Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8168/2007-6
Relator: TERESA SOARES
Descritores: BENFEITORIAS ÚTEIS
BENS COMUNS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/21/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – Assume a natureza de benfeitoria e não de acessão a construção levada a cabo pelo cônjuge em prédio pertencente ao outro pois que a qualidade de cônjuge do proprietário não se subsume à de terceiro, que constitui requisito indispensável ao instituto da acessão.
II – Presumem-se comuns as benfeitorias realizadas pelo cônjuge em prédio pertencente ao outro, porque realizadas na constância do casamento, sob o regime de comunhão de adquiridos.
III – O afastamento da presunção não se basta com a prova do pagamento das obras, impondo a demonstração de que o custo das mesmas havia sido feito com dinheiro ou valores próprios.
(G.A.)
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.º secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. M intentou a presente acção, com processo ordinário contra J, pretendendo que seja reconhecida a sua qualidade de proprietária de um imóvel que adquiriu por via sucessória, que o R seja condenado a reconhecer tal direito e a entregar-lhe as chaves do imóvel bem como as rendas que recebeu dos inquilinos desse mesmo prédio.

2.Contestou e reconveio o R., defendendo que o prédio herdado pela A foi demolido, pelo então casal formado por A e R, tendo procedido à reconstrução do prédio, com os proventos comuns do casal, pelo que tal construção deve ser considerada benfeitoria comum do casal, e bem assim comum o rendimento proveniente desse prédio.

3. Em sede de réplica, defende a A que a reconstrução do prédio não foi levada a cabo pelos cônjuges, mas sim apenas pela A, que suportou, só por si, o respectivo custo, na sua íntegra.

4. Julgada a acção, foi proferida sentença, sendo a parte decisória:
“1 ° Declaro que a Autora casou com o Réu em 03.09.1981, sob o regime supletivo de comunhão de bens adquiridos, sendo o casamento dissolvido por divórcio em 25.09.1997.
2° Declaro que a Autora recebeu o prédio urbano sito na Rua, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o n° , por herança deixada por seus pais.
3° Declaro que a Autora é a única proprietária do prédio identificado em 2 supra.
4° Condeno o Réu a reconhecer o declarado em 1°, 2° e 3°.
5° Declaro que ao R. não assiste qualquer direito para manter em sua posse as chaves que dão acesso ao imóvel da Autora.
6° Declaro que o Réu não tem o direito de administrar o prédio, nem em parte nem no todo, não tendo direito a receber quaisquer rendas do mesmo depois do divórcio.
7° Declaro que apenas a Autora tem o direito de administrar e dispor do prédio, e, depois do divórcio, receber integralmente os rendimentos que o mesmo gere.
8° Declaro que os inquilinos do prédio estão obrigados a pagar as rendas à Autora, desde que vencidas depois do divórcio, não tendo efeito os pagamentos efectuados ao Réu.
9° Condeno o Réu a entregar à Autora o valor de todas as rendas que recebeu desde a data do divórcio até ao dia em que deixar de recebê-las, montante a liquidar em execução de sentença.
10° Reconheço ao Réu o direito a metade do valor das benfeitorias, (isto é, a metade da valorização do imóvel em virtude da reconstrução do prédio) e a metade das rendas vencidas na constância do casamento.”

5. Desta sentença apelaram A e R alegando e concluindo, em síntese:

5.1. Alegações da Autora:

5.1.1.Recurso da matéria de facto, com dois fundamentos:
A - “I- A matéria constante da alínea B) 1 dos factos assentes, tem de ser considerada como não escrita;
II- Na verdade, o recorrido reclamou para que tal matéria passasse a contar da base instrutória;
III- O senhor Doutor Juiz, titular do processo, deu nessa altura um despacho nesse sentido, ou seja, de que tal matéria devia ser aditada á base instrutória, com o número de quesito 15-A;
IV - O senhor funcionário do tribunal, por lapso, incluiu essa matéria nos factos assentes, com a alínea B) 1;
V - Em sede da audiência de discussão e julgamento, o senhor Doutor Juiz do tribunal a quo, considerou a matéria reclamada pelo recorrido, como o quesito 15-A e respondeu ao mesmo como "não provado";
VI- Aliás, essa resposta do 15-A, está em consonância com respostas dadas aos quesitos 1 a 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 15-A, da base instrutória;
VII- O facto constante da alínea B) 1, deve pois ser considerado como não escrito”

B – A A provou, através dos documentos de fls. 261 a 279 juntos a estes autos, que foi apenas ela, quem pagou as obras do seu prédio, não tendo o R conseguido provar que tivesse contribuído.

