| Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CARLOS CASTELO BRANCO | ||
| Descritores: | NULIDADE DE SENTENÇA RECORRIBILIDADE RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE | ||
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| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 07/12/2021 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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| Sumário: | I) Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 615º do CPC. II) A decisão que determina uma determinada tramitação processual, com produção ou não produção probatória, não pode entender-se como um mero despacho de expediente, por a decisão correspondente não se limitar a prover ao regular andamento do processo, tendo manifesta influência no campo do direito à prova das partes, modelando a adequação do mesmo à causa. III) De igual modo, tal decisão, na medida em que assume um juízo de “desnecessidade” da produção de outras provas, não é um despacho proferido no uso legal de um poder discricionário, no sentido de que a decisão nele tomada seja discricionária. IV) O juízo do julgador sobre o “quando necessário” a que se refere o n.º 1 do artigo 367.º do CPC traduz um poder-dever do juiz, no sentido de que este tem a faculdade de determinar ou não a produção de prova, mas, simultaneamente, tem a obrigação de ordenar as diligências de prova, quando tal se mostre necessário para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio. V) A decisão em questão, ao considerar não haver necessidade - para a boa decisão da causa -na produção de outras provas, traduz uma decisão que se pode enquadrar no âmbito de decisões tomadas pelo juiz ao abrigo do dever de gestão processual contido no artigo 6.º, n.º 1, do CPC. VI) De tais decisões não há, em princípio, recurso, a não ser que contendam “com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios” (cfr. artigo 630.º, n.º 2, segunda parte, do CPC), pelo que, a decisão de não produzir outros meios de prova, designadamente a produção de prova testemunhal requerida, contende com a admissibilidade dos atinentes meios probatórios que a parte requereu, sendo susceptível de recurso. VII) A produção de outras provas, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 367.º do CPC, não é necessária se a mesma se prefigurar, em concreto, como inútil ou impertinente. VIII) O enquadramento da atividade da requerente como CAE 47112 (“comércio a retalho em outros estabelecimentos não especializados, com predominância de produtos alimentares, bebidas ou tabaco”), de acordo com a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, Revisão 3, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro (com as alterações da Lei n.º 66/2018, de 3 de dezembro) - que o quadro comum de classificação de actividades económicas a adoptar a nível nacional – e tendo presente que ao exercício da atividade CAE 47112 (correspondente à actividade comercial da requerente) –não permite a conclusão de que seja desenvolvida por aquela, atividade de disponibilização de bens de primeira necessidade ou outros bens considerados essenciais ou que prestem serviços de primeira necessidade ou outros serviços considerados essenciais na referida conjuntura de aplicação do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro. IX) Um estabelecimento que comercializa, a título principal, queijos diversos, manteigas, presuntos, paios e outros enchidos, tostas, bolachas, azeite, vinagre, massa, atum e outros produtos em conserva, refeições pré-preparadas e congeladas, compotas, marmeladas, bolos secos, chás, águas, chocolates, bombons, bebidas alcoólicas, produtos gourmet, como azeites, vinagres, chás, flor de sal, produtos de trufas, chocolates artesanais, molho chutney, mas que não comercializa produtos de primeira necessidade, que façam parte do “cabaz primário” da alimentação (como sejam leite, fruta, água, peixe, carne, etc.), não pode considerar-se abrangido pelas exceções contidas no anexo II do referido Decreto n.º 3-A/2021, não sendo de considerar como uma mercearia, um minimercado, um supermercado ou um hipermercado. X) Nos termos previstos no artigo 377.º do CPC, o decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse depende da demonstração dos seguintes requisitos: a) Posse do requerente (“o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”, nos termos do artigo 1251º do Código Civil); b) Esbulho (sempre que ocorre ilícita privação, total ou parcial, da posse ou da possibilidade de a continuar); e c) Violência do esbulho (coação física ou moral, na pessoa do esbulhado sobre as pessoas ou sobre coisas implicando a violência, neste caso, que o possuidor fique coagido a permitir o desapossamento) XI) O encerramento do centro comercial por parte da requerida, nele englobando o encerramento da loja da recorrente, na medida em que foi efetuado em observância das prescrições legais decorrentes do estado de emergência decretado, e por estas motivado, não permite considerar como verificados os requisitos do esbulho e da violência, atenta a falta da contrariedade ao Direito ou da ilicitude da conduta levada a cabo pela requerida. XII) Ressalvada a possibilidade de apreciação em recurso de matéria de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados. XIII) A cessação de vigência de leis constitui matéria de indagação oficiosa pelo Tribunal (cfr. artigo 5.º, n.º 3, do CPC), mas, a aplicação dos efeitos decorrentes de tal cessação assentes em pressuposto fáctico que não foi introduzido nos autos no momento próprio (como a invocação de que o estabelecimento da requerente permaneceu encerrado após a data de cessação de vigência dos diplomas com base nos quais foi determinado o seu encerramento), apenas tendo sido invocado em sede recursória, consubstancia a dedução de uma “questão nova”, cujo conhecimento, na instância de recurso, se encontra vedado. | ||
| Decisão Texto Parcial: |  | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: B…, LDA., identificada nos autos, requereu a presente providência cautelar para Restituição Provisória de Posse, na qual é requerida V…, LDA., também identificada nos autos, pedindo que lhe seja restituída provisoriamente a posse da loja nº … do Centro Comercial … e a intimação da Requerida para reabrir as portas externas do referido Centro adjacentes à Av.ª …, às horas de expediente permitidos pelo atual confinamento decretado pelo estado de emergência, pelo menos delimitada às zonas que se revelarem estritamente necessárias a assegurar o acesso através da via pública da Requerente e da sua regular clientela ao estabelecimento “Li… …” ali instalado, assim como o restabelecimento do fornecimento de água e energia elétrica àquele locado. Alegou a requerente, em síntese, que: - Entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento referente à utilização da loja nº … existente no Centro Comercial …, destinado ao exercício exclusivo pela Requerente da atividade de comércio de produtos alimentares embalados, vinhos e outras bebidas alcoólicas; - Nessa loja a Requerente instalou o seu estabelecimento comercial denominado “Li.. …” onde, entre outros produtos e mais concretamente, comercializa queijos diversos, manteigas, presuntos, paios e outros enchidos, tostas, bolachas, azeite, vinagre, massa, atum e outros produtos em conserva, refeições pré-preparadas e congeladas, compotas, marmeladas, bolos secos, chás, águas, chocolates, bombons, etc, os quais são produtos de primeira necessidade; - O invocado arrendamento foi celebrado pelo prazo de 11 meses, com início em 01-03-2020 e termo em 31-01-2021; - Por via do referido contrato, a Requerida obrigou-se a facultar à Requerente a utilização da loja nº …, assim como a franquiar-lhe o acesso às áreas de utilização comum do Centro Comercial…, designadamente, corredores, elevadores, escadas e instalações sanitárias e comprometeu-se a disponibilizar-lhe serviços de apoio, nomeadamente, serviços de limpeza, manutenção e conservação das partes comuns do dito Centro, seus equipamentos de utilização comum, assim como serviço de segurança; - A Requerida vinculou-se a disponibilizar à loja nº…, de que a Requerente é arrendatária, o fornecimento de água e de energia elétrica, mediante o pagamento por esta última da quantia mensal que lhe couber nos correspondentes consumos, a determinar mensalmente pela leitura dos contadores por aquela no locado a instalar para o efeito; - Através de carta datada de 29-12-2020, a Requerida comunicou à Requerente que não pretendia negociar nem celebrar com esta última novo contrato de arrendamento, pelo que o prazo do contrato dos autos terminaria em 31-01-2021, com a sua consequente caducidade, tendo-lhe igualmente nessa missiva solicitado a entrega da loja nº …; - Por carta de 08-01-2021, a Requerente respondeu à Requerida, informando-a que, de harmonia com a legislação então em vigor, os efeitos extintivo-contratuais decorrentes da caducidade do contrato de arrendamento encontram-se suspensos até 30-06-2021, tendo-se, com esse fundamento, oposto à devolução da arrendada loja nº …; - Em 14-01-2021, a Requerida encarregou o funcionário de segurança do Centro de proceder à contagem antecipada dos consumos constantes dos contadores de água e de energia elétrica da loja nº…, o qual informalmente informou os funcionários da Requerente que aquela iria encerrar o Centro Comercial… e que deveriam deixar as luzes da loja apagadas; - Perante a iminência do referido encerramento, a Requerente expediu no mesmo dia para a Requerida postalmente e também entregue em mão própria, bem como por e-mail uma carta, por via da qual lhe comunicou que o respetivo estabelecimento “Li……”, atenta a respetiva atividade, constitui uma das exceções ao encerramento motivado pelo confinamento determinado pelo estado de emergência, pelo que lhe solicitou que o dito Centro se mantivesse aberto, de modo ao público poder aceder ao dito estabelecimento; - Em 15-01-2021, a Requerida determinou a não abertura das portas externas de acesso da via pública ao Centro Comercial …, mantendo a respetiva iluminação interna desligada e tendo dali desafetado os agentes de segurança, com isso o tendo encerrado; - A Requerente teve posteriormente acesso a um e-mail que a Requerida em 11-01-2021 expediu para todos os outros lojistas, com exceção daquela, por via do qual os informou que, face ao confinamento de 15 ou 30 dias que o Governo iria decretar, o Centro Comercial … seria obrigado a encerrar, pelo que deveriam retirar tudo quanto lhes aprouvesse das respetivas lojas antes de 15 de Janeiro; - A Requerida cortou o abastecimento de energia elétrica à loja nº …, o que teve por consequência a desativação das respetivas câmaras internas de vigilância e das 4 câmaras frigoríficas do estabelecimento “Li……” que deixaram de funcionar, com o consequente descongelamento e deterioração dos produtos congelados ali armazenados para venda ao público; - Em 29-01-2021, a Requerida retirou das portas de acesso ao dito Centro Comercial todos os avisos de licenciamento oficial do respectivo funcionamento e correspondente horário, assim como demais comunicações legais obrigatórias, nomeadamente o alvará, que anteriormente ali se encontravam afixadas, assim como ocultou a porta da entrada da loja nº …, mediante a aposição de uma placa amovível de coloração negra; - Mercê dessas sucessivas ocorrências, a Requerente passou a encontrar-se impedida de aceder ao seu estabelecimento “Li…”, o que, por seu turno, impede que o mesmo labore normalmente e a ele não possa afluir a sua normal clientela; - A Requerente expediu em 25/01/2021 para a Requerida uma carta, que seguiu também por email, por via da qual lhe reiterou os fundamentos anteriormente vertidos nas missivas datadas de 8 e 14/01/2021, tendo-lhe igualmente aí exigido que procedesse à imediata reabertura das portas externas do Centro Comercial…, por forma a que se pudesse aceder à loja nº… e se permitisse o normal funcionamento e faturação do estabelecimento ”Li……” aí instalado; - Até à data a Requerida nada respondeu, nem reabriu o Centro Comercial…, o que impede a Requerente de manter em normal funcionamento o seu referido estabelecimento e de aí aceder, privando-a da respectiva posse; - Muitas das mercadorias existentes na loja nº … acabarão por perecer, não só atento o curto prazo de validade para consumo de que dispõem, mas também pelo respetivo descongelamento determinado pelo corte de fornecimento de energia elétrica; e - O cenário de insolvência da Requerente é altamente provável de se consumar, o que lhe causará gravíssima e dificilmente reparável lesão dos seus direitos. * Citada, a requerida apresentou oposição, invocando, em suma, que: - A Requerente não vende bens de primeira necessidade; - O encerramento do Centro Comercial … ocorreu no dia 15 de Janeiro por força de decisão administrativa/legislativa que, no âmbito da situação de declaração de Estado de Emergência que, com sucessivas renovações com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, se encontra em vigor desde novembro de 2020, ordenou o confinamento geral obrigatório e o encerramento de todas as atividades não essenciais; - Em 13 de Janeiro de 2021, por força do Decreto do Presidente da República n.