Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3944/11.0TBALM-C.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
VENDA JUDICIAL DE IMÓVEL PENHORADO
BEM PARCIALMENTE PERTENCENTE AO EXECUTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I-O facto de ter sido penhorado e vendido um imóvel na sua totalidade, sendo certo que apenas a metade indivisa do mesmo pertencia à Executada e, por conseguinte, só essa metade respondia pela dívida desta, não altera nem apaga a realidade jurídica, nem anulou os direitos da Embargante, herdeira do outro co- proprietário.
II-O direito de propriedade do pai da Embargante sobre a metade do imóvel transmitiu-se para a Recorrente, por via sucessória, com a sua morte.
III-Sendo a Embargante proprietária de metade do prédio vendido, esse direito passou a incidir, na mesma proporção, sobre o valor que restou da venda do imóvel, pertencendo metade à Executada e a outra metade à Embargante.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I-RELATÓRIO          
MMM, deduziu embargos de terceiro contra o Exequente MC e Executada MCM
Alegou, em síntese, o seguinte:
Na sequência de uma notificação efetuada pelo Senhor Agente de Execução, no dia 15/11/2021, no âmbito do Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, que corre termos no Juízo de Execução de Almada – Juiz 3, a Embargante teve conhecimento que uma parte do produto sobrante da venda executiva da moradia onde vive, no montante de 140.000,00 €, foi penhorada à ordem do presente processo. Tal sucedeu apesar de metade desse valor pertencer à Embargante.
AL intentou uma ação executiva contra MCM, em 26 de junho de 2011, tendo apresentado, como título executivo, uma sentença judicial datada de 7 de março de 2011, proferida no processo n.º 7303/06.9TBALM, em que a Executada foi condenada no pagamento ao referido Exequente, a título de honorários, da quantia de € 20.000,00, acrescida de IVA à taxa legal aplicável e de juros de mora à taxa supletiva legal, desde a data do trânsito da sentença e até integral pagamento.
A ação correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Almada – Juiz 3, sob o Proc. n.º 3540/14.0T8ALM.
A Embargante, MMM, é filha da Executada nesse processo, e também nos presentes autos, MCM, e de AM.
A Executada e AM foram casados, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 9 de outubro de 1996, transitada em julgado a 6 de novembro de 1996.
Em 2008, a Executada e AM procederam à partilha de bens comuns, efetuada no âmbito do processo de inventário n.º 925/03.1TBSXL, que correu termos no 1.º Juízo de Família e Menores da Comarca do Seixal, tendo, no âmbito daquela, sido adjudicado a cada uma das partes ½ da totalidade dos bens imóveis que integravam o património comum do casal.
Nestes bens se incluía o prédio urbano composto de rés-do-chão, garagem e logradouro, sito em Palhais, freguesia de Charneca de Caparica, concelho de Almada, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º …21 e inscrito na matriz sob o artigo …21 da União das Freguesias de Charneca da Caparica e Sobreda.
A Executada e AM, passaram, deste modo, a constar como comproprietários dos bens imóveis que anteriormente integravam o património comum do casal.
Através da Ap. …, de 22/09/2011 foi o referido prédio urbano penhorado à ordem dos autos que correm termos sob o Proc. n.º 3540/14.0T8ALM.
A dívida contraída pela Executada, mãe da Embargante, perante o Exequente AL, é posterior à dissolução do casamento daquela com AM.
A Executada MCM é a responsável única e exclusiva pelo pagamento da dívida ao Exequente.
Com a prolação de sentença de homologação do divórcio extinguiu-se a relação matrimonial e cessam as relações patrimoniais entre os cônjuges (cfr. artigos 1688.º, 1788.º e 1789.º do Código Civil).
A penhora feita sobre a totalidade do imóvel, e não sobre o direito da Executada sobre o mesmo, seria ilegal, pois a Executada não era a única proprietária do imóvel penhorado – ilegalidade que não foi reconhecida nos embargos deduzidos anteriormente pela Embargante (cfr. Documento n.º 1).
O pai da Embargante, AM, faleceu em 9 de abril de 2014, no estado de divorciado de MCM, Executada nos presentes autos, tendo a Embargante sucedido a seu pai como sua única herdeira (cfr. Documentos n.º 3 e 8).
A Embargante herdou, por via sucessória, a metade que pertencia ao seu pai, AM, em cada um dos imóveis que integravam o seu património, incluindo o imóvel identificado no artigo 10.º, passando a ser comproprietária juntamente com a sua mãe, MCM, Executada nos presentes autos.
No âmbito do Proc. n.º3540/14.0T8ALM foi efetuada venda por leilão eletrónico do prédio urbano composto de rés-do-chão, garagem e logradouro, sito em Palhais, freguesia de Charneca de Caparica, concelho de Almada, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º …21 e inscrito na matriz sob o artigo …21 da União das Freguesias de Charneca da Caparica e Sobreda, no qual foram apresentadas várias propostas sobre o imóvel penhorado, sendo a proposta de maior valor apresentada no montante de 201.000,00 €.
Foi exercido o direito de remição por MCMC, neta da Executada e filha da Embargante, o qual foi aceite, tendo o imóvel sido adjudicado àquela pelo valor de 201.000,00 €, em 22 de abril de 2021 (cfr. Documento n.º 9).
Através de notificação datada de 27 de abril de 2021, foi a Embargante notificada da Conta Corrente Discriminada da Execução, da qual resulta que a Executada deveria ter recebido a quantia remanescente de 154.684,81 €, resultante do produto da venda do imóvel penhorado (cfr. Documento n.º 10).
Posteriormente, a Embargante teve conhecimento que MC intentou uma ação executiva contra MCM, que corre termos no presente juízo, para cobrança de uma dívida exclusiva daquela Executada, sua mãe.
No dia 15 de novembro de 2021, o Senhor Agente de Execução no Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, notificou a Embargante do seguinte despacho proferido nesse processo (cfr. Documentos n.º 12 e 13):
Requerimento de 21 de Maio de 2021: O AE deve proceder da seguinte forma quanto ao valor remanescente da venda: Paga as custas e a quantia exequenda destes autos, deve devolver o remanescente ao(s) executado(s) – art. 849.º, n.º 1, al. b) do CPC, salvo no caso de aquele valor remanescente ter sido penhorado por AE de outra execução (caso em que todas as questões atinentes à indevida penhora devem ser esgrimidas nessa outra execução). Notifique.”