5.1.2. Recurso de direito - Erro de julgamento
Ao considerar-se que o R tem direito a metade do valor das benfeitorias realizadas no referido prédio, na pendência do casamento dos ex-cônjuges, bem como a metade das rendas, vencidas nesse período, o tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o artigo 1.723, al. c) do Cód. Civil.
Defende que deve declarar-se que o prédio em causa, com todas as suas benfeitorias e rendimentos, pertence exclusivamente à recorrente.

5.2. Alegações do Réu/reconvinte:

5.2.1. Recurso da matéria de facto
Pretende ver alteradas as respostas aos arts.º 1.º a 8.º para “Provados” e 25.º para “parcialmente provado.”

5.2.2.Erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 334°,1273°,1305°,1311°,1316° e 1340° todos do Código Civil.
Provado que o R construiu o edifício, em conjunto com a Autora, em terreno desta última, e com a sua autorização, sendo este o meio de aquisição da construção ou edifício, as referidas obras devem ser consideradas como acessão e não benfeitoria, a qual é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade. Assim, constituindo um bem autónomo em relação ao terreno em que foram construídas, mas com ele tornando um todo único, devia ter sido declarada a compropriedade da casa por parte de ambos.
Para o caso de assim não se entender, invoca o abuso de direito, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelo fim social e económico do seu direito, o facto de a Recorrida adquirir a totalidade de um prédio, com o consequente direito exclusivo de recebimento de rendas, quando só contribuiu na proporção de metade para a construção do mesmo (art.1403°, n02 do Código Civil), ficando o Recorrente totalmente desprovido de receber metade das referidas rendas após o divórcio, quando de boa fé, participou com metade da sua construção, na convicção de vir a adquirir um bem comum.
Pede que se revogue a sentença e que se reconheça ao recorrente o direito de compropriedade da construção urbana edificada, em conjunto, por si e pela recorrida, bem como se reconheça ao recorrente o direito a metade das rendas, em montante a apurar em liquidação de sentença.

6. Ambos contra-alegaram.

7. Nada obsta ao conhecimento do recurso.

Decidindo:

8.Modificação da decisão sobre a matéria de facto.
Antes de passarmos à análise do caso concreto, cabe fazer uma reflexão teórico-prática sobre os parâmetros dos poderes da Relação na área da matéria de facto, e no contexto da actual existência de um duplo grau de jurisdição, facto que a alteração introduzida no CPCivil com o Dec.lei nº39/95, de 15 de Fevereiro com o aditamento do art.690º-A ( cuja redacção foi posteriormente alterada pelo Dec.lei nº183/2000, de 10 de Agosto ) quis garantir no processo civil português.
Diz-nos o art.º 690.ºA, sob a epígrafe - Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto-
1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Sobre este segmento dos recursos têm sido feitas várias apreciações, quer em termos doutrinais quer jurisprudenciais.
Desde logo, cumpre ter sempre presente que : “A Relação não é um segundo tribunal de 1.ª instância, mas um tribunal de 2.ª instância, com competência que se pretende residual, de proceder à reapreciação de determinados aspectos da matéria de facto em relação aos quais pelo menos uma das partes esteja em desacordo” Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil” vol II, 3.ª edição p. 266.
Mais importa que se saliente que continua a vigorar entre nós o sistema da livre apreciação da prova conforme resulta do art.655º, do CPC - “O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” - pelo que a convicção do Tribunal não é, em princípio, sindicável. Este princípio não pode, nem deve, ser subvertido pelo exercício de duplo grau de jurisdição.
Assim, para que decisão da 1.ª instância seja alterada necessário é que algo de “anormal” se tenha passado na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas as regras que lhe deviam ter estado subjacentes.
Como é comummente aceite, para a formação da convicção do julgador contribuem elementos que, de forma alguma, podem ser importados para a gravação da prova - seja aúdio, seja mesmo vídeo -.
Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis.
Já Lopes Cardoso (BMJ 80 citado por Abrantes Geraldes na ob.cit, a pág 273), ao defender o princípio da oralidade, fazia sentir que “os depoimentos não são só palavra, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que forma proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem , quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe. O magistrado experiente sabe tirar partido desses elementos intraduzíveis e subtis. Nisto consiste a sua arte. As próprias reacções quase imperceptíveis do auditório se vão acumulando no espírito do julgador, ávido de verdade, e vão formando uma convicção cujos motivos lhe será muitas vezes impossível de explicar.”
Jurisprudencialmente o entendimento é idêntico:” o objectivo do legislador não é o da criação de um efectivo e universal segundo grau de jurisdição sobre toda a matéria de facto, mas apenas sobre pontos específicos sobre os quais não haja a possibilidade de sustentação da prova produzida” AC STJ de 22/11/2007 relator Mário Cruz proc 07A3082, in www.dgsi.pt
No mesmo sentido veja-se também o AC STJ, 07P21 de 14/3/2007, na mesma base de dados: “o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considerou incorrectamente julgados, e dos que, na base, para tanto, da avaliação das provas…na perspectiva do recorrente, impunham decisão diversa» da recorrida…”
Que este é o alcance que vem sendo dado à norma é questão pacífica.
Menos pacífico será ver esses conceitos a actuarem nos casos que concretamente nos surgem…
O caminho que nos parece ser o correcto a seguir, para que os recorrentes possam validamente e fundadamente levar ao verdadeiro exercício do duplo grau de jurisdição, é que o que se encontra retratado em vária jurisprudência do STJ da qual, a que a seguir se transcreve, é um exemplo actual e bem elucidativo.
AC STJ proc 06B1868 de 14/3/2007, relator Cons. Pires da Rosa: “Vejamos porém, mais uma vez, o que temos dito sobre esta questão. O Dec.Lei nº39/95, de 15 de Fevereiro, que veio ao processo civil português « prever e regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida » em ordem a assegurar « a criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais - e seguramente excepcionais - erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito », introduz no CPCivil um novo artigo - o art.690º-A - que visa responder à preocupação expressa ainda no texto preambular do diploma nos seguintes termos : « a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso ».
A parte que impugna a decisão proferida sobre matéria de facto tem, então, um duplo ónus: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento; fundamentar, em termos concludentes, as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando os meios probatórios (constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada) que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados - veja-se Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código do Processo Civil, Almedina, pág.465….
O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique « os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado » - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág.348.
O que ao tribunal de segunda jurisdição compete é, então, apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos.
A questão é saber: a convicção vertida nas respostas cabe, razoavelmente, nesses elementos? Estes elementos suportam (ou não) essa convicção?
O tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova) mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.
Veja-se aliás que, como se afirma no acórdão do TC nº415/01,de 3 de Outubro de 2001 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), no proc. nº160/01, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, « essa (a 2ª) convicção pode, naturalmente, coincidir ou não com a que se formou na 1ª instância; não coincidindo, tanto respeitaria o duplo grau de jurisdição uma interpretação do disposto nos preceitos em crise no sentido de que deveria prevalecer a interpretação do tribunal de recurso e que o julgamento da 1ª instância deveria ser alterado em consonância, como aquela que o Tribunal da Relação de Coimbra adoptou no caso presente, por a considerar imposta pelo necessário respeito pelos princípios da livre apreciação da prova e da imediação».

Passemos então ao caso dos autos, em que os depoimentos foram gravados.

9. Recurso da Autora - Impugnação da matéria de facto.
9.1. - É por demais evidente a razão que assiste à A, no ponto 5.1.1.A- supra descrito.
Vejamos:
A fls 81/84 consta o despacho a seleccionar os factos assentes e os factos a provar.
Tal despacho foi objecto de reclamação, por parte do R – fls 94 -, onde, no que releva, o R sugeria que se aditasse o “quesito 15-A”, com a seguinte redacção: “Todo o rendimento do casal tinha origem exclusiva nos lucros obtidos com a exploração do estabelecimento gerido pelo demandado?”, constando esta formulação de fls. 94 verso, sob o ponto II-2.º.
Por despacho de fls. 100, foi esta reclamação deferida, tendo o Sr. Juiz ordenado : “proceda à introdução do quesito 15.º)1., nos termos constantes de fls. 94 verso, ponto II, 2.º”.
Analisado o despacho de selecção dos factos de fls 81/84, após a correcção levada a cabo pelo Sr. Funcionário, a quem coube cumprir o despacho, constata-se que:
- não foi introduzido o artigo 15.º) 1 (ou 15.ºA-);
- foi introduzida, nos Factos Assentes, a alínea B)1. com a seguinte redacção: “Todo o rendimento do casal tinha origem exclusiva nos lucros obtidos com a exploração do estabelecimento gerido pelo demandado.”
Na sentença, ao elencar-se os factos provados, inseriu-se, sob o ponto 4-, o que consta a indicada al.B)1. – ver fls. 389, penúltimo parágrafo.
Por sua vez, no despacho de resposta à matéria de facto, o Sr. Juiz respondeu ao art.º 15.º-A, como “Não provado.”
E dúvidas não se levantam sobre se tal resposta se reporta à matéria indevidamente inserida nos autos sob a al.B)1., pois tal resposta está em concordância com a apreciação feita na parte final do despacho –fls 354, último parágrafo - onde se refere ser de rejeitar a tese do R defendida no art.º 11 da contestação, sendo que esse artigo 11.º se reporta à mesma matéria, aí se podendo ler: “A Autora logo após o casamento, mais concretamente em meados de 1984, deixou completamente de trabalhar, sendo o demandado, a partir de então, o responsável pelo sustento do casal, composto por esta, pelo demandado e por dois filhos menores, estudantes.”

