Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ALEXANDRA VEIGA | ||
Descritores: | ESPECULAÇÃO DOLO CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/07/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - O crime de especulação, p. e p. pelo art.º 35°, nº 1, al. b) art.º 35°, nº 1, al. b) do D.L. nº 28/84, de 20/01 é um crime de mera atividade e não um crime de resultado, porquanto não se exige para o preenchimento do tipo que o agente venha efetivamente a obter um lucro ilegítimo, bastando que altere conscientemente os preços de um bem ou de um serviço. II - O caso que nos ocupa é ainda mais simples. Trata-se de uma cobrança de valor superior ao que constava no taxímetro. III - O dolo e a consciência da ilicitude estão perfeitamente retratados na sentença, não só porque o arguido não é novo na profissão de taxista – tendo obrigação de conhecer as convenções a que está vinculado, designadamente, a regra simples de não cobrar para além do que marca no taxímetro, mas também porque assumindo que o taxímetro marcava menos - doze euros e quarenta cêntimos - do que recebeu, tentou convencer o Tribunal que o que lhe foi pago – vinte cinco Euros – o entendeu como gorjeta, tese que o Tribunal desmontou, conforme resulta da decisão. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: No processo sumário nº 536/25.0SILSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa - Juiz 2 - foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, julga-se a acusação pública totalmente procedente e, em consequência, decide-se: a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de especulação, previsto e punido pelos artigos 35.º, n.ºs 1, alínea b), 4 e 5, 19.º n.ºs 1 e 3, ambos do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, na pena de 7 (sete) meses de prisão, e na pena de 110 (cento e dez) dias de multa; b) Substituir a pena de prisão ora aplicada ao arguido por 210 (duzentos e dez) dias de multa; c) Condenar o arguido na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), o que perfaz o montante total de 1.920,00 € (mil novecentos e vinte euros), nos termos do artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março; d) Determinar a publicação da presente sentença, a expensas do arguido, devendo o mesmo comprovar nos autos, no prazo de 30 dias, a referida publicação, nos termos do disposto no artigo 35.º, n.º 5, e 19.º, ambos do Decreto-Lei nº 28/84 de 20 de Janeiro; e) Determinar a afixação de edital, no interior do táxi, quando conduzido pelo arguido, de forma bem visível ao público, pelo período de 30 dias, nos termos do artigo 19.º, n.ºs 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 28/84 de 20 de janeiro; f) Condenar o arguido no pagamento das custas processuais, fixando a taxa de justiça em 2 (duas) Unidades de Conta.» * Inconformado, recorreu o arguido formulando as seguintes conclusões: 1ª No livre exercício da convicção do julgador não bastam elementos intraduzíveis e subtis, é necessário e imprescindível que o Tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento facto. 2ª Todavia o Tribunal apenas julgou com base em convicção sendo que inexistem fatos bastantes para que a condenação exceda um crime de especulação. 3ª Todas as dúvidas patentes na matéria de facto e demonstrada pelo recorrente foram solucionadas em seu desfavor não tendo a sentença recorrida efetuado qualquer análise crítica desses fundamentos em concreto uma vez que se limitou a reproduzir o que em teoria é aplicável a todos os casos, não cuidando de com base na matéria para o efeito alegado conhecer ou demonstrar que não assistia razão ao ora recorrente. 4ª A sentença recorrida viola o disposto no n.º 2 do art.º 410º do C.P.P., a saber: manifesta insuficiência da matéria de facto apurada para alcançar uma decisão justa; contradição insanável entre factos dados como provados e factos dados como não provados; erro notório na apreciação da prova, pois a decisão recorrida, com base nos factos provados jamais poderia imputar-lhe condutas integradoras dos crimes em causa. 5ª. Tendo ficado demonstrada a existência de erro de julgamento quanto ao famigerado que critérios mínimos de razoabilidade e senso comum impunham outra postura. Encontram-se assim violados os artigos 131º, 132º nº 1 e 2 al. h) do CP. 6ª O Tribunal apenas julgou com base em convicção, com base em suposições e em contradição com a prova produzida em audiência, estando incorretamente julgados os factos relativos ao crime de especulação. 7ª É patente pois atento o alegado a existência de erro notório na apreciação da prova com reflexos nos pontos dos Factos Provados que assim não deveriam ter sido dados como provados uma vez que de tais depoimentos apenas emergem dúvidas sobre o que terá sucedido e que não podem prejudicar o arguido. 8º Em suma, dando por reproduzido o anteriormente alegado e desde logo pela falta de demonstração da existência de dolo e até da falta de consciência da ilicitude o arguido sustenta que a factualidade demonstrada não se afigura suficiente para que seja mantida a respetiva condenação. 9ª Não demonstrando qualquer respeito pelas finalidades que as determinações da medida das penas devem alcançar. Efetivamente, nos termos do disposto nos art.º 369º a 371º e n.º 3 do art.º 71, do C.P., na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena. 10ª É, pois, flagrante a violação do artº 374º nº2 do CPP pois que a decisão se afigura ilógica, arbitrária, contraditória e violadora das regras de experiência comum. 11ª Tendo ficado demonstrada as existências de erro de julgamento encontram-se, assim, violados os artigos 131º, 132º nº 1 e 2 al. h) do CP. 12ª O Tribunal apenas julgou com base em convicção, com base em suposições e em contradição com o depoimento efetivo e espontâneo. 13ª Por último, verifica-se que o facto de a sentença recorrida não ter sido devidamente transcrita, dificulta ou quase impossibilita a impugnação da matéria de fato bem como a contradição ou insuficiência da fundamentação, impondo-se a repetição do julgamento. 14ª Por último, não ficou provado o valor em concreto que constava do taxímetro e se este era ou não distinto do valor solicitado pelo Arguido, esta inexistência de prova deste critério de partida em concreto impossibilita o Tribunal de 1ª Instância a condenar pelo crime que vem acusado. 15ª O tribunal de 1ª instância fez tábua rasa dessa inexistência de prova produzida em julgamento para fundamentar a sua decisão com base em meras suposições e estimativas imprecisas. 16ª Todavia o Tribunal apenas julgou com base em convicção, com base em suposições na medida em que não teve lugar a produção de qualquer prova uma vez que apenas foram inquiridas testemunhas que não presenciaram os factos, ou seja, que em momento algum verificaram o valor que constava do taxímetro no local da detenção ( ...) quando apenas o observaram na ..., sendo certo que o arguido também se recordava do valor que marcava - € 12,40, valor que solicitou à passageira. 17ª Efetivamente, não se encontra demonstrado que o arguido e ora recorrente tivesse alterado o taxímetro ou exigido valores superiores ao que o mesmo marcava. Não foi feita qualquer prova uma vez que a fotografia foi obtida quase uma hora depois na ... (...). 18ª Contudo, após a Acusação o objeto do processo fica “cristalizado” sob pena do arguido ser apanhado de surpresa comprometendo a sua Defesa, o que acabou por suceder ao ser proferidas duas Acusações com factos distintos, em dias distintos. 19ª Proibição de Valoração de “Conversas Informais” O Tribunal da Relação do Porto, no Processo 182/22.2GCVFR.P1, proferiu a seguinte decisão, que se aplica à decisão do Tribunal Recorrido, “Não podem valer como prova afirmações do arguido prestadas em “conversas informais” com um agente policial, seja tal conversa posterior ou anterior à sua constituição como arguido. As razões substanciais que levam à irrelevância como prova de declarações informais de arguido prestadas depois da sua constituição como tal são as mesmas que deverão levar a essa irrelevância quando tais declarações são prestadas antes dessa constituição. 20º O Tribunal da Relação do Porto, no processo 999/20.0PWPRT.P1, proferiu decisão em sentido idêntico quando refere que “Devem ser tidas como conversas informais, insuscetíveis de ponderação em sede de julgamento, as respostas às questões que o órgão de polícia criminal coloca aos suspeitos que intercetou a partir do momento em que é seguro que vai ser aberto inquérito onde os mesmos vão ser constituídos arguidos” 21ª Contudo, foram “reproduzidas”, de forma infiel, as conversas tidas pelos OPC com o Arguido, que na altura já era suspeito por o terem mandado parar e já tinham verificado toda a documentação obrigatória. Logo já se tratava de um “suspeito” pelo que a proibição de valoração para fundamentação da sentença aplica-se a tais conversas tidas entre os OPC e o Arguido. 22ª Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, Podemos dizer que o mesmo corresponde a uma «carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria de facto seja proferida uma decisão de direito segura», devendo também ser patente da decisão em causa que o Tribunal a quo podia e devia ter indagado outros factos de modo a tornar o elenco dos factos provados e não provados aptos a uma sustentada solução de direito. 