Nessa data a Embargante teve conhecimento que, no dia 27 de outubro de 2021, o Senhor Agente de Execução do Proc. n.º3540/14.0T8ALM informou esses autos do seguinte (cfr. Documento n.º 11):
“- A quantia remanescente que a executada se arroga ter direito encontra-se depositada nos autos;
- O montante de 140.000,00 euros encontra-se penhorado à ordem do processo n.º 3944/11.0TBALM, onde a executada é a mesma (MCM);
- Ambos os mandatários vieram aos autos reivindicar a devolução da quantia remanescente, ficando o processo a aguardar decisão do Exmo. Juiz;
- Decisão proferida, seguidamente, foram apresentados embargos de terceiro por MMM.
Resumindo:
- A executada arroga-se no direito de receber a totalidade da quantia remanescente;
- A embargante arroga-se no direito de receber metade da quantia remanescente, ou seja 77.342,41 euros;
- Encontra-se penhorado à ordem do processo 3944/11.0TBALM a quantia de 140.000,00 euros.
- O AE tem depositado nos autos 154.684,81 euros e ao transferir o montante penhorado resta 14.684,81 euros.
É o que me cumpre informar
A metade da Embargante nos 154.684,81 € sobrantes da venda judicial do imóvel acima descrito, foi quase integralmente penhorado à ordem dos presentes autos, com o Proc. n.º3994/11.0TBALM, em que é Exequente o Senhor MC.
As dívidas exequendas no Proc. n.º 3540/14.0T8ALM e nos presentes autos foram contraídas pela Executada, MCM, depois do divórcio com AM (cfr. Documentos n.º 1 a 8).
O imóvel penhorado e vendido judicialmente no Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, pertencia, em partes iguais, à Embargante, por sucessão na metade do seu pai, AM, e à mãe, Executada nos dois processos executivos (cfr. Documentos n.º 1 a 8).
A penhora e execução só prosseguiu no Proc. n.º3540/14.0T8ALM contra a totalidade do referido imóvel, porque a oposição à execução e penhora apresentada por AM no referido processo não prosseguiu por falta de pagamento da taxa de justiça.
A Embargante tem direito a metade do remanescente do produto da venda do imóvel do qual era comproprietária, isto é, 77.342,41 €.
Metade do dinheiro penhorado à ordem dos presentes autos pertence à Embargante, vem a mesma requerer o reconhecimento desse direito e a devolução do que lhe pertence.
Foi proferido despacho, a receber os embargos.
MC apresentou contestação aos embargos de terceiro, invocando a intempestividade dos embargos e a excepção do caso julgado.
Por sentença proferida em 10-10-2022, os presentes embargos de terceiro foram julgados improcedentes.
Inconformada, MMM interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1.Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença que julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos pela Recorrente.
2. Não há Justiça quando a Recorrente pede aos Tribunais por todos os meios possíveis (recursos, embargos) que seja reconhecido o seu direito a metade do produto remanescente da venda de imóvel que lhe pertencia em compropriedade com a Executada, e vê sistematicamente os Tribunais a recusarem-se a apreciar essa questão, interpondo-lhe todos os obstáculos possíveis, desde a intempestividade à preclusão de direitos.
3. A Sentença a quo é, desde logo, injusta e impõe à Recorrente um sacrifício de direitos que exige ser remediada.
4. Sem prejuízo, a Sentença a quo incorre em erro de julgamento no que diz respeito à matéria de facto e fez uma aplicação errada do Direito aos factos apurados nos autos, designadamente, ao julgar improcedentes os embargos de terceiro por entender que 1) se encontra precludido o direito de deduzir embargos; 2) intempestividade; e 3) esgotamento do poder jurisdicional.
5. Pretende, por isso, a Recorrente que Vossas Excelências revoguem a Douta Sentença, modificando a decisão sobre a matéria de facto, dando como provado que Na sequência de uma notificação efetuada pelo Senhor Agente de Execução no dia 15/11/2021, no âmbito do Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, que corre termos no Juízo de Execução de Almada – Juiz 3, a Embargante teve conhecimento que uma parte do produto sobrante da venda executiva da moradia onde vive, no montante de 140.000,00 €, foi penhorada à ordem do presente processo.”
6. E como não provado que:
- a Embargante já sabia da penhora do crédito aqui em apreço, pelo menos, desde 21 de Maio de 2021, como confessou no seu requerimento, com essa data, a que a sentença que constitui o doc. n.º 3 faz referência e que se junta (confr. doc. n.º 5);
- a Embargante reiterou esse conhecimento quanto à penhora do crédito na sua petição de embargos apresentada em 25/10/2021, na execução 3540 (confr. doc. n.º 6).
7. A prova dessa factualidade reside no requerimento de 21 de maio de 2021 e na Sentença de 25/11/2021, proferida no apenso D do Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, bem como no Documento n.º 11 dos embargos da Recorrente (resposta do AE de 27/10/2021).
8. Pois nesses documentos é claro que a Recorrente alegou sempre que o Embargado MC terá pedido a penhora do remanescente, e não que confessou ter conhecimento de haver uma penhora sobre esse montante – são, portanto, factos absolutamente distintos, que a Sentença a quo fundiu erradamente na mesma realidade.
9. Além disso, o próprio Tribunal a quo julgou provado que a 15 de novembro de 2021 a Recorrente teve conhecimento que, no dia 27 de outubro de 2021, o Senhor Agente de Execução do Proc. n.º 3540/14.0T8ALM informou esses autos do seguinte: “O montante de 140.000,00 euros encontra-se penhorado à ordem do processo n.º 3944/11.0TBALM, onde a executada é a mesma (MCM);”
10. O Tribunal a quo decidiu que se encontra precludido o direito da Recorrente de deduzir embargos de terceiro, por entender que o ato ofensivo do direito da Recorrente foi o da penhora do imóvel vendido no Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, e não a penhora do crédito do produto da venda, tendo precludido o direito porque foram deduzidos embargos de terceiro na sequência da penhora do imóvel vendido pelo pai da embargante, que foram desentranhados por não ter sido paga a taxa de justiça inicial.
11. Erradamente, uma vez que a penhora efetuada no âmbito do Processo n.º 3540/14.0T8ALM incidia sobre o imóvel que foi vendido por leilão nesse processo e ofendia os direitos de compropriedade do pai da Recorrente, e depois por sucessão os seus próprios direitos, sobre esse imóvel.
12. Já a penhora efetuada depois da venda desse imóvel, no Processo n.º 3944/11.0TBALM, dos presentes autos, incide sobre o remanescente da venda desse imóvel, e ofende o direito da Recorrente a metade em virtude do regime de compropriedade a que esse dinheiro necessariamente também está sujeito, por provir daquela venda.