º 6- B/2021, foi renovado o Estado de Emergência, iniciando-se essa renovação às 00h00 do dia 16 de janeiro de 2021 e cessando às 23h59 do dia 30 de janeiro de 2021, sem prejuízo de eventuais renovações, nos termos da lei; - O Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de Janeiro, regulamentou o estado de emergência decretado pelo Senhor Presidente da República; - O artigo 15.º do referido Decreto n.º 3-A/2021, determinou a suspensão de todas as atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços em estabelecimentos abertos ao público, ou de modo itinerante, com exceção daquelas que disponibilizem bens de primeira necessidade ou outros bens considerados essenciais na presente conjuntura e que se encontram elencadas no anexo II ao referido decreto; - A Requerente não desenvolve nenhuma das atividades elencadas no referido Anexo II do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de Janeiro; - A Requerente, no final do dia 15 de Janeiro de 2021, ou seja, algumas horas antes do início do confinamento decretado e imposto pelo Governo, colocou na montra da loja nº … (Li……), informação direcionada aos seus clientes, sobre os meios de contactos disponíveis (eletrónico e digital); - Em estrita obediência ao decretado pelo Governo de Portugal, a Requerida procedeu no dia 16 de Janeiro de 2021 ao encerramento das portas exteriores do Centro Comercial …; - Em 28 de Janeiro de 2021, por força do Decreto do Presidente da República n.º 9- A/2021, foi novamente renovado o Estado de Emergência, iniciando-se essa renovação às 00h00 do dia 31 de janeiro de 2021 e cessando às 23h59 do dia 14 de fevereiro de 2021, sem prejuízo de eventuais renovações, nos termos da lei; - O Decreto n.º 3-D/2021, de 29 de janeiro, regulamentou o estado de emergência decretado pelo Senhor Presidente da República e prorroga a vigência do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro, na sua redação atual, é prorrogada até às 23:59 h do dia 14 de fevereiro de 2021; - A atividade exercida pela Requerente na loja …do centro …é a venda de vinhos e gin e a título meramente acessório a venda de alguns produtos gourmet, não constando tal atividade do anexo II do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro; - A Requerida apenas fechou o Centro Comercial no dia 16 de janeiro de 2021, por a isso estar legalmente obrigada; - As câmaras internas de vigilância existentes no interior da loja…, bem como as câmaras frigorificas não foram desligadas pela Requerida, uma vez, que o abastecimento de energia elétrica, à loja …, apenas pode ser cortado através do quadro elétrico existente no interior da loja; - A Requerente, à revelia da Requerida e em flagrante violação das suas obrigações contratuais, trocou a fechadura da loja nº …, sem previamente comunicar à Requerida essa alteração e, sem posteriormente, ter facultado cópia da nova chave da loja à Requerida; - Seria de todo impossível à Requerida interromper o abastecimento de energia à loja nº …, na medida em que, esse abastecimento, é controlado através de um quadro elétrico existente no interior da loja e a Requerida, na altura dos factos, não possuía a chave de acesso à loja; - A Requerente é a única responsável pelo desligamento das câmaras frigorificas (pois era quem detinha as chaves de acesso à loja onde se situa o quadro elétrico dessa loja); - Foi a própria Requerente quem ordenou que fossem desligadas as arcas frigorificas que se encontram o interior da loja nº…; - E que terá aberto a água na loja nº…; - O que provocou inundação e diversos danos no piso inferior do Centro Comercial; - Uma vez que que a água continuava a correr e a Requerente não se deslocou para resolver o problema, nem facultou a cópia das chaves à Requerida, esta última, não teve outra solução, que não a de cortar o abastecimento de água à loja … para evitar que a inundação continuasse; - No dia 29-01-2021 a Requerida foi informada pelo vigilante de serviço do Grupo 8 de que a posição das câmaras existentes no interior da loja… tinham sido direcionadas para o exterior da loja, para a zona comum do centro comercial, apanhando imagens da porta de entrada do centro comercial, do corredor do centro comercial, bem como, de outras lojas e da via pública; - Este facto constitui um grave abuso praticado pela Requerente, e uma devassa da privacidade dos transeuntes que passavam na Avenida… em frente ao centro comercial e dos lojistas que se encontravam, naquele dia, a retirar os seus bens e mercadorias das lojas (nomeadamente, o lojista da loja …5:) bem como, do pessoal que realizava trabalhos de manutenção nas partes comuns, naquele piso; - Em resposta à carta da Requerente datada de 25 de janeiro de 2021, a Requerida respondeu, por e-mail, no dia 17 de fevereiro de 2021, a indicar que a loja nº … é uma loja de venda de bebidas alcoólicas e que como tal não pode abrir ao público; - A atividade exercida na loja não se enquadra em nenhuma das atividades listadas no Anexo II do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro, listagem essa que se mantem atualmente em vigor, por força do disposto no Decreto n.º 3-D/2021, de 29 de janeiro; e - O encerramento do centro comercial ao público foi determinado por uma ordem administrativa / legal que a Requerida, bem como a Requerente, estão obrigadas a cumprir. * Por requerimento apresentado em 05/04/2021, a Requerente pediu a condenação como litigante de má fé da Requerida, tendo esta respondido por requerimento de 21/04/2021. * Em 03-05-2021, considerando os documentos juntos e sem necessidade de inquirição de testemunhas, foi proferida decisão final que julgou improcedente o procedimento cautelar, indeferindo o seu decretamento e julgando improcedente o pedido de condenação da requerida como litigante de má fé, absolvendo-a do mesmo. * Não se conformando com a decisão proferida, dela apela a requerente, pugnando pela revogação da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões: “A – Conforme alegado e demonstrado nos arts. nº 7, 11 e 12 das alegações que antecedem, dos autos constam inúmeros meios de prova, designadamente um documento autêntico que faz prova plena em Juízo, que evidenciam que no estabelecimento comercial “Li……” a Recorrente comercializava produtos alimentares considerados essenciais e de primeira necessidade, pelo que atentas as posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados, a questão é controvertida, logo não poderia ter sido decidida como efectivamente foi na sentença recorrida. B – A Sra. Juiz “a quo” ao ter ignorado e não ter valorizado todos os invocados meios de prova, tendo dado prevalência a um só deles, cuja força probatória havia sido impugnada pela Recorrente, prescindindo da produção de prova adicional, designadamente de natureza testemunhal, violou o disposto nos art. 362º, 363º nº 1, 370 nº 1 e 371º nº 1 do Cod. Civil e nos art. 367º nº 1 e 607º nº 4 do Cod. Proc. Civil, pelo que com esse fundamento deve ser revogada. C – Acresce que os produtos alimentares comercializados pela Recorrente no seu estabelecimento “Li……” integram-se no conceito de bens de primeira necessidade, conforme lista do Município do … e os mesmos, em conjugação com bebidas alcoólicas, nunca deixaram de ser comercializados em supermercados e mercearias, designadamente no “El Corte Inglés”, onde estavam disponíveis para venda produtos gourmet, logo o estabelecimento dos autos, pelo tipo de produtos alimentares que vende não pode deixar de ser considerado como uma mercearia. D – Ao se ter decidido de modo diverso na sentença recorrida, resulta evidente que a factualidade subjacente a estes autos e a descrita conduta da Recorrida configuram um esbulho violento, pelo que foi violado o disposto no art. 1276º do Cod. Civil, no art. 377º do Cod. Proc. Civil e no art. 15º nº 1 e nº 1, 2 e 52 do anexo II ao Decreto da Presidência de Conselho de Ministros nº 3-A/2021 de 14 de Janeiro e disposições equivalentes dos diplomas legais a que se refere o nº 24 das alegações que antecedem, pelo que com esse fundamento deve semelhante decisão ser igualmente revogada, decretando-se de imediato a requerida providência. E – Quando a sentença recorrida foi proferida, já não estava em vigor desde 5 de Abril o Decreto da Presidência de Conselho de Ministros nº 3-A/2021 de 14 de Janeiro assim como os diplomas legais invocados no nº 24 das alegações que antecedem, pelo que nada obstava à decretação da requerida providência, dado que, nesse contexto e inexistindo as restrições invocados na referida decisão, o esbulho violento era flagrante. F - Ao se ter decidido diversamente na sentença recorrida, aplicando-se legislação que já não se encontrava em vigor, violou-se o disposto no art.1.276º do Cod. Civil e o no art. 377º do Cod. Proc. Civil, pelo que esse fundamento deve a mesma ser revogada e substituída por outra que decrete de imediato a requerida providência. G – Ao não ter minimamente fundamentado o segmento da sentença “sub judice” em que se julgou inexistir litigância de má-fé da Recorrida, de cujo incidente esta foi absolvida, violou-se o disposto no art. 607º nº 3 do Cod. Proc. Civil, pecando semelhante decisão do vício de nulidade previsto no art. 615º b) do mesmo Código, o que seve ser declarado, com a sua consequente revogação”. * Foram apresentadas contra-alegações pela requerida concluindo que deve ser negado provimento ao recurso, tendo formulado as seguintes conclusões: “I. Dos autos constam inúmeros meios de prova, designadamente a certidão de registo comercial da Requerente, o objeto do contrato de arrendamento e as fotografias da loja Li…… juntas no documento 3 da Oposição, que demonstram qua a atividade exercida na loja é a venda de vinho e de outras bebidas alcoólicas e de produtos gourmet (chutneys, chás, compotas, azeite e vinagres gourmet); II. A venda de bebidas alcoólicas e produtos gourmet (chutneys, chás, compotas, azeite e vinagres gourmet), não reveste a natureza de venda de bens essenciais e/ou de primeira necessidade; III. Termos em que a decisão da Mma Juiz a quo de considerar que o processo já dispunha de todos os elementos necessários à sua tomada de decisão, e optar por não proceder à inquirição das testemunhas arroladas pelas Partes, foi tomada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 367º do CPC, sendo legal e não merecendo qualquer censura; IV. Pelo que, muito bem esteve a Mma Juiz a quo quando, dentro dos seus poderes de direção do processo com o objetivo de conseguir uma decisão urgente e evitando actos desnecessários ou dilatórios, julgou a presente providência; V. A Mma Juiz a quo aplicou corretamente a lei e não violou o disposto nos artigos 362º, 363º nº 1, 370 nº 1 e 371º nº 1 do Código Civil e nos art. 367º nº 1 e 607º nº 4 do Código de Processo Civil, pelo que, a sentença recorrida fez uma correta aplicação de direito, devendo ser mantida; VI. O encerramento do Centro Comercial … em 16 de janeiro de 2021, ocorreu por imposição legal (Estado de Emergência) e não constituiu nenhum acto de esbulho e/ou de violência; VII. Não tendo sido violado o disposto no art. 1276º do Código Civil, no art. 377º do Código de Processo Civil e no art. 15º nº 1 e nº 1, 2 e 52 do anexo II ao Decreto da Presidência de Conselho de Ministros nº 3-A/2021 de 14 de Janeiro e disposições equivalentes dos diplomas legais que procederam à renovação e regulamentação do Estado de Emergência; VIII. É falso que a Mma Juiz a quo tenha aplicando ao presente caso legislação que já não se encontrava em vigor; IX. A providência cautelar objeto dos presentes autos tem como pedido a entrega da loja à ora Apelante, a intimação para realizar diariamente à abertura e fecho, às horas de expediente permitidos pelo confinamento decretado pelo estado de emergência decretado na altura, das portas exteriores do Centro Comercial…, e, simultaneamente, efectuar o regular abastecimento de água e energia eléctrica à referida loja, assegurando deste modo à Requerente o integral gozo e fruição do mencionado locado, o funcionamento do estabelecimento comercial “Li……” e o livre acesso ao mesmo por esta última e sua clientela, com abstenção de todo e qualquer acto que limite, restrinja ou impeça o exercício dos referidos direitos, pelo menos até 30 de Junho de 2021, assim como, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento da referida providência, nos termos do disposto nos art.