Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3128/2008-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: EDUCADORA DE INFÂNCIA
HABILITAÇÕES LITERÁRIAS
INSTITUIÇÃO PRIVADA DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
NULIDADE DO CONTRATO
PODERES DA RELAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- As “questões” a que se alude no art. 668º n.º 1 do C.P.C., não se podem confundir com factos materiais. Estes constituem apenas elementos que devem ser levados em consideração na solução das “questões” suscitadas pelas partes, enquanto que estas são os temas alegados pelas partes e que constituem de forma directa e imediata dados integradores dos elementos constitutivos ou impeditivos dos direitos cuja tutela é procurada pelas partes nas instâncias, na lógica e na perspectiva dos pedidos;
II- Para o exercício da docência em escolas particulares, é necessário que o docente seja titular de habilitação adequada ao nível de ensino a leccionar;
III- A inexistência da habilitação a que se alude no ponto anterior, importa a nulidade do contrato de trabalho celebrado entre o “docente” e a entidade titular do estabelecimento de ensino particular;
IV- Para o exercício das funções de Direcção do estabelecimento de ensino particular, não se exige a detenção de habilitação específica ou adequada já que se trata apenas do exercício de um cargo da confiança da entidade titular do estabelecimento.
(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.
            I – RELATÓRIO

            A… instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a Ré “JARDIM DE INFÂNCIA …”, alegando, em síntese e com interesse, que em 1 de Abril de 1980, foi contratada pela R. para o desempenho das funções de Educadora de Infância estagiária, tendo terminado o estágio em Janeiro de 1981 e desempenhado, desde então, as funções de Educadora de Infância, a tempo completo, sob as ordens e direcção da R.
A partir de Janeiro de 1997 e por convite da Direcção da R., passou a desempenhar as funções de Directora do Estabelecimento e de Coordenação Pedagógica.
Auferia, ultimamente, a retribuição mensal de € 1.105,91, acrescida de € 117,84 de diuturnidades, de € 466,97 de “subsídio de função pré-escolar” e de € 237,93 de subsídio de função de direcção pedagógica, perfazendo o valor total mensal de € 1.928,65.
Por carta datada de 29 de Maio de 2003, a R. enviou-lhe uma nota de culpa acusando-a dos factos que, em suma, enuncia no art. 5º da petição e à qual respondeu, alegando, em resumo, os factos que enuncia no art. 6º da petição.
Por carta datada de 30 de Setembro de 2003, foi-lhe comunicada a cessação do contrato de trabalho atenta a nulidade do mesmo por inexistência de habilitações por parte da A. para o exercício de funções de Educadora de Infância.
Esta cessação de contrato é ilícita por insubsistente como decorre de todos os documentos juntos à petição e que eram do conhecimento da R.
Por outro lado, desde 1997 que a A. não era Educadora de Infância mas Directora do Estabelecimento e Coordenadora Pedagógica e se é verdade que estas podem exigir habilitações de carácter pedagógico, já o mesmo não sucede com aquelas.
Assim sendo, pelo menos desde 1997 que a R. não podia rescindir o contrato de trabalho da A. com fundamento no facto desta não possuir as habilitações necessárias ao desempenho de funções de Educadora de Infância.
A cessação do contrato é, pois, ilícita por violar o art. 3º do Dec. Lei n.º 64-A/89 e o art. 14º n.º 1 do RJCIT aprovado pelo Dec. Lei n.º 49.408 de 24-11-1969.
Pede que a Ré seja condenado a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela cessação do contrato de trabalho a exercer no momento processual próprio e ainda a pagar-lhe a quantia já vencida de € 1.928,65, acrescida da que se vencer até à decisão final e de juros contados à taxa legal de 4% ao ano, calculados desde a citação da Ré até integral pagamento.
No caso de vir a exercer, no momento processual próprio a opção pela cessação do contrato de trabalho, terá ainda direito a receber da R. a respectiva indemnização, bem como as férias, subsídio de férias e de Natal vencidos em consequência dessa cessação.
Quando assim se não entenda, nos termos do art. 469º do Código de Processo Civil, sempre a R. deverá ser condenado a pagar à A., a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho à luz dos n.ºs 5 e 6 do art. 15º do RJCIT o montante de € 27.001,10, acrescido de juros contados, à taxa legal de 4% ao ano, calculados desde a citação da R. e até integral pagamento.

Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes, contestou a Ré “JARDIM DE INFÂNCIA… – IPSS” alegando, em síntese, que os cargos de Directora de Estabelecimento e Coordenação Pedagógica, são cargos de nomeação e nestes o nomeado tanto pode ser provido no cargo como dele pode ser destituído a todo o tempo já que o provimento é sempre temporário como foi o caso da Autora por estar investida nesses cargos desde Janeiro de 1997 até Abril de 2003.