13. São, portanto, penhoras distintas, que incidem sobre bens distintos, ordenadas em processos também distintos, representando ofensas diferentes a direitos também distintos, não podendo afirmar-se que a ofensa do direito da Recorrente ocorreu quando a primeira penhora foi efetuada e que, por isso, ficou precludido o direito de se defender por embargos contra uma penhora subsequente, que tem por objeto já não o imóvel, mas o dinheiro resultante da sua venda.
14. A decisão recorrida faz uma aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do CPC, embora na Sentença a quo se refira o artigo 351.º do CPC.
15. Por outro lado, os embargos do pai da Recorrente visavam o reconhecimento de que a dívida não era comum do casal e que por essa dívida exequenda só respondia o direito da Executada a metade do imóvel.
16. Não se discutia, portanto, nessa sede, a quem pertencia o imóvel, mas apenas se o bem podia ser penhorado e vendido em execução para ser satisfeito com o produto da venda o crédito do Exequente.
17. Com a venda, a propriedade transferiu-se para o adjudicatário do imóvel que o licitou no leilão eletrónico, passando a incidir sobre o dinheiro que restou da venda os direitos de compropriedade que incidiam sobre o imóvel, pertencendo metade à Executada e a outra metade à Recorrente.
18. A improcedência dos embargos por falta de pagamento da taxa de justiça teve apenas como efeito jurídico a manutenção da penhora e do direito do Exequente a promover a venda do imóvel para satisfazer o seu crédito na íntegra.
19. O aberrante desta Sentença e de outras decisões judiciais que já foram proferidas, é permitir que a Executada, que era comproprietária do imóvel penhorado no Processo n.º 3540/14.0T8ALM, acabe por receber, depois da venda executiva, 100% do remanescente do produto da venda desse imóvel, acrescendo ilegitimamente ao seu património o valor de um bem que só lhe pertencia a 50%!
20. Ao gerar-se um crédito a favor da Executada nestes moldes, estar-se-á perante um verdadeiro enriquecimento sem causa, nos termos do disposto no artigo 473.º do Código Civil.
21. Assim, na situação dos presentes autos nunca se poderá afirmar que o ato ofensivo do direito da Recorrente foi o da penhora do imóvel vendido e não o da penhora do crédito do produto da venda.
22. A Sentença a quo também decidiu erradamente que os embargos são intempestivos, uma vez que a Recorrente apenas teve conhecimento de que a diligência de penhora foi efetuada no dia 15 de novembro de 2021, na sequência de despacho que lhe foi notificado nessa data, facto que, aliás, deve julgar-se provado.
23. Cabia ao Embargado, nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil, o ónus de alegar e provar que a Embargante teve conhecimento da diligência ofensiva do seu direito há mais de 30 dias antes da data da apresentação dos embargos de terceiro, ónus que manifestamente não cumpriu.
24. O Tribunal a quo julgou erradamente que se esgotou o poder jurisdicional para julgar sobre o direito da Recorrente a metade do remanescente da venda do imóvel, conforme consta da decisão singular proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa sobre a reclamação apresentada pela Recorrente no âmbito do recurso que interpôs da decisão que indeferiu o recurso do Despacho de 20 de setembro de 2021 no Processo n.º 3540/14.0T8ALM (cfr. Documento n.º 2 ora junto).
Termina pedindo a procedência do recurso, sendo revogada a sentença e substituída por outra que conceda provimento aos pedidos formulados nos autos.
Não foram apresentadas contra - alegações.
Tendo sido invocada a nulidade da sentença recorrida, o M.º Juiz a quo pronunciou-se no sentido da não verificação da nulidade.
Decorridos todos os trâmites legais, cumpre apreciar e decidir:
II-OS FACTOS
Na 1.ª Instância foram dados como provados os seguintes factos:
1-No âmbito do Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, que corre termos no Juízo de Execução de Almada – Juiz 3, a Embargante teve conhecimento que uma parte do produto sobrante da venda executiva da moradia onde vive, no montante de 140.000,00 €, foi penhorada à ordem do presente processo.
2- Com efeito, o Senhor António Luz Lopes intentou uma ação executiva contra MCM, em 26 de junho de 2011, tendo apresentado, como título executivo, uma sentença judicial datada de 7 de março de 2011, proferida no processo n.º 7303/06.9TBALM, em que a Executada foi condenada no pagamento ao referido Exequente, a título de honorários, da quantia de € 20.000,00, acrescida de IVA à taxa legal aplicável e de juros de mora à taxa supletiva legal, desde a data do trânsito da sentença e até integral pagamento (cfr. Documentos n.º 1 e 2).
3- A ação correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Almada – Juiz 3, sob o Proc. n.º 3540/14.0T8ALM (cfr. Documentos n.º 1 e 2).
4- A Embargante, MMM, é filha da Executada nesse processo, e também nos presentes autos, a Senhora MCM, e do Senhor AM (cfr. Documento n.º 3).
5- A Executada e AM foram casados, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 9 de outubro de 1996, transitada em julgado a 6 de novembro de 1996 (cfr. Documentos n.º 2 e 4).
6- Em 2008, a Executada e AM procederam à partilha de bens comuns, efetuada no âmbito do processo de inventário n.º 925/03.1TBSXL, que correu termos no 1.º Juízo de Família e Menores da Comarca do Seixal, tendo, no âmbito daquela, sido adjudicado a cada uma das partes ½ da totalidade dos bens imóveis que integravam o património comum do casal (cfr. Documento n.º 5).
7- Incluindo o prédio urbano composto de rés-do-chão, garagem e logradouro, sito em Palhais, freguesia de Charneca de Caparica, concelho de Almada, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º …21 e inscrito na matriz sob o artigo …21 da União das Freguesias de Charneca da Caparica e Sobreda (cfr. Documentos n.º 6 e 7).
8- A Executada e AM, passaram, deste modo, a constar como comproprietários dos bens imóveis que anteriormente integravam o património comum do casal (cfr. Documentos n.º 6 e 7).
9- Através da Ap. 1495, de 22/09/2011 foi o referido prédio urbano penhorado, à ordem dos autos que correm termos sob o Proc. n.º 3540/14.0T8ALM (cfr. Documentos n.º 1 e 7).
10- Sucede que a dívida contraída pela Executada, mãe da Embargante, perante o Exequente AL, é posterior à dissolução do casamento daquela com o Sr. AM.