º 829º A nº 1 do Cod. Civil e 365º nº 2 do Cod. Proc. Civil, seguindo-se até final os ulteriores termos do processo previstos nos artºs 366º nº 6, 367º e 372º do Proc. Cod. Civil, com todas as devidas e legais consequências, X. Para fundamentar o seu pedido de restituição provisória da posse, a ora Apelante invocou ter sido esbulhada com violência pelo facto de, em 16 de janeiro de 2021, a Apelada ter encerrado o Centro Comercial… (centro comercial onde se insere a loja da Apelante); XI. A Mma Juiz a quo, tinha que verificar, como fez, se na data indicada pela Requerente e ora Apelante (o dia 16 de janeiro de 2021), existiu esbulho e violência e, consequentemente, tinha que verificar a existência ou não desses pressupostos à luz dos normativos legais em vigor na referida data. XII. Termos em que é falso que a Mma Juiz a quo tenha aplicado legislação que já não se encontrava em vigor; XIII. Não existiu qualquer violação pela Mma Juiz a quo do disposto no art.1.276º do Código Civil ou do art. 377º do Código de Processo Civil; XIV. Era à Requerente e ora Apelante que cumpria ter demonstrado, pelo menos de forma indiciária, que tinha sido esbulhada e com violência; XV. O que não foi feito; XVI. A Requerente e ora Apelante não demonstrou que tenha ocorrido esbulho por parte da Requerida; XVII. Nem demonstrou que tenha ocorrido violência; XVIII. A Requerida e ora Apelada limitou-se a aplicar a legislação de Estado de Emergência! XIX. Tendo o Centro Comercial e, consequentemente a loja da Requerente e ora Apelante, sido encerrado por determinação legal! Acresce que: XX. É falso que a Mma Juiz a quo não tenha fundamentado minimamente o segmento da sentença recorrida em que se julgou inexistir litigância de má fé da Recorrida; XXI. Não existiu qualquer violação do disposto no art. 607º nº 3 do Código de Processo Civil; XXII. Nem existe o vício de nulidade previsto no art. 615º b) do Código de Processo Civil; XXIII. Termos em que a sentença recorrida não merece qualquer censura devendo ser mantida; XXIV. A decisão de entender que o processo já compreende todos os elementos necessários à tomada de decisão e de proferir sentença é um despacho de mero expediente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 152º nº 4 do CPC; XXV. Dos despachos de mero expediente não é admissível recurso nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 630º do Código de Processo Civil; XXVI. Ainda que o tribunal visse a considerar não se estar perante um despacho de mero expediente - o que não se concede, e apenas por mero dever legal de patrocínio aqui se refere - sempre diria a ora Recorrida em sua defesa que o recuso deveria ser rejeitado porquanto, a decisão de não produção de prova testemunhal foi tomada no uso legal de um poder discricionário, decidindo uma matéria confiada ao prudente arbítrio do julgador (nº 4 do artº 152º do CPC), que foi proferido dentro dos deveres de gestão processual (artigo 6º do CPC), em que a Mma Juiz a quo – muito bem – entendeu estar na posse de todos os elementos necessários à sua tomada de decisão; XXVII. Nesta medida, estando perante o uso legal de um poder discricionário (nº 4 in fine do artigo 152º do CPC), não é admissível recurso nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 630º do CPC; XXVIII. O prejuízo resultante para a Requerida e ora Apelada do decretamento da presente providência cautelar excede consideravelmente o dano que com ela a Requerente e ora Apelante pretende alegadamente evitar; XXIX. Termos em que, o decretamento da presente providência cautelar sempre teria que ser recusado pelo tribunal, por ser desproporcional, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 368º do CPC”. * Em 11-06-2021 foi proferido despacho a admitir o recurso interposto. * Foram colhidos os vistos legais. * 2. Questões a decidir: Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são: A) Se a decisão recorrida é nula, atento o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, por falta de fundamentação na decisão que julgou inexistir litigância de má fé da requerida? B) Se existe motivo para a rejeição do recurso por, do despacho que considerou ser desnecessária a produção de outra prova, não ser admissível recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 630.º do CPC? C) Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 362º, 363º nº 1, 370 nº 1 e 371º nº 1 do CC e nos art. 367º nº 1 e 607º nº 4 do CPC, ao ter prescindido da produção de prova adicional, designadamente testemunhal? D) Se se mostravam verificados os requisitos legais para o decretamento da providência cautelar de restituição provisória de posse? * 3. Enquadramento de facto: * A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO INDICIARIAMENTE PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE: 1) A Requerente é uma sociedade que tem como objeto o comércio de produtos alimentares embalados, vinhos e bebidas alcoólicas, conforme Certidão Permanente junta como Doc. 1 com o requerimento inicial, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido. 2) A Requerida é proprietária de um edifício, onde se encontra instalado um Centro Comercial denominado Centro Comercial…, sito na …em Lisboa. 3) Desde 1 de Abril de 2011 que a Requerente ocupa a loja nº … do referido Centro Comercial, sendo que inicialmente o fez sem título formalizado. 4) Esta situação foi regularizada por contrato de arrendamento subscrito pela Requerente e pela Requerida com início em 1 de Março de 2020 e termo em 31 de janeiro de 2021, por via do qual, nos termos da respetiva cláusula 1ª, esta última conferiu àquela o direito à utilização da referida loja nº…, conforme escrito junto como Doc. 2 com o requerimento inicial, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido. 5) O contrato referido no facto anterior foi celebrado na sequência de transação homologada por sentença datada de 17/06/2020 proferida no Processo nº ..7/16.9T8LSB, que correu termos no Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 18, em que a aqui Requerida figurava como Autora e a aqui Requerente figurava como Ré, que previu que as partes acordam no arrendamento pela A. à Ré da loja nº …do imóvel dos autos com início em 1 de março de 2020 e termo em 31 de janeiro de 2021, conforme escritos juntos como Doc. 1 e 2 com a oposição, cujos teores dão-se aqui por integralmente reproduzidos. 6) Nessa loja, a Requerente instalou o seu estabelecimento comercial denominado “Li……”. 7) Por via do referido contrato, a Requerida obrigou-se a facultar à Requerente a utilização da loja nº…, assim como a franquiar-lhe o acesso às áreas de utilização comum do Centro Comercial…, designadamente, corredores, elevadores, escadas e instalações sanitárias, igualmente se tendo comprometido a disponibilizar-lhe serviços de apoio, nomeadamente, serviços de limpeza, manutenção e conservação das partes comuns do dito Centro, seus equipamentos de utilização comum, assim como serviço de segurança. 8) Através de carta datada de 29/12/2020, a Requerida comunicou à Requerente que não pretendia negociar nem celebrar com esta última novo contrato de arrendamento, pelo que o prazo do contrato dos autos terminaria em 31/01/2021, com a sua consequente caducidade, tendo-lhe igualmente nessa missiva solicitado a entrega da loja nº …, conforme escrito junto como Doc. 10 com o requerimento inicial, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido. 9) Por carta de 08/01/2021 a Requerente respondeu à Requerida, informando-a que, de harmonia com a legislação então em vigor, os efeitos extintivo-contratuais decorrentes da caducidade do contrato de arrendamento encontram-se suspensos até 30/06/2021, tendo-se, com esse fundamento, oposto à devolução da loja nº …, conforme escrito junto como Doc. 11 com o requerimento inicial, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido. 10) Em 15/01/2021, a Requerida determinou a não abertura das portas externas de acesso da via pública ao Centro Comercial …, mantendo a respetiva iluminação interna desligada e tendo dali desafetado os agentes de segurança, com isso o tendo encerrado. 11) Os produtos comercializados pela Requerente são bebidas alcoólicas e produtos gourmet de luxo, conforme resulta da publicitação de produtos no site da Requerente junta como Doc. 2 com a Oposição, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido. * 4. Enquadramento jurídico: * A) Se a decisão recorrida é nula, atento o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, por falta de fundamentação na decisão que julgou inexistir litigância de má fé da requerida? Invoca a requerente que a decisão recorrida peca por total ausência de fundamentação, no que se refere à apreciação da litigância de má fé da recorrida, dizendo que, “a este respeito, no segmento da sentença ora sob análise, a Sra. Juiz “a quo” limitou-se, singela e laconicamente, a decidir que “da conduta processual da Requerida não resulta que a mesma tenha litigado com má-fé em nenhuma das modalidades previstas no art. 542 nº 2 do CPC, pelo que cumpre julgar improcedente este pedido e absolve-la do mesmo””. Entende, por isso, ter sido violado o preceituado no artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ocorrendo o vício de nulidade previsto no artigo 615.º, b) do mesmo Código. Vejamos: Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Sobre a nulidade por falta de fundamentação, “o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, p. 140). Na verdade, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artº 615º. A fundamentação deficiente, medíocre, incompleta ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-04-1975, in BMJ 246º, p. 131; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-03-1980, in BMJ 300º, P.438; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-07-1982, in BMJ 319º, p.343, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2012, P.º 983/11.5TBPBL.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-12-2012, P.º 5313/11.3YYLSB-A.E1, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-03-2018, Processo 908/17.4T8FNC-B.L1-8, relatora TERESA PRAZERES PAIS e o Acórdão do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-03-2016, Processo 171/15.1T8AVR.P1, relatora PAULA MARIA ROBERTO). No caso, ao contrário do invocado pela requerente, a decisão recorrida contém expressa alusão ao fundamento da decisão de improcedência tomada a respeito do incidente de litigância de má fé da requerida, suscitado pela recorrente. Conforme resulta da decisão recorrida, a mesma louva-se, para uma tal decisão, na apreciação efetuada pelo Tribunal recorrido “da conduta processual da Requerida”. Olhando à decisão recorrida, conjugada, claro está, com os factos que indiciariamente resultaram apurados, verifica-se que nela se apresenta uma perceptível argumentação jurídica, ainda que sucinta, tendo sido dito o essencial, com um conteúdo, fundamentos e decisão, perfeitamente inteligíveis: foi feita uma correlação entre o comportamento solicitado pela requerente e a ausência de verificação dos pressupostos de facto e de direito para a condenação da requerida como litigante de má fé, em qualquer “das modalidades previstas no art. 542.º, n.º 2, do CPC”, tendo sido cumprido, de forma suficiente, o dever de fundamentação que se impunha ao tribunal (cfr. artigo 205.º, n.º 1 da Constituição e artigo 154º do CPC). E, como tal, resta concluir pela improcedência da arguição de nulidade da decisão recorrida, fundada no artº 615º, nº 1, al. b), do CPC. Já questão diversa é a discordância com os fundamentos sucintamente enunciados, mas aí a divergência já não se resolve no plano da nulidade da sentença, sim no do eventual erro de julgamento inscrito na decisão recorrida, o que coloca a questão no plano da sua eventual revogação por ilegalidade. * B) Se existe motivo para a rejeição do recurso por, do despacho que considerou ser desnecessária a produção de outra prova, não ser admissível recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 630.