A nomeação para o cargo de Direcção da Ré e a destituição do mesmo, trata-se de uma prerrogativa de quem dirige os destinos desta, sendo certo que isso nunca colocou em causa a estabilidade do emprego da Autora que, deixando de exercer tais funções de chefia, regressaria, como regressou, ao seu lugar e categoria profissional, ainda que suspensa preventivamente.
Foi isso que sucedeu em 29 de Abril de 2003, data em que a Autora foi destituída dos cargos de Directora de Estabelecimento e Coordenadora Pedagógica, até à data em que cessou a relação laboral, 29 de Setembro de 2003, por declaração de nulidade em sede de processo disciplinar legalmente elaborado pela Ré, nulidade que se impunha “ope legis” constituindo causa de caducidade do contrato “ab initio”.
Concluiu no sentido da presente acção dever ser julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.
Respondeu a Autora alegando que a defesa por excepção invocada pela Ré deve ser julgada improcedente e concluiu como na petição.
Foi proferido despacho saneador no qual foi dispensada a realização de audiência preliminar e foi relegada para a sentença a apreciação da defesa por excepção invocada pela Ré.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo nela a Autora optado pelo recebimento de indemnização.
Foi proferida a decisão de fls. 433 a 438 sobre matéria de facto.
Não houve reclamações.
Seguidamente foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e, em consequência, foi a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 4.442,52 a título de férias, subsídio de férias e de Natal pelo trabalho prestado em 2003 e absolvendo a Ré no mais peticionado.
Inconformada com esta sentença, dela veio a Autora interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação invocando, no requerimento de interposição de recurso, nulidades da sentença recorrida, ao mesmo tempo que requereu a reforma da mesma.
Apresentou, por outro lado, as suas alegações, as quais terminam mediante a formulação das seguintes:
Conclusões:
(…)

Contra-alegou a Ré concluindo que deve ser negado provimento ao recurso.

A Mmª Juiz, admitindo o recurso interposto pela Autora, pronunciou-se quanto às invocadas nulidades de sentença, concluindo pela não verificação das mesmas, assim como entendeu não existir qualquer fundamento para a reforma da sentença.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cabe agora apreciar e decidir.

II – APRECIAÇÃO.

Face às conclusões delimitadoras do objecto do recurso interposto (arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1, ambos do C.P.C.), suscitam-se, à apreciação deste Tribunal, as seguintes:
Questões:
§ Saber se a sentença recorrida enferma das nulidades invocadas pela Apelante;
§ Saber se existiu erro na aplicação do direito na sentença recorrida, ao considerar-se aplicável o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância aprovado pelo Dec. Lei 139-A/90 de 28-04 no tocante à exigência de habilitações para o desempenho das funções pela Autora/Apelante ao serviço da Ré/Apelada e se essas habilitações eram, efectivamente, necessárias;
§ Saber se, no caso vertente, a Ré poderia ter declarado a nulidade do contrato de trabalho com fundamento na falta das referidas habilitações e, nesse caso, qual o regime jurídico aplicável e consequências daí decorrentes, ou;
§ Saber se no caso em apreço ocorreu uma cessação ilícita do contrato de trabalho da Autora/Apelante e quais as consequências daí decorrentes.

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A R. é uma instituição particular de solidariedade social que se dedica ao ensino possuindo para tanto um estabelecimento de ensino sito na sua sede social;
2. Em 1 de Abril de 1980 a A. foi contratada pela R. para o desempenho de funções de Educadora de Infância estagiária, tendo terminado o estágio em Janeiro de 1981 e desempenhando desde então a A. as funções de Educadora de Infância a tempo completo sob as ordens e direcção da R. no âmbito de um contrato de trabalho vigente entre as partes;
3. Auferia ultimamente por mês a retribuição de € 1.105,91, acrescida de € 117,84 de diuturnidades, de € 466,97 de “subsídio de função pré-escolar” e de € 237,93 de subsídio de função de direcção pedagógica, perfazendo o valor total de € 1.928,65;
4. Por carta datada de 29 de Maio de 2003 a R. enviou à A. uma nota de culpa onde em suma a A. era acusada de:
a) ter faltado injustificadamente por não ter apresentado em tempo os documentos relativos às sucessivas prorrogações de “baixa” por doença;
b) nunca ter entregue os documentos comprovativos das suas habilitações como Educadora de Infância apesar de as mesmas repetidamente lhe terem sido solicitadas, aproveitando a confiança nela depositada pela Direcção da R. para não o fazer;
c) aproveitara-se também a arguida da confiança nela depositada pela Direcção da R. para convencer essa mesma Direcção a alterar a sua retribuição quando sabia não ter direito àquela modificação, aproveitando a fragilidade e o desconhecimento da lei por parte dos membros da Direcção da R.;
d) ter desobedecido a ordens expressas dadas pelo Presidente da Direcção da R. permanecendo no Gabinete da Direcção e retirando mesmo desse Gabinete documentos e dossiers;