11- O pai da Embargante, AM, faleceu em 9 de abril de 2014, no estado de divorciado de MCM, Executada nos presentes autos, tendo a Embargante sucedido a seu pai como sua única herdeira (cfr. Documentos n.º 3 e 8).
12- No âmbito do Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, foi efetuada venda por leilão eletrónico do prédio urbano composto de rés-do-chão, garagem e logradouro, sito em Palhais, freguesia de Charneca de Caparica, concelho de Almada, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º …21 e inscrito na matriz sob o artigo …21 da União das Freguesias de Charneca da Caparica e Sobreda, no qual foram apresentadas várias propostas sobre o imóvel penhorado, sendo a proposta de maior valor apresentada no montante de 201.000,00 €.
13- Foi exercido o direito de remição por MCMC, neta da Executada e filha da Embargante, o qual foi aceite, tendo o imóvel sido adjudicado àquela pelo valor de 201.000,00 €, em 22 de abril de 2021 (cfr. Documento n.º 9).
14- Através de notificação datada de 27 de abril de 2021, foi a Embargante notificada da Conta Corrente Discriminada da Execução (cfr. Documento n.º 10).
15- Posteriormente, a Embargante teve conhecimento que o Senhor MC intentou uma ação executiva contra MCM, que corre termos no presente juízo, para cobrança de uma dívida exclusiva daquela Executada, sua mãe.
16- No dia 15 de novembro de 2021, o Senhor Agente de Execução no Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, notificou a Embargante do seguinte despacho proferido nesse processo (cfr. Documentos n.º 12 e 13):
 “Requerimento de 21 de Maio de 2021: O AE deve proceder da seguinte forma quanto ao valor remanescente da venda: Pagas as custas e a quantia exequenda destes autos, deve devolver o remanescente ao(s) executado(s) – art. 849.º, n.º 1, al. b) do CPC, salvo no caso de aquele valor remanescente ter sido penhorado por AE de outra execução (caso em que todas as questões atinentes à indevida penhora devem ser esgrimidas nessa outra execução). Notifique.”
17-- Nessa data a Embargante teve conhecimento que, no dia 27 de outubro de 2021, o Senhor Agente de Execução do Proc. n.º3540/14.0T8ALM informou esses autos do seguinte (cfr. Documento n.º 11):
“- A quantia remanescente que a executada se arroga ter direito encontra-se depositada nos autos;
- O montante de 140.000,00 euros encontra-se penhorado à ordem do processo n.º 3944/11.0TBALM, onde a executada é a mesma (MCM);
- Ambos os mandatários vieram aos autos reivindicar a devolução da quantia remanescente, ficando o processo a aguardar decisão do Exmo. Juiz;
- Decisão proferida, seguidamente foram apresentados embargos de terceiro por MMM.
Resumindo:
- A executada arroga-se no direito de receber a totalidade da quantia remanescente;
- A embargante arroga-se no direito de receber metade da quantia remanescente, ou seja 77.342,41 euros;
- Encontra-se penhorado à ordem do processo 3944/11.0TBALM a quantia de 140.000,00 euros.
- O AE tem depositado nos autos 154.684,81 euros e ao transferir o montante penhorado resta
14.684,81 euros.
É o que me cumpre informar”.
18- Ou seja, a metade da Embargante nos 154.684,81 € sobrantes da venda judicial do imóvel acima descrito, foi quase integralmente penhorado à ordem dos presentes autos, com o Proc. n.º 3944/11.0TBALM, em que é Exequente o Senhor MC.
19- Com efeito, as dívidas exequendas no Proc. n.º 3540/14.0T8ALM e nos presentes autos foram contraídas pela Executada, MCM, depois do divórcio com AM (cfr. Documentos n.º 1 a 8).
20- O imóvel penhorado e vendido judicialmente no Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, pertencia, em partes iguais, à Embargante, por sucessão na metade do seu pai, AM, e à mãe, Executada nos dois processos executivos (cfr. Documentos n.º 1 a 8).
21- E a penhora e execução só prosseguiu no Proc. n.º 3540/14.0T8ALM contra a totalidade do referido imóvel, porque a oposição à execução e penhora apresentada pelo Senhor AM no referido processo não prosseguiu por falta de pagamento da taxa de justiça.
22- O acto alegadamente ofensivo do alegado direito da Embargante é a penhora do crédito que a Executada nestes autos detém naquele outro processo 3540/14.0T8ALM, que corre os seus termos no Juiz 3, deste tribunal (doravante, simplesmente designado por processo 3540).
23- É, pois, a data do conhecimento pela Embargante dessa penhora, que está em causa, para se concluir pela tempestividade ou intempestividade dos presentes embargos.
24- A penhora do crédito em apreço, foi requerida pelo Exequente, ora Embargado, no dia 07/05/2021 (confr. doc. n.º 1, junto aos autos executivos, com a ressalva de que deste requerimento consta o processo n.º 7303/06.9TBALM, que face à sua renumeração passou a ser o 3540/14.0T8ALM).
25- A penhora foi concretizada por notificação de 10/05/2021 (confr. doc. n.º 2, junto aos autos executivos).
26-Ora, como bem se diz na sentença de 25/11/2021, proferida no Apenso D, do Processo 3540, no âmbito de outros embargos de terceiro intentados pela Embargante, passa-se a citar:
1. No dia 21 de Maio de 2021, MMM requereu nos autos de execução o seguinte: “para evitar este autêntico esbulho de dinheiro que pertence à ora Requerente (…) que ordene ao Senhor Agente de Execução para não proceder a qualquer ato de oneração da quantia depositada à ordem deste Tribunal, nomeadamente de penhora dos referidos € 140.000,00 à ordem do referido processo, pelo menos até que V. Exa. decida a quem pertence o dinheiro e determine o seu destino”. Para tanto, alegou que: “tendo tido conhecimento através do CITIUS, que o Senhor Agente de Execução se prepara para proceder-se à transferência/pagamento de € 140.000,00 para penhora a favor de outro processo”(…) “só pertence à Executada a metade de € 154.684,81” e “o Senhor Agente de Execução não pode realizar qualquer ato de disposição ou oneração dessa quantia, sob pena de violar o direito de propriedade da ora Requerente, que se sabe existir”.
2.No dia 20 de Setembro de 2021, sobre o requerimento anterior foi proferido o seguinte despacho: “Requerimento de 21 de Maio de 2021: O AE deve proceder da seguinte forma quanto ao valor remanescente da venda: Pagas as custas e a quantia exequenda destes autos, deve devolver o remanescente aos executados – art. 849.º, n.º 1, al. b), do CPC, salvo no caso de aquele valor remanescente ter sido penhorado por AE de outra execução (caso em que todas as questões atinentes a indevida penhora devem ser esgrimidas nessoutra execução). Notifique.”
