Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA ALBUQUERQUE | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO CADUCIDADE DO CONTRATO MORTE DO ARRENDATÁRIO RESPONSABILIDADE CONTRATUAL EXPECTATIVA JURÍDICA INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA OBRAS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/08/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIAL PROCEDÊNCIA | ||
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Sumário: | I - Os AA. pretendem a responsabilização de uns RR., por via da responsabilidade contratual – proveniente da falta de realização de obras, de modo a assegurar o gozo do arrendatário, nos termos do art 1031º al b) CC – e do outro, por via de responsabilidade civil extra-obrigacional – resultante de nas obras de escavação a que procedeu em prédio confinante a tardoz com o dos autos ter omitido as providências necessárias a fim de prevenir a danificação adjacente dos prédios contíguos. II - Os AA. não têm direito ao arrendamento por transmissão por morte da arrendatária, mãe da A., porque o contrato de arrendamento antes de poder caducar por morte da arrendatária nos termos da al d) do art 1051º CC, e por isso se poder transmitir à A. mulher (ou ao filho dos AA.), caducou pela perda da coisa locada, nos termos da al e) do referido art 1051º, em função do despejo administrativo ocorrido previamente à morte daquela. III – Porém, o que os AA. invocam na acção é a expectativa que tinham de, por morte da mãe da A., verem transmitido para a pessoa desta (sua filha), o direito ao arrendamento. IV - A expectativa jurídica constitui uma situação jurídica activa autónoma diferente do direito subjectivo. V- A expectativa de facto traduz-se numa mera aspiração ou previsão de um certo facto ou de um certo efeito jurídico e não beneficia de qualquer protecção jurídica, não tendo relevância jurídica. VI - A expectativa jurídica é já uma posição de expectação à qual o Direito confere protecção, designadamente através de permissões atribuídas ao sujeito expectante, em ordem à defesa da probabilidade de efectuação do seu desejo (ou seja do seu direito a haver). VII - O mais que assiste aos potenciais transmissários do direito ao arrendamento por morte do arrendatário é uma expectativa de facto: esperarem que o curso dos acontecimentos lhes permita aceder àquele direito subjectivo, em função da circunstância de – “se tudo correr bem” – virem a reunir os pressupostos necessários à aquisição daquele direito em função de uma determinada regulamentação jurídica que conhecem. VIII - Os AA. não dispõem de qualquer titulo que lhes permita defender perante os RR senhorios a privação de habitação do imóvel cuja perda ocorreu, não podendo invocar em seu beneficio, sequer, a disciplina do art 1284º CC, por via do disposto no art 1037º/2 CC, porque não são locatários. IX - Também não dispõem de um direito (subjectivo) que pudesse ser afectado pela actividade, ainda que marcadamente ilícita, da empreiteira, pelo que não a podem responsabilizar pela privação de habitação que para eles representou a perda do locado imputando-lhe as despesas com a nova habitação. X - As obras que esta realizou no locado ainda antes do falecimento da mãe da A., pelos incómodos que para esta representaram, traduzem-se em danos de carácter não patrimonial cuja compensação se deve admite relativamente a uma pessoa de 82 anos de idade. XI – Tendo resultado provado que o despejo dos habitantes do prédio e a demolição deste, foram consequência directa das escavações efectuadas pela empreiteira e que a ruína e consequente demolição do prédio em causa se ficou a dever – exclusivamente - às obras de escavação efectuadas pela mesma no prédio confinante a tardoz, só não se condena esta R. no ressarcimento destes danos, na medida em que a A. não se afirma na acção como única herdeira da arrendatária, falecendo por isso a sua legitimidade para o efeito. XII- Porque os danos em referência constituem danos próprios da falecida arrendatária, daí decorrendo que o valor indemnizatório correspondente aos mesmos integrou o respectivo património e, consequentemente, se transmitiu aos seus herdeiros, do ponto de vista da legitimidade activa na presente acção sempre seria necessário que todos esses herdeiros estivessem na demanda, o que se desconhece se sucede, porque apenas o está a A., sua filha. XIII- Quanto aos danos dos AA. em consequência da «dor e preocupação» sofrida pela mãe e sogra ao «verem-na passar os últimos meses de vida em condições extremamente penosas e dolorosas», estariam em causa danos indirectos ou reflexos que não assumem a gravidade ou a intensidade que justifique que se inflicta o principio geral de que apenas são passíveis de tutela os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo próprio ofendido por serem direitos de carácter estritamente pessoal. XIV –Mesmo admitindo-se que as obras que os AA. realizaram no locado fossem urgentes e mesmo admitindo-se que a arrendatária tivesse pedido a realização de tais obras em concreto ao senhorio, que as não fez, colocando-se, pois em mora – art 1036º CC – desde o momento em que os AA. não alegaram que tivessem dado conhecimento aos senhorios das obras realizadas e do seu custo, e que, por isso, estes só vieram a ter delas conhecimento com a citação para a presente acção, porque nessa altura já não havia enriquecimento por parte dos senhorios, porque o mesmo desaparecera, sem culpa do senhorio, em consequência do desaparecimento do locado, nada terão estes que restituir em função do enriquecimento sem causa. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I- “A” e marido, “B”, propuseram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “C” e mulher, “D”, e contra ““E” – Engenharia e Construções, S.A.”, pedindo a condenação solidária dos RR a pagarem-lhes as quantias de € 45.162,32 e de € 3.750,00, respectivamente, a título de indemnização por danos patrimoniais, e não patrimoniais, devendo as mesmas serem acrescidas de juros de mora vincendos, contados desde o termo da data para os RR. contestarem. Alegaram que em 2/7/99 teve lugar o despejo administrativo do prédio onde viviam, por força da grave situação de colapso iminente em que o mesmo se encontrava, e que, nessa data, era arrendatária do 1º andar dto desse prédio, “F”, por tal posição contratual lhe ter sido transmitida por morte de seu marido, “G”, o qual, em 3/1/51 tinha celebrado com o então proprietário, um contrato de arrendamento do dito andar. Alegaram ainda que à data do despejo, vivia com a arrendatária desde o início de vigência do arrendamento, sua filha, a ora A., o seu genro, o 2° A, desde que casou com a A., e “H”, filho dos AA.. Defendem que, tendo a arrendatária falecido a 9/7/99, não fora a caducidade do arrendamento como consequência do despejo, e a 1ª A. reuniria condições para que a posição contratual da arrendatária falecida se lhe transmitisse, ou, pelo menos, ao neto daquela. Mais alegaram que o 1° R. marido nunca fez qualquer obra, de conservação ou de outro tipo, quer no 1° andar direito, quer na parte do prédio que lhe pertencia, e que, mercê dessa omissão, o prédio em geral e o 1º andar direito em particular, atingiu em 1999 um grave e crítico estado de degradação. Prosseguiram alegando que nos primeiros meses de 1999 a 2ª R. começou a fazer profundas e problemáticas obras de escavações para a edificação de um imóvel em terreno confinante a tardoz do prédio, e que da feitura dessa obra, pela sua profundidade e meios e processos técnicos utilizados, resultou que praticamente todos os prédios confinantes sofreram danos, uns de maior, outros de menor gravidade, como aconteceu com o prédio locado, concluindo no sentido de que o despejo dos habitantes do prédio em causa nos autos e a sua demolição foram consequência, quer da falta nele de obras periódicas de conservação, quer das escavações efectuadas pela 2ª R.. Alegaram ainda que efectuaram e pagaram, em meados de 1998, obras de renovação e reforço de sanitários, recuperação de paredes, novas canalizações, arranjo de janelas e