Estamos perante uma evidente irregularidade cometida pelo Sr. Funcionário Judicial, pois incumbindo à secretaria a execução dos despachos-art.º 161.º do CPC –vemos que o mesmo não foi cumprido, tendo–se praticado um acto que a lei não admite – introdução da al.B)1. sem despacho a ordená-lo e, por outro lado, omissão do acto que consistia na introdução do art.º 15.º)1., esse sim ordenado por despacho.
Estas irregularidades são susceptíveis de conduzir à nulidade do acto e dos actos (todos ou parte) subsequentes, se se concluir que tal irregularidade influiu na decisão da causa –art. 201.º CPC.
Analisada a sentença, vemos que o Sr. Juiz, embora tenha feito expressa referência a essa factualidade, que no seu entender estava assente (por virtude da aludida irregularidade), não retirou daí quaisquer ilações jurídicas, não tendo a decisão final, em concreto, sido influenciada por tal facto, nem se nos afigura que o possa vir a ser, ainda que seja outro o entendimento de direito.
Se tal facto não constasse da sentença como assente, nem por isso a decisão teria sido diferente.
Assim, julga-se que a irregularidade fica sanada com a exclusão dos factos assente do ponto 4 da sentença, sendo essa também a perspectiva da recorrente, que pede apenas que se exclua tal facto.

9.2. Suscita a A a questão de ter feito prova com os documentos de fls. 261 a 279 – ponto 5.1.1. B- supra
Neste ponto diremos que a A não pode obter a modificação da matéria de facto, pois não deu cumprimento ao ónus supra descrito –art.º 690.º A do CPC.
Não impugna expressamente nenhuma resposta dada a um concreto artigo da Base Instrutória, nem vemos como o fazer, dado que a BI não contemplou esta matéria.
Não é pois admissível qualquer modificação dos factos, neste segmento.

10. Recurso do R – Impugnação da matéria de facto
O recorrente deu cumprimento ao art.º 690.º- A do CPC.
Defende deverem ser dadas respostas positivas aos art.º 1.º a 8.º e parcialmente positiva ao art.º 25.º, todas da BI, artigos que mereceram respostas negativas a 1.º a 7.º e 25 e resposta restritiva conjunta aos 8.º e 9.º.
Arts.º 1.º a 7.º - perguntava-se se o R procedeu em 1988 e 1989 a diversas obras de reparação na casa dos autos, identificada em A) dos FA.
Para o efeito indica o depoimento da testemunha G, alegando que “este declarou que de facto foram, em 1988 e 1989, realizadas obras de restauro na casa onde habitavam Autora e Réu e por conta deste, não tendo o seu depoimento sido considerado, nessa parte credível, o que desde logo levanta dúvidas sobre os critérios de valoração dos depoimentos prestados”.
No tocante a estas obras, que mereceram resposta negativa, o Sr. Juiz fundamentou a sua convicção fazendo constar que: ”não foi produzida qualquer prova”.
Ora, da análise da prova produzida afigura-se-nos seguro que o Sr. Juiz ou não se soube expressar, ou não esteve atento. É que sobre as obras e afirmando a sua realização, depuseram 3 testemunhas. Uma dela, o M, sócio da empresa que efectuou as obras em 94/95 e que afirmou perante o tribunal, com a razão de ciência que lhe adveio da sua qualidade de profissional da construção, (não porque tivesse presenciado essas obras, mas pelo que lhe foi dado ver na casa, aquando das obras de 94/95 e lhe foi dito nessa altura pelo R), que a mesma casa tinha sido objecto de anteriores obras de melhoramentos, ao nível do telhado –referindo que nas obras de 94 se aproveitaram as telhas, que estavam novas - e das madeiras –soalho e janelas, que também mereceram aproveitamento.
A testemunha G, que revelou conhecer bastante bem a vida local, quer das partes, quer dos familiares e ter com eles bom relacionamento, desde longa data, afirmou terem ocorrido obras de melhoramento na casa, em 88/89, ao nível de “telhas e madeiras”.
A testemunha J, também confirmou a realização de obras em 88/89, dando a conhecer até o nome do “mestre” que realizou essas obras –S.
Neste contexto, não se poderá afirmar que prova não foi produzia. O que poderá ter acontecido é a mesma não ter sido convincente, na perspectiva de quem fez o julgamento, mas como o Sr. Juiz não indicou nenhuma razão para que estes depoimentos, nesta matéria, não lhe tenham merecido credibilidade, não vemos como não considerar assente que nessa época foram realizadas obras de melhoramentos.
Agora, o que ninguém afirmou, com o mínimo de segurança, foi quem ordenou e custeou, nem qual o seu valor, sendo certo que nessa época a casa ainda era pertença dos pais da A, que eram ambos vivos. O facto das testemunhas afirmarem que foi o R que as realizou não permite, só por si, concluir que tenha sido ele o dono da obra.
Assim, acorda-se em alterar as respostas dadas nos moldes seguintes:

Art.º 1.º a 6.º - Provado que por volta dos anos 88/89, foram levas a cabo obras de melhoramento na casa identificada em A) dos FA., ao nível do telhado e das madeiras – janelas e soalho.
Art.º 7.º - Mantém-se a resposta “Não provado”.

Artigo.º 8.º
O tribunal deu uma resposta conjunta aos arts.º 8.º e 9.º.
O recorrente só impugna a resposta ao 8.º, pedindo que ao mesmo se responda “ provado”.

Os arts.º 8.º e 9.º tinham a seguinte redacção:
“Em 1994, a A e o R iniciaram a demolição e posterior reconstrução do prédio descrito em A)?”
“…tendo concluído as obras em 1995?”

A resposta dada pelo tribunal foi a seguinte:
“Provado apenas que, em 1994 e 1995, o prédio referido em A) dos FA , foi com excepção da frontaria do edifício, demolido e reconstruído”.
Alega o recorrente que o referido facto provado resultou do depoimento de uma única testemunha, C. Mas do depoimento da testemunha M, testemunha comum às partes, bem como do depoimento das testemunhas J, G e J, resulta claramente que o prédio implantado no terreno da Autora, ora Recorrida, trata-se de um prédio novo, construído de raiz, com inclusive mais um piso do que o anterior, tendo o anterior sido totalmente demolido, pelo que devia ter sido considerado provado que em 1994 e 1995, o prédio referido na alínea a) dos factos assentes foi totalmente demolido e reconstruído, sendo certo que pelo termo "reconstrução"pretende-se dizer construção de um novo edifício.
Da conjugação dos elementos probatórios recolhidos em sede de audiência de julgamento criamos a convicção de que a frontaria também foi demolida, pois isso mesmo o afirmaram os construtores e as restantes testemunhas indicadas pelo recorrente. E tal não colide, necessariamente, com os restantes depoimentos das testemunhas que disseram que a frontaria se manteve, pois foi afirmado, por várias vezes, que a frente do prédio, depois da nova construção, ficou igual à antiga. Daí ser perfeitamente compreensível a afirmação feita por algumas testemunhas, de que afrontaria se tinha mantido.
Os responsáveis pela construções foram bem claros ao esclareceram que inicialmente estava prevista a “reconstrução, com a manutenção da frontaria”, mas que posteriormente concluíram que a melhor solução técnica era a demolição, no que aconselharam as partes, assim se tendo procedido.
O Sr. Juiz, contrariamente ao que defende o recorrente, não fez constar da sua fundamentação que a sua convicção se tenha baseado apenas no depoimento da testemunha C, mas o certo é que também não esclareceu, na fundamentação, qual o percurso do seu raciocínio que o levou a entender que "a frontaria se manteve”, e sem que tal percurso seja explicado ficamos sem forma de o compreender e, consequentemente, de o manter, tendo então este tribunal que se ater apenas ao que resulta da audição da prova e dos documentos juntos.