e) só ter feito a entrega das chaves que possuía em 27 de Maio de 2003, quando as deveria ter entregue quando entrara de “baixa” em 24 de Outubro de 2002;
6. Contestou a A. aquela nota de culpa nos termos do documento de fls. 23 a 31 cujo teor se dá por integralmente reproduzido, alegando em suma que:
a) comunicara as sucessivas prorrogações das “baixas” e só não entregara antes da apresentação ao serviço os respectivos documentos comprovativos porque tal nunca lhe fora pedido pela E.;
b) desde a sua admissão ao serviço da R. sempre fora do conhecimento de toda a gente e especialmente dos membros da Direcção da E. que a A. não possuía o diploma de Educadora de Infância bem como das razões porque tal sucedia e que a própria R. tentara desbloquear a situação escrevendo ao Jardim de Escola C… para validarem o estágio efectuado na E., solicitação que recebera uma resposta negativa por parte daquele Jardim Escola, e que levara a A. a expor a situação ao Ministério da Educação;
c) não era verdade que a A. tivesse influenciado a Direcção a modificar a sua retribuição pois tal resultara antes de parecer da Advogada da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social, que recomendava a aplicação de outras tabelas salariais;
d) a A. ao permanecer no Gabinete da Direcção fê-lo por ser esse o seu local de trabalho, não sendo verdade que tivesse retirado daquela sala quaisquer documentos relevantes para o funcionamento da R. ou sequer relativos à apreciação do exercício de funções enquanto Directora do Estabelecimento e Coordenadora Pedagógica uma vez que esses documentos não estavam arquivados naquele Gabinete mas antes nos serviços administrativos da R., tendo a A. retirado somente os seus documentos de trabalho pessoais;
e) não entregara a arguida as chaves da R. quando iniciara a sua “baixa”, por tal não ser prática seguida na R. pois a arguida sempre ficara com as chaves que lhe estavam atribuídas quando estava fora das instalações da R., quer por “baixa” quer no período de férias;
7. Por carta datada de 30 de Setembro de 2003 foi comunicada à A. a cessação do seu contrato de trabalho atenta a nulidade do mesmo por inexistência de habilitações por parte da A. para o exercício de funções de Educadora de Infância;
8. No relatório final do processo disciplinar, junto a fls. 36 a 51 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a instrutora do processo considerara que existia justa causa para o despedimento;
9. Naquele mesmo relatório considera-se que o contrato de trabalho era nulo por força do art. 4º do RJCIT aprovado pelo Dec.-Lei 49.408, por a A. não ter as habilitações exigidas para o exercício da função, razão porque ficava prejudicada a apreciação da justa causa existente, o que levou a R. a dar por findo o contrato de trabalho, não com a invocação da justa causa invocada na nota de culpa que remetera à A., mas antes com fundamento na nulidade do contrato de trabalho;
10. A alteração salarial da A. sucedeu após consulta à jurista da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social;
11. A ré conhecia desde o início que:
a) a A. não possuía o diploma de Educadora de Infância muito embora tivesse concluído a parte teórica do respectivo Curso e realizado o estágio final, por o Jardim Escola C… se ter recusado a emitir o respectivo diploma por a A. ter intentado uma acção judicial contra um estabelecimento de ensino onde desempenhara funções;
b) não obstante o facto de a R. ter solicitado àquele Jardim Escola que reconhecesse o estágio realizado pela A. na R. o mesmo se recusara a reconhecer aquele estágio muito embora já anteriormente tivesse reconhecido estágios realizados na R. por outras Educadoras;
c) a A. estava a efectuar tentativas para resolver o assunto junto do Ministério da Educação;
13. Desde 1997 que a A. não exercia as funções de Educadora de Infância mas antes as de Directora do Estabelecimento e Coordenadora Pedagógica;
14. As funções de Directora do Estabelecimento não exigem habilitações de carácter pedagógico[1];
15. O cargo de Directora de Estabelecimento e Coordenação Pedagógica são cargos de nomeação[2];
16. Ao ser nomeada para o cargo de Directora de Estabelecimento a A. manteve a sua categoria profissional de educadora de infância e nela progrediu na carreira, recebendo como educadora de infância, incluindo os subsídios de função pré-escolar;
17. A A. desempenhou, por convite da Direcção em exercício nessa altura, que aquela aceitou, o cargo de Directora do Estabelecimento e Coordenadora Pedagógica desde Janeiro de 1997 a 29 de Abril de 2003;
18. O cargo de Directora do Estabelecimento deixou de existir com a destituição da A. em 29 de Abril de 2003;
19. Em 29 de Abril de 2003, foi comunicado verbalmente à A. pelo Presidente do R., Sr. AR… e pela Tesoureira, D. L…, que:
a) lhe era naquela data retirada a confiança e, consequentemente, deixava de exercer as funções de Directora de Estabelecimento e de Coordenadora Pedagógica;
b) lhe era naquela data, instaurado processo prévio de inquérito, com vista a fundamentar nota de culpa com vista ao despedimento;