º do CPC? A recorrida, nas contra-alegações que apresentou, veio invocar, nomeadamente, o seguinte: “(…) O Mmo Juiz a quo pode conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória. O princípio da livre apreciação da prova é um princípio atinente à prova, que determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjectiva e, por isso, deve ser motivada. A motivação da convicção apresenta-se, pois, como o meio de controlo da decisão de facto, em ordem a garantir a objetividade e a genuinidade da convicção formada pelo tribunal. Pela Mma juiz a quo, foi realizado um exame crítico das provas que serviram de base à formação da sua convicção, indicando na Sentença o raciocínio subjacente à convicção, designadamente a razão pela qual se valorizou determinado um meio de prova em detrimento de outro. Termos em que, o despacho de indeferimento objeto do presente recurso não enferma de nenhum vicio ou ilegalidade, não merecendo qualquer censura. A Mma Juiz a quo limitou-se a determinar a legal tramitação do processo numa decisão de mero expediente. Nesta medida, sendo a dispensa de produção de prova adicional um despacho de mero expediente, do mesmo não é admissível recurso nos termos e para os efeitos do disposto no art. 630º do CPC. Ainda que o tribunal viesse a considerar não se estar perante um despacho de mero expediente, o que não se concede, e apenas por mero dever legal de patrocínio aqui se refere, sempre se diria ainda que o recuso deveria ser rejeitado, nesta parte, porquanto: O Despacho de rejeição proferido pela Mma Juiz a quo, é um despacho proferido no uso legal de um poder discricionário, decidindo uma matéria confiada ao prudente arbítrio do julgador (nº 4 do artº 152º do CPC), que foi proferido dentro dos deveres de gestão processual (artigo 6º do CPC), em que o Mmo Juiz a quo – muito bem – decidiu ter elementos bastantes para poder proferir uma decisão. Nesta medida, sendo o despacho recorrido um despacho proferido no uso legal de um poder discricionário, do mesmo não é admissível recurso nos termos e para os efeitos do disposto no art. 630º do CPC. Termos em que a admissão do presente recurso, na parte respeitante à impugnação do despacho de dispensa de produção de prova adicional, sempre terá que ser recusada (…)”. O despacho de 11-06-2021 admitiu o recurso interposto. Vejamos se existe motivo para a rejeição do recurso, considerando que nos termos do artigo 641.º, n.º 5, do CPC, a decisão que admita o recurso, não vincula o tribunal superior. Questiona-se, pois, se o despacho que determina que não se mostra necessária a produção de outras provas – designadamente, a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes – é um despacho irrecorrível? A recorrente entende que a resposta à questão deve ser afirmativa, quer por entender que o despacho em questão traduz uma decisão de mero expediente, quer por considerar que se trata de um despacho proferido no uso legal de um poder discricionário, “decidindo uma matéria confiada ao prudente arbítrio do julgador (nº 4 do artº 152º do CPC), que foi proferido dentro dos deveres de gestão processual (artigo 6º do CPC)”, o que levaria à irrecorribilidade de tal decisão, nos termos do artigo 630.º do CPC. Vejamos: O artigo 630.º do CPC – com a epígrafe “Despachos que não admitem recurso” – prescreve o seguinte: “1 - Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. 2 - Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.”. Os despachos de “mero expediente” são aqueles que se destinam a prover ao andamento do processo, de acordo com a tramitação legalmente prescrita: “os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes” (cfr. artigo 152.º, n.º 4, primeira parte, do CPC). “Trata-se de decisões que têm por objeto somente a regulação dos termos do processo, pelo que não julgam nenhuma questão material ou processual; em consequência, não alteram a situação material ou processual das partes, não fazendo caso julgado” (assim, Rui Pinto; Manual do Recurso Civil; Vol I, AAFDL Editora, 2020, pp. 266-267, nota 1102). Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-03-2007 (Pº 320/03.2TBCLB-C.C1, rel. ANTÓNIO PIÇARRA), “entre as excepções ao princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais, figuram os despachos de mero expediente pois, destinando-se apenas a prover o regular andamento do processo, é patente que não interferem no conflito de interesses entre as partes, nem definem os direitos que a cada uma delas cabe”. Assim, a natureza do despacho de mero expediente não se compadece com a possibilidade de reapreciação por tribunal superior (cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. III, p. 16). Por seu turno, consideram-se “proferidos no uso legal de um poder discricionário”, “os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador” (cfr. artigo 152.º, n.º 4, segunda parte, do CPC). “O poder discricionário do juiz é o que resulta da concessão pelo legislador de uma certa margem de liberdade, traduzida num poder de escolha insindicável. Ele está presente quando é outorgado ao juiz o poder de decidir, dentro de uma série de soluções admitidas pela lei, aquela que o julgador entenda ser mais idónea à satisfação do interesse tutelado pela norma. Esta série de soluções tanto pode ser integrada por apenas duas – uma certa decisão ou a abstenção de intervir, de que é exemplo a norma contida no art. 594.º, n.º 1 (…) -, como para chegar a ser uma série extensa, compreendendo a alternativa entre a abstenção e uma de várias decisões – por exemplo, veja-se a norma prevista no 597.º, na opção sobre o caminho a seguir, isto é, o acto a praticar, e já não sobre o conteúdo deste” (assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro; Primeiras Notas ao Código de Processo Civil – Os artigos da reforma; Vol. II, Almedina, 2014, p. 23). “São no uso legal de um poder discricionário os despachos proferidos ao abrigo de uma disposição que, perante determinado circunstancialismo, lhe confere uma ou mais alternativas de opção, entre as quais deve escolher em seu prudente arbítrio e em atenção aos fins do processo civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-12-2004, Pº 9255/2004-7, rel. PIMENTEL MARCOS). Outros exemplos: “São discricionárias as ordens (determinações) proferidas ao abrigo dos artigos (e neles descritas) 92.º, n.º 1 (decisão de sobrestar na decisão), 123.º, n.º 1 (requisição de esclarecimentos), 273.º, n.º 1 (remessa do processo para mediação, não havendo oposição expressa), 490.º, n.º 1 (realização de inspeção judicial) [em sentido contrário, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03-11-2016, Pº 211/05.2TBARL-E.E1, rel. MÁRIO SERRANO], 494.º (realização de verificação não judicial qualificada), 569.º, n.º 5 (prorrogação do prazo da contestação), 594.º, n.º 1 (convocação de uma tentativa de conciliação ad hoc), 597.º (opção sobre o acto a praticar; não sobre o seu conteúdo), 601.º, n.º 1 (designação de técnico), 604.º n.º 8 (alteração da ordem da produção de prova e audição simultânea de testemunhas), 643.º, n.º 5 (requisição de esclarecimentos ou de certidões), 864.º, n.º 2 (diferimento de desocupação do locado), 927.º, n.º 3 (decisão no caso de divisão em substância), e 953.º, n.º 4 (decisão de repartição de avarias)” (assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro; Primeiras Notas ao Código de Processo Civil – Os artigos da reforma; Vol. II, Almedina, 2014, p. 24). De acordo com o despacho proferido nos autos em 09-03-2021, o Tribunal recorrido determinou a citação da requerida para, querendo, apresentar oposição, em conformidade com o disposto no artigo 366.º, n.º 1, do CPC. A providência requerida de restituição provisória da posse prescinde da citação do requerido, atento o regime previsto no artigo 378.º do CPC. Contudo, no caso de não se verificarem as circunstâncias previstas no artigo 377.º do CPC, determina o artigo 379.º do CPC que a defesa da posse se faça por meio de providência cautelar comum, caso em que serão aplicáveis as disposições dos artigos 362.º e ss. do CPC. Seja como for, tendo sido determinada a citação da requerida e deduzida que foi oposição por esta, na falta de disposição específica atinente à tramitação processual da providência cautelar de restituição provisória da posse, serão de lhe aplicar, no que respeita à realização da audiência final, as regras do procedimento cautelar comum (artigos 365.º e 367.º do CPC). Assim, nos termos do artigo 367.º, n.º 1, do CPC, “findo o prazo da oposição (…), procede-se, quando necessário, à produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz”. Pode ocorrer que não haja mais provas a produzir, seja porque não foram requeridas, seja porque o juiz fundadamente entende que as mesmas não são necessárias, por o processo já conter os elementos necessários e suficientes para a decisão final. Nesse caso, o tribunal poderá optar por proferir decisão imediata, sem necessidade de realização de audiência final, na linha das preocupações de celeridade que predominam nos procedimentos cautelares (cfr. artigo 363.º do CPC) e da regra geral da economia processual, que, desde logo, veda a prática de actos inúteis (artigos 6.º e 130.º do CPC). Conforme referia Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, III volume, 2.ª edição, Almedina, p. 186) à luz do anterior CPC, mas ainda com atualidade face às regras em vigor, de harmonia com o previsto no n.º 1 do artigo 367.º do CPC, “o juiz apenas passará à fase seguinte, ou seja, àquela em que se vão apresentar e discutir as provas oferecidas, quando isso se revelar “necessário”, o que significa que pode antecipar para o momento oportuno a decisão de mérito, dando acolhimento efectivo aos princípios da celeridade e da economia processual”. Na decisão recorrida, o Tribunal exarou que lhe cumpria proferir decisão, “com base nos documentos juntos, sem necessidade de inquirir testemunhas (cfr. art.º 367.º, nº 1, a contrario, do CPC)”. A recorrente vem impugnar tal decisão. A recorrida entende que a decisão em questão não é impugnável, por ser de mero expediente e por ter sido proferida no uso legal de um poder discricionário. Não subscrevemos este entendimento da recorrida. De facto, a decisão que determina uma determinada tramitação processual, com produção ou não produção probatória não pode entender-se como um mero despacho de expediente, por a decisão correspondente não se limitar a prover ao regular andamento do processo, tendo manifesta influência no campo do direito à prova das partes, modelando a adequação do mesmo à causa. É certo que, conforme referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., p. 443), a respeito do direito à prova, na vertente do “direito à produção de prova”: “Concretamente, no que à produção de prova se refere, o Tribunal Constitucional tem entendido que um tal direito não implica necessariamente a admissibilidade de todos os meios de prova permitidos em direito em qualquer tipo de processo e independentemente do objeto do litígio e não exclui em absoluto a introdução de limitações quantitativas na produção de certos meios de prova. Todavia, as limitações à produção de prova não podem ser arbitrárias ou desproporcionadas (Acs. n.