Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5394/21.1T8ALM.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
MOTOCICLO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
CREDIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.Quando o autor vem sucessivamente apresentando versões distintas de um acidente de viação em que é interveniente, naquilo que é mais determinante para a consistência do relato efectuado em sede de declarações de parte (onde apresenta a última das versões), e que se prende com o tipo de embate entre o motociclo que conduzia e o veículo automóvel que circulava à sua frente, e a relação do mesmo embate com o despiste (em termos do embate ser causado pelo despiste ou vice-versa), é de afirmar que a consistência intrínseca do relato do autor no âmbito dessas declarações de parte está comprometida, porque o mesmo esteve a relatar factos sem razão de ciência bastante para tal (designadamente por poder não ter memória de como o acidente ocorreu).

2.Nessa medida está-se perante um testemunho pessoal não credível, a determinar que não seja acolhido para efeitos de demonstrar que o acidente se deu tal como o autor o descreveu em sede das declarações em questão, até porque a restante prova produzida torna inverosímeis as declarações prestadas, no que respeita à forma como o autor descreveu o embate e o despiste.

3.No caso do embate em questão entre o motociclo e o veículo automóvel que circulava na mesma auto-estrada, e para que se possa fazer apelo ao instituto da responsabilidade pelo risco, torna-se desde logo necessário que não se possa imputar a ocorrência do acidente ao autor, condutor do motociclo.

4.Partindo das regras da experiência comum, pode-se afirmar que quem conduz um motociclo numa auto-estrada e se despista com o mesmo, deixando que na sequência de tal despiste o motociclo embata num veículo que circulava à sua frente, efectua uma condução desatenta e violadora dos preceitos estradais, por não conseguir dominar a marcha do motociclo naquelas concretas condições de tráfego, assim violando as correspondentes disposições estradais e actuando, pois, com culpa na produção do acidente verificado.


(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:


A… intentou acção declarativa com processo comum contra B… C… – C… S…, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento do valor global de € 796.712,24.

Alega para tanto, e em breve síntese, que os danos a indemnizar decorrem das lesões por si sofridas, bem como das perdas patrimoniais sofridas, tudo em consequência da colisão do motociclo que conduzia na traseira do veículo seguro na R., a qual ocorreu porque a condutora daquele veículo seguro na R. mudou de forma repentina, e de impossível previsão para o A., para a via de circulação do meio, das três que comportava a auto-estrada onde ambos circulavam, cortando a marcha do motociclo e levando a que o A. perdesse o controlo do mesmo e entrasse em despiste, indo o motociclo embater na traseira do veículo seguro na R. e sendo o A. projectado para o solo.

Na sua contestação a R. impugna a forma como o acidente vem descrito, invocando que o embate se deu quando o veículo por si seguro circulava pela via do meio, indo o motociclo a derrapar e tombado no chão para o lado direito, acabando por embater na traseira do veículo seguro na R., pelo que à condutora do mesmo não pode ser assacada qualquer responsabilidade pelo acidente. Mais impugna por desconhecimento a factualidade relativa aos danos sofridos pelo A., concluindo pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

Com dispensa de audiência prévia foi fixado o valor da causa, proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

O A. ampliou o pedido, pedindo a condenação da R. no valor dos prejuízos futuros relativos a ajudas técnicas, a liquidar ulteriormente, e bem ainda em juros de mora incidentes sobre o valor peticionado, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Tal ampliação foi admitida após audição da parte contrária.

Teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido formulado pelo A.