22. No dia seguinte — 30 de Abril de 2003, a A., tentou entrar na sala de Direcção e da Directora do Estabelecimento e chamou dois colegas para comprovarem o que o Presidente AR… lhe estava a dizer;
23. Pelo que, face ao comportamento da A., a Direcção optou por lhe remeter ordem escrita, nesse mesmo dia — 30 de Abril de 2003, expedindo para tanto várias cartas, nomeadamente uma em que a suspendeu preventivamente sem perda de retribuição enquanto se aguardava pelo resultado do processo disciplinar;
24. Como consequência directa do referido processo prévio de Inquérito, veio a ser instaurado Processo Disciplinar à Trabalhadora;
25. A A. pediu a alteração da forma do pagamento do seu salário e subsídios por proposta por carta, dirigida à anterior Direcção, proposta essa que foi aprovada;
26. A autora não tem habilitação própria para o exercício da actividade de educadora de infância, função para a qual foi contratada[3];
27. Apesar de ter frequentado o curso de educadora de Infância, a A. nunca chegou a obter o respectivo Diploma de Educadora de Infância;
28. Desde o início que a R. pediu à A para apresentar esse documento qualificativo e a A. sempre referiu estar a resolver administrativamente a situação;
29. A R. pediu explicações à Escola C…, em 13 de Abril de 1981, vindo aquela a responder por escrito dizendo que a A. havia “reprovado”, sendo o terceiro ano eliminatório;
30. A ré em 9 e 18 de Julho de 1990 exigiu por escrito à A. o diploma;
31. A A., nesse mesmo mês de Julho de 1990, respondeu que tinha interposto recurso junto do Ministério da Educação, juntando cópia dos seus requerimentos, e que esse pedido estava pendente de apreciação;
32. A A. nunca esclareceu até à presente data qual o resultado das suas iniciativas administrativas para resolver o litígio com a Escola C…;
33. A A. aceitou o cargo de Coordenadora Pedagógica para o qual sabia não possuir habilitações literárias;
34. Após a instauração do inquérito prévio, a R. solicitou à A. por escrito a apresentação do diploma, e esta primeiro escreveu, em 22 de Maio de 2003, dizendo que “estou a efectuar diligências junto do Jardim de Infância Escola C… para ultrapassar o problema surgido”, vindo de seguida a apresentar Certificado de Frequência do curso.

A primeira das suscitadas questões de recurso é a que se prende com as invocadas nulidades da sentença recorrida.
A primeira, no entendimento da Apelante, é a que decorre da circunstância do Tribunal a quo ter conhecido de factos de que não podia tomar conhecimento, uma vez que as respostas dadas aos factos considerados como provados sob os n.ºs 15º, 17º, 18º, 19º, 26º, 27º e 33º, têm de ser consideradas nulas.
Ora, no âmbito das nulidades de sentença, que são as que, taxativamente, se prevêem no art. 668º n.º 1 do Cod. Proc. Civil, estabelece este normativo legal, na respectiva al. d), que: «É nula a sentença:... d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Trata-se como que da sanção para o desrespeito do imperativo estabelecido no art. 660º n.º 2 do mesmo diploma, nos termos do qual se impõe ao juiz a apreciação ou o conhecimento de todas as questões, de fundo ou de mérito, que o pedido ou causa de pedir apresentados pelo Autor – ou eventualmente pelo Réu/Reconvinte – possam suscitar, impondo-se-lhe aí, também, que se não ocupe senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Como resulta da conjugação destes normativos legais, o que constitui nulidade de sentença é a omissão ou o excesso de pronúncia sobre questões suscitadas ou submetidas pelas partes à apreciação do Tribunal.
Ora, as questões a que se alude nos apontados normativos, não se podem confundir com factos materiais como parece decorrer do alegado pela Apelante ao arguir a nulidade prevista no art. 668º n.º 1 al. d) do C.P.C. nos termos em que o faz. Com efeito, factos materiais constituem elementos que devem ser levados em consideração na solução das questões suscitadas pelas partes, enquanto que estas mais não são do que «os temas alegados pelas partes que constituem de forma directa e imediata dados integradores dos elementos constitutivos ou impeditivos dos direitos cuja tutela é procurada pelas partes na instância, na lógica e na perspectiva dos pedidos» como refere o Supremo Tribunal de Justiça no seu douto Acórdão de 13-01-2000[4].
Por outro lado, importa ter presente que a circunstância do Tribunal a quo haver, porventura, fixado na sentença recorrida como matéria de facto, matéria conclusiva ou de direito, não conduz à anulação daquela nos termos do art. 668º n.º 1 do Cod. Proc. Civil, mas, simplesmente, a ter de se considerar como não escrita essa matéria, ao abrigo do disposto no art. 646º n.º 4 do mesmo diploma.
Finalmente, importa também ter presente que a circunstância de a Srª Juíza do Tribunal a quo, ter, porventura, fixado como provada matéria de facto não articulada pelas partes ou sobre a qual se não tenha produzido prova, pode levar a que se tenha de concluir haver julgado mal essa matéria. No entanto, esse eventual mau julgamento não se pode confundir com pronúncia sobre questão ou questões não suscitadas pelas partes, não constituindo, portanto, nulidade da sentença nos termos do art. 668º n.º 1 al. d) do Cod. Proc. Civil.