24ª No sentido em que, em momento algum foi provada com certeza qual o valor que constava do taxímetro e uma mera simulação, isto é uma estimativa que peca por defeito perante a existência transito caótico resultante das obras efetuadas, e que ainda decorrem, na .... 25ª Sendo esse um critério essencial para aferir se o que foi solicitado pelo Arguido foi diferente do que marcava no taxímetro. E perante a incerteza e inexistência de prova quanto ao que este marcava, a decisão do Tribunal Recorrido sofre do vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. * Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público, não apresentando conclusões, mas concluindo pela improcedência do recurso. * Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer sufragando a posição assumida na primeira instância e referindo o seguinte: “…Em conformidade com o previsto nos art.389º-A do Código de Processo Penal, a decisão impugnada foi proferida oralmente, na mesma se evidenciando a indicação e exame crítico das provas e, bem assim, exposição dos motivos de facto e de Direito que fundamentam a decisão, elementos esses recolhidos pelo sistema de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal. Examinados os detalhados fundamentos integrantes da decisão proferida, e os fundamentos do recurso interposto; em sintonia com as pertinentes considerações expendidas no âmbito da resposta apresentada pela Exma. Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância, acompanhamos tal resposta, nos precisos termos em que vem formulada e para a qual aqui se remete, por razões de economia processual. * Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal não foi apresentada resposta ao parecer. * OBJECTO DO RECURSO Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995] Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: a - Nulidades da sentença; Proibições de prova e violação do disposto no art.º 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal b- Da violação das alíneas a) b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal; c- Dos artigos 131.º e 132.º do Código Penal; d- Erro na apreciação da matéria de facto- in dubio pro reo. e- Da dosimetria da pena. * DA SENTENÇA RECORRIDA Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada - transcrição da sentença proferida oralmente (com recurso à aplicação turbo scribe): «O Tribunal dá como provados todos os fatos da acusação pública, que estão a Folhas 23 e 23 verso dos autos Factos provados: 1.No dia ... de ... de 2025, cerca das 15h20 na ..., junto ao nº ..., em ..., o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..., afeto ao serviço público (táxi letra A), transportando a passageira BB, desde o aeroporto de Lisboa, na área desta comarca de Lisboa, até ao local da abordagem na referida ... . 2. Em tais circunstâncias de tempo e lugar, o taxímetro exibia o valor de 13,50€ (treze euros e cinquenta cêntimos) referente à deslocação, sem adição de suplementos. 3. Nesse contexto, porém, o arguido cobrou à referida passageira o valor de 24,00€ (vinte e quatro euros). 4. O arguido sabia que os valores a cobrar se encontram fixados por Convenção e que não poderia exigir quaisquer outros que não resultassem daquela e, ainda assim, não se coibiu de atuar do modo descrito. 5. Mais sabia o arguido que o serviço que prestara àquela cliente não o legitimava à cobrança da quantia de 10,50€ em excesso, além do que constava do taxímetro e, não obstante, fê-lo e quis cobrá-la, assim visando obter um proveito económico, naquele valor, a que sabia não ter direito. 6. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. (…) Dá-se também como provado que o Arguido é motorista de táxi. Dá-se como provado que vive com o seu filho em casa arrendada e que tem dois filhos menores de idade. Dá-se também como provado que o Arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sob o efeito do álcool ou estupefacientes por decisão transitada em julgada ... de ... de 2023, do Tribunal Espanhol, na pena de um dia de multa taxa diária de 6 euros, na pena de 4 meses, e na pena de suspensão da carta de condução por 10 meses. E dá-se como não provado que o Arguido aufere salário mínimo nacional. Dá-se também como não provado que a renda da habitação ascende a mil euros e que está totalmente a seu cargo. No que diz respeito à motivação da matéria de facto, em sede à audiência de julgamento, em primeiro lugar, prestou declarações ao Sr. Arguido, que pretendeu falar acerca dos fatos que lhe são importados na acusação pública. Para além disso, foram também ouvidas as três testemunhas arroladas na acusação pública. As duas primeiras, agente da Polícia de Segurança Pública e a terceira, a passageira que foi transportada pelo Sr. Arguido. O Sr. Arguido confirmou, em suma, o facto primeiro da acusação pública, portanto, que naquele dia, àquela hora, transportou desde o aeroporto até à ..., naquele veículo automóvel ligeiro de passageiros afeto ao serviço público de táxi com a letra A, aquela passageira, referindo que o valor que aparece retratado nos autos, a fotografia que aparece retratada nos autos de 13,50€, não era o valor que marcava o taxímetro quando terminou a corrida, referindo que esse valor ascendia a 12,40€ e que, quando tentou, ou melhor, quando tentou passar para pagamento, que inadvertidamente carregou apenas uma vez no taxímetro e isso fez com que passasse à tarifa 3 e não ao pagamento e, portanto, que o taxímetro continuou a contar enquanto o Sr. foi tirar a mala do carro e falou com a Senhora. Sendo certo que referiu, ou melhor, que confirmou que a Sra. Passageira lhe pagou 25€ pelo serviço, sendo que a diferença entre os 25€ e os 12,40€ tomou-a como sendo uma gorjeta da vontade da Sra. Passageira. As declarações do Sr. Arguido foram, veementemente, contrariadas, nomeadamente no que diz respeito ao montante que foi peticionado pela viagem. A Sra. Passageira a depôs, no nosso entender, de forma objetiva, clara e, por isso, credível, bem como os senhores agentes da Polícia de Segurança Pública, sendo certo que todos foram coerentes e coincidentes entre si. A Sra. Passageira referiu que lhe foi pedida a quantia de 24€, confirmou também que o Sr. Arguido não apontou para o taxímetro, não disse que a quantia era outro valor diverso, disse que aquilo que, aliás, disse mais, disse quando acabou a viagem, eu perguntei, quanto é que eu tenho que pagar? E o Sr. disse-me, 24€. Isto foi o que disse a Sra. Passageira. Sendo certo que o Sr. Agente, CC, refere que a passageira lhe transmitiu exatamente a mesma coisa, que foi quando foi ao hotel ter com o Sr. que a Sra. lhe disse que aquilo que havia pago pela viagem, aquilo que lhe havia sido cobrado, foram 24€, que a Sra. Passageira confirmou. Disse, efetivamente, que não tinha pago 24, mas sim 25, referindo que não tinha os 24 certos e, depreende-se do seu depoimento, que haveria ali um problema com o troco e, portanto, acabou por pagar com 25€, coisa que o Sr. Arguido confirmou. Sendo certo que destes 24 para os 25, A Srª. até disse, pronto, eu só queria ir para o meu hotel e, portanto, esse 1€ excedente admitiu que fosse, sim, uma gorjeta, se bem que não nos pareceu também que tivesse sido uma verdadeira gratificação, que a Sra. quisesse gratificar o Sr. Taxista, mas sim que havia ali uma questão com aquele troco e, portanto, a Sra. disse, tudo bem, ou melhor, contentou-se, resignou-se ao facto de ser 25 e, portanto, que aquele 1€ ficaria de gratificação para o Sr. Taxista. Mas aquilo que disse a Sra. foi que o Sr. lhe disse que a viagem era de 24€ e não de 12,40€, como veio dizer o Sr. Arguido. O facto da Sra. ter dito que, antes de apanhar o táxi, tinha estado a ver na net mais ou menos quanto era o valor médio deste trajeto e que tinha apurado que esse valor se situaria entre os 18€ e os 20€, se nada tem a ver com essa circunstância e, portanto, a Sra. até podia ter apurado que eram 100€ o valor médio, não se sabe em que local é que foi buscar essa informação, que poderia estar errada. Aquilo que disse a Sra. foi que aquilo que lhe foi cobrado foram 24€ e não 12,40€, como diz o Sr. Arguido, sendo certo que o Sr. Arguido disse também que apontou para o taxímetro mas que também verbalizou quanto era o valor e, portanto, ao contrário do Sr. Arguido que, por um lado, não está sob juramento e, portanto, pode falar com verdade ou pode faltar à mesma, a Sra. Testemunha está sob juramento, está obrigada a falar com verdade e, também, ao contrário do Sr. Arguido, a Sra. Testemunha não tem nada nem a ganhar nem a perder em faltar à verdade neste caso. A Sra. disse que não conhece o Sr. Arguido de lado nenhum, continua a não o conhecer, já regressou ao seu país e, portanto, não se vislumbra, ao contrário do Sr. Arguido que, naturalmente, tem razões para faltar à verdade, digamos assim, porque isso poderá tentar, ou poderá tentar, como tentou, eximir-se da responsabilidade criminal do caso concreto. Sendo certo que, também, no que diz respeito ao valor que aparecia no taxímetro, a justificação dada pelo Sr. Arguido também é totalmente contrariada pelos depoimentos das testemunhas de CC e DD. Em primeiro lugar, estas testemunhas disseram que transmitiram ao Sr. Arguido, perentoriamente, que não podia mexer no taxímetro e não se consegue acreditar, à luz das regras de experiência comum, que o Sr. Arguido, sendo taxista há 20 anos, desconhecesse, sendo fiscalizado pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, que