3. No dia 25 de Outubro de 2021, MMM deduziu embargos (de terceiro), onde pediu: “a) Ser os presentes embargos de terceiro admitidos e julgados procedentes, após produzidas e apreciadas as provas e, em consequência, ser ordenada a restituição à Embargante do montante de € 77.342,41 (setenta e sete mil trezentos e quarenta e dois euros e quarenta e um cêntimo), correspondente a metade do produto da venda do imóvel penhorado à ordem dos presentes autos; b) Ser determinada a suspensão dos termos do processo em que se inserem os presentes embargos quanto a esta quantia, sendo impedida a sua restituição à Executada”.
Para tanto, alegou ter tomado conhecimento da decisão de 20 de Setembro de 2021, o qual “ (…) é altamente gravosa para a Embargante e violadora do seu direito de propriedade que, aliás, já tinha sido ofendido com a venda do imóvel em questão nos autos da ação executiva à margem identificados”, e, novamente, “34.º Sucede que, do remanescente, só pertence à Executada a metade de € 154.684,81. 35.º Com efeito, a dívida em causa é da Executada, e não da Embargante, não podendo a metade que lhe pertence no imóvel penhorado responder por outras dívidas da Executada, além daquela que deu origem à sua venda neste processo (cfr. Documentos n.º 2, 3 e 4). 36.º Tem, por isso, a Embargante, direito a metade do remanescente do produto da venda do imóvel do qual era comproprietária, isto é, € 77.342,41 (setenta e sete mil trezentos e quarenta e dois euros e quarenta e um cêntimos)”. 4. Pois bem. Afigura-se que os presentes embargos de terceiro devem ser liminarmente indeferidos por duas razões que seguem enunciadas e explicadas:
- intempestividade: por via dos presentes embargos, pretende a embargante prevenir a transferência pelo Agente de Execução do produto remanescente da venda de um imóvel para outra acção executiva e/ou para a executada, que, no requerimento apresentado a 20 de Maio de 2021 nos autos de execução confessou estar iminente, por isso que referiu “tendo tido conhecimento através do CITIUS, que o Senhor Agente de Execução se prepara para proceder-se à transferência/pagamento de € 140.000,00 para penhora a favor de outro processo”(…)”, especificando concretamente “como resulta do documento com data de 19/05/2021 - Documento: j7wBognH6NZ, disponível no CITIUS, o Senhor Agente de Execução prepara-se para “proceder-se à transferência/pagamento do valor supra indicado, mais declarando que se encontram reunidos os pressupostos processuais e legais para que este pagamento seja realizado. Este documento não é comprovativo de realização de transferência, mas tão só com documento de suporte prévio a realização da transferência.” Os presentes embargos deviam ter sido deduzidos no prazo de 30 dias após conhecimento da transferência iminente do produto da venda pelo Agente de Execução, que ocorreu, confessadamente, a 20 de Maio de 2021 – arts. 344.º, n.º 2 e 350.º, n.º 1, ambos do CPC. Foram-no apenas no dia 25 de Outubro de 2021 e, por isso, são intempestivos e não podem ser recebidos.”
27- Com efeito, a Executada já tinha conhecimento da presente execução (3944) pelo menos, desde o dia 11/11/2020, pois nessa data foi nomeada fiel depositária no âmbito da tomada de posse de um imóvel penhorado (confr. doc. n.º 4, junto a estes autos executivos).
28- Ou seja: a Embargante tomou conhecimento desta execução 3944, pelo menos, no dia 11 de Novembro de 2020 (doc. n.º 4);
29- a Embargante já sabia da penhora do crédito aqui em apreço, pelo menos, desde 21 de Maio de 2021, como confessou no seu requerimento, com essa data, a que a sentença que constitui o doc. n.º 3 faz referência e que se junta (confr. doc. n.º 5);
30- a Embargante reiterou esse conhecimento quanto à penhora do crédito na sua petição de embargos apresentada em 25/10/2021, na execução 3540 (confr. doc. n.º 6).
31- Os presentes embargos foram apresentados em juízo, no dia 06 de Dezembro de 2021.
E foi dado como “não provado” que:
Na sequência de uma notificação efetuada pelo Senhor Agente de Execução no dia 15/11/2021, no âmbito do Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, que corre termos no Juízo de Execução de Almada – Juiz 3, a Embargante teve conhecimento que uma parte do produto sobrante da venda executiva da moradia onde vive, no montante de 140.000,00 €, foi penhorada à ordem do presente processo.
III-O DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões a apreciar são as seguintes:
1-Alteração da decisão sobre a matéria de facto
2-Intempestividade dos Embargos
3-Caso julgado / Esgotamento do poder jurisdicional do Tribunal/Preclusão do direito da Embargante
4-Direito da Embargante/ Apelante a metade do remanescente do produto da venda do imóvel penhorado no âmbito do Processo executivo n.º3540/14.0T8ALM.
1-Face ao disposto no art.º 6º, nº4, da Lei 41/2013,de 26.06, aplicam-se aos presentes autos as normas do Código de Processo Civil, na versão anterior àquela lei.
Importa apreciar a questão da intempestividade na dedução dos embargos de terceiro, afirmada pela sentença recorrida e contrariada pela ora Apelante nas suas alegações. Em princípio, esta questão seria prévia, em termos lógicos, à questão da reapreciação sobre a decisão da matéria de facto. Sucede, porém, que os factos cuja reapreciação se requer, relacionam-se precisamente com a supra referida questão do prazo conferido à Embargante para deduzir os embargos. Assim, por esse motivo, passa-se a conhecer, em primeiro lugar do pedido de alteração da decisão sobre a matéria de facto.
O Tribunal a quo deu como provado o seguinte:
“29- a Embargante sabia da penhora do crédito aqui em apreço, pelo menos, desde 21 de Maio de 2021, como confessou no seu requerimento, com essa data, a que a sentença que constitui o doc. n.º 3 faz referência e que se junta (confr. doc. n.º 5);
30- a Embargante reiterou esse conhecimento quanto à penhora do crédito na sua petição de embargos apresentada em 25/10/2021, na execução 3540 (confr. doc. n.º 6).