Não ocorre, pois, no caso em apreço a referida nulidade de sentença.
Não obstante esta conclusão, não poderemos deixar de apreciar, desde já, se a matéria que o Tribunal a quo fixou na sentença recorrida como matéria de facto provada – mormente a que é referida pela Apelante em sede de recurso – contém matéria conclusiva ou de direito que imponha ser considerada como não escrita ao abrigo do aludido art, 646º n.º 4 do C.P.C..
Ora, da matéria tida por provada pelo Tribunal a quo na sentença sob recurso e anteriormente transcrita, está nessas circunstâncias, unicamente, a que se mostra contida nos pontos 14., 15. e 26. e que, por isso e ao abrigo do referido art. 646º n.º 4 do C.P.C. se considera aqui como não escrita.
Relativamente à restante matéria de facto que a Apelante indica como tendo resultado de matéria não articulada pelas partes ou sobre a qual não tenha incidido produção de prova, não está este Tribunal da Relação habilitado a extrair essa conclusão uma vez que dos autos não constam todos os elementos de prova, mormente a prova testemunhal, em que o Tribunal a quo se fundou para proferir decisão sobre matéria de facto, bem podendo suceder ter, sobre essa matéria, incidido discussão em audiência de julgamento e ter aquele Tribunal entendido tratar-se de matéria com relevância para a decisão da causa, circunstância que, conjugada com o disposto no art. 72º n.º 1 do Cod. Proc. Trabalho, lhe permitia levar em consideração essa matéria.
Arguiu ainda a Apelante a nulidade de sentença prevista no art. 668º n.º 1 al. c) do C.P.C., por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, porquanto, ao apreciar a boa-fé contratual da Autora, considerou que a mesma actuou de má-fé por ter omitido que não possuía o diploma de Educadora de Infância, quando resulta dos factos provados sob o n.º 11 que a Ré, desde o início, sabia que a Autora não tinha aquele diploma.
Apreciando, diremos que também quanto a este aspecto não assiste razão à Apelante.
Na verdade, na sentença recorrida – mormente na parte em que se decidiu não assistir à Autora o reclamado direito a indemnização por invalidade do contrato de trabalho – não ocorre a invocada contradição entre esta decisão e os respectivos fundamentos. Com efeito, a decisão de não reconhecimento de um tal direito indemnizatório na sentença recorrida decorre do fundamento extraído da matéria de facto provada de que a Autora, quer no momento da celebração do contrato de trabalho com a Ré, quer, depois, durante toda a execução desse contrato ter conhecimento de que não possuía as habilitações necessárias para o desempenho das funções de Educadora de Infância e de Coordenadora Pedagógica e não obstante ter celebrado o referido contrato com a Ré e aceite o exercício destas funções o que, no entendimento da Mmª Juíza, integra o conceito de má-fé a que se alude no n.º 6 do art. 15º da LCT e daí o não reconhecimento do reclamado direito indemnizatório.
O que releva na fundamentação da sentença recorrida quanto à apreciação de um tal direito, não é a circunstância da Ré ter conhecimento de que a Autora não tinha o diploma que a habilitasse ao desempenho das funções para que fora contratada e que mais tarde também foi convidada a desempenhar, mas a circunstância de a própria Autora saber que não dispunha do diploma necessário para o desempenho das funções para que estava a ser contratada e que posteriormente veio a desempenhar e, ainda assim, haver celebrado o contrato de trabalho com a Ré e haver aceite o cargo de Coordenadora Pedagógica da mesma.
Não há, pois, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão que, relativamente a esse aspecto, foi proferida na sentença recorrida, razão pela qual se não verifica a invocada nulidade de sentença.
Relativamente à segunda das suscitadas questões de recurso, está provado que a Ré é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que se dedica ao ensino, mais propriamente ao ensino pré-escolar como, aliás, decorre da sua própria denominação, possuindo um estabelecimento de ensino sito na sua sede social.
Também resulta da matéria de facto provada que, em 1 de Abril de 1980, a Autora foi contratada pela Ré para o desempenho de funções de Educadora de Infância estagiária, e que, tendo terminado o estágio em Janeiro de 1981, desde então desempenhou as funções de Educadora de Infância a tempo completo, sob as ordens e direcção da Ré, mediante retribuição, no âmbito de um contrato de trabalho vigente entre as partes e que, a convite da Direcção da Ré em exercício nessa altura, a partir de Janeiro de 1997 a Autora passou a desempenhar as funções de Directora do estabelecimento de ensino desta, deixando de exercer funções de Educadora de Infância, embora tivesse mantido essa categoria profissional bem como o recebimento da retribuição que, enquanto tal, lhe correspondia, incluindo os subsídios de função pré-escolar.