portas, com as quais despenderam € 3.750,00, suportaram a expensas próprias o montante de € 1.488,16 com a mudança do recheio de habitação para armazém, e pagaram despesas de armazenagem de tal recheio no montante de € 3.109,39. Mais alegaram que uma vez que já não tinham idade para recorrer ao crédito à habitação e não dispondo de fundos próprios, adquiriram, em nome de seu filho, “I”, mas de facto para sua utilização, com recurso ao crédito bancário, a fracção onde hoje habitam, sendo apenas eles quem suporta os encargos com a amortização do correspondente empréstimo, no valor mensal de €286,38. Por último, alegaram que esta situação provocou considerável abalo psíquico e emocional, sofrimento e preocupação, quer na mãe da autora, quer neles próprios AA., assistindo-lhes, por assim ser, o direito de serem indemnizados a título de danos não patrimoniais em valor que estimam em € 3.750,00. A R. “E” contestou afirmando que as obras por si realizadas a tardoz do prédio em nada afectaram a estabilidade daquele prédio, imputando a degradação daquele à falta de obras de conservação e a rupturas de canalizações próprias, ocorridas antes de iniciar os seus trabalhos. Alegou que em 1999 o prédio a que os autos se referem estava em muito mau estado de conservação, com fissuras e estados de fendilhação, deformação e instabilidade nos seus elementos estruturais principais, não garantindo as exigências funcionais de segurança estrutural, habitabilidade e salubridade, defendendo que o estado de ruína do edifício se deveu exclusivamente à progressiva degradação do prédio, por falta de obras de conservação dos seus proprietários. Mais alegou que, como dona da obra, adjudicou os trabalhos de construção periférica e de escavações à ““J” - Geotécnica e Engenharia de Fundações, Lda.”, sendo que, eventualmente, a provar-se que a causa dos danos peticionados pelos AA. radica numa eventual má execução dos trabalhos de construção e de escavação, efectuados por aquela, sempre teria direito de regresso sobre a mesma, pedindo a intervenção daquela. Deduziu também incidente de intervenção provocada do Condomínio do prédio urbano em causa nos autos (a que correspondeu o nº 13 da Rua ..., em Lisboa), alegando que o mesmo, como administrador do condomínio, era responsável por garantir o bom estado de conservação do referido imóvel. Foi deduzido incidente de habilitação de herdeiros por óbito do 1º co-Réu, “C”, declarando-se a final habilitados no lugar daquele a co-Ré “D”, e “L” e “M”. Os assim RR. contestaram, invocando a ilegitimidade activa dos AA., alegando que com a execução de despejo e posterior demolição do prédio, se verificou a perda da coisa locada, com a consequente caducidade do contrato de arrendamento, pelo que a posição de arrendatário não poderia ser transmitida para quem quer que fosse, ainda que estivessem reunidos os condicionalismos legais para essa transmissão. Acrescentam que os AA. nunca comunicaram ao senhorio a morte da arrendatária para concluírem que não houve qualquer transmissão do direito ao arrendamento. Invocaram, ainda, a ilegitimidade passiva dos RR. por a relação material controvertida, assente na falta de realização de obras periódicas de conservação do prédio exigir a intervenção de todos os proprietários do prédio. No mais, impugnam que durante a vigência do arrendamento, o senhorio nunca tenha feito obras, declinando qualquer responsabilidade pelo estado de degradação do prédio, alegando que a degradação e consequente demolição do prédio em causa ficou a dever-se, exclusivamente, às obras de escavação efectuadas pela 2ª R. no prédio confinante. Os AA. replicaram, pugnando pela improcedência das excepções de ilegitimidade passiva e activa deduzidas pelos 1ªs RR, reiterando o seu pedido de que a acção fosse julgada procedente. Por despacho exarado a fls. 368, foi admitido o chamamento de “J”, Lda. e do Condomínio do Prédio da Rua ..., n.º 13, em Lisboa, para intervirem nos autos como co-Réus, nos termos do disposto nos art. 325º e 327º do C.P.C. O Condomínio do prédio urbano a que correspondeu o n.º 13 da Rua ... veio apresentar contestação, por excepção, invocando a sua falta de personalidade judiciária, e por impugnação, pugnando pela improcedência da acção. A chamada ““J”, Lda.” veio igualmente contestar a acção, arguindo a sua ilegitimidade e pugnando pela improcedência da acção, alegando que a R. “E” lhe adjudicou os trabalhos objecto de proposta que lhe apresentou, em função da qual ela elaborou um Projecto de Execução de Contenção Periférica por Parede Berlim, no qual teve em conta as condições hidrogeológicas e geotécnicas do local de acordo com os elementos fornecidos pela 2ª Ré - estudo da “N”, S.A.-, prevendo-se no projecto que as condições hidrogeológicas e geotécnicas assumidas seriam sempre a confirmar em obra na fase de execução, sendo, se fosse caso disso, reajustadas à realidade local. Mais alegou que o processo de execução obedeceu ao descrito no projecto, sendo que cabia à R. “E” a execução das terraplanagens até às cotas necessárias à execução das ancoragens previsíveis e à execução dos painéis de parede de betão armado periférica, bem como à restante estrutura de betão armado, não competindo à “J” a execução dos trabalhos de escavação, mas tão somente os de contenção periférica. Alegou, por fim, que os trabalhos de contenção periférica decorreram com absoluta normalidade, tendo terminado os trabalhos que lhe competiam em Maio de 1999, sem que lhe fosse comunicado pela 2ª R. qualquer deficiência nos trabalhos realizados. Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou procedente a excepção de falta de personalidade judiciária do chamado Condomínio do prédio urbano a que correspondeu o n.º 13 da Rua ..., absolvendo-se o mesmo da instância, e improcedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, de ilegitimidade activa dos AA., arguida pelas RR “D”, “L” e “M”, e de ilegitimidade passiva da chamada “J”, suscitada por esta. Procedeu-se à selecção da matéria de facto A chamada “J” interpôs recurso do despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da mesma, o qual foi admitido como agravo, a subir com o primeiro que depois dele houvesse de subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo, e no qual apresentou alegações, e a R “E”, contra-alegações. Ocorrido o óbito da co-Ré, “M”, declaram-se a final habilitados no lugar daquela, “O”, “P” e “Q”. Realizou-se o julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo os RR do pedido.. II- Do assim decidido apelaram os AA. que concluíram as respectivas alegações nos seguintes termos: (…) A R. “E” apresentou contra-alegações, nelas defendendo a manutenção do decidido. Colhidos os vistos, cumpre decidir. III – O tribunal de 1ª instância julgou como provados os seguintes factos: 1. Em 2 de Julho de 1999, foi ordenado e executado pelo Serviço Municipal de Protecção Civil o despejo administrativo do prédio sito na Rua ..., n° 13, em Lisboa, por força da grave situação de colapso iminente em que o mesmo se encontrava. 2. Determinação que foi confirmada por despacho da Câmara Municipal de Lisboa de 13 de Julho de 1999, no qual foi reiterada a manutenção de tal situação de despejo e ordenada a retirada de todos os bens ainda existentes no prédio. 3. E que, como tal, foi notificada "ao inquilino do 1 ° andar Direito", por ofício da mesma Câmara de 14/07/1999. 4. A notificação de despejo foi ainda publicada sob o aviso n° .../99 no Boletim Municipal da Câmara de Lisboa de 29 de Julho de 1999. 5. Subsequentemente, foi determinada a realização de obras de demolição do prédio que se veio efectivamente a concretizar, em 2000. 6. A autora nasceu em 9/8/1939. 7. Os autores casaram entre si em 6/9/1959. 8. “H” é filho dos autores e nasceu em 2/8/1960. 9. “F”, mãe da autora, faleceu em 9/7/1999, com 82 anos. 10. Os autores não comunicaram esse falecimento ao réu primitivo, “C”, nem a pretensão de lhe sucederem na posição de arrendatária. 11. A 2ª R. é proprietária de um lote de terreno para construção, com a área de 1.264,8 m2, confrontando a Norte com traseiras de prédios da Rua ..., incluindo o prédio com o n.