E decidiu julgar como não provado o seguinte facto:
Na sequência de uma notificação efetuada pelo Senhor Agente de Execução no dia 15/11/2021, no âmbito do Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, que corre termos no Juízo de Execução de Almada Juiz 3, a Embargante teve conhecimento que uma parte do produto sobrante da venda executiva da moradia onde vive, no montante de 140.000,00 €, foi penhorada à ordem do presente processo.”
Não concorda a Apelante com esta decisão, pois que, no seu entender, “o que a prova dos autos revela é que só no dia 15/11/2021 teve a Recorrente conhecimento da penhora do dinheiro que lhe pertence, e não que teve conhecimento da penhora pelo menos a 21/05/2021, impondo-se dar como provado o primeiro facto e como não provado o segundo”.
Vejamos se assim é:
Recordemos o que foi dado como provado nos pontos aqui numerados por 16 e 17:
           
16- No dia 15 de novembro de 2021, o Senhor Agente de Execução no Proc. n.º 3540/14.0T8ALM, notificou a Embargante do seguinte despacho proferido nesse processo (cfr. Documentos n.º 12 e 13):
“Requerimento de 21 de Maio de 2021: O AE deve proceder da seguinte forma quanto ao valor remanescente da venda: Pagas as custas e a quantia exequenda destes autos, deve devolver o remanescente ao(s) executado(s) – art. 849.º, n.º 1, al. b) do CPC, salvo no caso de aquele valor remanescente ter sido penhorado por AE de outra execução (caso em que todas as questões atinentes à indevida penhora devem ser esgrimidas nessa outra execução). Notifique.”
17-- Nessa data a Embargante teve conhecimento que, no dia 27 de outubro de 2021, o Senhor Agente de Execução do Proc. n.º 3540/14.0T8ALM informou esses autos do seguinte (cfr. Documento n.º 11):
“•A quantia remanescente que a executada se arroga ter direito encontra-se depositada nos autos;
•O montante de 140.000,00 euros encontra-se penhorado à ordem do processo n.º 3944/11.0TBALM, onde a executada é a mesma (MCM);(…)”
Ora, se apenas em 15 de Novembro de 2021, a Embargante teve conhecimento da informação prestada pelo Senhor Agente de Execução no processo 3540/14 de que se encontrava penhorado o montante de € 140.000,00 à ordem do Processo n.º 3944/11.0TBALM, seria contraditório dar como provado igualmente quea Embargante sabia da penhora do crédito aqui em apreço, pelo menos, desde 21 de Maio de 2021, como confessou no seu requerimento, com essa data, a que a sentença que constitui o doc. n.º 3 faz referência e que se junta (confr. doc. n.º 5);”
De resto, a data em que a Embargante teve conhecimento de que foi realizada a penhora e que importa para a contagem do prazo para a dedução dos embargos é muito diferente da data em que foi solicitada a penhora do crédito aqui em apreço. E a Embargante sabia que tinha sido solicitada a penhora do crédito aqui em apreço, pelo menos, desde 21 de Maio de 2021.Mas uma coisa é ter sido solicitada a penhora, outra coisa bem diferente é a realização da mesma.
Como resulta dos termos do referido requerimento de 21-05-2021, a ora Apelante refere: “ Tendo tido conhecimento através do CITIUS que o Sr. Agente de Execução se prepara para proceder à transferência/pagamento de € 140.000,00 para penhora a favor de outro processo, vem requerer que com urgência, impeça este autêntico esbulho (…)”.
Ora, dos termos do requerimento não resulta a “confissão” tal como entendida pelo Tribunal a quo, antes pelo contrário, resulta que a Requerente entendia que a penhora ainda não estava realizada, como é ilustrado pela utilização da expressão “ se prepara para proceder”. E isto é válido igualmente quanto à petição de embargos apresentada em 25/10/2021, na execução 3540/14.
Procede, pois, a pretensão da Embargante, devendo ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, nos seguintes termos:
29- A Embargante sabia que tinha sido solicitada a penhora do crédito aqui em apreço, pelo menos, desde 21 de Maio de 2021, conforme resulta do requerimento que apresentou naquela data no processo n.º 3540/14.0T8ALM
30- Esse conhecimento é mencionado igualmente na petição de embargos de terceiro apresentada no processo n.º 3540/14.0T8ALM.”
Passa a integrar o elenco dos factos provados o seguinte:
 “31-Na sequência de uma notificação efetuada pelo Senhor Agente de Execução no dia 15/11/2021, no âmbito do Proc. n.º3540/14.0T8ALM, que corre termos no Juízo de Execução de Almada – Juiz 3, a Embargante teve conhecimento que uma parte do produto sobrante da venda executiva da moradia onde vive, no montante de 140.000,00 €, foi penhorada à ordem do presente processo.”
2-Nos termos do disposto no art.º 351.º do CPC, se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas (art.º 353.º n.º 2 do CC).
O prazo de embargos de terceiro a que se reporta o artigo 353º, nº 2, do Código de Processo Civil só é aplicável aos embargos de função repressiva, não prevendo a lei prazo fixo para a dedução de embargos de terceiro com função preventiva, podendo deduzi-los entre a data do despacho que ordena a diligência e a sua efectiva realização.
No caso dos autos, os embargos apresentados têm função repressiva na sequência da notificação que foi feita à ora Embargante, em 15/11/2021, no âmbito do Proc. n.º3540/14.0T8ALM, em que esta teve conhecimento que uma parte do produto sobrante da venda executiva da moradia onde vive, no montante de 140.000,00 €, foi penhorada à ordem deste processo.
Após, 15 de Novembro de 2021, a Embargante dispunha de 30 dias, para deduzir os embargos. Fê-lo em 6 de Dezembro de 2021. Não tinha ainda decorrido o referido prazo.
Foram, pois, tempestivos os embargos de terceiro.
3-A sentença recorrida refere, a dado passo, que “precludido o direito de deduzir embargos de terceiro, nem o facto de o pai da embargante ter falecido, nem o facto de o imóvel ter sido vendido, faz renascer o direito da executada.
Acresce ainda que afigura-se ao Embargado que estamos perante caso julgado, face ao que considera a sentença proferida no apenso D, da execução (já transitada em julgado) ao referir “sobre as pretensões feitas valer por via dos presentes embargos já recaiu o despacho de 20 de Setembro de 2021, consequente, repete-se, a um requerimento idêntico apresentado pela embargante nos autos de execução”.
Deste modo, para além da intempestividade na dedução dos embargos de terceiro, sempre se encontra esgotado o poder jurisdicional para o conhecimento da pretensão (aliás duplamente esgotado atenta a decisão de 20 de setembro de 2021 que indeferiu a pretensão da embargante e atenta a decisão de indeferimento liminar dos embargos de terceiro deduzidos no Proc. n.º 3540/14.0T8ALM-D.”