Provou-se, para além disso, que, ainda a convite da, então, Direcção da Ré, desde Janeiro de 1997 a Autora passou a desempenhar também as funções de Coordenadora Pedagógica.
Resulta, por outro lado, da matéria de facto assente que a Autora deixou de exercer as funções de Directora e as de Coordenadora Pedagógica do estabelecimento de ensino da Ré em 29 de Abril de 2003, data em que lhe foi, verbalmente, comunicado pelo Presidente desta que lhe era retirada a confiança e, consequentemente, deixava de exercer tais funções e que naquela data lhe era instaurado um processo prévio de inquérito com vista a fundamentar uma nota de culpa com intenção de despedimento.
Finalmente e ainda com interesse, também se demonstrou que, por carta datada de 30 de Setembro de 2003, foi comunicada à Autora a cessação do seu contrato de trabalho atenta a nulidade do mesmo por inexistência de habilitações por parte dela para o exercício de funções de Educadora de Infância.
Perante esta matéria de facto provada, um dos aspectos que dela logo resulta, é que o estabelecimento de ensino da Ré, em que a Autora, desde 1980, vinha exercendo as suas funções, inicialmente e desde Janeiro 1981 como Educadora de Infância e, posteriormente, como Directora e Coordenadora Pedagógica, não se tratava de um estabelecimento de ensino público, mas antes de um estabelecimento privado ou particular dedicado ao ensino pré-escolar, o que permite concluir que aos respectivos docentes se não poderia aplicar o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância aprovado pelo Dec. Lei n.º 139-A/90 de 28-04.
Na verdade, de acordo com o que se estipula o art. 1º n.º 1 desse Estatuto, o mesmo «.... aplica-se aos docentes em exercício efectivo de funções nos estabelecimentos de educação ou de ensino públicos.» (realce nosso), sendo certo que em qualquer dos restantes números do mesmo preceito legal se não pode enquadrar o exercício de funções da aqui Autora enquanto Educadora ao serviço da Ré.
A mesma conclusão, aliás, se podia extrair já do Dec. Lei n.º 409/89 de 18-11, que também se alude na sentença recorrida e que aprovou a estrutura da carreira do pessoal docente de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, ao estipular, no seu art. 2º n.º 1, que «O presente diploma aplica-se ao pessoal docente em exercício efectivo de funções nos estabelecimentos de educação ou de ensino públicos».
Ora, não se podendo aplicar, ao caso em apreço, aquele Estatuto, a questão que agora se nos coloca é a de saber se, ao tempo da celebração do contrato estabelecido entre ambas as partes, ou seja, em Abril de 1980, ou, pelo menos, a partir de Janeiro de 1981 depois da frequência de um estágio no período que mediou entre estas duas datas, existia algum diploma em cujo âmbito se pudesse enquadrar essa contratação e da qual resultasse a exigência de habilitações cuja falta, ao fim e ao cabo, acabou por levar à declaração de nulidade contratual por parte da aqui Ré/Apelada ao abrigo do art. 4º do RJCIT aprovado pelo Dec. Lei n.º 49.408 de 24-11-1969, como também resulta da aludida matéria de facto provada.
Já referimos que o estabelecimento da Ré em que a Autora vinha exercendo a sua actividade profissional era um estabelecimento privado ou particular dedicado ao ensino pré-escolar.
Ora, em Janeiro de 1981, vigorava já o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo aprovado pelo Dec. Lei n.º 553/80 de 21-11, o qual, no respectivo art. 3º nº 1 definia como estabelecimentos de ensino particular as «instituições criadas por pessoas singulares ou colectivas privadas em que se ministre ensino colectivo a mais de cinco alunos ou em que se desenvolvam actividades regulares de carácter educativo», designadamente na modalidade de ensino pré-escolar como resulta do disposto no art. 36º n.º 3 do mesmo diploma.
Estipula, por seu turno, o respectivo art. 45º n.º 1 que «O pessoal docente das escolas particulares exerce uma função de interesse público e tem os direitos e está sujeito aos deveres inerentes ao exercício da função docente, para além dos fixados na legislação de trabalho aplicável».
Uma das exigências ou deveres que, então, já se estabelecia no art. 48º n.º 1 do referido Estatuto, era a de que os docentes das escolas particulares possuíssem habilitações adequadas ao respectivo nível de ensino, habilitações que eram, precisamente, as exigidas aos docentes das escolas públicas como decorre do disposto no respectivo art. 50º n.º 1 e que, pelo menos a partir de 11 de Janeiro de 1990 passaram a ter de ser obtidas de acordo com o definido pelo Dec. Lei n.º 344/89 de 11-10.
Acresce que há que considerar também os Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho para as Instituições Particulares de Solidariedade Social que ao longo do tempo foram surgindo, mormente as Portarias de Regulamentação de Trabalho (PRTs) publicadas nos BTE n.ºs 31/85 de 22 de Agosto; 15/96 de 24 de Abril, nas quais, efectivamente, se estabelecem como condições específicas para a admissão dos trabalhadores com funções pedagógicas, como são os Educadores de Infância, a titularidade das habilitações legalmente exigidas.