º 13, a Sul com a Rua Dr. ..., a Nascente com o prédio n.º 12 da Rua Dr. ... e a Poente com o prédio n.º 28 desta mesma Rua, descrito na 8a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., da Freguesia de .... 12. Conteúdo do documento de fls. 261 a 272, que aqui se dá por integralmente reproduzido - «cópia de certidão da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia de ..., referente ao prédio descrito sob o n° ..., a fls. 1213 vrs., do Livro B-31, referido em A». 13. Em 2/7/1999 era arrendatária do 1º andar direito do referido prédio “F”. 14. Por tal posição contratual lhe ter sido transmitida por morte de seu marido, “G”. 15. Este, em 3/1/1951, celebrou, com o então proprietário, o contrato de arrendamento do dito andar, a que se refere o documento de fls. 14. 16. Quando do despejo, a renda mensal era de Esc. 6.397$00. 17. À data do despejo, vivia com a arrendatária desde o início de vigência do arrendamento, sua filha, a ora A.. 18. Que acompanhou em 1/1/1951 seus pais quando estes começaram a habitar o locado. 19. Vivia também o seu genro, o 2° A., desde que casou com a A.. 20. E vivia ainda, desde o seu nascimento, o “H” . 21. O “H” sofre de paralisia cerebral. 22. Encontrando-se completamente incapacitado de se bastar a si próprio. 23. Estando continuadamente dependente da ajuda de outras pessoas. 24. O 1° R. nunca fez qualquer obra, fosse a que título fosse - de conservação ou de outro tipo - no 1° andar direito, quer na parte do prédio que lhe pertencia. 25. Foram sempre os AA. que fizeram, a expensas suas, todas as obras de conservação de que a habitação arrendada precisou. 26. Repetidas vezes a A. solicitou ao 1° R. que fizesse obras de manutenção no locado - ao que sempre este se furtou. 27. O 1º Réu foi intimado, pelo menos uma vez, pela Câmara Municipal de Lisboa a fazer obras daquela natureza. 28. Em 1999 o prédio a que os autos se referem carecia de obras de conservação e beneficiação. 29. Nos primeiros meses de 1999, a 2ª R. começou a fazer profundas obras de escavações para a edificação de um imóvel em terreno confinante a tardoz do prédio despejado, referido em L (11) 30. Da feitura desta obra, pela sua profundidade e meios e processos técnicos utilizados resultou que praticamente todos os prédios confinantes sofreram danos, uns de maior, outros de menor gravidade. 31. Assim aconteceu ao prédio do locado. 32. Como aconteceu, pelo menos, aos prédios sitos na Rua ..., com os nºs. 15, 17, 19,23 e 27, afinal os prédios cujas traseiras confinavam com a obra. 33. O despejo dos habitantes do prédio e demolição deste foram consequência directa das escavações efectuadas pela 2a Ré. 34. A 2ª Ré fez obras de recuperação a expensas suas em várias fracções do prédio n.º 13. 35. Realizou, também, obras no próprio locado onde viviam os AA., que igualmente suportou, nos 3 quartos da habitação - nomeadamente colocando novos tectos falsos, reparando a cozinha e atenuando ou eliminando fendas e outras sequelas existentes. 36. Efectuou ainda obras nalguns prédios vizinhos, designadamente no prédio com o n° 23 da mesma rua, na loja do nº 23-A (da empresa "M..."). 37. Os AA. efectuaram e pagaram, em meados de 1998, obras de renovação e reforço de sanitários e novas canalizações, com as quais despenderam quantia não apurada. 38. Suportaram as expensas próprias o montante de €1.488,16 com a mudança, por força do despejo, do recheio de habitação do locado para armazém. 39. Pagaram despesas de guarda e armazenagem de tal recheio da habitação entre 3 de Julho e 31 de Outubro de 1999, no montante de € 3.109,39. 40. Uma vez que já não tinham idade para recorrer ao crédito à habitação e não dispondo de fundos próprios, o seu filho “I” adquiriu, para utilização dos AA., com recurso ao crédito bancário a fracção onde estes habitam, na Rua ..., 4° andar Dto. Frente, em Lisboa. 41. Para o efeito e em tais circunstâncias, o seu referido filho contraiu um empréstimo junto do B... no montante de 11.000 contos, a pagar em 30 anos. 42.Sendo que o capital em divida era em 2002-06-04 de € 52.703,25. 43. Os AA. nunca tiveram o propósito de mudar de habitação. 44. Têm sido os AA. a, desde Novembro de 1999, suportar os encargos com a amortização do dito empréstimo. 45. São exclusivamente os Autores, com o seu filho deficiente, quem habita a referida fracção. 46. A prestação mensal é actualmente de €286,38 (com referência à data da petição inicial). 47. A mãe da Autora teve percepção dos danos que as obras iam provocando no andar onde vivia e foi obrigada a durante algum tempo mudar de quarto para quarto. 48. Esta situação acarretou dor e preocupação aos AA., por eles mesmos, mas também ao verem a sua mãe e sogra passar os últimos meses de vida em condições extremamente penosas e dolorosas. 49. O prédio em 1999 tinha mais de 70 anos de construção. 50. Em 1999, o prédio a que os autos se referem, estava em mau estado de conservação, com fissuras e estados de fendilhação. 51. O rés-do-chão estava fechado a cadeado. 52. Não garantia as exigências funcionais de salubridade. 53. O edifício a construir seria composto de cinco caves, rés-do-chão, 3 pisos e sótão. 54. A Ré “E”, como dona da obra, adjudicou os trabalhos de construção periférica à ““J” - Geotécnica e Engenharia de Fundações, Lda.”. 55. Sociedade experiente e especializada nesta área. 56. Em 15 de Setembro de 1997, após consulta, a “J” apresentou à Ré “E”, a sua proposta para execução dos trabalhos de contenção periférica – paredes ancoradas relativamente à obra na Rua Dr. ..., lote 1, que aquela pretendia levar a efeito. 57. Nomeadamente no respeitante às características geotécnicas locais, a proposta foi elaborada tendo em conta os elementos fornecidos pela “E”, e que consistiram em Relatório Geotécnico elaborado pela empresa “N”, SA.. 58. Em 19 de Dezembro de 1997, a “E” adjudicou à “J” os trabalhos objecto da proposta, tendo esta elaborado um Projecto de Execução de Contenção Periférica por Parede Berlim. 59. Na elaboração do Projecto tiveram-se em conta as condições hidrogeológicas e geotécnicas do local de acordo com o referido estudo da “N”, S.A. 60. Previu-se que as condições hidrogeológicas e geotécnicas assumidas seriam sempre a confirmar em obra na fase de execução, sendo, se fosse caso disso, reajustadas à realidade local. 61. Cabia à “E” a execução das terraplanagens até às cotas necessárias à execução das ancoragens previsíveis, segundo a programação que veio a ser estabelecida. 62. Cabia também à “E” a remoção e transporte para fora dos locais de trabalho de todos os produtos provenientes dos trabalhos de escavação, demolição e furação, bem como a bombagem das águas que inundem ou perturbem o local dos trabalhos, qualquer que fosse a sua proveniência. 63. A “E” deveria também proceder à execução dos painéis de parede de betão armado periférica, bem como à restante estrutura de betão armado, incluindo o reforço de armadura das paredes na zona localizada junto às cabeças das ancoragens e a implantação e fornecimento de marcas de nível. 64. Não competia à “J” a execução dos trabalhos de escavação, mas tão somente os de contenção periférica. 65. A “J” iniciou a execução dos trabalhos que lhe competiam no início de 1999. 66. A Ré “E” adjudicou os trabalhos de escavação e de remoção de terras a outras empresas. 67. Em Maio de 1999 foram executados os últimos níveis de ancoragens. 68. A “J” comunicou à Ré “E”, por carta de 2 de Julho de 1999 que, se detectasse alguma deficiência nos trabalhos realizados, tal ocorrência lhe deveria ser imediatamente comunicada por escrito. 69. Sendo que nada lhe foi comunicado. 70. A ruína e consequente demolição do prédio em causa ficou a dever-exclusivamente, às obras de escavação efectuadas pela 2ª R. “E”, S.A. no prédio confinante a tardoz. 71. Em 08 de Abril de 1998 a “E”, S. A., na qualidade de proprietária do referido lote de terreno, apresentou na Câmara Municipal de Lisboa um pedido de licenciamento para nele construir um edifício novo. 72. O projecto de arquitectura em causa veio a ser aprovado por despacho de 08 de Fevereiro de 1999. 