O A. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1.O presente recurso vem interposto da Douta Sentença, proferida pelo Juiz 2 do Juízo Central Cível de Almada do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e datada de 11.12.2023, que julgou a acção interposta pelo autor ora recorrente, improcedente e, em consequência, absolveu a ré, ora recorrida do pedido contra ela formulado; com aquela, o autor ora recorrente não se conforma, por não aceitar que o Tribunal a quo tenha concluído, por um lado, que o autor ora recorrente não provou a responsabilidade do veículo seguro pela ré ora recorrida na produção do sinistro que o vitimou e, por outro, que tenha concluído que o autor agiu com culpa, desviando assim o caso sub judice do instituto da responsabilidade pelo risco.
2.Entende o autor ora recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova com consequente erro de julgamento da matéria de facto com influência na decisão de direito proferida.
3.Ao contrário da motivação do Tribunal a quo, da prova careada e produzida nos presentes, é possível apurar a dinâmica do acidente e o motivo pelo qual o autor se despistou, sendo inequívoco que o acidente a que reportam os presentes autos foi provocado pela condutora do veículo automóvel matrícula …-…-…, segurado pela ré ora recorrida por força da apólice número ….
4.O Tribunal a quo julgou não provado que a condutora do veículo …-…-… circulava na via de trânsito mais à direita e mudou para a via de trânsito central, sem acautelar a sua manobra para a esquerda, i.e., sem verificar e garantir que, na sua retaguarda, não circulava qualquer veículo, não assegurando assim que podia realizar a manobra com segurança – não obstante, da prova careada e produzida nos presentes autos – nomeadamente, da participação do acidente e croqui, declarações de parte do autor, depoimento da testemunha C… e depoimento da testemunha D… – é possível concluir em sentido contrário.
5.Das declarações de parte do autor ora recorrente – prestadas a 31 de Outubro de 2023, e que se encontram gravadas através do sistema informático H@bilus Média Studio e gravado em suporte magnético (CD), com início da gravação às 00 horas 49 minutos e 02 segundos e fim da gravação às a 01 horas 25 minutos e 40 segundos – resulta, entre o demais, que: a. que o autor ora recorrente conduzia o seu motociclo na Auto Estrada A2, ao quilómetro 5,90, no concelho de Almada, no sentido Sul – Norte, i.e., Almada – Lisboa, na via de trânsito do meio; b. que o autor ora recorrente conduzia o seu motociclo a velocidade moderada; c. que na via de trânsito onde o autor ora recorrente circulava, não havia trânsito; d. que no local identificado, mas na via da direita, circulava o veículo automóvel matrícula …-…-… seguro pela ré; e. que na via de trânsito onde o veículo automóvel matrícula …-…-… seguro pela ré circulava, havia trânsito intenso; f. que o veículo automóvel matrícula …-…-… se intrometeu, na via de trânsito onde o autor ora recorrente circulava, de forma abrupta e inesperada; g. que o autor foi surpreendido pela manobra da condutora do veículo automóvel seguro pela ré; h. que para tentar evitar o embate no veículo automóvel matrícula …-…-…, o autor travou a fundo; i. que, não obstante a travagem, o motociclo do autor ora recorrente acabou por embater no veículo automóvel matrícula …-…-…; j. que na sequência do descrito, a passageira do motociclo que o autor ora recorrente conduzia, foi projectada; l. que foi por força dos acontecimentos supra descritos que o autor acabou por perder o controlo do seu motociclo e, consequentemente, caiu no solo; cfr. declarações gravadas em minutos 00:50:45 a 00:55:02.
6.A dinâmica do acidente narrada pelo autor ora recorrente é corroborada pelo depoimento da testemunha C… – prestado a 25 de Outubro de 2023, e que se encontra gravado através do sistema informático H@bilus Média Studio e gravado em suporte magnético (CD), com início da gravação às 00 horas 00 minutos e 01 segundos e fim da gravação às 00 horas 32 minutos e 54 segundos – e totalmente coincidente com aquele que haviam sido as suas declarações para efeitos de elaboração de relatório de averiguação pelos serviços técnicos da ré ora recorrida junto aos autos fls. 134 a 142.; do depoimento da testemunha C… resulta que: a. que o autor ora recorrente conduzia o seu motociclo na Auto Estrada