não podia mexer no taxímetro. Portanto, parece-nos que é evidente que qualquer pessoa saberá isso, muito mais o Sr. Taxista, que já não é sequer novato nesta profissão. Assim como nos parece, também, que o Sr. Arguido, não mexendo no taxímetro e explicando cabalmente aquilo que veio aqui dizer, aos Srs. Agentes, era muito mais coerente e seria muito mais verosímil do que tentar alterar o taxímetro. Portanto, aí sim, aquilo que dá a entender não só aos Srs. Agentes, como também aquilo que nos deu a entender a nós em sede de audiência, é que estava a tentar ocultar alguma coisa. Nomeadamente, ocultar que estava a circular, eventualmente, em tarifa 3, quando sabia perfeitamente que só poderia circular em tarifa 1 na viagem que fez. Sendo certo, também, que ao contrário do referido pela defesa, nos parece que a testemunha CC, não só não tentou prejudicar, como se diz, e tentar fazer com que seja escondido, mas os Srs. Agentes vão fazer o seu trabalho, a eles também lhes dá igual. Aliás, o Sr. Agente, EE, que disse que ficou com o Sr. Arguido, não disse que não lhe apeteceu olhar para o taxímetro ou que não se quis importar em olhar para o taxímetro. Aquilo que disse foi que ficou a fiscalizar os documentos e ficou a aguardar que o seu colega viesse para conseguir confirmar se havia ou não um crime de especulação. Porque aquilo que disse a testemunha EE foi que o colega podia vir com uma informação que fosse condizente com a que está no taxímetro. E, portanto, esperou que viesse o colega para saber aquilo que tinha a transmitir-lhe. Quanto é que cobraram à senhora? 10 euros. Olha, no taxímetro marca 13. Pronto, então, vamos embora e cada um faz a sua vida. E, para além disso, parece-me que o Sr. CC, o Sr. Agente CC, foi até mais garantista dos direitos do Sr. Arguido, àquela altura suspeito, mas Arguido, porque apesar de dizer que viu a tarifa 3, como não conseguia comprová-la através da fotografia, mas apenas resgatar, digamos assim, a última viagem que aparece em P, em pagamento e não em tarifa 3, não fez sequer averbar no auto notícia que o Sr. Arguido circulava em tarifa 3. Motivo pelo qual o Sr. Arguido não vem acusado de ter circulado em tarifa 3. Coisa que o Sr. Arguido, se apressou logo em justificar, vem aí que o circulava em tarifa 3, mas não vem. Não vem. E, por isso, parece-nos que, efetivamente, estas testemunhas se depuseram de forma credível. Não nos pareceu que fosse qualquer uma delas parcial ou que demonstrasse alguma parcialidade no caso concreto. E, portanto, parece-nos que ficaram cabalmente provados os fatos constantes da acusação pública através dos seus depoimentos e, bem assim, através da prova documental junta aos autos, no que diz respeito às condições socioeconómicas. Também não se crê que o Sr. Arguido aufira o salário mínimo e que paga uma renda de mil euros a seu exclusivo cargo. O Sr. disse que isso tinha a ver com as gorjetas, mas, quer dizer, não nos parece também credível que... não conseguiu sequer dizer uma média de quanto é que ganha com essas gorjetas, portanto, se são mil, se são mil e quinhentos, e, portanto, também não nos parece que se possa atribuir credibilidade nessa parte às suas declarações, considerando que nos parece muito pouco verosímil que alguém que diz que ganhe 870 euros de salário mensal, que tenha uma renda exclusivamente a seu cargo, uma renda de mil euros mensais, porque, como parece-nos, particularmente há aqui uma incongruência, motivo pelo qual se deram esses fatos como não provados. Os fatos atinentes aos elementos subjetivos, inferem-se dos restantes fatos provados e, bem assim, das regras da experiência comum e, portanto, deram-se também os mesmos como provados. Provados restam todos os fatos da acusação pública, dúvidas não restam de que estão reunidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime. O artigo 35, número 1, linha B do decreto-lei 28/84 de 20 de janeiro dispõe que será punido com pena de prisão de 6 a 3 anos e multa no inferior a 100 dias quem alterar sobre qualquer pretexto ou por qualquer meio e com a intenção de obter lucro ilegítimo os preços que, de regular exercício da atividade, resultariam para os bens ou serviços, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor. Portanto, o senhor Arguido cobrou um valor superior àquele que estava no taxímetro Dizer também que, curiosamente, os senhores agentes referiram que interceptaram e que vigiaram a viagem deste caso concreto porque este veículo costuma ter, muitas vezes, um taxímetro oculto e, portanto, isso também contraria as declarações do senhor Arguido que apontou para lá, o taxímetro está muito visível, portanto, efetivamente, não nos parece que é esse que resulte da prova produzida. Assim, sendo reunidos tanto os elementos objetivos como subjetivos do tipo legal de crime, atendendo aos fatos que se deram como provados, vai o Arguido condenado pelo crime pelo qual vem acusado. Este crime é punível com pena de prisão e com pena de multa e, portanto, não há escolha a fazer no caso concreto, tem que se aplicar ao senhor Arguido uma pena de prisão e uma pena de multa. O Arguido agiu com um dolo direto, que é a modalidade mais intensa do dolo, a culpa e a licitude da sua conduta são moderadas, o senhor Arguido sabia, obviamente, que não poderia cobrar um valor superior àquele que estava definido no taxímetro, ainda assim, fê-lo, não demonstrou, em sede à audiência, qualquer arrependimento pela prática dos fatos descritos na acusação pública e, portanto, o Tribunal entende que, por outro lado, o senhor Arguido tem um antecedente criminal registrado por crime total de diversa natureza, sendo certo que essa condenação, sendo de um tribunal estrangeiro, também não é sequer muito perceptível no seu registro criminal e, portanto, aplica-se ao Arguido a pena de sete meses de prisão, mais próxima do mínimo legal de atendendo a tudo o que se expôs e que, para todos os efeitos, não tem qualquer condenação de crime de idêntica natureza e a pena de duzentos e dez dias de multa. No que diz respeito à pena de prisão, considerando também, como se disse, aquilo que se disse acerca dos antecedentes criminais registrados, ao facto que o valor em excesso, a não ser um valor muitíssimo elevado, apesar de já ser um valor considerável, o Tribunal entende que ainda satisfaz, de forma adequada, o suficiente as finalidades da punição, a substituição desta pena de prisão por uma pena de multa, concretamente por, perdão…, há pouco, me enganei, disse, sete meses de prisão e cento e dez dias de multa e a pena de sete meses de prisão que se é substituída por duzentos e dez dias de multa. O artigo sexto, número um do decreto-lei, quarenta e oito, noventa e cinco de quinze de março, dispõe que, quando as normas prevejam a aplicação de uma pena de multa e de uma pena de prisão cumulativamente, sempre que a pena de prisão for substituída pela multa, é o Arguido condenado numa só pena, equivalente à soma das duas penas. E, portanto, vai, então, o Arguido condenado na pena única de trezentos e vinte dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que faz um total de novecentos e vinte euros, considerando aquilo que seu como provado e não provado acerca das suas condições socioeconómicas. Para além disso, determina-se também a publicação da presente sentença, a expensas do Arguido devendo mesmo comprovar nos autos, no prazo de dez dias, a contar do trânsito em julgado a referida publicação, e, bem assim, determina-se a fixação digital no interior do táxi, quando conduzido pelo Arguido, pelo período de trinta dias e de forma bem visível ao público, ambos nos termos do artigo dezanove, números um e três, e trinta e cinco, número cinco, ambos do decreto-lei vinte e oito e oitenta e quatro de vinte de janeiro. » * II. Fundamentação: Questão prévia: da transcrição da sentença: Dispõe o artigo 389.º-A do Código de Processo Penal, com a epígrafe “Sentença”, o seguinte: “1 - A sentença é logo proferida oralmente e contém: a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas; b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão; c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada; d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.° 3 do artigo 374. ° 2 - O dispositivo é sempre ditado para a ata. 3 - A sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363. ° e 364. ° 4 - E sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.° 4 do artigo 101.º 5 - Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excecionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura”. Consta, então, do n.º 3 desta norma, que a sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º. A sentença pode e deve ser gravada. Vertendo ao caso que nos ocupa, atendendo à espécie de processo em causa – processo especial sumário –, a sentença foi proferida imediata e oralmente após o julgamento. Pelo que nada há a apontar ao processado seguido pelo Tribunal a quo. * 1. Nulidade da sentença: Nulidade da sentença, por violação do disposto no art.