de boa ordem processual.
Embora a estrutura processual da reclamação de créditos corresponda à de uma acção declarativa, essa característica não lhe retira a qualidade de “ incidente” do próprio processo executivo, nem o seu aspecto subordinado a este, o que se conclui desde logo do facto de as reclamações de créditos serem processadas por apenso à execução - nº 8 do citado art. 865º do CPCivil.
Nas palavras de Castro Mendes[1], “o nosso actual sistema executivo pode ser qualificado de misto ou tendencialmente singular”.
A reclamação de créditos constitui uma fase da instância executiva, não tendo autonomia processual própria, sem prejuízo de as reclamações serem todas autuadas num único apenso – art. 865º, nº 8 do CPCivil. E o concurso de credores só existe por força de uma norma privativa do processo executivo e resultante do desenvolvimento regular deste, para atingir a finalidade do pagamento através da venda de bens penhorados do executado, não apenas ao exequente, mas a outros credores que possuam determinadas qualidades e que inclusivamente tenham preferência na satisfação dos seus créditos.
            Todas estas circunstâncias apontam para a ideia de que a reclamação de créditos, dados os seus aspectos incidental e subordinado, não pode ser considerada um verdadeiro processo autónomo. Essa característica cabe à execução de que a aludida reclamação depende directamente.

2. Atendendo ao disposto no art. 467º nº 3 do CPCivil, aplicável ao processo executivo por força do disposto no art. 466º nº 1 do CPCivil, o requerente deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial.
Segundo o art. 24º nº 1 a) do CCJudiciais, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça é entregue ou remetido ao tribunal com a apresentação da petição.
As sanções para a omissão de observação dos citados normativos encontram-se previstas no Código de Processo Civil, conforme consta do citado art. 28º do CCJudiciais.
Prescreve o art. o art. 474º f) do C.P.Civil que a secretaria recusa o recebimento da petição inicial, indicando por escrito o fundamento da rejeição quando além do mais, não tiver sido o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial.
E o art. 475º nº 1 refere que do acto de recusa de recebimento cabe reclamação para o juiz, dispondo o nº 2 que do despacho, que confirme o não recebimento, cabe agravo até à Relação.
Ou seja, a sanção processual civil para a não junção do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial é a recusa de recebimento da petição, a efectuar em primeira linha pela secretaria e, em sede de reclamação, pelo juiz do processo.
Não oferece dúvidas, portanto, que a omissão do pagamento da taxa de justiça inicial pelo reclamante dá lugar à aplicação das cominações previstas na lei de processo (artigos 22º, 23º, 24º e 28º do CCJudiciais).
O que já não suscita unanimidade é a determinação dessas cominações.

3. Nos termos do art. 476º do CPC, o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 474.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.
Mas, no caso dos autos, como se viu, a secretaria não recusou o recebimento da petição de reclamação de créditos.
Não recusando a secretaria a petição, deve o juiz decidir logo pelo desentranhamento desta ou, pelo contrário, deve dar a oportunidade ao requerente de, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta?
Afigura-se-nos correcta a segunda solução.
Neste sentido decidiu o acórdão desta Relação de 16.11.2006: “em caso de falta do pagamento da taxa de justiça inicial, não recusando a secretaria a petição, não deve o juiz decidir logo pelo desentranhamento desta, devendo dar-se a oportunidade ao autor de, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta[2]"
Assim sendo, não recusando a secretaria a petição, não deve o juiz decidir o desentranhamento desta, sem antes dar a oportunidade ao autor de, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta. É que, não recusando a secretaria o recebimento, como a lei impõe, inviabiliza-se a possibilidade de o autor lançar mão do benefício estabelecido no art. 476º do CPCivil.
E como se conclui no citado aresto, “a não se entender assim, estaria criado um sistema em que, em idênticas circunstâncias, uns, conforme a actuação/omissão da secretaria, teriam a oportunidade de praticar o acto, outros veriam precludida essa faculdade e, como no caso dos autos, de forma irremediável”.
E isto quer se trate apenas da falta de junção do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, quer a falta consistiu na própria omissão de pagamento da taxa de justiça.
Por outro lado, segundo acórdão desta Relação de 2.6.2009[3], «embora a lei empregue a expressão “juntar o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça”, o que poderia pressupor que o pagamento estava efectuado quando a petição tivesse sido apresentada em juízo, faltando apenas juntar o documento comprovativo desse pagamento, a verdade é que se considera que a lei confere o benefício referido no art. 476º também à situação em que houve omissão de pagamento prévio. Este entendimento baseia-se na consideração de que a lei não estabelece outra sanção para o caso de omissão do prévio pagamento, bem como no facto da sanção que estabelece ter já um carácter absoluto – a recusa do recebimento da petição».
Ora, se a lei admite a possibilidade de apresentação de nova petição, faltando algum dos requisitos enunciados no art.474º do C.P.C., é consentâneo com esse regime a admissão da junção de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, ainda que este pagamento tenha sido efectuado apenas depois da entrada em juízo da petição.

Concluindo:
1. Em caso de falta ou erro no montante do pagamento da taxa de justiça inicial, não recusando a secretaria a petição, não deve o juiz decidir logo pelo desentranhamento desta, devendo dar-se a oportunidade ao autor de, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
2. Ainda que a lei empregue a expressão “juntar o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça”, o que poderia pressupor que o pagamento estava efectuado quando a petição deu entrada em juízo, faltando apenas juntar o documento comprovativo desse pagamento, entende-se que a lei confere o benefício referido no art. 476º do CPC também à situação em que houve omissão de pagamento prévio.

III – DECISÃO
Termos em que, concedendo provimento ao agravo, revoga-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por despacho que ordene o prosseguimento da reclamação de créditos.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2010.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)

[1] Castro Mendes, Acção Executiva, edição AAFDL, 1980
[2] Lisboa, 16.11.2006 (Tibério Silva), www.dgsi.pt/jtrl.
[3] Ac. RL de 2.6.2009 (Folque Magalhães), wwwdgsi.pt./jtrl