Será assim? Vejamos:
Recordemos a sequência dos factos:
AL intentou uma ação executiva contra MCM, em 26 de junho de 2011, tendo apresentado, como título executivo, uma sentença judicial datada de 7 de março de 2011, proferida no processo n.º 7303/06.9TBALM, em que a Executada foi condenada no pagamento ao referido Exequente, a título de honorários, da quantia de € 20.000,00, acrescida de IVA à taxa legal aplicável e de juros de mora à taxa supletiva legal, desde a data do trânsito da sentença e até integral pagamento.
Esta acção executiva correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Almada – Juiz 3, sob o n.º 3540/14.0T8ALM.
A Embargante, ora Apelante, MMM, é filha da Executada nesse processo, e também nos presentes autos, MCM, e de AM. A Executada e AM foram casados, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 9 de outubro de 1996, transitada em julgado a 6 de novembro de 1996.
Em 2008, a Executada e AM procederam à partilha de bens comuns, efetuada no âmbito do processo de inventário n.º 925/03.1TBSXL, que correu termos no 1.º Juízo de Família e Menores da Comarca do Seixal, tendo, no âmbito daquela, sido adjudicado a cada uma das partes ½ da totalidade dos bens imóveis que integravam o património comum do casal, incluindo o prédio urbano composto de rés-do-chão, garagem e logradouro, sito em Palhais, freguesia de Charneca de Caparica, concelho de Almada, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º …21, que veio a ser penhorado na referida execução n.º n.º 3540/14.0T8ALM.
A Executada e o seu ex-marido eram, pois, comproprietários do imóvel que veio a ser penhorado naquela execução, penhora registada através da Ap. …, de 22/09/2011.
Sucede que a dívida contraída pela Executada, mãe da Embargante, perante o Exequente AL, é posterior à dissolução do casamento daquela com o Sr. AM.
O pai da Embargante, AM, faleceu em 9 de abril de 2014, no estado de divorciado de MCM, Executada nos presentes autos, tendo a Embargante sucedido a seu pai como sua única herdeira.
Sucede também, como consta da factualidade provada (ponto 21,º) que a penhora e execução só prosseguiram no Proc. n.º3540/14.0T8ALM contra a totalidade do referido imóvel, embora pertencesse em partes iguais à Executada e a AM porque a oposição à execução e penhora apresentada pelo Senhor AM, no referido processo, não teve seguimento por falta de pagamento da taxa de justiça. Portanto desde já podemos concluir o seguinte: o facto de estes Embargos apresentados por AM não terem prosseguido por uma razão processual, não tendo chegado a haver uma decisão de mérito, apenas teve uma consequência: a de permitir que a penhora tenha prosseguido relativamente à totalidade do imóvel, em vez de, como devia ter ocorrido, relativamente ao direito da Executada a ½ indiviso do mesmo imóvel. O não prosseguimento desses embargos nunca poderia ter o efeito de fazer precludir o direito da herdeira do AM e ora Embargante. Não se vislumbra qual o fundamento legal ou lógico para tal preclusão.
A ora Embargante, em 25 de Outubro de 2021, deduziu embargos de terceiro naquela execução que vieram a ser liminarmente indeferidos, por decisão de 25-11-2021.
A ora Apelante apresentou naquela execução n.º 3540/14.0T8ALM, um requerimento que deu entrada em 21 de Maio de 2021 e sobre o qual foi proferido o despacho de 20 de Setembro de 2021.
Este despacho tem o seguinte teor:
 “ Requerimento de 21 de maio de 2021:
O AE deve proceder da seguinte forma quanto ao valor remanescente da venda:
Pagas as custas e a quantia exequenda destes autos, deve devolver o remanescente ao(s) executado (s) – art.º 849.º n.º1 b) do CPC, salvo no caso de aquele valor remanescente ter sido penhorado por AE de outra execução (caso em que todas as questões atinentes à indevida penhora devem ser esgrimidas nessoutra execução.)”
E, em 25 de Outubro de 2021, deduziu embargos de terceiro naquela execução que vieram a ser liminarmente indeferidos, por decisão de 25-11-2021.
Ora, entendemos que estas decisões proferidas no âmbito do processo 3540/14.0T8ALM não fazem caso julgado.
As excepções do caso julgado, tal como a litispendência, pressupõem a repetição de uma causa. Se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado (art.º 580º, n.º 1 do CPC).
Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (n.º 2).
O caso julgado é, evidentemente, uma exigência de boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dado que dá expressão aos valores da segurança e certeza imanentes a qualquer ordem jurídica: a res judicata obsta a que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver.
O caso julgado implica a inadmissibilidade da substituição ou da modificação da decisão por qualquer tribunal, mesmo por aquele que a proferiu.
O caso julgado não se limita a produzir um efeito processual negativo, traduzido na insusceptibilidade de qualquer tribunal, mesmo aquele que é o autor da decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão.
Ao caso julgado deve também associar-se um efeito processual positivo: a vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais, ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal, ou seja, ao conteúdo da decisão desse mesmo tribunal.
Ora bem, de acordo com o disposto no art.º 580º n.º 1 do CPC a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e essa repetição “verifica-se depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que não admite recurso ordinário.”
O art.º 581.º n.º 1 do CPC dispõe que há repetição de uma causa quando “se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
Para que se verifique a excepção do caso julgado é, pois, necessário que se verifique, cumulativamente, esta tríplice identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Ora, desde logo, quanto aos sujeitos, é evidente que não se verifica identidade, pois que no Processo n.º3540/14.0T8ALM o Exequente e Embargado é AL e nesta execução de que os presentes embargos são apenso, o Exequente/Embargado é MC. Tanto bastaria para que não fosse possível formar-se caso julgado. Mas também a causa de pedir é diversa.
A causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer. Ora, nos embargos deduzidos na execução n.º3540, a causa de pedir radica na penhora realizada nessa execução que incidiu sobre o bem imóvel ali identificado. Por sua vez, nos presentes embargos de terceiro, a causa de pedir radica na penhora realizada na execução n.º 3944/11.0TBALM e que incide sobre o remanescente da venda daquele imóvel. Obviamente, em cada execução, a Embargante só pode opor-se à penhora que tiver sido realizada nesse processo. Não pode, como é evidente, opor-se por embargos a uma penhora ordenada no âmbito de outro processo. Logo, o raciocínio da sentença recorrida contraria os princípios básicos  da lógica jurídica ao entender que as decisões proferidas no âmbito da execução n.º 3540/14.0T8ALM, constituem caso julgado em relação aos presentes embargos de terceiro ou que esgotaram o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria em causa.