73. Em 27 de Agosto de 1998, a “E”, S.A., apresentou na CM.L. um pedido de autorização para o início dos trabalhos de escavação. 74. Sem qualquer projecto de escavações. 75. Não foi apresentada, nem tão pouco exigida pela C.M. Lisboa, qualquer planta com o faseamento das escavações, betonagens e ancoragens. 76. Não há no processo de licenciamento da obra, nomeadamente no projecto de contenção periférica, nenhuma referência minimamente objectiva e correcta aos tipos de construção dos edifícios confinantes, nomeadamente no que se refere às cotas de apoio das respectivas fundações, ocupação e número de pisos acima e abaixo do solo e ao estado geral de conservação dos edifícios. 77. É conveniente averiguar previamente as características sobre o tipo de construção e fundações existentes nas construções confinantes, com indicação das respectivas cotas de apoio e estado de conservação. 78. Por forma a determinar o possível comportamento das fundações dos edifícios confinantes. 79. E, assim, prevenir que tais obras privassem o prédio da Rua ... nº 13 do apoio necessário para evitar danos estruturais graves, previsíveis sem tais cuidados, como se veio a verificar. 80. O projecto de contenção periférica acabou por ser aprovado e a autorização para as obras de escavação foi concedida pela CM.L. à “E”, S.A. através da Licença n.º ..., de 21.4.99. 81. A “E”, S.A. já tinha iniciado as obras de escavação pelo menos três meses antes da emissão da respectiva licença n.º ..., de 21.4.99. 82. Como consequência directa e necessária das escavações e das perfurações efectuadas a tardoz do prédio com o n.º 13 da Rua ... com vista à ancoragem das paredes de contenção periférica, começaram a aparecer fissuras, fendas e deformações nas paredes, tectos e pavimentos das diversas fracções do edifício, queda de estuque dos respectivos tectos, e fendas nas fachadas, especialmente na fachada a tardoz. 83. Os próprios inquilinos do prédio tentaram, por várias vezes, que a “E” suspendesse os trabalhos de escavação. 84. Alguns inquilinos falaram com o Eng. “R”. 85. Os trabalhos prosseguiram. IV – Das conclusões das alegações resultam as seguintes questões para apreciação por este tribunal: - Saber se a sentença recorrida enferma de nulidades por omissão de pronúncia, em virtude de não se ter pronunciado relativamente aos pedidos indemnizatórios referentes às despesas com a mudança do recheio da habitação, bem como às da respectiva armazenagem, e ainda pelos danos patrimoniais sofridos pela mãe da A., arrendatária, e pelos próprios AA.; - Saber se, ao contrário do que foi decidido, a frustrada expectativa da transmissão do direito ao arrendamento por óbito da mãe da A. em virtude da caducidade do arrendamento pela perda da coisa locada, sendo imputável às apeladas, é indemnizável, o que na afirmativa implicará que seja atribuída aos AA. indemnização pelos prejuízos sofridos com a necessidade de terem adquirido nova habitação; - Saber, quando se entenda que essa expectativa não é indemnizável, se restará por indemnizar o dano da falecida mãe da A,, arrendatária, por se ter visto privada do direito à habitação; - No suprimento das acima apontadas nulidades da sentença, e quando se entendam as mesmas existentes, saber se se deverá atribuir aos AA. a indemnização pedida em virtude dos prejuízos decorrentes da mudança do recheio da habitação, da respectiva armazenagem, e dos danos não patrimoniais sofridos pela mãe da A e pelos próprios AA. - Saber se, ao contrário do entendimento da 1ª instância, se deverá atribuir aos AA. indemnização em função do valor das obras levadas a efeito no locado, ainda que a determinação desse valor venha a ser relegada para ulterior liquidação, por se dever entender ter havido enriquecimento sem causa dos 1ª RR. A apreciação das enunciadas questões postula por parte deste tribunal uma prévia demarcação relativamente à responsabilidade que é atribuída aos RR., cuja condenação vem pedida em termos solidários em função dos AA. terem pressuposto uma contribuição causal igual de ambos no resultado que conduziu ao despejo administrativo do prédio dos autos. Como é evidente, a responsabilidade atribuída aos RR. “C” e mulher, “D” - que vieram a ser substituídos na acção pelos herdeiros daquele em função do seu óbito na pendência desta, e pelos herdeiros da própria “S” herdeira daquele, também esta falecida na pendência da acção - só pode alcançar-se a titulo contratual, em função da sua qualidade de senhorios referentemente ao contrato de arrendamento que lhes foi transmitido por efeito daqueles óbitos. A ilicitude que está na base dessa atribuída responsabilidade advém da circunstância dos senhorios nunca terem realizado no locado obras a que estavam obrigados, não obstante os AA. lhas haverem diversas vezes solicitado. E por isso, o prejuízo que os AA. invocam referente ao custeio das obras realizadas pela arrendatária no locado no valor de € 3.750,00, é prejuízo em que a R. “E” não poderia nunca ver-se solidarizada (sem prejuízo dos RR. senhorios poderem ter sobre a mesma direito de regresso), dizendo apenas respeito a estes. Já a responsabilidade civil atribuída à R. “E” é, obviamente responsabilidade civil a título extra-obrigacional. A ilicitude que está na base desta responsabilidade situar-se-á na circunstância de nas obras de escavação a que aquela procedeu em prédio confinante a tardoz com o dos autos, ter omitido as providências necessárias a fim de prevenir a danificação adjacente dos prédios contíguos. Portanto, os AA., na demanda dos RR., cumulam responsabilidade contratual – proveniente da falta de cumprimento de obrigação emergente do contrato de arrendamento – com responsabilidade civil extra-obrigacional – resultante da violação ilícita dos seus direitos ou de disposição legal destinada a proteger interesses alheios - ocorrendo processualmente, visto o único pedido formulado, litisconsórcio voluntário passivo. Feitas estas observações prévias, impõe-se iniciar a apreciação das questões envolvidas no recurso, fazendo-o pela caracterização da situação subjectiva em que os AA. se colocam para reclamarem as já referidas responsabilizações. Os AA. na demanda sabem bem que não têm direito ao arrendamento por transmissão por morte da arrendatária, mãe da A., ocorrido em 9/7/99. E não o têm, porque o contrato de arrendamento antes de poder caducar por morte da arrendatária nos termos da al d) do art 1051º CC, e por isso se poder transmitir à A. mulher (ou ao filho dos AA.), caducou pela perda da coisa locada, nos termos da al e) do referido art 1051º, em função do despejo administrativo ocorrido em 2/7/99, consequentemente, previamente à morte daquela. O que os AA. invocam é a expectativa que tinham de - porque nunca tiveram o propósito de mudar de habitação, facto 43 – por morte da mãe da A., verem transmitido para a pessoa desta (sua filha), ou do filho de ambos (“H”, nascido em 2/8/60, facto 8) que sofre de paralisia cerebral, se encontra completamente incapacitado de se bastar a si próprio, estando continuadamente dependente da ajuda do outras pessoas – factos 21 a 23 – o direito ao arrendamento, visto que à data de despejo a A. mulher vivia com a arrendatária, sua mãe, desde o inicio da vigência do arrendamento, tal como o A. marido, desde que casou com a A., e o respectivo filho, desde o seu nascimento – factos 17 a 20 . Note-se que os AA. fazem valer essa expectativa, não apenas em função do art 85º do RAU – norma vigente a respeito da transmissão por morte do arrendamento urbano ao tempo em que a mãe da A. faleceu, e em função da qual a A. seria, efectivamente, transmissária do direito ao arrendamento nos termos do seu nº 1 al b) e do seu nº 3 – mas em função de outro regime legal que se lhe pudesse suceder, por poder ocorrer que o óbito daquela se viesse a dar posteriormente, apenas assim se podendo compreender a expectativa que referem relativamente à transmissão do arrendamento para o seu filho. Neste contexto, e como é evidente, mostra-se inócua a defesa de