Quanto à restrição feita pelo Sr. Juiz, no tocante a saber de quem foi a autoria das obras (e, implicitamente, quem suportou o seu custo), entendemos que a resposta dada, onde se omite qualquer referência à autoria das obras, não é consentânea, nem com a prova produzida nem com a fundamentação. A convicção do Sr. Juiz está expressa a fls 354, parágrafo 4.º, onde dá a conhecer que a prova que indica - certidão do inventário e depoimento as testemunhas M e J – “ possibilitou ao tribunal conhecer que as obras efectuadas em 1994/1995, no prédio mencionado em a) dos factos assentes foram pagas pela Autora, em contrário de outras que foram pagas pelo Réu.”
Ora, se o Sr. Juiz se convenceu que as obras foram pagas pela A, não se compreende como é que não respondeu em conformidade.
Analisando a resposta dada aos art.ºs 8.º/9.º, ficamos sem saber quem é que fez as obras, podendo até equacionar-se a possibilidade das obras em causa terem sido feitas por terceira pessoa, o que não foi manifestamente o caso.
Este segmento da resposta não foi posta em crise pelo recorrente, certamente por falta de nela ter concretamente atentado.
Analisados os meios de prova produzidos, com especial incidência nos documentais – orçamento, cheques emitidos pela A e recibos dos valores pagos pelas obras – conjugados com os depoimentos dos responsáveis pelas obras e com os demais elementos trazidos aos autos, também criamos a convicção de que as obras foram levadas a cabo pela A.
Assim, altera-se a resposta conjunta aos art.sº 8.º e 9.º, que passa a ser a seguinte:
Arts.º 8.º e 9.º - Provado que em 1994/1995 a A demoliu e reconstruiu o prédio descrito em a) dos factos assentes.

Artigo 25.º - Perguntava-se “A A, desde Junho de 1999, recebe e faz suas todas as rendas referentes ao imóvel, à excepção das rendas referentes ao contrato de arrendamento com a Caixa Geral de Depósitos?”
O Tribunal respondeu”Não provado”.
Defende o recorrente que do depoimento da testemunha E, inquilina de Recorrente e Recorrida de 1995 a 2003, resulta que a mesma entregava desde Junho de 1999, as rendas à Recorrida, pelo que, o quesito 25° da base instrutória devia ter sido considerado parcialmente provado.
Analisado o depoimento em causa, que nessa questão das rendas não foi, de forma alguma, contrariado pelos demais meios de prova, tanto quanto eles nos foram dados a conhecer, e porque a testemunha afirmou repetidamente, de forma que não suscitou dúvidas quanto à sua credibilidade, que “sempre pagou as rendas à A, desde 95 a 2003”, sem que o Sr. Juiz tenha algo deixado expresso no tocante à sua resposta negativa, entendemos ser de alterar a resposta.

Assim, altera-se a resposta ao art.º 25.º para: “A A recebeu, entre 95 e 2003, as rendas relativas à fracção arrendada à Dr. É”.

11. Decidido o recurso de facto, a matéria assente e a considerar em sede de recurso de direito é a seguinte:
1 - Está descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o n° , o prédio urbano sito na Rua , composto de rés-do-chão, 1 ° e 2° andar, inscrito na matriz sob o artigo - Alínea A).
2 - O prédio descrito em A) corresponde ao antigo prédio urbano identificado sob a mesma descrição predial- Alínea A) 1.
3 - A aquisição do prédio descrito em A) e A) 1 está inscrita a favor de M, por partilha por morte de seus pais _ AlíneaB).
5 - O prédio descrito em A) está arrendado a diversos inquilinos - Alínea C).
6 - O réu recebeu 77.546,72 € de rendas referentes ao contrato de arrendamento celebrado com a Caixa Geral de Depósitos, referentes a Junho de 1999 a Novembro de 2003 - Alínea D).
7 - Autora e réu casaram um com o outro em 3 de Setembro de 1981, sob o regime supletivo de comunhão de bens adquiridos, casamento que foi dissolvido por divórcio por sentença de 2 de Julho de 1997, transitada em 25 de Setembro de 1997 - documento de fls. 8 (assento de nascimento da A.).
7-A - Por volta dos anos 88/89, foram levas a cabo obras de melhoramento na casa identificada em A) dos FA., ao nível do telhado e das madeiras – janelas e soalho.
8 - Em 1994/1995 a A demoliu e reconstruiu o prédio descrito em a) dos factos assentes.- Factos 8° e 9°.
9 - Em 1986, J doou à Autora e Réu um prédio rústico e urbano, localizado no Sítio , freguesia e concelho de Santa Cruz - Facto 16°.
10 - O prédio antes mencionado foi loteado - Facto 17°.
11 - O referido na alínea a) dos factos assentes encontra-se, actualmente, inscrito na matriz sob o artigo - Facto 20°.
12 - Após a reconstrução do prédio referido na alínea a) dos factos assentes, Autora e Réu habitaram em parte do mesmo - Facto 21°.
13 - A Autora e Réu, em 1999, já após o seu divórcio, declararam dar de arrendamento à "Caixa Geral de Depósitos, S.A." uma loja, uma arrecadação e uma instalação sanitária do prédio referido na alínea a) dos factos assentes - Facto 24°.
14. A A recebeu., entre 95 e 2003, as rendas relativas à fracção arrendada à Dr. É.