º 209/95, 604/95 e 681/06)”. Assim, da definição dada pela lei de despacho de mero expediente, como sendo aquele que se destina a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes, retira-se que se o Juiz exceder esses parâmetros a decisão passa a ser recorrível (neste sentido, vd. a decisão do Tribunal da Relação de Évora de 23-02-2006, Pº 509/06-2, CHAMBEL MOURISCO). Conforme exemplificava Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. V, p. 249): “O Juiz marca dia para a audiência de discussão e julgamento. Este despacho destina-se a regular o andamento do processo; é, pela sua índole, de mero expediente. Suponha-se, porém, que o juiz violou o art. 648º; fixou o dia da audiência de discussão e julgamento, apesar de não estarem ainda efectuadas todas as diligências de produção de prova a realizar antes dessa audiência, ou não ter ainda expirado o prazo marcado nas cartas, ou não ter sido concedido aos advogados prazo para o exame do processo; é evidente que em tais casos o despacho deixará de ser de mero expediente, porque ordenou um acto do processo fora do condicionalismo legal, isto é, com infracção manifesta dos termos que a lei prescreve. O despacho proferido em tais circunstâncias ofende os direitos das partes, pelo que não pode negar-se a estas o direito de o impugnar por via de recurso.” O despacho em crise, apesar de se destinar a prover ao andamento regular do processo é susceptível de interferir no conflito de interesses entre as partes. De igual modo, o despacho em questão, na medida em que assume um juízo de “desnecessidade” da produção de outras provas, não é um despacho proferido no uso legal de um poder discricionário, no sentido de que a decisão nele tomada seja discricionária. De facto, “quando a parte discricionária da pronúncia se situe noutro ponto – por exemplo, na afirmação dos seus pressupostos - , a decisão é recorrível – melhor, impugnável - , embora neste ponto seja insindicável – é o caso quando a lei estabelece como pressuposto a ocorrência de um estado ou de uma convicção subjetivos do julgador (v.g., o juiz “não se julgar” suficientemente esclarecido ou “entender” existir um inconveniente). Decisões integradas por este momento discricionário – de apreciação, e não de decisão – são frequentes no domínio da gestão processual (art. 6.º)” (assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro; Primeiras Notas ao Código de Processo Civil – Os artigos da reforma; Vol. II, Almedina, 2014, p. 23). Ou seja: O juízo do julgador sobre o “quando necessário” a que se refere o n.º 1 do artigo 367.º do CPC traduz um poder-dever do juiz, no sentido de que este tem a faculdade de determinar ou não a produção de prova, mas, simultaneamente, tem a obrigação de ordenar as diligências de prova quando tal se mostre necessário para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio. Vejamos a questão na perspetiva do cumprimento dos deveres de gestão processual (artigo 6º do CPC). O artigo 6.º do CPC enuncia – sem definir o seu conceito - os comandos em que assenta o dever de gestão processual. O critério geral da gestão é a atuação do julgador destinada a conseguir, em tempo razoável, a justa composição do litígio. Também a adequação formal (espécie do género da gestão processual – assim, Lebre de Freitas; Introdução ao Processo Civil. Conceito e princípios gerais à luz do novo Código; Coimbra, 2013, p. 230- se orienta pelo processo equitativo: O processo equitativo serve de limite (a adequação não pode por em causa as garantias do processo) e de guia ao juiz (fim último da boa adequação do processo). A adequação pode comportar a substituição da tramitação legal (v.g. tramitação autónoma e prévia de uma questão incidental, para que a decisão dessa questão não torne inúteis todos os demais actos praticados na acção) ou a adaptação ou modificação da tramitação legal (testemunha ouvida antes de outras, julgamento sem aguardar a prova pericial, resolver questões incidentais de forma gradual ou sucessiva - cfr. Ac. do STJ de 19-11-2015, p.º 2864/12.6TBVCD.P1.S1, relator LOPES DO REGO). No caso, a decisão em questão, ao considerar não haver necessidade, para a boa decisão da causa, na produção de outras provas, traduz uma decisão que se pode enquadrar no âmbito de decisões tomadas pelo juiz ao abrigo do dever de gestão processual contido no artigo 6.º, n.º 1, do CPC. De tais decisões não há, em princípio, recurso, a não ser que contendam “com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios” (cfr. artigo 630.º, n.º 2, segunda parte, do CPC). Ora, a decisão de não produzir outros meios de prova, designadamente a produção de prova testemunhal requerida, contende com a admissibilidade dos atinentes meios probatórios que a parte requereu, pelo que, a mesma é susceptível de impugnação. A questão suscitada pela recorrida é, pois, improcedente, não se devendo negar o direito à impugnação da decisão em questão por via de recurso. * C) Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 362º, 363º nº 1, 370 nº 1 e 371º nº 1 do CC e nos artigos 367º nº 1 e 607º nº 4 do CPC, ao ter prescindido da produção de prova adicional, designadamente testemunhal? Entende a recorrente que a decisão que considerou não ser necessária a produção de prova adicional violou o disposto nos artigos 362.º, 363.º, n.º 1, 370.º, n.º 1 e 371.º, n.º 1, do CC e nos artigos 367.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4, do CPC. De acordo com a recorrente é polémica e controvertida a questão de saber se na loja e estabelecimento dos autos eram, ou não, comercializados produtos alimentares que não fossem apenas “gourmet” de luxo e bebidas alcoólicas e que a classificassem como uma mercearia. Será que a prova testemunhal arrolada poderia conduzir a algum resultado pertinente ou útil para a decisão da causa em apreço? O dissêndio da recorrente assenta, em suma, na alegação seguinte: “(…) 3 – Após prévia audiência da Requerida sobre a pretensão da Requerente, entendeu a Sra. Juiz “a quo” que os autos já dispunham de toda a matéria e prova documental suficientes que a habilitavam a decidir sem necessidade de produção de prova adicional, pelo que, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 367º nº 1 do Cod. Proc. Civil, dispensou a respectiva realização e proferiu a decisão ora jurisdicionalmente impugnada. 4 – Para tanto, considerou a Sra. Juiz “a quo” como provado no nº 11 do ponto II da sentença “sub judice” que os produtos comercializados pela ora Recorrente no seu mencionado estabelecimento são bebidas alcoólicas e produtos “gourmet” de luxo. 5 – Fundamentou essa prova a Sra. Juiz na publicitação de produtos no site da ora Recorrente, que foi junto sob o doc. nº 2 com a oposição apresentada pela ora Recorrida, cujo teor considerou integralmente reproduzido, não tendo valorado, para o efeito, qualquer outro meio de prova. 6 – Será que poderia desse modo ter decidido? Vejamos, 7 – pois dos autos consta ainda a seguinte prova adicional. a) a Requerente é uma empresa que tem por objecto social o comércio de produtos alimentarem embalados, vinhos e bebidas alcoólicas, tendo-lhe sido atribuído o CAE 47112-R3 – art. 1º e 2º e doc. nº 1 do requerimento inicial e facto provado sob o nº 1 no ponto II da sentença; b) a loja nº … do Centro Comercial … foi arrendada pela Requerida à Requerente com destino exclusivo à actividade de comércio de produtos alimentares embalados, vinhos e bebidas alcoólicas – art. 11º do requerimento inicial e Cl.ª 2ª do respectivo doc. nº 2; c) na referida loja a Requerente instalou o estabelecimento “Li……”, onde comercializa, entre outros produtos, queijos diversos, manteigas, presuntos, paios e outros enchidos, tostas, bolachas, azeite, vinagre, massa, atum e outros produtos em conserva, refeições pré-preparadas e congeladas, compotas, marmeladas, bolos secos, chás, águas, chocolates, bombons, etc – art. 4º a 8º, 12º e 13º do requerimento inicial; d) nessa loja, para além de bebidas alcoólicas, são vendidos acessoriamente produtos gourmet, como sejam azeites, vinagres, chás, flor de sal, produtos de trufas, chocolates artesanais, molho chutney – art. 20º e 21º da oposição; e) essa loja sempre foi utilizada para venda de vinhos e gin ao público conforme se extrai das publicações feitas pela Requerente dos produtos aí vendidos – art. 10º e doc. nº 2 da oposição e facto provado sob. o nº 11 do ponto II da sentença recorrida: f) as referidas publicações constituem publicitações de determinadas marcas de whisky e de vinhos de que a loja passou a dispor como novidades a partir das datas das correspondentes publicações e sem que tal significasse que esses produtos fossem ali vendidos em exclusivo, pois, a par dos mesmos, igualmente ali se comercializavam produtos alimentares pré-embalados típicos de uma mercearia – art.º 60º a 63º da pronúncia sobre a força probatória do doc. nº 2 da oposição junta aos autos em 05/04/2021 sob a referência nº 38454902. g) da fotografia da montra da referida loja resulta que ali se encontra publicitada a venda de vinho, champagne, porto, chocolates, doces, marmelada, bolachas, patés, chá, azeite, queijos, molhos, condimentos, comida pronta, acessórios – 3ª fotografia inserida na base do doc. nº 18 da oposição. 8 – Face ao su[p]ra invocado manancial probatório, o mínimo que se pode concluir é que a factualidade ora em causa, ou seja, apurar se na loja e estabelecimento dos autos eram, ou não, comercializados produtos alimentares que não fossem apenas “gourmet” de luxo e bebidas alcoólicas e que a classificassem como uma mercearia, é polémica e, por conseguinte, controvertida, 9 - logo, ao se ter valorado na sentença recorrida apenas os meios de prova a que se refere o precedente nº 7º e) destas alegações, em nítido detrimento dos demais aí invocados, dando prevalência, sem mais, à tese pela Requerida defendida na respectiva oposição, sem que se tivesse produzido a necessária prova suplementar, designadamente através da inquirição de testemunhas em sede de audiência final, violou-se frontalmente o disposto no art. 367º nº 1 e 607º nº 4 do Cod. Proc. Civil, 10 – que dispõe, respectivamente, que, no âmbito de um procedimento cautelar, se devem sempre produzir as provas requeridas, quando tal se mostrar necessário, o que sucede no caso controverso em apreço, para além de que o Juiz, na fundamentação da sentença, deve tomar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos, ou por confissão escrita, o que ostensivamente não sucedeu no caso “sub judice”. 11 – Acresce que, sendo indubitável que à ora Recorrente foi atribuído o CAE 47112-R3 constante da sua certidão permanente junto sob o doc. nº 1 com o requerimento inicial, importava que a Sra. Juiz tivesse atentado em que é que essa actividade económica consiste e que é, precisamente, o comércio a retalho em outros estabelecimentos não especificados, com predominância de produtos alimentares, bebidas ou tabaco. 12 - Esta evidência, constante de documento autêntico que faz prova plena em Juízo, não foi minimamente tomado em consideração nestes autos, pelo que, também por esta via, violou-se na sentença recorrida o disposto nos arts. 362º, 363º nº 1, 370º nº 1 e 371º nº 1 do Código Civil e no art. 607º nº 4 do Cod. Proc. Civil, pelo que com esse fundamento deve a mesma ser revogada (…)”. Ora, no que respeita à prova documental, entende a recorrente que o Tribunal recorrido, tendo desconsiderado o CAE atribuído à recorrente terá desvalorizado documento autêntico, constante da certidão permanente da recorrente, violando a sentença recorrida o disposto nos arts. 362º, 363º nº 1, 370º nº 1 e 371º nº 1 do Código Civil e no art. 607º nº 4 do Cod. Proc. Civil. Todavia, se bem se apreciar e ao contrário do que vem invocado pela recorrente, resulta do facto indiciariamente assente em 1, que o Tribunal recorrido considerou demonstrado que “a Requerente é uma sociedade que tem como objeto o comércio de produtos alimentares embalados, vinhos e bebidas alcoólicas, conforme Certidão Permanente junta como Doc. 1 com o requerimento inicial, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido”. E, da referida certidão consta como CAE principal da requerente, o correspondente à atividade n.º “47112-R3”, elemento que foi, como se viu, considerado demonstrado pelo Tribunal recorrido. Assim, não se pode concluir que o Tribunal tenha omitido ou desvalorizado o documento autêntico a que se refere a certidão permanente da requerente, nem os elementos que dela transparecem e, nomeadamente, o mencionado CAE. Pelo contrário. Os mesmos elementos foram considerados apurados, de acordo com o que consta do mencionado documento n.º 1 junto com o requerimento inicial. E, assim, em consequência, não se conclui terem sido violados pelo Tribunal recorrido os preceitos legais acima mencionados. Mas será que, para além desta referência à prova documental, se mostraria relevante ou pertinente a produção da prova testemunhal requerida? Em nosso entender, a resposta não pode deixar de ser negativa. Vejamos: Em 13 de Janeiro de 2021, foi aprovado o Decreto do Presidente da República n.º 6- B/2021 que veio modificar a declaração do estado de emergência, aprovada pelo Decreto do Presidente da República n.º 6-A/2021, de 6 de janeiro, e renovou por 15 dias tal declaração, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública. A modificação do estado de emergência, aprovada pelo Decreto do Presidente da República n.º 6-A/2021, de 6 de janeiro, iniciou-se às 00h00 do dia 14 de janeiro de 2021. A renovação do estado de emergência determinada pelo Decreto n.