que os RR. se servem quando invocam que os AA. não deram cumprimento ao disposto no art 89º do RAU, pois que nenhum sentido teria o cumprimento por estes dessas diligências, conscientes como estavam de que o direito à transmissão do arrendamento se não chegou a consolidar na sua esfera jurídica [1]. Entendeu a 1ª instância a este nível, que a expectativa em que os AA. alicerçam (grande) parte dos seus pedidos não merece protecção jurídica, referindo concretamente: «(…) atentos os factos provados, verifica-se que os AA., à data em que ocorreu a caducidade do contrato de arrendamento, não eram titulares do arrendamento do 1º dto., nem de outro direito, de natureza obrigacional, pessoal ou real, ao uso e fruição daquela fracção, juridicamente tutelado, habitando na mesma por integrarem o agregado familiar da arrendatária e, portanto, por mera tolerância da arrendatária. Na verdade, a expectativa de transmissão do arrendamento, ou seja, a esperança de que se venha a constituir no futuro o direito ao arrendamento, enquanto não se concretiza na ordem jurídica, não configura um direito que permita a utilização de determinado bem e o respeito dos não titulares por essa utilização. A expectativa de transmissão do direito ao arrendamento não confere protecção jurídica em termos de direito ao uso e fruição do local arrendado, concretamente não é reconhecida pela ordem jurídica como permissão de disponibilidade de afectação da coisa aos fins dos Autores. Ora, se a ressarcibilildade da privação do uso não pode ser apreciada em abstracto, mas tem de ser aferida pela titularidade do direito de utilização da coisa, só a privação do gozo de uma coisa pelo titular do respectivo direito constitui um ilícito que o sistema jurídico prevê como fonte da obrigação de indemnizar, pois que impede o respectivo titular de dela dispor e fruir as utilidades próprias da sua natureza. É que se uma coisa é a privação do uso e fruição da coisa locada, pelo respectivo locatário, outra bem diferente é a privação da possibilidade de uso, por quem tem apenas a expectativa de transmissão do direito ao arrendamento: uma pessoa só se encontra privada do uso da coisa, com isso sofrendo um prejuízo, se realmente a utilizar na qualidade de titular do direito ao aproveitamento da coisa, o que não sucede no caso em apreço. Em suma, a mera frustração do propósito da 1ª A. suceder na posição da arrendatária não configura uma hipótese de violação do direito ao uso e fruição da coisa locada, tanto mais que o direito de transmissão do arrendamento podia não vir sequer a ser reconhecido. Deverá, assim, julgar-se em conformidade, considerando indemonstrado nos autos serem os AA. titulares de um direito ao uso e fruição da coisa locada, constitutivo do direito a serem indemnizados pela privação da coisa». Concordando-se plenamente com o exposto, e também com a perspectiva utilizada de se aferir o dano decorrente da privação do uso do imóvel para habitação em função do concreto direito que a ordem jurídica atribua a esse uso por quem dele se vê privado por acto de outrém, não deixarão de se fazerem algumas considerações complementares a esse respeito. Em primeiro lugar, evidenciando-se que a expectativa jurídica constitui uma situação jurídica activa autónoma diferente do direito subjectivo, implicando uma posição jurídica instrumental em relação à consolidação ou efectivação desse direito. Como o adverte Raquel Rei [2] «não existe o regime jurídico da expectativa», resultando a mesma de «uma construção dogmática que se baseia no estudo de figuras particulares», e de que a autora em causa destaca as situações em que se encontram o sucessível legitimário, o fideicomissário e o adquirente sob condição suspensiva e o alienante sob condição resolutiva. Distingue a mesma, a expectativa de facto - que se traduz numa mera aspiração ou previsão de um certo facto ou de um certo efeito jurídico e que não beneficia de qualquer protecção jurídica, não tendo relevância jurídica - da expectativa jurídica. E exemplifica as expectativas de facto com a posição dos presuntivos herdeiros não legitimários, os sócios em relação a futuras distribuições de lucros, ou o proponente no que concerne à eventual celebração do contrato, pondo em relevo que «todos estes indivíduos “contam”, “esperam”, vir a ser investidos numa determinada posição. No entanto, essa sua aspiração não encontra meios jurídicos destinados a consolidar a probabilidade da investidura desejada». «A expectativa jurídica, ao invés, é uma posição de expectação à qual o Direito confere protecção, designadamente através de permissões atribuídas ao sujeito expectante, em ordem à defesa da probabilidade de efectuação do seu desejo (ou seja do seu direito a haver)». Assim, o critério da distinção entre a expectativa jurídica e a de facto situa-se na existência ou não de meios jurídicos que o ordenamento ponha na disponibilidade daquele que espera. Pelo que a «expectativa, mera aspiração ou previsão de um facto, torna-se expectativa jurídica quando algum princípio ou valor jurídico retira aos sujeitos envolvidos a liberdade de interferirem no curso dos acontecimentos que conduzirá, ou não, à verificação da aspiração ou previsão do expectante», conferindo-lhe tutela, a qual se pode traduzir em «colocar na disponibilidade do expectante um conjunto de meios jurídicos que lhe permitam impedir a sabotagem do nascimento ou aquisição eventual do seu direito», ou «através da consagração de protecções reflexas ou indirectas através de obrigações ou deveres assacados a outros sujeitos de direito». Nada disso se passa relativamente à situação dos potenciais transmissários do direito ao arrendamento por morte do arrendatário. Pelo que, o mais que lhes assiste é uma expectativa de facto: esperarem que o curso dos acontecimentos lhes permita aceder àquele direito subjectivo, em função da circunstância de – “se tudo correr bem” – virem a reunir os pressupostos necessários à aquisição daquele direito em função de uma determinada regulamentação jurídica que conhecem. Mas, mesmo esta, é mutável – e tem-o sido largamente na matéria em apreço - e porque a lei a aplicar em matéria de caducidade de arrendamento é a que se mostre em vigor à data do facto que despolete a referida caducidade, e não a lei que vigorava à data em que foi celebrado o contrato, os potenciais transmissários do direito ao arrendamento por morte do arrendatário, não podem nunca estar seguros relativamente à futura aquisição daquele direito. Têm sido, aliás, muitas, as decisões do Tribunal Constitucional, também e especificamente nesta matéria da transmissão do arrendamento por morte do inquilino, em que potenciais transmissários a este direito alegam terem visto as suas expectativas frustradas – e que muitas vezes os determinaram a permanecer no arrendado - em função da alteração da lei. Invocam então a violação do principio da confiança e normalmente também o da igualdade, dimanados dos arts 2º e 13º da CRP. Invariavelmente o Tribunal Constitucional tem referido a esse propósito que, «a afectação de expectativas legitimas resultantes de um alteração legislativa só é inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas delas constantes não possam contar, não sendo a mesma ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes». No Ac nº 196/2010 [3] a que pertence a citação anterior, acrescenta-se: « …a incerteza do momento da morte aliada ao facto das condições exigidas pelo RAU se reportarem a esse momento (convivência do arrendatário no ano anterior ao da sua morte) não permite de modo algum que se reconheça como legitima qualquer expectativa de transmissão do arrendamento alicerçada apenas num juízo de prognose que tem por base a manutenção hipotética de todos os dados de facto e de direito até à data da morte do arrendatário. Na verdade, só nesse momento é que era possível constatar se estavam ou não preenchidos os requisitos da transmissibilidade, pelo que não tem fundamento a constituição anterior de qualquer posição de confiança merecedora de protecção». É verdade que o que ocorreu