A2, ao quilómetro 5,90, no concelho de Almada, no sentido Sul – Norte, i.e., Almada – Lisboa, na via de trânsito do meio; b. que o autor ora recorrente conduzia o seu motociclo a velocidade moderada; c. que na via de trânsito onde o autor ora recorrente circulava, não havia trânsito; d. que no local identificado, mas na via da direita, circulava o veículo automóvel matrícula …-…-… seguro pela ré; e. que na via de trânsito onde o veículo automóvel matrícula …-…-… seguro pela ré circulava, havia trânsito intenso; f. que o veículo automóvel matrícula …-…-… se intrometeu, na via de trânsito onde o autor ora recorrente circulava, de forma abrupta e inesperada, atravessando-se à frente deste último, de forma a passar da via de trânsito da direita para a via de trânsito do meio; g. que o autor foi surpreendido pela manobra da condutora do veículo automóvel seguro pela ré e que travou; h. que imediatamente após a travagem, dá-se o embate entre os dois veículos; i. que, no seguimento dos acontecimentos supra descritos, de forma muito rápida – o que se compreende – a testemunha C… foi projectada em voo; j. que a testemunha D…, tendo ido ao encontro da testemunha C…, lhe dissera que era a responsável pelo acidente; Cfr. depoimento gravado em minutos 00:02:16 a 00:05:33 e minutos 00:09:45 a 00:40:42
7.Em prejuízo manifestamente infundado das declarações de parte do autor e do depoimento da testemunha C…, o Tribunal a quo, erradamente, deu por boa a versão do acidente oferecida e narrada 5 anos depois pela testemunha D…, o que não se pode admitir, uma vez que as declarações desta são: a. contrária àquelas que foram as suas declarações manuscritas e prestadas imediatamente após o acidente; b. não colhem cabimento por razões de lógica e ciência; c. coincidem, na parte desvalorizada pelo Tribunal a quo, com a dinâmica narrada pelo autor e corroborada pela testemunha C….
8.Em suma, o Tribunal a quo sustenta, no depoimento da testemunha D…, as seguintes conclusões: a. conduzindo o veículo automóvel matrícula …-…-…, segurado pela ré ora recorrida por força da apólice número …, iniciou uma manobra de mudança de direcção, nomeadamente, mudança de faixa; b. que se certificou certificou-se, antes de iniciar a manobra, que inexistia qualquer veículo na faixa de trânsito do meio, para onde pretendia mudar e circular; c. e que, só após o veículo se encontrar integralmente nessa via sentiu um toque muito ligeiro na traseira do mesmo; d. e que apenas parou porque sentiu algo a passar pelo ar.
9.Sucede que, da participação do acidente e croqui constantes de fls. 26 a 28, do Relatório de Averiguação constante de fls. 134 a 142 e do depoimento da testemunha D… – prestado a 31 de Outubro de 2023, e que se encontra gravado através do sistema informático H@bilus Média Studio e gravado em suporte magnético (CD), com início da gravação às 00 horas 01 minutos e 51 segundos e fim da gravação às a 00 horas 32 minutos e 15 segundos – se conclui o seguinte: a. que a testemunha conduzia o veículo automóvel seguro pela ré ora recorrida na Auto Estrada A2, ao quilómetro 5,90, no concelho de Almada, no sentido Sul – Norte, i.e., Almada – Lisboa e via de trânsito da direita; b. que na via de trânsito onde a testemunha conduzia o veículo automóvel seguro pela ré ora recorrida, havia trânsito intenso; c. que no local identificado, mas na via do meio, não havia trânsito; d. que a testemunha, conduzindo o veículo automóvel seguro pela ré ora recorrida, pretendeu mudar de direcção, i.e., de via de trânsito, nomeadamente, da via de trânsito da direita para a do meio; e. que, afinal, o veículo da testemunha D… não estava integralmente situado na via de trânsito para a qual a mesma pretendia mudar e na qual ocorreu o acidente; f. que, afinal, a testemunha D…, ao iniciar a manobra de mudança de via de trânsito, viu o motociclo conduzido pelo autor ora recorrente a circular na sua retaguarda, ou seja, atrás de si e na via de trânsito onde se pretendia inserir; c. que, logo após o embate que sentiu, viu um vulto ser projectado ao seu lado. Cfr. depoimento gravado em minutos 00:04:39 a 00:07:40 e em minutos 00:19:37 a 00:26:47;