º 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal; entende o recorrente não ter sido feita uma valoração crítica e individualizada da prova, como exige o artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. O artigo 374º, 2, do Código de Processo Penal exige ao tribunal, além de indicar quais os factos provados e não provados, que indique ainda as razões, o iter lógico dedutivo, que o conduziu a considerar como provada e/ou não provada a factualidade descrita na sentença. Como escreve Marques Ferreira (Meios de Prova In Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 229), citado por Germano Marques da Silva in Direito Processual Penal Português, 2014, UCE, pág. 273, «…estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência». Consta da motivação da sentença o seguinte: « O Sr. Arguido confirmou, em suma, o facto primeiro da acusação pública, portanto, que naquele dia, àquela hora, transportou desde o aeroporto até à ..., naquele veículo automóvel de género de passageiros afeta ao serviço público de táxi com a letra A, aquela passageira, referindo que o valor que aparece retratado nos autos, a fotografia que aparece retratada nos autos de 13,50€, não era o valor que marcava o taxímetro quando terminou a corrida, referindo que esse valor ascendia a 12,40€ e que, quando tentou, ou melhor, quando tentou passar para pagamento, que inadvertidamente carregou apenas uma vez no taxímetro e isso fez com que passasse à tarifa 3 e não ao pagamento e, portanto, que o taxímetro continuou a contar enquanto o Sr. foi tirar a mala do carro e falou com a Senhora. Sendo certo que referiu, ou melhor, que confirmou que a Sra. Passageira lhe pagou 25€ pelo serviço, sendo que a diferença entre os 25€ e os 12,40€ tomou-a como sendo uma gorjeta da vontade da Sra. Passageira. As declarações do Sr. Arguido foram, obviamente, contrariadas, nomeadamente no que diz respeito ao montante que foi peticionado pela viagem. A Sra. Passageira a depôs, no nosso entender, de forma objetiva, clara e, por isso, credível, bem como os senhores agentes da Polícia de Segurança Pública, sendo certo que todos foram coerentes e coincidentes entre si. A Sra. Passageira referiu que lhe foi pedida a quantia de 24€, confirmou também que o Sr. Arguido não apontou para o taxímetro, não disse que a quantia era outro valor diverso, disse que aquilo que, aliás, disse mais, disse quando acabou a viagem, eu perguntei, quanto é que eu tenho que pagar? E o Sr. disse-me, 24€. Isto foi o que disse a Sra. Passageira. Sendo certo que o Sr. Agente, CC, refere que a passageira lhe transmitiu exatamente a mesma coisa, que foi quando foi ao hotel ter com o Sr. que a Sra. lhe disse que aquilo que havia pago pela viagem, aquilo que lhe havia sido cobrado, foram 24€, que a Sra. Passageira confirmou. Disse, efetivamente, que não tinha pago 24, mas sim 25, referindo que não tinha os 24 certos e, depreende-se do seu depoimento, que haveria ali um problema com o troco e, portanto, acabou por pagar com 25€, coisa que o Sr. Arguido confirmou. Sendo certo que destes 24 para os 25, o Sr. até disse, pronto, eu só queria ir para o meu hotel e, portanto, esse 1€ excedente admitiu que fosse, sim, uma gorjeta, se bem que não nos pareceu também que tivesse sido uma verdadeira gratificação que a Sra. quisesse gratificar o Sr. Taxista, mas sim que havia ali uma questão com aquele troco e, portanto, a Sra. disse, tudo bem, ou melhor, contentou-se, resignou-se ao facto de ser 25 e, portanto, que aquele 1€ ficaria de gratificação para o Sr. Taxista. Mas aquilo que disse a Sra. foi que o Sr. lhe disse que a viagem era de 24€ e não de 12,40€, como veio dizer o Sr. Arguido. O facto da Sra. ter dito que, antes de apanhar o táxi, tinha estado a ver na net mais ou menos quanto era o valor médio deste trajeto e que tinha apurado que esse valor se situaria entre os 18€ e os 20€, se nada tem a ver com essa circunstância e, portanto, a Sra. até podia ter apurado que eram 100€ o valor médio, não se sabe em que local é que foi buscar essa informação, que poderia estar errada. Aquilo que disse a Sra. foi que aquilo que lhe foi cobrado foram 24€ e não 12,40€, como diz o Sr. Arguido, sendo certo que o Sr. Arguido disse também que apontou para o taxímetro mas que também verbalizou quanto era o valor e, portanto, ao contrário do Sr. Arguido que, por um lado, não está sob juramento e, portanto, pode falar com verdade ou pode faltar à mesma, a Sra. Testemunha está sob juramento, está obrigada a falar com verdade e, também, ao contrário do Sr. Arguido, a Sra. Testemunha não tem nada nem a ganhar nem a perder em faltar à verdade neste caso. A Sra. disse que não conheceu o Sr. Arguido de lado nenhum, continua a não o conhecer, já regressou ao seu país e, portanto, não se vislumbra, ao contrário do Sr. Arguido que, naturalmente, tem razões para faltar à verdade, digamos assim, porque isso poderá tentar, ou poderá tentar, como tentou, eximir-se da responsabilidade criminal do caso concreto. Sendo certo que, também, no que diz respeito ao valor que aparecia no taxímetro, a justificação dada pelo Sr. Arguido também é totalmente contrariada pelos depoimentos das testemunhas de CC e DD. Em primeiro lugar, estas testemunhas disseram que transmitiram ao Sr. Arguido, perentoriamente, que não podia mexer no taxímetro e não se consegue acreditar, à luz das regras de experiência comum, que o Sr. Arguido, sendo taxista há 20 anos, desconhecesse, sendo fiscalizado pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, que não podia mexer no taxímetro. Portanto, parece-nos que é evidente que qualquer pessoa saberá isso, muito mais o Sr. Taxista, que já não é sequer novato nesta profissão. Assim como nos parece, também, que o Sr. Arguido, não mexendo no taxímetro e explicando cabalmente aquilo que veio aqui dizer aos Srs. Agentes, era muito mais coerente e seria muito mais verosímil do que tentar alterar o taxímetro. Portanto, aí sim, aquilo que dá a entender não só aos Srs. Agentes, como também aquilo que nos deu a entender a nós em sede de audiência, é que estava a tentar ocultar alguma coisa. Nomeadamente, ocultar que estava a circular, eventualmente, em tarifa 3, quando sabia perfeitamente que só poderia circular em tarifa 1 na viagem que fez. Sendo certo, também, que ao contrário do referido pela defesa, nos parece que a testemunha CC, não só não tentou prejudicar, como se diz, e tentar fazer com que seja escondido, mas os Srs. Agentes vão fazer o seu trabalho, a eles também lhes dá igual. Aliás, o Sr. Agente, EE, que disse que ficou com o Sr. Arguido, não disse que não lhe apeteceu olhar para o taxímetro ou que não se quis importar em olhar para o taxímetro. Aquilo que disse foi que ficou a fiscalizar os documentos e ficou a aguardar que o seu colega viesse para conseguir confirmar se havia ou não um crime de especulação. Porque aquilo que disse a testemunha EE foi que o colega podia vir com uma informação que fosse condizente com a que está no taxímetro. E, portanto, esperou que viesse o colega para saber aquilo que tinha a transmitir-lhe. Quanto é que cobraram à senhora? 10 euros. Olha, no taxímetro marca 13. Pronto, então, vamos embora e cada um faz a sua vida. E, para além disso, parece-me que o Sr. CC, o Sr. Agente CC, foi até mais garantista dos direitos do Sr. Arguido, àquela altura suspeito, mas Arguido, porque apesar de dizer que viu a tarifa 3, como não conseguia comprová-la através da fotografia, mas apenas resgatar, digamos assim, a última viagem que aparece em P, em pagamento e não em tarifa 3, não fez sequer averbar no auto notícia que o Sr. Arguido circulava em tarifa 3. Motivo pelo qual o Sr. Arguido não vem acusado de ter circulado em tarifa 3. Coisa que o Sr. Arguido, se apareceu logo em justificar, vem aí que o circulava em tarifa 3, mas não vem. Não vem (destacado nosso). E, por isso, parece-nos que, efetivamente, estas testemunhas se depuseram de forma credível. Não nos pareceu que fosse qualquer uma delas parcial ou que demonstrasse alguma parcialidade no caso concreto. E, portanto, parece-nos que ficaram cabalmente provados os fatos constantes da acusação pública através dos seus depoimentos e, bem assim, através da prova documental de Junta aos Altos, no que diz respeito às condições socioeconómicas. Também não se crê que o Sr. Arguido aufira o salário mínimo e que paga uma renda de mil euros a seu exclusivo cargo. O Sr. disse que isso tinha a ver com as gorjetas, mas, quer dizer, não nos parece também credível que... não conseguiu sequer dizer uma média de quanto é que ganha com essas gorjetas, portanto, se são mil, se são mil e quinhentos, e, portanto, também não nos parece que se possa atribuir credibilidade nessa parte às suas declarações, considerando que nos parece muito pouco verosímil que alguém que diz que ganhe 870 euros de salário mensal, que tenha uma renda exclusivamente a seu cargo, ganha uma renda de mil euros mensais, porque, como parece-nos, particularmente há aqui uma incongruência, motivo pelo qual se deram esses fatos como não provados. Os fatos atingem-se dos elementos subjetivos, inferem-se dos restantes fatos provados e, bem assim, das regras da experiência comum e, portanto, deram-se também os mesmos como provados. Provados restam todos os fatos da acusação pública, dúvidas não restam de que estão reunidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime. O exame crítico das provas, deve de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo. Ora, a motivação seguida, com analise crítica da prova pelo Tribunal permite, pela simples leitura, perceber qual foi o itinerário seguido, os meios de prova valorados, com análise critica dos mesmos e a justificação do motivo porque foram convincentes para o tribunal a quo que simultaneamente afere da credibilidade das declarações prestadas pelo arguido. Pelo que improcede a invocada nulidade. 