na situação dos autos não foi uma alteração de direito, mas antes de mais, uma alteração no plano dos factos, pois que o óbito da arrendatária, que podia muito bem ter ocorrido antes de 2/7/99 – data do despejo administrativo – veio a ocorrer cinco dias depois, em momento em que o contrato de arrendamento já tem de se ter por extinto por caducidade advinda da perda do imóvel sobre que incidia. Mas nem por isso a expectativa que os AA. vinham mantendo de verem transmitido para a A. ou para o filho de ambos o direito ao arrendamento merece tutela jurídica, aplicando-se, plenamente, a seu respeito as considerações citadas anteriormente: . …a incerteza do momento da morte aliada ao facto das condições exigidas pelo RAU se reportarem a esse momento (convivência do arrendatário no ano anterior ao da sua morte) não permite de modo algum que se reconheça como legitima qualquer expectativa de transmissão do arrendamento alicerçada apenas num juízo de prognose que tem por base a manutenção hipotética de todos os dados de facto e de direito até à data da morte do arrendatário. Na verdade, só nesse momento é que era possível constatar se estavam ou não preenchidos os requisitos da transmissibilidade, pelo que não tem fundamento a constituição anterior de qualquer posição de confiança merecedora de protecção». E a circunstância da perda do locado, na situação concreta dos autos, tendo tornado completamente impossível a continuação do arrendamento – e porque a caducidade do arrendamento pela perda da coisa locada é uma afloração do principio geral sobre a impossibilidade superveniente da prestação prevista no art 790º CC - ser, no entendimento dos AA., imputável às RR, só poderia, quando muito, relevar no âmbito da responsabilidade contratual. Só aí se poderia equacionar que sendo tal perda exclusivamente imputável aos senhorios - o que os próprios AA. não sustentam, pois que baseiam a acção num concurso causal de actuações ilícitas dos RR. - os pudesse tornar também responsáveis, à luz do art 798º CC, pela circunstância desse facto os haver impedido de acederem à transmissão do arrendamento. Mas mesmo nessa situação, o facto de, em rigor, nunca se poder saber se, se não fora a perda do locado, os AA. teriam ainda assim adquirido o direito a que expectavam, sempre implicaria que nenhuma tutela se lhes permitisse, ainda que pela disciplina do art 798º CC. Em resumo: a situação activa de que os AA. se arrogam – de mera expectativa - não apresenta no sistema jurídico qualquer protecção jurídica. O que significa que os AA. não dispõem de qualquer titulo que lhes permita defender a privação de habitação do imóvel cuja perda ocorreu, não podendo invocar em seu beneficio, sequer, a disciplina do art 1284º CC, por via do disposto no art 1037º/2 CC, porque não são locatários. Do que se veio de dizer, só pode resultar que entre os AA. e os 1ºs RR, enquanto comproprietários do imóvel em causa nos autos, não há, nem houve, qualquer relação contratual que possa justificar o pedido de indemnização que os mesmos fazem referentemente aos sacrifícios económicos que para eles tem representado a aquisição de nova habitação que se viram necessitados de adquirir em função da perda do locado, mesmo que tivesse ficado provado – e não ficou – que para a perda deste teria concorrido a omissão por parte dos 1º RR referente à realização de obras no mesmo. Esse ilícito contratual – a ter-se verificado - apenas se mostraria susceptível de afectar a arrendatária – e a seu tempo se retornará a esta especifica questão - e não os AA. que viviam na casa, em última análise, por tolerância daquela. Se assim se exclui o pedido indemnizatório em questão relativamente aos 1ª RR, cumpre apreciar a sua pertinência relativamente à R “E”, quer dizer em função da responsabilidade civil extra-obrigacional que lhe é assacada . Estão em causa na acção os danos provindos das escavações em prédio confinante a tardoz com o dos autos, com vista à ancoragem das paredes de contenção periférica tendentes à edificação de novo prédio nesse espaço e de que vieram a resultar no prédio dos autos (e noutros, aqui não relevantes), fissuras, fendas, deformações nas paredes, tectos e pavimentos, que vieram a causar a perda do locado. Essas escavações foram levadas a efeito pela R. “E” enquanto empreiteira. Os AA, na acção optaram por não demandar o dono dessa obra, pese embora a responsabilização objectiva deste - porque resultante de uma actividade lícita - e que para o mesmo sempre adviria da norma do art 1348º CC. Mas essa circunstância não afasta a responsabilidade – embora subjectiva – da respectiva empreiteira, desde que a mesma, culposamente ou por ter omitido os cuidados exigíveis na execução dos trabalhos, tenha violado ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, nos termos do art 483º/1 CC, podendo os lesados, dadas as circunstâncias que se conhecem dessa empreitada, beneficiarem da presunção de culpa da empreiteira, por ser muito razoável considerar ter estado em causa uma actividade «perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados», nos termos do nº 2 do art 493º CC. Ora já se viu atrás que os AA. não dispõem de um direito (subjectivo) que pudesse ser afectado pela actividade da empreiteira, ainda que sendo esta marcadamente ilícita, como veio a resultar provado. Tão pouco invocaram qualquer norma que, visando directamente a protecção do interesse deles a habitarem aquela casa (ou de um circulo de pessoas em que eles se compreendessem) tivesse sido violada pela acção da empreiteira, de tal modo que se pudesse dizer que o dano que eles invocam se produziu no bem jurídico que tal norma visava justamente proteger [4]. E isto significa que não podem pretender responsabilizar a R. “E” pela privação de habitação que para eles representou a perda do locado imputando-lhe as despesas com a nova habitação. Igualmente não podem os AA. imputar aos 1ª RR. ou à 2ª R. a responsabilidade pelas despesas que eles custearam com a mudança do recheio da habitação e com a respectiva armazenagem, pois que esses prejuízos decorrem da privação de habitação, cuja tutela já se viu que não lhes é assegurada pelo Direito. E, note-se, que foi assim – como perdas patrimoniais próprias e não da inquilina- que eles apresentaram estes pedidos, pois referem (art 46º da petição) que «suportaram a expensas próprias o montante de € 1.488,16 com a mudança, por força do despejo, do locado para armazém (…)» e (art 47º da petição) «pagaram, igualmente do seu bolso, despesas de guarda e armazenagem de tal recheio de habitação …». Como não podem imputar também a qualquer dos RR. os danos não patrimoniais por eles próprios sofridos – dor e preocupação, cfr facto 48 na sua 1ª parte - ao verem os danos que as obras levadas a efeito pela 2ª R. foram provocando no andar onde viviam, pela razão já sobejamente referida. E terá sido por assim ser, que o Exmo Juiz a quo teve por prejudicada a apreciação dos pedidos referentes a tais danos, visto que a sua improcedência decorria implicitamente da falta de tutela da posição jurídica dos AA. relativamente ao imóvel, não podendo falar-se verdadeiramente, nesse particular, de omissão de pronúncia, pois que não deixou de se pronunciar relativamente aos mesmos, ao ter dito: «Tendo ficado por demonstrar a prática de um acto ilícito, que os Autores invocaram nos autos, do mesmo passo fica prejudicado - nos termos do art. 660º, nº 2 do C.P.C.