Temos, pois, de concluir que, pese embora se não pudesse aplicar ao caso vertente o aludido Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância aprovado pelo Dec. Lei n.º 139-A/90 de 28-04, era efectivamente necessário que a Autora/Apelante dispusesse de habilitações específicas para o exercício das funções de Educadora de Infância no estabelecimento de ensino da Ré/Apelada pelas razões que deixámos expostas.
Ora, conforme também resultou demonstrado, apesar de ter frequentado o curso de Educadora de Infância na Escola C…, a Autora nunca chegou a obter o respectivo diploma, tendo a referida Escola informado a Ré, em 13 de Abril de 1981 que a Autora havia “reprovado”, sendo o terceiro ano eliminatório.
É certo que também se demonstrou que a Autora, desde o início, sempre referiu à Ré que estava a resolver administrativamente a situação quando esta lhe pedia que apresentasse documento qualificativo. No entanto, o que também é verdade é que a Autora não logrou demonstrar que tivesse, efectivamente, obtido e apresentado à Ré qualquer documento que a habilitasse no desempenho das funções de Educadora de Infância.
Alega, todavia, a Autora que ao exercer funções de Directora do Estabelecimento da Ré e de Coordenadora Pedagógica do mesmo, desde Janeiro de 1997, para o desempenho de tais funções não era necessária qualquer habilitação.
Por outro lado, alega que o exercício daquelas funções de Direcção equivalia ao desempenho das funções de Director de Serviços que nos termos da PRT para as Instituições Particulares de Solidariedade Social constitui uma categoria profissional para o exercício da qual também não era necessária qualquer habilitação.
Acontece, porém, que, contrariamente a este entendimento da Apelante, afigura-se-nos que o desempenho das funções de Coordenador Pedagógico também pressupõe a existência de habilitações específicas na área pedagógica em causa. É, aliás o que resulta do mencionado Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, ao estipular no respectivo art. 42º n.º 1 que «Em cada escola particular deve existir uma direcção pedagógica designada pela entidade titular da autorização» e ao determinar no n.º 3 deste normativo que «O exercício de funções de direcção pedagógica é equiparável, para todos os efeitos legais, à função docente» e sabemos que para o exercício desta é necessária a existência de habilitação específica pelas razões anteriormente aduzidas.
Quanto às funções de Direcção do Estabelecimento, ao invés do entendimento perfilhado pela Apelante, trata-se efectivamente de um cargo da confiança da entidade titular do estabelecimento de ensino particular, isto é da aqui Ré e daí que, como no caso em apreço se verificou, o desempenho de tais funções tivesse resultado de convite feito por esta à Autora para o exercício de um tal cargo e se mantivesse enquanto a Ré nela depositou confiança, o que sucedeu até 29 de Maio de 2003.
Não se pode, pois, equiparar esse exercício de funções ao desempenho das tarefas integradoras da categoria profissional de Director de Serviços prevista na aludida PRT.
Assim, ainda que para o exercício das funções de Direcção do Estabelecimento se não exija a detenção de quaisquer habilitações específicas, o que é certo é que o desempenho desse cargo apenas se verifica enquanto o titular do estabelecimento tiver confiança no indigitado. Aliás, não deixa de ser sintomático de que assim foi no caso em apreço, atenta a circunstância da Autora, não obstante o exercício de funções enquanto Directora do Estabelecimento da Ré e a convite desta durante mais de seis anos, não haver deixado de manter a categoria profissional de Educadora de Infância e de receber a correspondente remuneração incluindo os subsídios de função pré-escolar como ficou demonstrado.

Relativamente à terceira questão de recurso e conforme já referimos supra, demonstrou-se que, por carta datada de 30 de Setembro de 2003, a Ré comunicou à Autora a cessação do seu contrato de trabalho atenta a nulidade do mesmo por inexistência de habilitações por parte desta para o exercício de funções de Educadora de Infância.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se, por um lado, a Ré poderia ter invocado esta nulidade contratual e, por outro lado, se a ser possível, qual o regime jurídico aplicável.
Já concluímos que as funções de Educadora de Infância só podem ser exercidas por quem disponha de habilitação própria ou específica para o efeito.
Também já aludimos à circunstância de a Ré haver deixado de confiar na Autora para o desempenho das funções que, a partir de Janeiro de 1997, passou a exercer, ou seja, as funções de Directora e de Coordenadora Pedagógica do estabelecimento de ensino da Ré, para além de que o desempenho destas últimas também exigia habilitação específica.
À data da cessação do contrato de trabalho existente entre as partes, vigorava o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (RJCIT) aprovado pelo Dec. Lei n.º 49.408 de 24-11-1969, o qual estabelecia no respectivo art. 4º que «Sempre que o exercício de determinada actividade seja legalmente condicionado à posse da carteira profissional, a falta desta importa nulidade do contrato».