10.Confrontadas as dinâmicas descritas nos termos supra, a conclusão é inequívoca: o veículo automóvel seguro pela ré inicia a manobra de mudança de via, nomeadamente, da via da direita para a via de trânsito do meio, onde se encontrava o autor ora recorrente a circular; ao fazê-lo, e quando ainda não se encontrava integralmente na via de trânsito do meio, o veículo automóvel interrompe a trajectória do motociclo conduzido pelo autor ora recorrente, tendo este, não obstante a travagem brusca realidade, embatido na traseira do veículo automóvel seguro pela ré e, nessa sequência, tendo ocorrido a projecção da ocupante e o despiste e queda do autor ora recorrente.
11.Com o devido respeito, só esta dinâmica explica que a testemunha D… possa ter visto um vulto a passar, no ar, ao seu lado, imediatamente após sentir o embate na traseira do seu veículo, protagonizado pelo motociclo que se encontrava a circular na via de trânsito onde aquela se intrometeu sem as devidas precauções – recorde-se: onde se intrometeu, mesmo tendo visto o motociclo já a circular naquela via de trânsito.
12.Em face do exposto, é modesto entendimento do autor ora recorrente, que se impõe diferente decisão quanto à matéria de facto provada e não provada, uma vez que, da criteriosa análise e conjugação dos meios de prova supra identificados, nomeadamente: a. declaração do acidente e croqui; b. declarações manuscritas da condutora do veículo seguro pela ré ora recorrida; c. relatório de averiguação elaborado pelos serviços técnicos da ré ora recorrido; d. declarações de parte do autor ora recorrido; e. depoimento da testemunha D…; f. depoimento da testemunha C…; é possível apurar para uma dinâmica do acidente clara e inequívoca, nomeadamente: 1. o veículo automóvel seguro pela ré circulava na via da direita, onde o trânsito se encontrava congestionado; 2. o motociclo conduzido pelo autor ora recorrente circulava na via do meio, onde não existia trânsito; 3. o veículo automóvel seguro pela ré, dado encontrar-se numa via com trânsito intenso, pretendeu mudar para a via do meio, onde não havia trânsito; 4. que, por isso, efectuou mudança de via de trânsito, nomeadamente, da via da direita para a via de trânsito do meio; 5. o veículo automóvel seguro pela ré não concluiu a manobra; 6. o motociclo conduzido pelo autor na via de trânsito do meio, foi surpreendido, de forma repentina, pela intromissão do veículo automóvel identificada na via onde circulava; 7. que, na sequência da manobra do veículo automóvel já identificado, o autor ora recorrente travou, 8. e que nessa sequência, se dá o embate do seu veículo no veículo automóvel, 9. tendo, imediatamente a seguir, a condutora do veículo automóvel visto passar, pelo seu lado esquerdo, a ocupante do motociclo, que foi projectada no ar; 10. tendo igualmente o autor ora recorrente caído no solo; 11. foi na sequência da manobra efectuada pela condutora do veículo automóvel seguro pela ré, ocorreu o sinistro a que reportam os presentes autos;
13.Tendo o Tribunal a quo errado na apreciação da prova produzida, impõe-se modificar a decisão proferida quanto à matéria de facto, nomeadamente, julgando provado que: 1. A condutora do veículo ...-...-... circulava na via de trânsito mais à direita e mudou para a via de trânsito central, sem acautelar a sua manobra para a esquerda, i.e., sem verificar e garantir que, na sua retaguarda, não circulava qualquer veículo, não assegurando assim que podia realizar a manobra com segurança; 2. No momento em que realiza a manobra, surpreende o autor, que circulava na via de trânsito onde a mesma se estava a intrometer; 3. O autor, surpreendido com a mudança de direcção do veículo automóvel, travou, de forma a evitar o embate na traseira do SE, o que não conseguiu; 4. Nas circunstâncias descritas, o autor perdeu o controlo do veículo, o que provocou a sua queda no solo;
14.Neste sentido, é igual modesto entendimento do autor ora recorrente que, da conjugação da matéria de facto provada – e da prova produzida nos presentes autos – resulta provado que: 5. Foi por força da manobra da condutora do veículo ...-...-..., seguro pela ré ora recorrida, que ocorreu o acidente datado a 01 de Outubro de 2018 que vitimou o autor.
15.Sem prejuízo do exposto, há ainda a considerar o seguinte: Para motivar a sua decisão, o Tribunal a quo invoca ainda alegadas diferentes factualidades invocadas pelo autor ora recorrente; motivação que o mesmo não pode aceitar, uma vez que, na relação de instrumentalidade existente entre o procedimento cautelar e acção principal, a decisão proferida naquele não faz caso julgado material, nem se configura com prejudicialidade relativamente à pretensão reclamada na acção principal, não condicionando a decisão a proferir nesta.