- o conhecimento das demais questões enunciadas no ponto III.» Referem, no entanto, os apelantes que mesmo que concluindo-se no sentido de que a expectativa que invocam não é tutelável, sempre haveria que indemnizar, não já o seu pretendido prejuízo referente aos gastos com habitação própria alternativa, mas o prejuízo com esta habitação sofrido pela própria inquilina. Ora os AA., segundo alegam, só começaram a pagar as prestações referentes à aquisição de casa própria em Novembro de 1999, como alegam nos arts 51º e 54º da petição e decorre do período da armazenagem do recheio da habitação a que se referem no art 47º. Não aludem à solução habitacional intermédia a que terão recorrido. De todo o modo, a arrendatária, mãe da A. só partilhou com os AA. essa solução transitória – qualquer que ela tenha sido - por sete dias. Desconhecendo-se, por falta de alegação dos AA., os termos da mesma, não seria nunca possível atribuir àquela arrendatária indemnização por danos patrimoniais, mas, quando muito, por danos não patrimoniais, dando-se por indiscutíveis, por notórios, os sérios incómodos e perturbações que para ela resultaram da mudança de habitação a que foi obrigada. Por assim ser, o pedido indemnizatório em causa, merecerá as mesmas observações que aquele outro referente aos danos de ordem não patrimonial a que os AA. aludem nos arts 62º e 63º da petição, ao alegarem que a situação «provocou considerável abalo psíquico e emocional, sofrimento e preocupação à arrendatária, para mais nos últimos meses de vida», pois que a mesma «com 82 anos de idade e muito doente, teve a dolorosa percepção dos danos que as obras iam provocando no andar onde vivia e foi obrigada a durante algum tempo mudar de quarto para quarto, enquanto a 2º R fazia no locado as obras de reabilitação». Dessas alegações provou-se que a 2ª R. fez obras nos três quartos da habitação onde viviam os AA. – nomeadamente, colocando novos tectos falsos, reparando a cozinha e atenuando ou eliminando fendas e outras sequelas existentes – facto 35 – tendo-se provado ainda que a mãe da A – que faleceu com 82 anos de idade – facto 9 - teve percepção dos danos que as obras iam provocando no andar onde vivia e foi obrigada a durante algum tempo mudar de quarto para quarto – facto 47. Estão aqui em causa prejuízos de ordem não patrimonial cuja compensação se admite facilmente relativamente a uma pessoa de 82 anos de idade. E visto que os factos provados permitem assacar à 2ª R. a responsabilidade – exclusiva - por estes danos, por ter resultado provado que o despejo dos habitantes do prédio e a demolição deste, foram consequência directa das escavações efectuadas pela 2ª R- facto 33 – e que a ruína e consequente demolição do prédio em causa se ficou a dever – exclusivamente - às obras de escavação efectuadas pela 2ª R. “E” SA no prédio confinante a tardoz - facto 70- designadamente, porque iniciou tais escavações sem ter apresentado na CML qualquer projecto – factos 73 , 74 e 80 – só não se condena esta R. no ressarcimento destes danos, fixando a sua indemnização equitativamente, na medida em que a A. não se afirma na acção como única herdeira da arrendatária, falecendo por isso a sua legitimidade para o efeito. È que os AA. assumem-se como (eles próprios) titulares também dessa indemnização, no art 65º da petição, quando referem que «assiste, assim, por esta razão, aos AA. o direito de serem indemnizados a titulo de danos não patrimoniais em valor que estimam simbolicamente em € 3. 750,00». Mas mal, porque os danos em referência constituem danos próprios da falecida arrendatária, daí decorrendo que o valor indemnizatório correspondente aos mesmos integrou o respectivo património e, consequentemente, se transmitiu aos seus herdeiros[5], pelo que do ponto de vista da legitimidade activa na presente acção, sempre seria necessário que todos esses herdeiros estivessem na demanda, o que se desconhece se sucede, porque apenas o está a A., sua filha. Competia aos AA. precisar se a A. mulher era a única herdeira da falecida arrendatária, sendo-o, ou, não o sendo, ter assegurado a presença dos demais na lide, competindo-lhe de todo o modo referir estar a agir, no que aos danos em causa respeita, na qualidade de herdeira, o que não fez, implicando a sua ilegitimidade para o efeito. É verdade que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia no que se refere ao pedido de indemnização acabado de referir, como é verdade que padece de igual nulidade quando igualmente omitiu a apreciação do pedido de indemnização também por danos não patrimoniais, estes dos próprios AA., mas em consequência da «dor e preocupação» sofrida pela mãe e sogra ao «verem-na passar os últimos meses de vida em condições extremamente penosas e dolorosas» - art 64º da petição 2ª parte. Trata-se da problemática dos danos indirectos ou reflexos. Segundo a doutrina clássica, em princípio, apenas tem direito à indemnização o titular dos bens ou interesses violados pelo facto danoso e não os terceiros que só reflexa ou indirectamente sejam prejudicados com a violação desse direito. Argumenta-se que a lei não inclui os familiares das vítimas no leque dos beneficiários, fora dos casos expressamente previstos no art 496º/2 CC, e que esta norma tem carácter excepcional. E neste sentido opinam Dario de Almeida [6] e Antunes Varela [7]. Mas contra essa doutrina clássica há muito que se opuseram Vaz Serra [8] e Ribeiro de Faria [9] que sustentam a possibilidade de uma interpretação extensiva da referida norma do nº 2 do art 496º. Diz-se no Ac RC 25/5/2004 [10]: «Parece não existirem obstáculos de natureza hermenêutica que impeçam uma tal interpretação, à luz do critério postulado no art 9º CC, tendo em conta a semelhante gravidade quando se comparam os danos decorrentes da morte e os que de outras situações podem derivar para os familiares próximos da vítima directa». Pense-se na situação, referida por Vaz Serra na anotação ao Ac STJ de 13/1/70 em que um filho menor é vítima de um acidente de viação ficando aleijado gravemente, em que a dor assim causada a seus pais pode ser tão forte como o seria se o filho tivesse morrido em consequência do acidente ou mais forte ainda. «Seria pois incongruente a lei que, reconhecendo aos pais o direito a satisfação pela dor sofrida por eles no caso da morte do filho, lhes recusasse esse direito pela dor por eles sofrida no caso de lesão corporal ou da saúde do filho». Abrantes Geraldes [11] conclui a este respeito: «São ressarcíveis os danos não patrimoniais suportados por pessoas diversas daquela que é directamente atingida por lesões de natureza física ou psíquica graves, nos termos gerais do art 496º/1 CC, designadamente, quando fique gravemente prejudicada a sua relação com o lesado ou quando as lesões causem neste grave dependência ou perda de autonomia do lesado. Tal direito de indemnização deve ser circunscrito às pessoas indicadas no nº 2 do art 496º». Ora já se vê destas considerações que os danos reflexos que os AA. invocam não assumem a gravidade ou a intensidade que justifique que se inflicta o principio geral de que apenas são passíveis de tutela os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo próprio ofendido por serem direitos de carácter estritamente pessoal. E por isso o pedido de indemnização em causa tem-se como improcedente. Resta ponderar o acerto da decisão da 1ª instância relativamente ao pedido de indemnização formulado pelos AA. a respeito das obras que levaram a efeito no imóvel locado. Trata-se de obras – note-se – não pagas pela arrendatária, mãe da A., mas pagas pelos AA., como estes o alegam no art 17º da petição. Já acima se referiu que este pedido só pode ser dirigido aos1ª RR na sua qualidade de senhorios, na medida em que são estes a quem o contrato de arrendamento vincula a realizarem as obras necessárias à realização do fim do arrendamento, de modo a assegurar o gozo do arrendatário, nos termos do art 1031º al b) CC. «Deverá por isso ( o senhorio) assegurar a manutenção do prédio de modo a mantê-lo num estado de conservação idêntico ao da data da celebração do contrato» [12] e para esse efeito tem de efectuar obras no arrendado, sendo estas as que correspondem às obras de conservação. Correspondem também, e em princípio a obras de conservação, as que o art 9º do RGEU determina que sejam efectuadas uma vez em cada período de oito anos, com o fim de remediar as deficiências provenientes do uso normal das edificações e de as manter em boas condições de utilização. Provou-se na situação dos autos que o 1º R nunca fez qualquer obra no prédio dos autos, fosse a que título fosse – de conservação ou de outro tipo - facto 24- e que foram sempre os AA. que fizeram a expensas suas, todas as