2. Da prova proibida: entende o arguido que foram valoradas conversas informais que teve com os órgãos de polícia criminal. «O art.º 125º do Cód. de Processo Penal consagra o princípio da legalidade da prova, estipulando que em processo penal «são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei». E em imediato complemento, resulta do disposto no nº1 do art.º 126º do Cód. de Processo Penal, serem por regra nulas, não podendo ser utilizadas, «as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas» (estatuindo o nº2 do mesmo artigo casos–padrão de situações que configurarão este último circunstancialismo) ; e mais adita o nº3 do referido artigo, que, ressalvados os casos previstos na lei, «são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular». «Ora, assentando em prova proibida e nula, necessariamente deverá considerar–se a sentença também afectada de nulidade, que, ainda que não expressamente prevista nos arts. 119º e 120º do Cód. de Processo Penal, se impõe seja reconhecida e declarada, mesmo nesta fase processual – tanto assim que desde logo o nº 3 do art.º 118º do Cód. de Processo Penal especificamente adverte que «as disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova». Na verdade, a nulidade processual assim em causa tem como efeito o de tornar inválido o acto em que se verifique, assim como aqueles que dele dependerem e que possam ser afectados pela mesma, sendo a abrangência processual dos efeitos de tal nulidade determinada na decisão que a reconheça e declare – tudo nos termos prevenidos no art.º 122º/1/2 do Cód. de Processo Penal. Donde, estando em causa a valoração de um meio de prova proibido que haja levado o tribunal recorrido à formação de determinado juízo de convicção sobre a globalidade da prova plasmado na sentença, e sendo o mesmo constatado em sede de recurso da mesma sentença, o único caminho legalmente admissível consiste precisamente na expurgação do dito meio de prova, e à reformulação do raciocínio lógico-dedutivo à luz tão apenas da prova permitida. Vejamos então a questão. Tem sido muito debatida na jurisprudência a matéria que concerne à valoração do depoimento de órgão de polícia criminal, acerca do que ouviu dizer ao arguido e da valoração das chamadas “conversas informais”. Faz-se, por vezes, a distinção entre conversas informais anteriores à constituição como arguido e conversas informais posteriores a essa constituição. Alguma jurisprudência sustenta que as conversas usualmente designadas de “informais”, mantidas entre órgão de polícia criminal e o arguido, não podem ser (validamente) valoradas, sejam quais forem as condições e o tempo processual da sua obtenção, nelas se incluindo, consequentemente, as verificadas antes de aquele obter a descrita qualidade de sujeito processual. É a posição assumida, entre outros, pelos Ac.RG de 31-05-2010, processo 670/07PBGMR.G1; da RL de 03/05/2011, processo 146/09.0PHOER.L1-5; da RP de 09/11/2011, processo 196/06.8GAMDB.P1 e da RC de 04/02/2015, processo 53/13.1GDFND.C1. A esta posição contrapõe-se o entendimento que perfilhamos, desde já se adianta, que, relativamente às informações colhidas antes da abertura de um inquérito, a lei não prevê qualquer tipo de entrave ou de limitação que impeça que os órgãos de polícia criminal sejam inquiridos relativamente a elas, mesmo que colhidas de conversas com quem ainda não tem a qualidade de arguido, dando-se como exemplo as conversas tidas com um suspeito logo no local da infracção e imediatamente após a sua ocorrência, ou no hospital para onde este tenha sido conduzido na sequência de um acidente de viação. É o entendimento perfilhado, entre outros, pelos Ac.RC de 11/09/2013, processo 71/11.4GCALD.C1, Ac.RP de 17/06/2015, processo 543/12.3PDPRT.P1; da RL de 22/06/2017, proc.320/14.7GCMTJ.L1-9, Ac.RL de 27/06/2023, proc. 143/21.7PTOER.L1-5, Ac. do S.T.J., de 15/02/2007, processo 06P4593 (relator: Conselheiro Maia Costa) e outros que a seguir se identificarão. O acórdão do S.T.J., de 12/12/2013, processo 292/11.0JAFAR.E1.S1 (relator: Conselheiro Costa Cabral), assinala que o depoimento de órgão de polícia criminal pode assumir conformação diversa consoante o momento e as circunstâncias a que se reporta, reconduzindo-se as denominadas “conversas informais” com o arguido: a) a afirmações percepcionadas pelo órgão de polícia criminal, enquanto cidadão comum, em momentos da vida quotidiana e nas exactas circunstâncias em que qualquer cidadão pode escutar tais declarações; b) a afirmações proferidas por ocasião ou por causa de actos processuais de recolha de declarações; c) a conversas tidas com um órgão de polícia criminal no decurso de actos processuais de ordem material, de investigação no terreno ou em acções de prevenção e manutenção da ordem pública em que aqueles são confrontados com o crime. Entendeu o S.T.J. que o agente de órgão de polícia criminal apenas não pode ser inquirido como testemunha sobre o conteúdo de declarações formais que estão no processo ou de declarações informais que, devendo estar no processo por imposição legal, efectivamente não estão dizendo-se no dito aresto: «Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia. … Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. … O que o art.º 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art.º 249.º do CPP. Na verdade, só a partir do momento em que a suspeita passa a ser razoavelmente fundada se impõe a suspensão imediata do acto e a constituição formal como arguido nos termos do artigo 59.º n.º 1 do Código Penal. Até esse momento o processo de obtenção de diversas declarações, incluindo as do então suspeito, e posterior arguido, logra cobertura legal nos termos dos artigos 55 n.º 2 e 249 n.º 1 e 2, als. a) e b) do mesmo diploma. A constituição de arguido constitui, assim, um momento, uma linha de fronteira na admissibilidade das denominadas “conversas informais”, pois que e a partir dai que as suas declarações só podem ser recolhidas, e valoradas, nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas, ou quaisquer outras provas, recolhidas informalmente. Consequentemente, não é admissível o depoimento que se reporte ao contacto entre a autoridade policial e o arguido durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais, testemunhando a “confissão” informal, ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido a margem dos formalismos impostos pela lei processual, para os actos a realizar no inquérito. Precisa-se, assim, que a proibição do artigo 129.º do Código Penal visa os testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, mas não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligencias de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art.º 249.º do CPP Na verdade, nestas providencias a autoridade policial procede a diligencias investigatórias, no âmbito do inquérito, em relação a infracção de que teve notícia.» - Proc. 81/20.0GDMTJ.L2.5, Relação De Lisboa de 19/11/2024, relatado por João Grilo Amaral- IGFEJ-Bases Jurídico-Documentais. Pese embora o arguido refira que foram tidas em consideração conversas informais com o arguido enquanto suspeito, alegadamente como meio de prova, em lado algum da fundamentação/motivação se refere qualquer conversa entre o arguido e os policias que testemunharam, como determinante para a convicção do Tribunal. Pelo que não estando em causa qualquer valoração de conversas informais tidas entre o arguido/ suspeito e as entidades policiais, desnecessário se tornaria aludir à questão das conversas informais tidas com o suspeito antes de constituído arguido. Ainda que assim não fosse, está fundamentado no acórdão citado - contrariamente à jurisprudência invocada pelo arguido - em que medida essa valoração não se traduz em prova proibida por Lei. * 2. Vícios decisórios: 1. insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, cfr. artigo 410º, 2, a), do Código de Processo Penal; Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objecto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69)» – Tribunal da Relação de Coimbra, processo 1/19.5GPCBR.C1, de 12/06/2019 – IGFEJ- Bases Jurídico-documentais» Assim, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a eventual insuficiência da prova para a decisão proferida (questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, enquadrado nos termos do art. 127º do Cód. Proc. Penal, e insindicável em reexame da matéria de direito), sendo que o vício em questão só pode ter-se como existente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão final. Refere o arguido: Podemos dizer que o mesmo corresponde a uma «carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria de facto seja proferida uma decisão de direito segura», devendo também ser patente da decisão em causa que o Tribunal a quo podia e devia ter indagado outros factos de modo a tornar o elenco dos factos provados e não provados aptos a uma sustentada solução de direito. No sentido em que, em momento algum foi provada com certeza qual o valor que constava do taxímetro e uma mera simulação, isto é uma estimativa que peca por defeito perante a existência transito caótico resultante das obras efetuadas, e que ainda decorrem, na .... Sendo esse um critério essencial para aferir se o que foi solicitado