16.Não exercendo, o teor do decidido nos autos cautelares – autos esses que revestem uma natureza precária, não raras vezes caracterizada por uma necessidade de urgência da acção, o que poderá resultar em lapsos de descrição dos factos, que poderão assentar em factores de menor solidez de fiabilidade –qualquer efeito sobre a acção principal, não se admite que apreciação tenha servido de fundamentação à decisão proferida pelo Tribunal a quo. Também aqui mal andou o Tribunal a quo.
17.O Tribunal a quo sustentou e motivou ainda a sua decisão quando à matéria de facto inerente à dinâmica do acidente, nas seguintes conclusões: «Acresce que a testemunha em apreço, interveniente no acidente em causa [D…], conduzia sem qualquer taxa de alcoolémia ou consumo de estupefacientes, ao contrário do Autor que o fazia sob o efeito de sob o efeito de cannabis, o que poderá ter contribuído para a alteração da percepção das circunstâncias em que ocorreram o acidente», e, ainda, «O facto ínsito no ponto 10. da Matéria de Facto Provada, onde se refere que o motociclo …-…-…, conduzido pelo autor, encontrando-se em despiste, e arrastando-se pelo asfalto, colidiu com a veículo SE, embatendo neste sensivelmente a meio da metade esquerda da traseira do SE, na zona abaixo do para-choques, inculca em ter sido o próprio a infringir as normas estradais ao não lograr travar, de modo atempado, evitando embater na parte de trás do veículo ...-...-..., devido a eventual excesso de velocidade, falta de atenção/concentração para o que poderá ter concorrido o facto de conduzir sob o efeito de substancias estupefacientes»
18.O Tribunal a quo mal andou ao valorizar – para descreditar a dinâmica do acidente descrita pelo autor ora recorrente – o facto de o autor, no momento imediatamente posterior ao acidente, ter apresentado resultado positivo à presença de canabinóides com a qualificação de 1,3 ng/mL de 11-Nor-9-carboxi-D9-tetrahidrocanabidol (THC-COOK) no sangue.
19.Isto porque, o facto provado supra – presença de canabinóides no sangue – não significa, por um lado, que o autor ora recorrente tivesse consumido qualquer substância canabinóide no dia do acidente; nem significa, por ouro lado, que, no momento do acidente, o autor ora recorrente se encontrasse sob o efeito de canabinóides, efeito esse susceptível de causar qualquer interferência na capacidade de o autor ora recorrente para a condução.
20.Das declarações de parte do autor ora recorrente resulta que o mesmo não consumiu qualquer substância canabinóide ou psicotrópica no dia do acidente – nas duas declarações gravadas nos minutos 01:18:05 a 01:18:45 – tendo sido o mesmo facto corroborado pela testemunha C… – no seu depoimento gravado nos minutos 00:10:56 a 00:11:37.
21.Com o devido respeito – que muito é – muito mal andou o Tribunal a quo ao valorar a presença de canabinóides com a qualificação de 1,3 ng/mL de 11-Nor-9-carboxi-D9-tetrahidrocanabidol (THC-COOK) no sangue do autor ora recorrente, como fundamento para o seu descrédito e demérito, no respeitante à descrição que o mesmo fez quanto à dinâmica do acidente.
22.E isto porque, conduzir um veículo na via pública com vestígios de substâncias estupefacientes no sangue, não é suficiente para se concluir pela diminuta capacidade para o exercício de uma condução em segurança; termos em que, nada se tendo apurado – nem provado – quanto à influência dos vestígios de substâncias estupefacientes no sangue do autor ora recorrente na sua capacidade de condução, nada se poderá julgar de forma correspondente; ou seja, não podia – como fez – o Tribunal a quo, concluir, sem mais, que o autor ora recorrente, por ter vestígios de substâncias estupefacientes no sangue, estava então diminuído nas suas capacidades de condução e na capacidade de percepcionar e compreender a dinâmica do acidente de que foi vítima.
23.O Tribunal a quo vai ainda mais longe ao concluir que «inculca em ter sido o próprio [autor ora recorrente] a infringir as normas estradais ao não lograr travar, de modo atempado, evitando embater na parte de trás do veículo ...-...-..., devido a eventual excesso de velocidade, falta de atenção/concentração para o que poderá ter concorrido o facto de conduzir sob o efeito de substâncias estupefacientes».