obras de conservação de que a habitação arrendada precisou, sendo que repetidas vezes a A. solicitou ao 1º R. que fizesse obras de manutenção no locado, ao que este sempre se furtou, tendo o mesmo sido intimado, pelo menos uma vez, pela Câmara Municipal de Lisboa a fazer obras daquela natureza – factos 25 a 27. Em 1999 o prédio a que os autos se referem carecia de obras de conservação e beneficiação – facto 28. Provou-se ainda - facto 37 – que os AA efectuaram e pagaram, em meados de 1998, obras de renovação e reforço dos sanitários e novas canalizações, com as quais despenderam quantia não apurada. Admitindo-se que as obras que os AA. realizaram no locado eram urgentes e admitindo-se que a arrendatária tivesse pedido a realização de tais obras em concreto ao senhorio, que as não fez, colocando-se, pois em mora – art 1036º CC - o que está em causa no pedido indemnizatório agora em apreço é o seu reembolso. Entendeu o Exmo Juiz a quo que, não permitindo as normas da responsabilidade civil por facto ilícito a tutela jurídica da situação em apreço – o reembolso aos AA. do valor que despenderam em obras cuja realização era da responsabilidade do senhorio – havia que «averiguar o recurso complementar ao instituto do enriquecimento sem causa. E concluiu que «estando provado que os Autores efectuaram em 1998 obras de renovação e conservação no 1º direito do prédio n.º 13, propriedade dos 1ºs Réus, com o que despenderam quantia não apurada, sem que se haja apurado qualquer causa justificativa para esse enriquecimento, dúvidas não restam que ocorreu um enriquecimento sem causa dos primeiros co-Réus (“enriquecimento por incremento de valor de coisas alheias”), mostrando-se os Autores, nessa medida e então, empobrecidos». Porém, porque, nos termos do disposto nos arts 479º/2 e 480º CC, não pode a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, exceder a medida do locupletamento à data da citação judicial do enriquecido para a restituição, ou do seu conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento, ou da falta do efeito que se pretendia obter com a prestação - isto porque a obrigação de restituir do instituto em causa não visa reparar o dano do lesado, empobrecido (já que esse é o fim da responsabilidade civil), mas sim suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém, à custa de outrem – porque, concretamente, «à data da citação - não se mostra demonstrado que anteriormente os 1ºs Réus tenham tido conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento - a coisa tinha perecido, por facto não imputável aos mesmos, pelo que já não subsistia qualquer locupletamento», nada têm os 1º RR. a restituir. . Entendem os apelantes que porque o instituto do enriquecimento sem causa não impõe o conhecimento por parte do enriquecido da alegada falta de causa, deveria ter procedido o pedido de condenação dos 1º RR., ao abrigo do enriquecimento sem causa, sem prejuízo de se relegar para subsequente liquidação a determinação do valor concreto das obras realizadas – conclusão 13ª. Porém o que o Exmo Juiz a quo afirmou não foi que o instituto do enriquecimento sem causa imponha o conhecimento por parte do enriquecido da falta de causa do seu enriquecimento. O que ele referiu, de forma concisa, foi que, na situação concreta, os AA. não alegaram que tivessem dado conhecimento aos senhorios das obras realizadas e do seu custo, e que, por isso, estes só vieram a ter delas conhecimento com a citação para a presente acção. E nesse momento, já não havia enriquecimento por parte dos senhorios, pois que o mesmo desaparecera, sem culpa do senhorio, em consequência do desaparecimento do locado, nada tendo, pois, os mesmos que restituir. E assim é de acordo com a finalidade última do enriquecimento sem causa. Citando Pires de Lima e Antunes Varela [13], como foi feito na sentença recorrida, lembra-se que «o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial operada (ou o valor correspondente, quando a restituição em espécie não seja possível). Deve restituir apenas aquilo com que efectivamente se acha enriquecido, podendo haver diferença - e diferença sensível - entre o enriquecimento do beneficiado à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento actual, referido a algum dos momentos a que mandam atender as alíneas a) e b) do artigo seguinte», nomeadamente porque entre aquele primeiro momento e este alienou os bens recebidos ou se verificou seu o perecimento» Na situação dos autos verificou-se o perecimento das obras cujo valor está em causa em função da perda do locado, e esta ocorreu em momento anterior ao conhecimento das mesmas pelos senhorios. Por isso, a decisão referente a este pedido deve ser mantida. Esgotado que está o delimitado objecto da presente apelação, impõe-se uma palavra referentemente ao “recurso de agravo” que se mostra interposto nos presentes autos pela chamada “J”, e a que até agora nenhuma referência se fez. Como é evidente, datando a propositura dos autos de data subsequente à da entrada em vigor do novo regime de recursos, não havia lugar neles a qualquer recurso de agravo, desde logo porque esta modalidade de recurso deixou de existir. Por isso, não deveria o mesmo ter sido admitido, nem mesmo como apelação, por também não haver lugar à mesma nos termos do art 691º CPC (com a redacção do DL 303/2007 de 24/8). Tendo a R. “E” sido absolvida do pedido na 1ª instância, não haveria recurso da decisão final a interpor por ela ou pelas “J”. E dessa absolvição resultava que não teria interesse para as “J” a apreciação da decisão interlocutória a que pretendeu reagir com a interposição do dito agravo – cfr art 691º/4 CPC. Aliás, se de agravo se tratasse por estar em causa processo que ainda o admitisse, tal agravo não seria provido, na medida em que, se infracção tivesse existido com a admissão da requerida intervenção das “J”, tal infracção não teria influído no exame ou decisão da causa, nos termos do pretérito nº 2 do art 710º CPC. Por assim ser, não se conhecerá do referido recurso. V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida, excepto no que respeita ao pedido indemnizatório referente aos danos não patrimoniais sofridos pela arrendatária falecida, em que se absolve a R. “E” da correspondente instância, por ilegitimidade activa. Custas na 1ª instância e nesta, pelos apelantes e pela apelada, na proporção de 7/8 para aqueles e 1/8 para esta. Lisboa, 8 de Março de 2012 Maria Teresa Albuquerque José Maria Sousa Pinto Jorge Leal ----------------------------------------------------------------------------------------- [1] - Acresce que o Tribunal Constitucional pelo Ac 410/97 (DR I Serie A de 8/7/1997), julgou inconstitucional com força obrigatória geral, por inconstitucionalidade orgânica, a supressão do nº 3 do referido art 89º operada pelo DL 278/93 de 10/8, de que resultou a repristinação dessa mesma norma, da qual não resulta a caducidade do arrendamento na falta de observância pelo transmissário da comunicação ao senhorio da morte do arrendatário, mas apenas a sua constituição em responsabilidade civil [2] - «Da Expectativa Jurídica» [3]- In DR II Serie de 16/6/2010 (Cura Mariano) [4] - A respeito dos requisitos especiais da segunda variante de ilicitude referida no art 483º CC, e a que se pretendeu, de forma resumida, fazer referência, ver por todos, Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral»,10ª ed, p 539 e ss [5]- Ver por todos a respeito desta problemática, Menezes Leitão, «Direito das Obrigações» I, 8ª ed, p 340 e ss [6]- «Manual de Acidentes de Viação», 165 [7]- RLJ ano 103, 250 e Revista dos Tribunais, Ano 82, p 409 [8]- RLJ ano 104, p 14 [9]- «Direito das Obrigações», I, p 491, nota 2 [10]- Acessível em www. dgsi. pt (Jorge Arcanjo) [11]- «Ressarcibilidade dos danos não patrimoniais de terceiros», Estudos de Homenagem ao Prof Galvão Telles, IV, 263 e ss [12] - Aragão Seia, «Arrendamento Urbano, anotado e comentado», anotação ao art 11º [13]- «Código Civil Anotado» I, 4ª edição p. 454 | ||
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Decisão Texto Integral: |