º 6-B/2021 acima referido teve a duração de 15 dias, iniciando-se às 00h00 do dia 16 de janeiro de 2021 e cessando às 23h59 do dia 30 de janeiro de 2021, com as condicionantes aí estabelecidas. O Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de Janeiro do Governo, regulamentou o estado de emergência decretado pelo Presidente da República, expondo-se no respetivo preâmbulo as razões da respetiva aprovação, nos seguintes termos: “O Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020, de 6 de novembro, declarou o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, tendo o mesmo vindo a ser renovado sucessivas vezes, a última das quais pelo Decreto do Presidente da República n.º 6-B/2021, de 13 de janeiro. De forma a responder ao aumento do número de novos casos de contágio da doença COVID-19, torna-se necessária a adoção de medidas restritivas adicionais com vista a procurar inverter o crescimento acelerado da pandemia e a salvar vidas, assegurando, no entanto, que as cadeias de abastecimento fundamentais de bens e serviços essenciais se mantêm. Em face do exposto, o presente decreto procede à execução do estado de emergência até ao dia 30 de janeiro, de forma adequada e de modo estritamente necessário, a qual pressupõe a adoção de medidas com o intuito de conter a transmissão do vírus e diminuir a expansão da pandemia da doença COVID-19. Deste modo, recuperando soluções já adotadas durante os meses de março e abril de 2020, as quais - em conjugação com a adoção clara de comportamentos consonantes de todos os cidadãos - obtiveram resultados positivos, o Governo vem, pelo presente, adotar medidas que são essenciais, adequadas e necessárias para, proporcionalmente, restringir determinados direitos para salvar o bem maior que é a saúde pública e a vida de todos os portugueses. (…) entende-se que os contactos entre as pessoas, bem como as suas deslocações - que constituem forte veículo de contágio e de propagação do vírus - se devem circunscrever ao mínimo indispensável, pelo que as pessoas devem permanecer no respetivo domicílio. Por idênticos motivos, estabelece-se que a adoção do regime de teletrabalho é obrigatória, independentemente do vínculo laboral, da modalidade ou da natureza da relação jurídica, sempre que as funções em causa o permitam, sem necessidade de acordo das partes. Acresce ao exposto que o regular funcionamento do comércio implica, frequentemente, um contacto próximo entre pessoas e potencia a movimentação e circulação destas, situação esta que se pretende mitigar. Por este motivo, torna-se imperioso estabelecer regras aplicáveis ao funcionamento ou suspensão de determinados tipos de instalações, estabelecimentos e atividades, incluindo, quanto àqueles que, pela sua essencialidade, devam permanecer em funcionamento. Com o mesmo propósito, determina-se que os estabelecimentos de restauração e similares passam a funcionar exclusivamente para efeitos de atividade de confeção destinada ao consumo fora do estabelecimento, seja através de entrega ao domicílio, diretamente ou através de intermediário, ou para disponibilização de refeições ou produtos embalados à porta do estabelecimento ou ao postigo (take-away). Considerando a implementação destas medidas - designadamente no que concerne à matéria da entrega ao domicílio - são, concomitantemente, fixados limites às taxas e comissões que podem ser cobradas pelas plataformas intermediárias neste setor (…)”. O artigo 14.º do Decreto n.º 3-A/2021 determinou, sem prejuízo do disposto no artigo 19.º (preceito relacionado com autorizações ou suspensões em casos especiais por autorização do membro do Governo responsável pela área da economia), o encerramento das instalações e estabelecimentos referidos no anexo I ao referido decreto, a saber: “1 - Atividades recreativas, de lazer e diversão: Discotecas, bares e salões de dança ou de festa; Circos; Parques de diversões e parques recreativos e similares para crianças; Parques aquáticos e jardins zoológicos, sem prejuízo do acesso dos trabalhadores para efeitos de cuidado dos animais; Quaisquer locais fechados destinados a práticas desportivas de lazer; Outros locais ou instalações semelhantes às anteriores. 2 - Atividades culturais e artísticas: Auditórios, salvo se em contexto de eventos da campanha eleitoral no âmbito da eleição do Presidente da República, cinemas, teatros e salas de concertos; Museus, monumentos, palácios e sítios arqueológicos ou similares (centros interpretativos, grutas, etc.), nacionais, regionais e municipais, públicos ou privados, sem prejuízo do acesso dos trabalhadores para efeitos de conservação e segurança; Bibliotecas e arquivos; Praças, locais e instalações tauromáquicas; Galerias de arte e salas de exposições; Pavilhões de congressos, salas polivalentes, salas de conferências e pavilhões multiúsos, salvo se em contexto de eventos da campanha eleitoral no âmbito da eleição do Presidente da República. 3 - Atividades educativas e formativas: Atividades de ocupação de tempos livres; Escolas de línguas e escolas de condução, sem prejuízo da realização de provas e exames, e centros de explicações. 4 - As seguintes instalações desportivas, salvo para a prática de atividade física e desportiva permitida nos termos do artigo 34.º e atividades desportivas escolares: Campos de futebol, rugby e similares; Pavilhões ou recintos fechados; Pavilhões de futsal, basquetebol, andebol, voleibol, hóquei em patins e similares; Campos de tiro fechados; Courts de ténis, padel e similares fechados; Pistas fechadas de patinagem, hóquei no gelo e similares; Piscinas; Ringues de boxe, artes marciais e similares; Circuitos fechados permanentes de motas, automóveis e similares; Velódromos fechados; Hipódromos e pistas similares fechados; Pavilhões polidesportivos; Ginásios e academias; Pistas de atletismo fechadas; Estádios. 5 - Atividades em espaços abertos, espaços e vias públicas, ou espaços e vias privadas equiparadas a vias públicas: Pistas de ciclismo, motociclismo, automobilismo e rotas similares fechadas, salvo as atividades referidas no artigo 34.º, em contexto de treino; Provas e exibições náuticas; Provas e exibições aeronáuticas; Desfiles e festas populares ou manifestações folclóricas ou outras de qualquer natureza. 6 - Espaços de jogos e apostas: Casinos; Estabelecimentos de jogos de fortuna ou azar, como bingos ou similares; Equipamentos de diversão e similares; Salões de jogos e salões recreativos. 7 - Atividades de restauração: Restaurantes e similares, cafetarias, casas de chá e afins, salvo para efeitos de entrega ao domicílio, diretamente ou através de intermediário, bem como para disponibilização de refeições ou produtos embalados à porta do estabelecimento ou ao postigo (take-away); Bares e afins; Bares e restaurantes de hotel, salvo para entrega nos quartos dos hóspedes (room service) ou para disponibilização de refeições ou produtos embalados à porta dos hotéis (take-away); Esplanadas. 8 - Termas e spas ou estabelecimentos afins”. Por sua vez, o artigo 15.º do mesmo Decreto n.º 3-A/2021 determinou a suspensão de atividades de instalações e estabelecimentos nos seguintes termos: “1 - São suspensas as atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços em estabelecimentos abertos ao público, ou de modo itinerante, com exceção daquelas que disponibilizem bens de primeira necessidade ou outros bens considerados essenciais ou que prestem serviços de primeira necessidade ou outros serviços considerados essenciais na presente conjuntura, as quais estão elencadas no anexo II ao presente decreto e do qual faz parte integrante, sem prejuízo do disposto no artigo 19.º 2 - A suspensão determinada nos termos do número anterior não se aplica: a) Aos estabelecimentos de comércio por grosso; b) Aos estabelecimentos que pretendam manter a respetiva atividade exclusivamente para efeitos de entrega ao domicílio ou disponibilização dos bens à porta do estabelecimento, ao postigo ou através de serviço de recolha de produtos adquiridos previamente através de meios de comunicação à distância (click and collect), estando nestes casos interdito o acesso ao interior do estabelecimento pelo público”. O Anexo II ao referido Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro tem o seguinte teor: “ANEXO II (a que se refere o n.º 1 do artigo 15.º) 1 - Mercearias, minimercados, supermercados e hipermercados. 2 - Frutarias, talhos, peixarias e padarias. 3 - Feiras e mercados, nos termos do artigo 17.º 4 - Produção e distribuição agroalimentar. 5 - Lotas. 6 - Restauração e bebidas para efeitos de entrega ao domicílio, diretamente ou através de intermediário, bem como para disponibilização de refeições ou produtos embalados à porta do estabelecimento ou ao postigo (take-away). 7 - Atividades de comércio eletrónico, bem como as atividades de prestação de serviços que sejam prestados à distância, sem contacto com o público, ou que desenvolvam a sua atividade através de plataforma eletrónica. 8 - Serviços médicos ou outros serviços de saúde e apoio social. 9 - Farmácias e locais de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica. 10 - Estabelecimentos de produtos médicos e ortopédicos. 11 - Oculistas. 12 - Estabelecimentos de produtos cosméticos e de higiene. 13 - Estabelecimentos de produtos naturais e dietéticos. 14 - Serviços públicos essenciais e respetiva reparação e manutenção (água, energia elétrica, gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados, comunicações eletrónicas, serviços postais, serviço de recolha e tratamento de águas residuais, serviços de recolha e tratamento de efluentes, serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos e de higiene urbana e serviço de transporte de passageiros). 15 - Serviços habilitados para o fornecimento de água, a recolha e tratamento de águas residuais e ou de resíduos gerados no âmbito das atividades ou nos estabelecimentos referidos no presente anexo e nas atividades autorizadas. 16 - Papelarias e tabacarias (jornais, tabaco). 17 - Jogos sociais. 18 - Centros de atendimento médico-veterinário. 19 - Estabelecimentos de venda de animais de companhia e de alimentos e rações. 20 - Estabelecimentos de venda de flores, plantas, sementes e fertilizantes e produtos fitossanitários químicos e biológicos. 21 - Estabelecimentos de lavagem e limpeza a seco de têxteis e peles. 22 - Drogarias. 23 - Lojas de ferragens e estabelecimentos de venda de material de bricolage. 24 - Postos de abastecimento de combustível e postos de carregamento de veículos elétricos. 25 - Estabelecimentos de venda de combustíveis para uso doméstico. 26 - Estabelecimentos de comércio, manutenção e reparação de velocípedes, veículos automóveis e motociclos, tratores e máquinas agrícolas e industriais, navios e embarcações, bem como venda de peças e acessórios e serviços de reboque. 27 - Estabelecimentos de venda e reparação de eletrodomésticos, equipamento informático e de comunicações. 28 - Serviços bancários, financeiros e seguros. 29 - Atividades funerárias e conexas. 30 - Serviços de manutenção e reparações ao domicílio. 31 - Serviços de segurança ou de vigilância ao domicílio. 32 - Atividades de limpeza, desinfeção, desratização e similares. 33 - Serviços de entrega ao domicílio. 34 - Máquinas de vending. 35 - Atividade por vendedores itinerantes, para disponibilização de bens de primeira necessidade ou de outros bens considerados essenciais na presente conjuntura, nas localidades onde essa atividade, de acordo com decisão do município tomada ao abrigo do n.º 2 do artigo 16.º, seja necessária para garantir o acesso a bens essenciais pela população. 36 - Atividade de aluguer de veículos de mercadorias sem condutor (rent-a-cargo). 37 - Atividade de aluguer de veículos de passageiros sem condutor (rent-a-car). 38 - Prestação de serviços de execução ou beneficiação das Redes de Faixas de Gestão de Combustível. 39 - Estabelecimentos de venda de material e equipamento de rega, assim como produtos relacionados com a vinificação, assim como material de acomodação de frutas e legumes. 40 - Estabelecimentos de venda de produtos fitofarmacêuticos e biocidas. 41 - Estabelecimentos de venda de medicamentos veterinários. 42 - Estabelecimentos onde se prestem serviços médicos ou outros serviços de saúde e apoio social, designadamente hospitais, consultórios e clínicas, clínicas dentárias e centros de atendimento médico-veterinário com urgência, bem como aos serviços de suporte integrados nestes locais. 