pelo Arguido foi diferente do que marcava no taxímetro. E perante a incerteza e inexistência de prova quanto ao que este marcava, a decisão do Tribunal Recorrido sofre do vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Não se deteta tal vicio na matéria de facto referida e elencada pelo Tribunal a quo. Os factos estão ordenados, com indicação do lugar e tempo, das condutas assumidas pelo arguido, com os elementos do tipo jurídico-penal, pelo qual o arguido foi condenado, e todas as condições pessoais para a determinação da pena em concreto. Ainda assim e não enquadrado no vício apontado, note-se que o próprio arguido em audiência de julgamento referiu que o taxímetro marcava um preço ainda inferior - «a fotografia que aparece retratada nos autos de 13,50€, não era o valor que marcava o taxímetro quando terminou a corrida, referindo que esse valor ascendia a 12,40€» … A condenação do arguido não envolve qualquer alteração do taxímetro, ou alteração das tarifas, mas antes a cobrança à passageira de um valor superior ao que constava no taxímetro. Pelo que improcede, nesta parte o recurso, na medida em que confunde um vício decisório com a convicção alcançada pelo Tribunal a quo. * A caracterização do crime de especulação encontra-se na sentença em termos que não nos merecem reparo, pelo que para aí remetemos. Com efeito, refere-se na fundamentação jurídica que O artigo 35, número 1, linha B do decreto-lei 2884 de 20 de janeiro dispõe que será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem alterar sobre qualquer pretexto ou por qualquer meio e com a intenção de obter lucro ilegítimo os preços que, de regular exercício da atividade, resultariam para os bens ou serviços, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor. Portanto, o senhor Arguido cobrou um valor superior àquele que estava no taxímetro. Dizer também que, curiosamente, os senhores agentes referiram que interceptaram e que vigiaram a viagem deste caso concreto porque este veículo costuma ter, muitas vezes, um taxímetro oculto e, portanto, isso também contaria as situações do senhor Arguido que apontou para lá, o taxímetro está muito visível, portanto, efetivamente, não nos parece que é esse que resulte da prova produzida. Assim, sendo reunidos tanto os elementos objetivos como subjetivos do tipo legal de crime, atendendo aos fatos que se deram como provados, vai o Arguido condenado pelo crime pelo qual vem acusado. O arguido vinha acusado da prática, em autoria material, de um crime de especulação, previsto e punido pelo art.º 35°, nº 1, al. b) do D.L. nº 28/84, de 20/01, nos seguintes termos: “1- Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem: (…) b) Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor (…).” Prevê-se ainda no art.º 4º do mesmo diploma que: “Nos crimes previstos no presente diploma a tentativa é sempre punível.” Conforme se escreve no Acórdão desta mesma Relação de Lisboa de 17/10/2023, processo nº 1026/22.9SILSBL1-5 – IGFEJ- Bases Jurídico-documentais- «(…) Da simples leitura do art.º 35°, nº 1, al. b) decorre que o crime em apreço é um crime de mera actividade e não um crime de resultado, porquanto não se exige para o preenchimento do tipo que o agente venha efectivamente a obter um lucro ilegítimo, bastando que altere conscientemente os preços de um bem ou de um serviço. Ou seja, como refere Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 3ª edição, Gestlegal, pág. 356, estamos em face de um crime de mera actividade quando o tipo incriminador se preenche através da mera execução de um determinado comportamento, independentemente da produção de um resultado como consequência da actividade do agente. Para além do mais, como no caso em apreço, existe uma convenção que regulamenta os preços da prestação de serviço de transporte de táxi, nomeadamente dos suplementos admitidos e quantias correspondentes, a qual foi violada pelo arguido, a lei não exige, no segundo excerto da referida alínea b), a intenção de obter lucro, mas apenas a alteração do preço do serviço face ao que resulta daquela convenção. Na verdade, subjacente ao crime de especulação está a violação de um preço cuja quantificação se encontra subtraída à livre disponibilidade dos operadores económicos, pretendendo o legislador acautelar, com esta incriminação, a estabilidade dos preços e a confiança dos consumidores e da economia em geral na transparência e na veracidade da informação relativa aos bens e serviços em circulação no mercado. O caso que nos ocupa é ainda mais simples. Trata-se de uma cobrança de valor superior ao que constava no taxímetro. O dolo e a consciência da ilicitude estão perfeitamente retratados na sentença, não só porque o arguido não é novo na profissão de taxista – tendo obrigação de conhecer as convenções a que está vinculado, designadamente, a regra simples de não cobrar para além do que marca no taxímetro, mas também porque assumindo que o taxímetro marcava menos do que cobrou, tentou convencer o Tribunal que o que lhe foi pago – vinte cinco Euros – o entendeu como gorjeta, tese que o Tribunal desmontou, conforme resulta da decisão. Pelo que não temos dúvidas quanto à qualificação jurídico-penal, com todos os elementos do tipo, constante da decisão do Tribunal a quo, improcedendo, também nesta parte, o recurso. * 2.2. -Da contradição insanável da fundamentação e fundamentação em oposição com a decisão – 410º, º 2, al. b), do CPP) Como refere Sérgio Gonçalves Poças (Recurso da matéria de facto, Revista “Julgar”, nº 10, 2010, pag. 28: Parece claro que há contradição na motivação (fundamentação, nas palavras da lei) quando para a decisão de um determinado ponto de facto são invocados meios probatórios totalmente incompatíveis entre si; como também parece haver clara contradição quando a motivação num raciocínio lógico conduz precisamente ao contrário do que se decidiu; como resulta da norma, para que o vício se verifique, a contradição tem que ser contradição, perdoe-se a redundância e tem de ser insanável, isto é, não ser ultrapassável pelo tribunal de recurso com eventual recurso às regras da experiência ou elementos dos autos; ou seja, o facto de se verificar uma contradição no texto da decisão não quer dizer que se esteja necessariamente logo em presença do vício previsto no artº 410º, nº 2, al. b). Os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., nos quais se inclui, na sua alínea b), o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, são vícios da decisão e não de julgamento, que têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto. O arguido limita-se a referir conclusivamente este vicio. Da leitura dos factos provados e da motivação dos mesmos, não encontramos qualquer contradição. Pelo que improcede, também nesta parte, o recurso. * 3. Erro notório na apreciação da prova, artº 410º, nº1, al. c) do C.P.P. De igual forma não se verifica erro notório na apreciação da prova, na medida em que tendo em consideração a matéria de facto tida como assente e, bem assim, a motivação da decisão, não nos deparamos com qualquer evidente contrassenso, porquanto do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não resulta com toda a evidência, a conclusão contrária à que chegou o tribunal, ou seja, inexistem factos provados que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou que sejam contraditados pela motivação, ou por documentos que façam prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos, isto é, os factos provados não resultam de juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum. O erro notório na apreciação da prova traduz-se numa falha grosseira e ostensiva na análise da prova, em clara violação das regras probatórias ou das legis artis, que conduz a retirar-se de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou entre cada um desses, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, e por isso incorreta, incongruência esta que resulta duma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revela, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas e apreciada não por simples projeções de probabilidade, mas segundo as regras da “experiência comum” e da lógica normal da vida, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. p. 341). A decisão em causa, conforme resulta do encadeamento dos factos provados e da sua fundamentação que acabaram de se expor supra, contém a enumeração dos factos, a sua motivação, estruturada nos meios de prova criticamente analisados de forma lógica e coerente e resume porque motivo a conduta do arguido foi considerada dolosa. Pelo que não estamos no âmbito do erro notório na apreciação da prova de conhecimento oficioso por este Tribunal da Relação, nos termos do artº 410º, nº1, al. c) do C.P.P. O recorrente refere-se ao “erro notório” a propósito da valoração da prova que o tribunal fez aquando do julgamento fazendo apelo às declarações do arguido, aos depoimentos das testemunhas e até de ausência de documentos, tudo remetendo para o julgamento, porquanto discorda da análise da prova feita pelo tribunal o que equivale antes a um erro de julgamento, uma discordância dos termos em que o tribunal procedeu à avaliação e ponderação da prova em julgamento, e não a um erro notório ocorrido no texto da decisão- destacado nosso. Pelo que não se verifica o alegado vício. 1. Erro de julgamento: Dispõe o n.º 3, do artigo 412.