É certo que para o desempenho das funções de Educador de Infância não se prevê a existência de uma “carteira profissional”. Contudo, exige-se a verificação de uma condição, qual seja a da existência de habilitação própria ou específica para esse efeito por parte do trabalhador, pelas razões anteriormente expostas, o que constitui circunstância verdadeiramente similar com aquela e que, por essa razão, não poderá deixar de ter a mesma consequência jurídica no que ao contrato de trabalho diz respeito, isto é, a respectiva nulidade.
É certo que estamos perante uma situação em que existiu e foi estando em execução um contrato de trabalho desprovido da verificação de uma das condições de validade do mesmo durante diversos anos. No entanto, também se demonstrou que, desde o início que a Ré vinha pedindo à Autora para apresentar documento qualificativo, ou seja, documento justificativo das habilitações que permitissem a validação do mesmo, referindo sempre esta que estava a resolver administrativamente a situação.
Por outro lado, também se provou que a Ré em 9 e 18 de Julho de 1990 exigiu, por escrito, à Autora o diploma e esta respondeu que tinha interposto recurso junto do Ministério da Educação, juntando cópia dos seus requerimentos e que esse pedido estava pendente de apreciação, nunca esclarecendo, no entanto, qual o resultado das suas iniciativas administrativas para resolver o litígio com a Escola C… – entidade que, ao que tudo indica, era a competente para conferir a habilitação de que a Autora carecia para o exercício das funções de Educadora de Infância.
Finalmente, também se demonstrou que após a instauração de um inquérito prévio a que já fizemos anterior menção a Ré solicitou novamente e por escrito à Autora a apresentação do diploma, tendo esta respondido, em 22 de Maio de 2003, que estava a efectuar diligências junto do Jardim de Infância Escola C… para ultrapassar o problema surgido, vindo, de seguida, apresentar Certificado de Frequência do Curso.
Significa isto que, desde o início do contrato e até à respectiva cessação a Autora não demonstrou ser detentora de habilitação que lhe permitisse a celebração ou a validação de contrato de trabalho que efectivamente outorgara com a Ré para o desempenho das funções de Educadora de Infância e daí que se não possa deixar de considerar o mesmo como ferido de nulidade “ab initio” ao abrigo do preceito legal anteriormente mencionado, nulidade que a Ré, ante a atitude da Autora de não apresentação do diploma correspondente e não obstante as suas insistências para que o fizesse, decidiu invocar, pondo, desse modo, termo ao contrato de trabalho em causa.
Nada obstava, pois, a que o fizesse.
Os efeitos de uma tal declaração são os que decorrem do disposto no art. 15º do mencionado RJCIT, estabelecendo-se entre eles o que resulta do disposto no respectivo n.º 5 ao estipular que «À invocação da invalidade pela parte de má fé, estando a outra de boa fé, seguida de imediata cessação da prestação de trabalho, aplica-se o regime da rescisão sem justa causa, mas, ainda que o contrato tenha sido celebrado com prazo, a indemnização calcular-se-á nos termos do artigo 109.º[5]».
Entende a Apelante que lhe assiste o direito a esta indemnização. Todavia, para que tal pudesse suceder, era necessário que, perante a matéria de facto assente, pudéssemos concluir estar a Ré/apelada – que invocara a invalidade do contrato – de má fé e a Autora/Apelante de boa fé.
Ora, bem vistas as coisas, não podemos deixar de concluir que ambas as partes actuaram de má fé na celebração e manutenção do contrato de trabalho outorgado. Com efeito, o que se infere da matéria de facto assente é que ambas as partes sabiam da exigência da habilitação própria ou específica como “conditio sine qua non” para o desempenho das funções de Educadora de Infância por parte da Autora enquanto ao serviço da Ré e, não obstante, celebraram e mantiveram entre elas um contrato de trabalho tendo por objecto o exercício de tais funções por parte daquela, contrato que, como vimos, desde o seu início se mostrava inválido à face da Lei, sendo perfeitamente irrelevante para o caso o facto da Autora, à convite da Ré, haver desempenhado durante alguns anos as funções de Directora do estabelecimento de ensino desta, pelas razões que já tivemos oportunidade de expor e que nos dispensamos aqui de repetir.
Não assiste, pois, à Apelante o direito à reclamada indemnização por antiguidade.
Perante as conclusões já extraídas, mostra-se prejudicada a apreciação da última das suscitadas questões de recurso.

III – DECISÃO.
Nestes termos acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Registe e notifique.
Lisboa,  200/07/02


José Feteira
Filomena Carvalho
Ramalho Pinto
____________________________________________________

[1] Eliminada pelas razões expostas infra.
[2] Idem.
[3] Eliminada pelas razões expostas infra.
[4] Sumários 37º-37.
[5] Ao qual, à data da cessação do contrato, correspondia o art. 13º da LCCT aprovada pelo Dec. Lei n.º 64-A/89 de 27-02