43 - Estabelecimentos educativos, de ensino e de formação profissional, creches, centros de atividades ocupacionais e espaços onde funcionem respostas no âmbito da escola a tempo inteiro, onde se incluem atividades de animação e de apoio à família, da componente de apoio à família e de enriquecimento curricular. 44 - Centros de inspeção técnica de veículos e centros de exame. 45 - Hotéis, estabelecimentos turísticos e estabelecimentos de alojamento local, bem como estabelecimentos que garantam alojamento estudantil. 46 - Atividades de prestação de serviços que integrem autoestradas, designadamente áreas de serviço e postos de abastecimento de combustíveis. 47 - Postos de abastecimento de combustíveis não abrangidos pelo número anterior e postos de carregamento de veículos elétricos. 48 - Estabelecimentos situados no interior de aeroportos situados em território continental, após o controlo de segurança dos passageiros. 49 - Cantinas ou refeitórios que se encontrem em regular funcionamento. 50 - Outras unidades de restauração coletiva cujos serviços de restauração sejam praticados ao abrigo de um contrato de execução continuada. 51 - Notários. 52 - Atividades e estabelecimentos enunciados nos números anteriores, ainda que integrados em centros comerciais.”. Em 28 de Janeiro de 2021, por força do Decreto do Presidente da República n.º 9- A/2021, foi renovado o estado de emergência, iniciando-se essa renovação às 00h00 do dia 31 de janeiro de 2021 e cessando às 23h59 do dia 14 de fevereiro de 2021. O Decreto n.º 3-D/2021, de 29 de janeiro, regulamentou o estado de emergência decretado pelo Senhor Presidente da República e prorroga a vigência do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro até às 23:59 h do dia 14 de fevereiro de 2021. Ora, tendo presente a matéria factual alegada pela requerente no requerimento inicial, não se divisa qualquer factualidade que, a provar-se, pudesse determinar a procedência da presente providência, pelo que, neste sentido, a produção da prova testemunhal requerida, consubstanciaria a prática de um acto inútil, proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC). De facto, caso resultasse – em função da prova testemunhal que fosse produzida – assente que na loja em questão a Requerente “comercializa, entre outros produtos, queijos diversos, manteigas, presuntos, paios e outros enchidos, tostas, bolachas, azeite, vinagre, massa, atum e outros produtos em conserva, refeições pré-preparadas e congeladas, compotas, marmeladas, bolos secos, chás, águas, chocolates, bombons, etc” e, onde, “para além de bebidas alcoólicas, são vendidos acessoriamente produtos gourmet, como sejam azeites, vinagres, chás, flor de sal, produtos de trufas, chocolates artesanais, molho chutney” e ainda que se demonstrasse a publicitação nos termos mencionados nas alíneas f) e g) do mencionado ponto 7 da alegação, certo é que, a referida factualidade sempre seria inidónea para a prova de que a requerente pudesse ser considerada como exercendo uma atividade excluída do regime de suspensão de atividade expresso no Decreto nº 3-A/2021, de 14 de janeiro, que regulamentou o estado de emergência decretado pelo Presidente da República pelo Decreto nº 6-B/2021, de 13 de janeiro. De facto, não se afigura que, a mera comercialização de produtos alimentares como queijos, manteigas, presuntos, paios, enchidos, tostas, azeite, bolachas, massa, atum, produtos em conserva, compotas, marmeladas, bolos secos, chás, chocolates, bombons configure a comercialização de bens de primeira necessidade, relacionada, aliás, com bens que são tributados a taxas reduzidas de IVA (como sejam pão, leite e derivados, carne e legumes). A finalidade do dito diploma legal regulamentador do estado de emergência, atento o seu contexto, foi a de adoção de medidas essenciais, adequadas e necessárias para, proporcionalmente, restringir determinados direitos, tendo em vista “salvar o bem maior que é a saúde pública e a vida de todos os portugueses”. E, nessa medida, considerando-se que “o regular funcionamento do comércio implica, frequentemente, um contacto próximo entre pessoas e potencia a movimentação e circulação destas, situação esta que se pretende mitigar”, suspenderam-se de funcionamento “as atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços em estabelecimentos abertos ao público, ou de modo itinerante, com exceção daquelas que disponibilizem bens de primeira necessidade ou outros bens considerados essenciais ou que prestem serviços de primeira necessidade ou outros serviços considerados essenciais na presente conjuntura” (cfr. o preâmbulo do referido diploma). Assim, a manutenção de abertura de estabelecimentos comerciais foi considerada excecional, exceção essa pautada por critérios de fornecimento de bens de primeira necessidade, de acordo com o estabelecido no referido anexo II. E, cumpre sublinhar, que o artigo 15.º, n.º 1, do Decreto 3-A/2021 se refere, efetivamente à “exceção” de atividades que “disponibilizem bens de primeira necessidade” e, não, bens essenciais, o que aponta para o caráter primário e fundamental da disponibilização de bens sem os quais o ser humano não sobrevive. Muito embora se compreenda que o conceito de “bens de primeira necessidade” não tem matriz unívoca, afigura-se-nos que, no quadro da regulamentação do estado de emergência, em que está em questão matéria relacionada com a saúde pública de todos os portugueses, em que se determinou, em regra, o encerramento de estabelecimentos comerciais (de retalho) de venda ao público, o conceito não pode ser interpretado senão em termos estritos, atenta, desde logo, a excecionalidade da legislação em que se enquadra a sua previsão, sendo que, só assim se observam os comandos ínsitos no artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3 da Constituição. Não tem, pois, aderência à realidade o alegado pela recorrente, desde logo, nos pontos 14 e 15 da alegação, nem se coaduna com a excecionalidade prevalecente no sentido normativo apontado a consideração do invocado no ponto 16 da mesma alegação, por muita consideração que nos mereça a publicitação mencionada a respeito do Município do…. Por outro lado, de acordo com o previsto no Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro (com as alterações da Lei n.º 66/2018, de 3 de dezembro) – onde se estabelece a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, Revisão 3, designada por CAE — Rev. 3, que constitui o quadro comum de classificação de actividades económicas a adoptar a nível nacional – e tendo presente que ao exercício da atividade CAE 47112 (correspondente à actividade comercial da requerente) – respeita o “comércio a retalho em outros estabelecimentos não especializados, com predominância de produtos alimentares, bebidas ou tabaco”, daí não deriva a conclusão de que a recorrente explore atividade de comércio a retalho e de prestação de serviços em estabelecimentos abertos ao público, com disponibilização de bens de primeira necessidade ou outros bens considerados essenciais ou que prestem serviços de primeira necessidade ou outros serviços considerados essenciais na referida conjuntura de aplicação do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro. Isso também não o demonstra, quer o objeto social da requerente, definido na certidão permanente junta aos autos, quer o fim a que se destinava a ocupação da loja em questão – tal como definido no artigo 2.º do contrato junto pela requerente: “atividade de comércio de produtos alimentares embalados, vinhos e bebidas alcoólicas” – não se mostrando caracterizado o exercício de atividade essencial ou de disponibilização de bens de primeira necessidade. Como é bom de ver, um estabelecimento que comercializa, a título principal, queijos diversos, manteigas, presuntos, paios e outros enchidos, tostas, bolachas, azeite, vinagre, massa, atum e outros produtos em conserva, refeições pré-preparadas e congeladas, compotas, marmeladas, bolos secos, chás, águas, chocolates, bombons, bebidas alcoólicas, produtos gourmet, como azeites, vinagres, chás, flor de sal, produtos de trufas, chocolates artesanais, molho chutney, mas que não comercializa produtos de primeira necessidade, que façam parte do “cabaz primário” da alimentação (como sejam leite, fruta, água, peixe, carne, etc.), não pode considerar-se abrangido pelas exceções contidas no anexo II, não sendo de considerar como uma mercearia (que constitui o nome comum de estabelecimentos comerciais de exposição e venda a retalho de produtos alimentares frescos ou processados, incluindo produtos hortícolas e frutícolas, produtos lácteos, produtos derivados da carne, pão e produtos afins), um minimercado, um supermercado (conceito que, de acordo com o Decreto-Lei n.º 45835, de 27 de julho de 1964, veio a ser definido pela Portaria n.º 22970, de 20 de outubro de 1967) ou um hipermercado. Assim, atento o acervo factual invocado, a produção da prova testemunhal requerida mostrar-se-ia, em concreto, inútil ou impertinente, pelo que, não merece censura o juízo formulado pelo Tribunal recorrido a respeito da “desnecessidade” de produção deste meio de prova. Improcedem, pois, as conclusões em contrário da recorrente. * D) Se se mostravam verificados os requisitos legais para o decretamento da providência cautelar de restituição provisória de posse? Conclui, por fim, a recorrente que a decisão recorrida deve ser revogada, devendo ser decretada a providência de restituição provisória da posse requerida. Vejamos: Entre as providências cautelares nominadas ou especificadas na lei inclui-se a providência cautelar de restituição provisória da posse, a que se reportam os artigos 377.º a 379.º do CPC. Dispõe o artigo 1279º do Código Civil que: “Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador”. A acção de restituição de posse é, pois, uma acção que se destina a obter a recuperação da posse, posse esta da qual o possuidor foi privado por esbulho (cfr. Prof. Mota Pinto in “Direitos reais”, p. 209) - sendo aplicável no caso de esbulho violento a restituição sem audiência do esbulhador. Como escreve Oliveira Ascensão (Direito Civil - Reais, 4.ª Ed., p. 116), “há, todavia uma acção de restituição que sempre mereceu um tratamento particular; é aquela em que se reage contra o esbulho violento, a forma mais grave da violação da situação do possuidor. Temos então a restituição provisória da posse: antes de toda e qualquer discussão, as partes serão restituídas à situação anterior”. Dispõe o artigo 377.º do CPC que “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”. Da conjugação dos aludidos artigos 377.º do C.P.C. e 1279º do Código Civil, resulta que, para a procedência da providência, o requerente tem de “alegar e provar factos que constituam a posse da coisa, o esbulho (que foi privado da posse que tinha sobre ela), e a privação da posse por meio de violência” (cfr., o Ac. do STJ de 13-11-1984, in BMJ 341.º, p. 401; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. I, p. 667; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. III, p. 45; Moitinho de Almeida, Restituição de posse e ocupações de imóveis, 1994, p. 107; Menezes Cordeiro; Direitos Reais, p. 582; e Abrantes Geraldes; Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2001, t. IV, pp. 29 a 45 e ao nível da jurisprudência, além da já citada, os acórdãos: do STJ de 25-02-1986, in BMJ 354.º, p. 549 e de 19-10-2016, Pº 487/14.4T2STC.E2.S1, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA; da Relação de Coimbra de 24-01-2017, Pº 1350/16.0T8GRD.C1, rel. ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO; da Relação do Porto de 09-05-2019, Pº 612/19.9T8PRD.P1, rel. FILIPE CAROÇO; da Relação de Évora de 03-07-1974, in BMJ 240.º, p. 281; e da Relação de Guimarães de 03-11-2011, Pº 69/11.2TBGMR-B.G1, rel. ANTÓNIO SOBRINHO). Contudo, importa ter presente que: “1. A posse, e não o direito de propriedade, constitui um dos pressupostos da providência cautelar de restituição provisória de posse; 2. O pressuposto do esbulho verifica-se quando alguém se vê privado da retenção ou fruição do objecto possuído ou da possibilidade de continuar esse exercício. 3. O esbulho pode ser apenas parcial ou só em relação a uma parte do objecto. 