12. Erro de Julgamento
O âmbito do recurso determina-se pelas conclusões dos recorrentes (artigos 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 CPC), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o Tribunal deva conhecer oficiosamente (artigo 660º, n.º 2, ex vi artigo 713º, n.º 1 CPC). C
Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal da 1.ª instância.

12.1. Recurso de direito da Autora -
Insurge-se a Autora contra a parte decisória da sentença que reconheceu ao R direito a metade do valor das benfeitorias realizadas no prédio, na pendência do casamento, bem como a metade das rendas, vencidas durante o casamento.
Defende a A que o R não conseguiu provar que tivesse contribuído para as obras, tendo antes a A provado que foi apenas ela quem pagou as obras. E que por isso a sentença violou o art.º 1723.º c) do CC.
Defende que deve declarar-se que o prédio em causa, com todas as suas benfeitorias e rendimentos, pertence exclusivamente à recorrente.

12.2. Recurso de direito do Réu
Defende o R que as referidas obras devem ser consideradas como acessão e não benfeitoria, a qual é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade. Assim, constituindo um bem autónomo em relação ao terreno em que foram construídas, mas com ele tornando um todo único, devia ter sido declarada a compropriedade da casa por parte de ambos.
Para o caso de assim não se entender, invoca o abuso de direito, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelo fim social e económico do seu direito, o facto de a Recorrida adquirir a totalidade de um prédio, com o consequente direito exclusivo de recebimento de rendas, quando só contribuiu na proporção de metade para a construção do mesmo (art.1403°, n.º2 do Código Civil).

13. Assim, colocam-se à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:

A) qualificação do prédio identificado nos autos, no tocante à propriedade
B) qualificação das obras levadas a cabo nesse prédio: acessão ou benfeitorias
C) integração dessas obras na comunhão
D) abuso de direito

Vejamos:

A) qualificação do prédio identificado nos autos, no tocante à propriedade
Na sentença conclui-se que o prédio é propriedade da A, dado que beneficia da presunção decorrente do registo predial.
Que a A beneficia dessa presunção é questão assente, não se mostrando útil quaisquer outras considerações.
Pese embora se tenha tratado de reconstrução total do prédio, não podemos ver aí um outro prédio, diferente do anterior, pois manteve-se a mesma descrição predial.
Tais obras devem ser vistas como um melhoramento do prédio, não tendo ocorrido qualquer alteração, no tocante à propriedade do prédio que se mantém na autora, como se decidiu na sentença.

B) qualificação das obras levadas a cabo nesse prédio: acessão ou benfeitorias
Na sentença, mais se decidiu que as obras feitas no prédio constituem benfeitorias e que estas têm a natureza de bem comum do casal invocando-se o disposto no art.º 1733.º2.º do CC.
Importa analisar se estamos perante “acessão” ou “benfeitorias”.
É questão sobejamente debatida saber qual a natureza das construções feitas pelo casal, em prédio próprio de um dos seus membros. A propósito cita-se Ac. STJ de 29/10/2002 no proc 02A3288, in www.dgsi.pt:
E tal prédio urbano, construído pelos ex-cônjuges, deverá ser qualificado como benfeitoria ou como acessão imobiliária? Relativamente a tal questão diz-nos o Prof. Vaz serra o seguinte: "...A benfeitoria e a acessão, embora efectivamente se apresentem com caracteres idênticos, pois há sempre um benefício material para a coisa, constituem realidades jurídicas distintas. A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela. São benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo enfiteuta, pelo possuidor (artigos 1273-1275), pelo locatário (artigos 1074 e 1082), pelo comodatário (artigo 1138) e pelo usufrutuário (artigo 1450); são acessões, os melhoramentos feitos por qualquer terceiro, não relacionado juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um simples detentor ocasional" (Rev. Leg. Jur., ano 108, pg. 266).
Ora, integrando-se o bem doado - terreno - nos bens da comunhão geral, não existem dúvidas que a construção pelos ex-cônjuges nesse terreno de uma casa constitui uma benfeitoria e não uma acessão…”
As obras feitas não podem pois ser vistas sob o prisma da acessão, desde logo, porque nem sequer se provou que as mesmas tenham sido levadas a cabo pelo R, pelo que falece esse seu argumento. Mas ainda que o tivessem sido sempre o R não poderia ser considerado “terceiro”, em relação ao prédio, dada a sua qualidade de cônjuge da proprietária, sendo que essa qualidade de terceiro é indispensável no âmbito do instituo da acessão.