º: Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. Dispõe o n.º 4 do mesmo preceito: Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b), e c) do número anterior fazem-se por referência gravação, nos termos no disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, especial dever este que é consequência lógica da natureza e objeto do recurso previsto na lei. Um recurso, como se sabe, não constitui uma impugnação sem fronteiras da matéria de facto na 2.ª instância, mas traduz-se apenas numa “intervenção cirúrgica” do Tribunal da Relação, no sentido de indagar se houve erro de julgamento, corrigindo-o, se for caso disso, nos concretos pontos de facto, devidamente identificados pelo recorrente. É assim claro que a especificação dos concretos pontos de facto se assume como elemento fundamental na delimitação do objeto do recurso. De facto, dado o sistema instituído, sem aquela especificação, a Relação estava impossibilitada de conhecer do recurso, uma vez não estava definido o objeto deste. Em primeiro lugar e tendo em atenção o que fica exposto, o recorrente no corpo motivador e depois nas conclusões — com as especificidades próprias, acima assinaladas — deve especificar, isto é, identificar devidamente, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados. Como todos estaremos de acordo, esta questão é nuclear. Como o tribunal de recurso não vai rever a causa, mas, como vimos, apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos impugnados, é absolutamente necessário que o recorrente nesta especificação seja claro e completo. De facto, não podem ficar dúvidas sobre quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados. Quando se alega que «o tribunal apreciou erradamente a prova, que as testemunhas nada disseram de relevante sobre os factos, que o tribunal deu como provados os factos sem prova», tudo isto pode ser verdade , mas o recorrente, se ficar por este discurso, de modo nenhum, está a dar cumprimento, como está onerado, ao disposto na al. a) do n.º 3 do artigo 412.º (Isto, se não transcrever aquela factualidade). Nesta conformidade não basta, como fez o recorrente enumerar os factos e referir que «não deveriam ter sido dados como provados os factos» sem mais. Em segundo lugar, o recorrente deve especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. O recorrente, tratando-se de prova testemunhal (outra pode ser, como é obvio) deve identificar as testemunhas cujos depoimentos, no seu entendimento, e relativamente ao concreto ponto de facto em questão, impõem decisão diversa (importa reter as considerações feitas sobre a motivação e as conclusões no ponto anterior). Mas não basta identificar as testemunhas; o recorrente deve ainda indicar concretamente as passagens dos depoimentos dessas testemunhas em que se funda a impugnação — artigo 412.º, n.º 4 do CPP. Como nos parece evidente, o recorrente ao questionar a valoração da prova levada a cabo pelo tribunal está verdadeiramente a impugnar a matéria de facto, apesar de não estar a indicar outras provas que impõem decisão diversa ou em que medida a prova produzida teria que levar a decisão diversa. Aliás o recorrente pode/deve indicar outras passagens dos depoimentos daquelas testemunhas (das mesmas testemunhas) dos quais, em seu entender, se deve concluir com segurança, que o tribunal decidiu mal na valoração que fez daqueles depoimentos. Nada disto foi feito, limitando-se o recorrente, conclusivamente, a discordar. Resta-nos igualmente referir que em matéria de apreciação da prova, rege o artigo 127°, do Código de Processo Penal: “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Tal livre apreciação da prova, não é livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, objetivável e motivável. Não significando porém, que seja totalmente objetiva pois, não pode nunca dissociar-se da pessoa do juiz que a aprecia e na qual “(…) desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais (…)”, (cf. Professor Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, pág. 205). Neste mesmo sentido podem ver-se ainda variadíssimos autores entre os quais Rodrigues Bastos (in Notas ao Código de Processo Civil, III, pág. 221), que defende, que ao juiz “… não é permitido julgar só pela impressão que as provas oferecidas pelos litigantes produziram no seu espírito, mas antes se lhe exige que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se expressará na correspondente motivação”. E também o Professor Cavaleiro Ferreira (in “Curso de Processo Penal”, 1 vol., Reimpressão da Universidade Católica) “o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”. É que o sistema processual moderno atribui ao julgador uma maior liberdade, mas não um arbítrio a que a lei seja indiferente. Se o julgador interpreta a liberdade de apreciação como um domínio arbitrário da sua vontade sobre a matéria de facto, e oferece às partes, como conteúdo de jurisdição, a sua fé ou convicção sem provas e sem base objetiva, ultrapassa os limites da liberdade de apreciação, que não pode confundir-se com a supressão da prova, ou com a faculdade, por exemplo, de inverter por seu alvedrio o ónus da prova. A livre valoração da prova não pode, pois, ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas sim valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitia objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão. O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspeto trata-se de credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova). Num segundo nível, referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correção do raciocínio que há-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência. (…) Importa ainda anotar que a objetividade que aqui importa «não é a objetividade científica (sistemático-conceitual e abstrato-generalizante), é antes uma racionalização de índole prático-histórica, a implicar menos o racional puro do que o razoável, proposta não à dedução apodítica, mas à fundamentação convincente para uma análoga experiência humana, o que se manifesta não em termos de intelecção, mas de convicção (integrada sem dúvida por um momento pessoal)» E, na expressão de Figueiredo Dias, a convicção da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável — Curso de Processo Penal, II, Verbo, Lisboa, 1993. P. 111. Vertendo à fundamentação do Tribunal a quo a prova dos factos está absolutamente alicerçada nos meios de prova considerados, sem qualquer dúvida razoável que impusesse a aplicação do princípio do in dubio pro reo. Acresce que esta instância está privada da imediação típica do momento do julgamento - vide, a este propósito, o acórdão desta 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.7.2023, Relatora Alda Casimiro, processo nº1074/21.6JAPDL.L1-5 (IGFEJ, Bases jurídico documentais), «A ausência de imediação determina que o Tribunal superior, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida, nos termos previstos pelo art.º 412º, n.º 3, al. b) do Cód. Proc. Penal, mas já não quando permitirem outra decisão. Ou seja, a convicção da primeira instância, só pode ser posta em causa quando se demonstrar ser a mesma inadmissível em face das regras da lógica e da experiência comum. Significa isto que o recorrente não pode pretender substituir a convicção alcançada pelo Tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, sendo imperioso demonstrar que as provas indicadas impõem uma outra convicção» - destacado nosso. Limita-se o recorrente, pois, a tecer considerações genéricas sobre a prova produzida e a apontar as razões pelas quais entende que o tribunal decidiu mal. Já atras referimos e dispensamo-nos de repetir que na motivação o Tribunal segue um raciocínio lógico dedutivo, com análise crítica de todas as declarações prestadas, explicitando a razão pela qual os depoimentos que valorou foram mais convincentes do que as declarações do arguido. Pelo que só por aqui é de rejeitar tal impugnação, sem necessidade de outros considerandos. Alude ainda o recorrente á violação do princípio do in dubio pro reo, porquanto o Tribunal não justificou por que razão conferiu credibilidade exclusiva à versão da ofendida e dos agentes policiais, em detrimento das declarações do arguido. Para que se verifique a dúvida justificativa da aplicação do princípio in dubio pro reo, não bastará uma versão contraditória ou alternativa, e menos ainda a mera negação dos factos pelo arguido, para se concluir pela eventual absolvição dali decorrente, que de resto no caso não se verifica, pois que o arguido ou confirma parcialmente os factos ou, como se refere na sentença, apresenta uma versão que não mereceu credibilidade, designadamente quando se apressa a dizer que não ativou a tarifa 3 quando esta matéria não estava em causa nos autos, ou quando refere simplesmente ter recebido a quantia superior à que constava no taxímetro a título de gorjeta – mais de dez Euros. Como refere esta Relação, no acórdão de 01.02.2011, processo n.º 153/08.0PEALM.L1-5, dgsi.pt, “ o princípio in dubio pro reo, é um princípio probatório que procura solucionar um problema de dúvida em relação à matéria de facto e não ao sentido de uma norma jurídica, traduz o correspectivo do princípio da culpa em Direito Penal, ao garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos típicos, é um corolário lógico do princípio da presunção de inocência do arguido, mas não tem quaisquer reflexos ao nível da interpretação das normas penais, pois em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance das normas penais, deve o aplicador do direito recorrer às regras de interpretação, entre as quais o princípio in dubio pro reo não se inclui”. O aqui se exige é uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal …” - Cf. Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, página 166. Não é, assim, toda a dúvida que justifica a absolvição com base neste princípio. Mas apenas aquela em que for inultrapassável, séria e razoável, a reserva intelectual à afirmação de um facto que constitui elemento de um tipo de crime ou com ele relacionado, deduzido da prova globalmente considerada (…) e acrescenta “O princípio in dubio pro reo pretende responder ao problema da dúvida na apreciação judicial dos casos criminais. Não da dúvida interpretativa, na aferição do sentido da norma (que aliás pode surgir e surge independentemente da atividade jurisdicional), mas da dúvida sobre o facto tipicamente forense” “Cristina Líbano Monteiro, op. cit., p. 13. Assim a convicção do julgador não se mostra arbitrária e está de acordo com o artigo 127º do Código de Processo Penal e a livre a apreciação da prova, sem que expresse qualquer dúvida razoável sobre o desencadear dos factos. «O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374/2 do Código de Processo Penal. E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objeto de formulação de deduções ou induções baseadas na correção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência. A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207. Ora, está plenamente demonstrado o processo de aquisição da convicção por parte do julgador, sem que mereça qualquer censura. O tribunal da primeira instância não ficou com qualquer dúvida acerca dos factos que deu como provados, o que resulta claro da fundamentação/ motivação. Pelo que não se verificando qualquer dúvida, não haveria que aplicar tal princípio que decorre de um non liquet probatório. * 3. Dos artigos 131.º e 132.º do Código Penal Refere o Recorrente que fica demonstrada a existência de erro de julgamento por ter o Tribunal a quo violado o ínsito nos artigos 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2 alínea h) do Código Penal. Quanto a este ponto, cumpre, pois, referir que a menção à alegada existência de erro de julgamento, por parte do Tribunal a quo, com base nos artigos 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2 alínea h) do Código Penal, só poderá tratar-se lapso de manifesto. O objecto dos presentes autos reporta-se à prática, pelo arguido, de um crime de especulação, pelo que nesta parte é manifestamente improcedente o recurso. Existe, igualmente, manifesto lapso quando se alude á duplicidade de acusações, porquanto, compulsados os autos, apenas verificamos como presente a acusação referencia 444344185, sendo, também, manifesta a improcedência, quanto a esta parte, do discurso recursivo. * 4. Da medida da pena: Vem ainda o Recorrente impugnar a sentença na parte que lhe fixou a pena em concreto, porquanto entende que o Tribunal a quo não ponderou o tempo decorrido sobre os factos, a inserção familiar, social e profissional do recorrente, tendo feito tábua rasa dos princípios fundamentais do direito penal, não demonstrando qualquer respeito pelas finalidades que a determinação da medida da pena deve alcançar. De acordo com o disposto no artigo 35.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 2 de Janeiro, “[s]erá punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor”. O ponto de partida da tarefa a efetuar não pode deixar de se prender com o disposto no art. 40º do Cód. Penal, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Com este preceito fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, a ter lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade. Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido. Com este entendimento tem-se visto, aliás, uma consonância com o imperativo constitucional do nº 2 do art. 18º da Constituição da República, de acordo com o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, sendo certo que se não divisa, no texto fundamental, a eleição de um imperativo ético-penal da retribuição ou expiação da culpa, como direito ou interesse protegido constitucionalmente. Assim, quando o art. 71º do Cód. Penal nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art. 40º. Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo através de Figueiredo Dias, (Cfr. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, págs. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar refletirá, de um modo geral, a seguinte lógica: A partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma “sub- moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (cfr. obra citada, pág. 229). Será, pois, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão atuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico - normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. Resta dizer que a “defesa de bens jurídicos”, mencionada no referido art. 40º, deve ser entendida como propósito de prevenção geral positiva ou de integração, com o fim de “estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida” e, portanto, como modelo de orientação para os contactos sociais, ou ainda como réplica perante a fração da norma, executada à custa do seu infrator. A defesa de bens jurídico-penais é, ela mesma, em geral, o desiderato de todo o sistema penal globalmente considerado, e não um fim que se possa considerar privativo das penas. Quanto à prevenção especial, sabe-se como pode ela operar através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida, e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa. Já o nº 2 do art. 71º do Cód. Penal manda atender, na determinação concreta da pena, “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime. No caminho da concretização da pena a aplicar tomar-se-ão pois em conta os critérios consignados no citado artigo 71º do Cód. Penal e, assim a culpa do agente, as necessidades de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Conforme refere a decisão recorrida: O Arguido agiu com um dolo direto, que é a modalidade mais intensa do dolo, a culpa e a licitude da sua conduta são moderadas, o senhor Arguido sabia, obviamente, que não poderia cobrar um valor superior àquele que estava definido no taxímetro, ainda assim, fê-lo, não demonstrou, em sede à audiência, qualquer arrependimento pela prática dos fatos descritos na acusação pública e, portanto, o Tribunal entende que…, por outro lado, o senhor Arguido tem um antecedente criminal registrado por crime total de diversa natureza, sendo certo que essa condenação, sendo de um tribunal estrangeiro, também não é sequer muito perceptível no seu registro criminal e, portanto, aplica-se ao Arguido a pena de sete meses de prisão, mais próxima do mínimo legal de atendendo a tudo o que se expôs e que, para todos os efeitos, não tem qualquer condenação de crime de idêntica natureza e a pena de duzentos e dez dias de multa. No que diz respeito à pena de prisão, considerando também, como se disse, aquilo que se disse acerca dos antecedentes criminais registrados, ao facto que o valor em excesso, a não ser um valor muitíssimo elevado, apesar de já ser um valor considerável, o Tribunal entende que ainda satisfaz, de forma adequada, o suficiente as finalidades da punição, a substituição desta pena de prisão por uma pena de multa, concretamente por, perdão…, há pouco, me enganei, disse, sete meses de prisão e cento e dez dias de multa e a pena de sete meses de prisão que se é substituída por duzentos e dez dias de multa. O artigo sexto, número um do decreto-lei, quarenta e oito, noventa e cinco de quinze de março, dispõe que, quando as normas prevejam a aplicação de uma pena de multa e de uma pena de prisão cumulativamente, sempre que a pena de prisão for substituída pela multa, é o Arguido condenado numa só pena, equivalente à soma das duas penas. E, portanto, vai, então, o Arguido condenado na pena única de trezentos e vinte dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que faz um total de novecentos e vinte euros, considerando aquilo que seu como provado e não provado acerca das suas condições socioeconómicas. Decorre da decisão em apreço que o Tribunal ponderou os aspetos essenciais a ponderar e aplicou ao arguido penas próximo do limite mínimo - 7 meses de prisão e cento e dez dias de multa, tendo convertido a pena de prisão em dias de multa o que perfez o total de trezentos e vinte dias de multa e aplicou o art. 6.º - 1 do D.L. DL n.º 48/95, de 15 de Março ( que aprovou o Código Penal) - Enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa diretamente imposta e da que resultar da substituição da prisão. Pelo que tendo sido aplicada pena próxima dos limites mínimos previstos, nada há a apontar à pena aplicada, por se mostrar justa adequada e proporcional ao caso concreto. Resulta, assim, manifesta a improcedência do recurso * III. Decisão: Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar totalmente improcedente o recurso do arguido AA e consequentemente, manter a decisão recorrida. * Custas pelo Recorrente, fixando-se em 4 UC a respetiva taxa de justiça. Lisboa, 7 de outubro de 2025 Alexandra Veiga Susana Maria Godinho Fernandes Cajeira Paulo Barreto |