4. Ocorre simples turbação da posse e não esbulho, quando os actos de terceiro apenas dificultam o exercício do poder de facto inerente à posse, poder que se mantém na esfera do possuidor» (cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 16-05-2006, Pº 1240/06, rel. FERREIRA DE BARROS). Há pois, que analisar, face à matéria de facto dada como provada, a tríplice verificação dos requisitos cumulativos de que depende o decretamento da presente providência cautelar: a) Posse; b) Violência; e c) Esbulho. O primeiro requisito necessário para o decretamento da providência cautelar de restituição provisória de posse é, precisamente, o da existência de uma situação de posse (isto é, “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”, nos termos do artigo 1251º do Código Civil) por parte do requerente. O proprietário é, pois, quem, em regra, tem também a posse das coisas relativamente à qual tem aquele direito (cfr. assim, Moitinho de Almeida; Restituição de Posse e ocupação de imóveis; 4ª ed., 1994, pp. 16 e 31) (cfr. artigos 1268.º e 1305º do Código Civil). Mas, outras situações são passíveis de tutela possessória, em função do exercício de poderes de facto sobre coisas susceptíveis de constituírem objecto de direitos reais de gozo, a saber: os direitos de usufruto, de servidão predial, de superfície, de uso e habitação ou de habitação. “Mas ainda que falte a titularidade de qualquer desses direitos reais, a simples prova dos poderes de factos que normalmente correspondem à sua exteriorização é suficiente para motivar a procedência da pretensão cautelar” (assim, Abrantes Geraldes; Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. IV, Almedina, Coimbra, p. 30). E, para além da específica tutela possessória relativamente a direitos reais de gozo, tal tutela estende-se, ainda, a outros direitos de raiz obrigacional, nomeadamente, as situações relativas ao contrato de locação (cfr. artigo 1037.º, n.º 2 do C.C.). Assim, “apesar da aparente restrição aos casos em que o requerente goza de posse verdadeira e própria (no sentido de uma actuação sobre a coisa “correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” de gozo, tal como o art. 1251º a define), não há dúvida alguma de que o procedimento cautelar especificado em apreço pode também ser requerido por meros titulares de direitos obrigacionais/pessoais de gozo (que, como tal, não são verdadeiros possuidores por não exercerem sobre a coisa um direito real) como acontece, por exemplo, nos casos de locação/arrendamento (art. 1037º nº 2), parceria pecuária (art. 1125º nº 2), comodato (1133º nº 2) e depósito (1188º nº 2), em que a lei faculta, respectivamente, ao locatário, ao parceiro pensador, ao comodatário e ao depositário o exercício dos direitos concedidos ao possuidor nos arts. 1276º e segs. (incluindo, portanto, o art. 1279º), mesmo contra, sucessivamente, o locador, o parceiro proprietário, o comodante e o depositante” (neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-01-2009, Pº 0827049, relator M. PINTO DOS SANTOS). Entendeu o Tribunal recorrido, sem merecer qualquer reparo, que atentos os factos dados como indiciariamente provados, a recorrente tinha a posse do espaço cuja restituição requereu, em virtude do contrato de arrendamento que celebrou com a requerida. Já quanto ao esbulho e violência, o Tribunal recorrido concluiu no sentido de os mesmos não se encontrarem verificados, por a determinação da requerida de 15-01-2021 no sentido da não abertura das portas externas de acesso da via pública do Centro Comercial Roma - com manutenção da iluminação interna desligada e tendo dali desafetado os agentes de segurança, com isso o tendo encerrado – vedando o acesso à loja explorada pela requerente, ter cumprido com o determinado no Decreto nº 3-A/2021, de 14 de janeiro e no subsequente Decreto nº 3-D/2021, de 29 de janeiro, no âmbito do estado de emergência decretado – e renovado - pelo Presidente da República. Ora, como refere Manuel Rodrigues (A posse; p. 400) “a noção de esbulho é fácil de formular: há esbulho sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar” (assim também Baptista Lopes; Procedimentos Cautelares, p. 79 e Moitinho de Almeida; Restituição de posse e ocupação de imóveis, p. 88). Também Alberto dos Reis (Código de Processo Civil, anotado, 1.º Volume, 3.ª Ed., Reimp., Coimbra Editora, Coimbra, 1982, p. 669) expressa que, “...o esbulho supõe que o possuidor foi privado da posse que tinha, foi colocado em condições de não poder continuar a exercer a posse, e por isso é que o pedido que lhe corresponde é a restituição; o esbulhado é restituído à posse que o facto do esbulho lhe fez perder...”, traçando a sua distinção da turbação, que não priva o possuidor da sua posse, apenas a embaraça ou incomoda. Assim, “há esbulho sempre que alguém é privado, total ou parcialmente, contra a sua vontade do exercício de retenção ou da possibilidade de continuar esse exercício...” (assim, o Ac. RE de 03-07-74, in BMJ 240.º, p. 281), mas, a privação do exercício da retenção da coisa só constituirá esbulho, se for ilícita (neste sentido, Moitinho de Almeida; ob. cit., p. 89). Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-05-2021 (Pº 3574/20.6T8SNT-A.L1-8, rel. CARLA MENDES): “A restituição provisória constitui um meio de defesa da posse ao serviço do possuidor contra actos violentos como garantia da reconstituição da situação provisória anterior, de modo célere e eficaz, facultando-se ao lesado a devolução da posse, impedindo a persistência da situação danosa e /ou o agravamento dos danos. O esbulho consiste na privação por parte de alguém do exercício do direito de retenção ou fruição do objecto possuído ou da possibilidade de o continuar”. Finalmente, é necessário também, para o decretamento da restituição provisória da posse, que o esbulho que ocorra, tenha sido violento. Diz o artigo 1261º, nº 2, do CC que “considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral, nos termos do artigo 255º”. A coacção física “supõe a completa ausência de vontade por parte daquele a quem a posse foi usurpada” (P. Lima e A. Varela; Código Civil Anotado, volume III, p. 20), enquanto que a coacção moral se traduz na ameaça ilícita de um mal, respeitante à honra ou fazenda do visado ou de terceiro. Como se explicitou no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-06-2008 (Pº 1004/08-2, rel. CONCEIÇÃO BUCHO): “O esbulho pressupõe uma privação total ou parcial da posse. No caso do esbulho, para que o mesmo seja declarado violento, deve ser levado a cabo através de uma acção que constrangendo o esbulhado, o coloque numa situação de incapacidade de reagir perante o acto de desapossamento, permitindo-o”. Por outro lado, importa ter presente que, “para efeitos de concessão do procedimento cautelar de restituição provisória de posse, basta que tenha havido violência sobre as coisas, não sendo necessário que a violência se tenha exercido sobre as pessoas, nem que o esbulhado tenha de estar presente no momento da prática do esbulho” (assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04-04-2006, Pº 552/06, rel. REGINA ROSA). De igual modo, se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03/11/2011 (Pº 69/11.2TBGMR-B.G1, rel. ANTÓNIO SOBRINHO) que: “A violência no esbulho pode ser exercida tanto sobre as pessoas como sobre as coisas. Na acção cautelar de restituição provisória de posse, quando a actuação do esbulhador sobre a coisa esbulhada é de molde a, na realidade, tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de meios que impedem a utilização pelo possuidor da coisa esbulhada, estaremos perante um caso de esbulho violento. A violência no esbulho pode traduzir-se numa acção física exercida sobre as coisas como meio de coagir o esbulhado a suportar uma situação contra a sua vontade”. Neste sentido, “a retirada das chaves da porta que dá acesso ao imóvel é suficiente para caracterizar uma situação de violência, fazendo-a equivaler àquela outra situação de mudança de fechadura que comummente é atendida pela doutrina e jurisprudência para se dar como verificado o requisito de violência em restituição provisória de posse” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-03-2006, Pº 0630368, rel. MÁRIO FERNANDES). De todo o modo, no recente Acórdão do STJ de 19-05-2020 (Pº 1988/17.8T8PTM-A.E2.S1, rel. HENRIQUE ARAÚJO) considerou-se que “para a decretação da restituição provisória de posse, só releva a violência sobre coisa se essa violência implicar que o possuidor fique coagido a permitir o desapossamento”. Como se vê, comum aos requisitos de esbulho e de violência está a circunstância de ambos estes requisitos deverem revestir caráter ilícito, ou seja, tais actos devem ser contrários ao Direito. Revertendo estas considerações para o caso concreto, resulta dos factos apurados que, em 15-01-2021, a Requerida determinou a não abertura das portas externas de acesso da via pública ao Centro Comercial…, mantendo a respetiva iluminação interna desligada e tendo dali desafetado os agentes de segurança, com isso o tendo encerrado. O referido encerramento do centro comercial, nele englobando o encerramento da loja da recorrente, na medida em que foi efetuado em observância das prescrições legais decorrentes do estado de emergência decretado oportunamente, e por estas motivado, não permite considerar como verificados os requisitos do esbulho e da violência necessários para o decretamento da providência cautelar requerida, atenta a falta de comprovação da contrariedade ao Direito ou da ilicitude da conduta levada a cabo pela requerida. A recorrente invoca, ainda, que, no momento em que a decisão recorrida foi proferida – 03-05-2021 – “nada obstava à decretação da requerida providência atenta a inexistência das restrições que ali se invocam”. A aferição da procedência da invocação correspondente implica saber se, terminado o estado de emergência e o efeito dos diplomas legais que o enquadraram, o estabelecimento da requerente ainda permaneceu encerrado, no sentido de que a requerida não adotou a conduta necessária para permitir o recomeço da atividade da recorrente. Ora, atenta a sua função no âmbito do conhecimento dos recursos e sob pena de conhecer, em primeira linha, de questões antes não suscitadas no Tribunal de 1.ª instância, ao Tribunal de recurso apenas cumpre conhecer das questões suscitadas e daquelas que, não o tendo sido, sejam de conhecimento oficioso. O tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas (cfr., entre outros, o acórdão do STJ de 14-05-93, in CJSTJ, 93, II, p. 62 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-11-95, in CJ, 95, V, p. 98). Assim, ressalvada a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso (cfr. Ac. STJ de 23-03-96, in CJ, 96, II, p. 86), encontra-se excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso. “A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa, pelo que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2012, Processo 169487/08.3YIPRT-A.C1, relator HENRIQUE ANTUNES). É que, de facto, “os recursos são meios de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, visando, assim, um reestudo das questões já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-04-2019, Processo 10776/15.5T8PRT.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES). Ora, se é certo que, a sucessão de diplomas normativos, bem como a cessação de vigência de leis constitui matéria de indagação oficiosa pelo Tribunal (cfr. artigo 5.º, n.º 3, do CPC), inclusive de recurso, já a aplicação dos efeitos decorrentes de tal cessação assentes em pressuposto fáctico que não foi introduzido nos autos no momento próprio (a invocação de que o estabelecimento da requerente permaneceu encerrado após a data de cessação de vigência dos diplomas com base nos quais foi determinado o seu encerramento), apenas tendo sido pressuposto em sede recursória, consubstancia a dedução de uma “questão nova” (cfr., para maiores desenvolvimentos, Rui Pinto; Manual do Recurso Civil, Vol I, AAFDL Editora, 2020, pp. 352-353 e 365-366). De facto, conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-11-2018 (Processo 212/16.5T8PTL.G1, rel. AFONSO CABRAL DE ANDRADE), “quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido”. Assim, não sendo tal questão matéria de conhecimento oficioso, nem tendo sido antes suscitada, afigura-se-nos vedado, nesta instância de recurso, o seu conhecimento. Nestes termos, deverá manter-se a decisão recorrida, sendo julgada improcedente a apelação. A responsabilidade tributária incidirá sobre a recorrente, atento o seu integral decaimento – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC. * 5. Decisão: Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Notifique e registe. * Lisboa, 12 de julho de 2021. Carlos Castelo Branco Lúcia Celeste da Fonseca Sousa Magda Espinho Geraldes |