C) integração dessas obras na comunhão
Importa agora apreciar se essas obras –benfeitorias- devem ser entendidas como património comum do casal, ou antes, como bem próprio da A, já que se integraram no prédio que é seu bem próprio.
Está provado que as obras foram levadas a cabo pela A.
Essas obras tiveram lugar na pendência do casamento, sendo o regime vigente o da comunhão de adquiridos.
Neste regime de bens fazem parte da comunhão «os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei» - artigo 1724º, alínea b), do CC.
Também fazem parte da comunhão os frutos e rendimentos de bens próprios e benfeitorias úteis feitas nesses bens, por aplicação analógica do art.º 1733.º 2.º do CC - ver sobre esta questão e quanto a diversa solução, consoante o tipo de benfeitorias, Pereira Coelho, in”Curso de Direito da Família” vol.I, 2.ª ed. 2001, pg. 544/545
Por seu turno, o artigo 1722º n.º 1, alínea b), estatui que são considerados próprios dos cônjuges, «os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação», dispondo-se no artigo 1723º al c), que conservam a qualidade de bens próprios «os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges».
A interpretação deste último preceito tem gerado controvérsia tanto na doutrina como na jurisprudência.
Para uns, determinado bem só pertence à massa de bens próprios de um dos cônjuges, se tiver havido menção da proveniência do dinheiro com que foi adquirido no documento de aquisição ou equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.
Em caso de inobservância desses requisitos, tal bem não pode ser exceptuado da comunhão, sendo qualificado, pois, como comum - ver Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. IV, 2.ª edição, págs. 425/427, e Acórdão STJ de 25 de Maio de 2000, CJSTJ, VIII, 2.ª, pág. 76.
Para outros, contudo, impõe-se uma interpretação restritiva da alínea c) do artigo 1723º, aplicando-se a sua disciplina apenas nas relações dos cônjuges com terceiros. Mas já não nas relações entre os cônjuges. Neste último campo, as formalidades exigidas na referida alínea não são necessárias, sendo facultada ao cônjuge - adquirente a utilização de quaisquer meios de prova, tendentes à obtenção da qualificação como próprio, do bem adquirido na constância do casamento.
Se estiverem em jogo somente interesses dos cônjuges, esse normativo tem o valor de mera presunção iurio tantum, sendo consentida, então, para efeitos de qualificação do bem, como próprio de um dos cônjuges, a prova por qualquer meio, de que o mesmo foi adquirido com dinheiro ou valores próprios desse cônjuge - adquirente (neste sentido, ver Pereira Coelho, ob cit, pg. 519, Castro Mendes "Direito de Família", 1990/1991, pág. 170; e Acórdãos STJ de 14 de Dezembro de 1995, CJ, III, 3.ª, pág. 168.
Mesmo que se perfilhe esta orientação – a mais favorável à posição defendida pela A – sempre teremos que concluir que:
- as obras feitas por si, porque de benfeitorias úteis de tratam, presumem-se comuns, porque efectuadas na constância do casamento, e atento o regime de bens vigente.
- para afastar essa presunção teria a A que ter provado que essas obras foram suportadas com dinheiro ou valores próprios dela, o que não fez.
É que não basta provar que fez as obras, que as pagou. Mais importante do que isso era provar a proveniência dos meios que permitiram o pagamento. Só a prova de que o pagamento foi feito com meios próprio da A é que poderia ilidir a presunção da comunhão, e tal prova não foi feita.
Como esta matéria se configura como impeditiva do direito invocado pelo R/reconvinte, -ver reconhecida a qualidade de comum às benfeitorias - recaia o respectivo ónus da prova sobre a A –art.º 342.º,2 CC
A A alega que o R não provou ter contribuído para as obras, mas como se vê, essa prova não era determinante para a decisão.

Logo, teremos que concluir, embora com um percurso diferente, como se concluiu na sentença, que as benfeitorias realizadas pertencem à comunhão.

D) abuso de direito
Por último resta a questão do abuso de direito.
Trata-se questão nova que não foi suscitada em sede 1.ª instância, mas como se permite o conhecimento oficioso deste instituto, não está a parte vedada de o suscitar apenas na face de recurso.
Analisada a factualidade provada e tudo o que atrás ficou exposto e decidido, não se vislumbra que o direito exercido ela A e que lhe vai reconhecido, configure qualquer abuso de direito, tal como o define o art.º 334.º do CC.

Tudo visto, acorda-se em julgar improcedentes ambos os recursos e confirmar a sentença recorrida.
Custas por A e R, em partes iguais.

Lisboa 21/08/2008

Teresa Soares
Carlos Valverde
Granja da Fonseca