Tanto assim é que o próprio despacho proferido em 20 de Setembro de 2021, utilizado pela decisão recorrida como argumento para fazer improceder os presentes embargos de terceiro, salvaguarda precisamente o “caso de aquele valor remanescente ter sido penhorado por AE de outra execução (caso em que todas as questões atinentes à indevida penhora devem ser esgrimidas nessoutra execução.)”[1]. Ou seja, o Tribunal não conheceu da pretensão da ora Embargante e Apelante, pois remeteu esta para a execução onde fosse penhorado o remanescente da venda do imóvel que é a presente execução. Logo, nunca poderia estar esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal.
Procedem as conclusões de recurso, quanto a estas questões.
4-Rebatidos os argumentos com base nos quais a sentença recorrida julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos pela ora Apelante, importa colocar a questão fulcral de saber se esta tem ou não direito a metade do remanescente da venda do imóvel, remanescente que veio a ser penhorado no âmbito da execução de que os presentes embargos são apenso.
Tem razão a Apelante ao referir que no âmbito da execução n.º 3540/14.0T8ALM, nunca esteve em causa discutir a questão da propriedade do imóvel que foi penhorado e depois vendido. O que se discutiu foi apenas se o bem podia ser penhorado e posteriormente vendido em execução, para satisfazer com o produto da venda o crédito do Exequente
Portanto, tal como a Embargante argumenta e tem razão, não se tendo discutido a propriedade do imóvel, o respectivo regime de propriedade sobre o imóvel permaneceu intacto até à sua venda. E a verdade é que “o imóvel penhorado e vendido judicialmente no Proc. n.º3540/14.0T8ALM, pertencia, em partes iguais, à Embargante, por sucessão na metade do seu pai, AM, e à mãe, Executada nos dois processos executivos (cfr. Documentos n.º 1 a 8)”[2].
Com a venda judicial, a propriedade transferiu-se para o adjudicatário do imóvel. Porém, do produto da venda, depois de pagas as custas e o crédito exequendo, ficou um remanescente do qual foi penhorado neste processo o valor de € 140.000,00. Pergunta-se: Sendo a Embargante proprietária de ½ do imóvel vendido, transferiu-se ou não para a mesma, a propriedade de metade do referido remanescente? Cremos que a resposta só pode ser afirmativa.
O facto de ter sido penhorado e vendido o imóvel na sua totalidade, sendo certo que apenas a metade indivisa do mesmo pertencia à Executada e, por conseguinte só essa metade respondia pela dívida desta, não altera nem apaga a realidade jurídica, nem por conseguinte, anulou os direitos da ora Apelante /Embargante. E se já não é possível alterar os factos passados, é possível e impõe a Justiça e o Direito que se reconheçam os direitos da Embargante, quanto ao presente. É, assim, certo que a Embargante era proprietária de metade do prédio vendido, parece óbvio que esse direito, na mesma proporção, passou a incidir sobre o valor que restou da venda do imóvel, pertencendo metade à Executada e a outra metade à Embargante, ora Apelante. O direito de propriedade do pai da Recorrente sobre a metade do imóvel transmitiu-se para a Recorrente, por via sucessória, com a sua morte. Não se pode deixar de concluir que, tal como defende a Embargante, com a venda do imóvel, este direito transmitiu-se para o remanescente do produto da venda.
A não entendermos assim, então as execuções instauradas conta a Executada MCM redundariam num enriquecimento sem causa, pois que seria uma forma de adquirir a propriedade total de um bem que comprovadamente apenas lhe pertencia na proporção de metade. Com efeito, é possível reconhecer na situação em apreço, todos os requisitos exigidos pelo art.º 473.º do Código Civil: i) a existência de um enriquecimento; ii) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; iii) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento; iv) a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.
Procedem, pois, as conclusões da Apelante, o que conduz necessariamente á procedência dos embargos de terceiro deduzidos, ainda que parcial, pela razão explanada seguidamente.
O pedido formulado nos presentes embargos de terceiro tem o seguinte teor:
 “(…)ser os presentes embargos de terceiro admitidos e julgados procedentes e, em consequência, ser ordenado o levantamento da penhora e consequente restituição à Embargante do montante de € 77.342,41.”
Ora, conforme resulta do auto de penhora de 13-12-2021, a penhora do crédito que a executada detinha no processo executivo n.º 3540/14.0T8ALM incide sobre € 140.000,00 e não sobre todo o remanescente de € 154 684,81, existente naquele processo. Assim, nestes autos, só pode ser ordenado o levantamento da penhora, obviamente, sobre o valor que está penhorado e, assim, apenas pode ser ordenada a restituição à Embargante do valor de € 70.000,00.

IV-DECISÃO
Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso e, por consequência, revogando a sentença recorrida, julgar parcialmente procedentes os embargos de terceiro, ordenando o levantamento da penhora sobre a quantia de € 70.000,00 que deverá ser entregue à Embargante.
Custas pela Embargante e pelos Embargados na proporção de 1/7 para aquela e 6/7 para estes.

Lisboa, 14 de Setembro de 2023
Maria de Deus Correia
Teresa Pardal
Octávia Viegas (vencida conforme declaração de voto que segue)
_______________________________________________________           
Declaração de voto
Consideraria improcedentes, parcialmente, os embargos de terceiro deduzidos por MMM, porquanto o produto da venda de um direito da Executada MC sobre o prédio penhorado, que não foi posto em causa por meio de embargos com sucesso, após paga a quantia exequenda e demais encargos no processo em que foi efectuada a penhora, revertia a favor da mesma Executada, não tendo sido demonstrado qualquer direito a favor da Embargante MMM sobre a referida quantia.
A Executada MC tinha outra Execução pendente contra si, a presente execução, na qual foi solicitada a penhora dessa quantia até ao montante necessário para proceder ao pagamento da quantia exequenda e encargos com o processo, o que foi deferido, ficando a quantia à ordem destes autos para pagamento da quantia exequenda e encargos, não havendo qualquer direito da Embargante, reconhecido nos autos a que foi solicitada a penhora, sobre a quantia penhorada.
Confirmaria nesta parte a decisão.
14.09.2023
Octávia Viegas

[1] Negrito nosso.
[2] Facto provado n.º 20