24.Uma vez mais, com o devido respeito – que muito é – voltou o Tribunal a quo a andar mal, uma vez que não resulta da matéria de facto provada, qualquer excesso de velocidade imputado pelo autor ora recorrente ao motociclo que conduzia.
25.Ao contrário do álcool, que após algumas horas contadas da sua ingestão, decresce e se desvanece do organismo do seu consumidor, o mesmo não sucede com parte das substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, onde se incluem os canabinóides, o que, como no caso subjudice, permite apurar a presença de canabinóides, mesmo sem que o seu consumidor esteja sob o efeito dos mesmos.
26.Importa, por isso, recordar o que diz o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência: por um lado: «a quantidade de THC no sangue ou na saliva não está tão fortemente relacionada com a diminuição da capacidade de condução quanto a TAS está associada à diminuição da capacidade de condução devido ao efeito do álcool»; sendo que, por seu turno, o resultado positivo para um mero indicador e marcador da presença de cannabis no sangue, nada diz quanto ao estado de influenciado, pela substância, do seu consumidor, nem tão pouco quanto ao momento do consumo
27.Termos em que, ao contrário do que, erradamente, fez o Tribunal a quo, não tem qualquer relevo para o mérito da decisão que cabe a este Douto Tribunal de recurso, nomeadamente, quanto à decisão a proferir sobre a matéria de facto não provada e respeitante à dinâmica do acidente a que reportam os presentes autos – e por isso, errou também o Tribunal a quo, ao concluir não haver lugar à responsabilidade pelo risco, conforme infra melhor se deslindará.
28.Termos em que, face a todo o exposto, se impõem que, nos termos do disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil, se modifique o elenco dos factos provados, fazendo constar do mesmo os factos que, pelo Tribunal a quo, foram considerados não provados, fazendo constar do mesmo os factos que: 1. A condutora do veículo ...-...-... circulava na via de trânsito mais à direita e mudou para a via de trânsito central, sem acautelar a sua manobra para a esquerda, i.e., sem verificar e garantir que, na sua retaguarda, não circulava qualquer veículo, não assegurando assim que podia realizar a manobra com segurança; 2. No momento em que realiza a manobra, surpreende o autor, que circulava na via de trânsito onde a mesma se estava a intrometer; 3. O autor, surpreendido com a mudança de direcção do veículo automóvel, travou, de forma a evitar o embate na traseira do SE, o que não conseguiu; 4. Nas circunstâncias descritas, o autor perdeu o controlo do veículo, o que provocou a sua queda no solo; 5. Foi por força da manobra da condutora do veículo ...-...-..., seguro pela ré ora recorrida, que ocorreu o acidente datado a 01 de Outubro de 2018 que vitimou o autor.
29.Em face da modificação do elenco dos factos provados, importará, a este Douto Tribunal de Recurso, igual modificação quanto à matéria de direito, uma vez que é inquestionável a responsabilidade civil da ré ora recorrente, nos termos do disposto no número 1 do artigo 483.º e artigo 562.º, ambos do Código Civil – atento que violou, a condutora do veículo automóvel seguro pela ré ora recorrida, entre o demais, o disposto no artigo 35.º do Código da Estrada – termos em que, considerando estar a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos descritos nos presentes autos transferida para a ré ora recorrida, por força de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice número …, será de condenar a ré ora recorrida na obrigação de indemnizar o autor ora recorrente, nos termos do disposto no artigo 483.º do Código Civil e atendendo à factualidade provada quanto à extensão dos danos sofridos.
30.Sem prejuízo do pugnado, não entendendo este Douto Tribunal pela procedência das alegações de recurso apresentadas pelo autor ora recorrente no tocante à modificação da matéria de facto com consequente modificação da matéria de direito, sempre haverá de se apreciar o afastamento da responsabilidade civil pelo risco, sentenciado erradamente pelo Tribunal a quo.
31.Andou mal o Tribunal a quo ao considerar que o autor não demonstrou ter agido sem culpa, uma vez que, no entendimento e mera presunção daquela instância, o acidente se ter ficado a dever a eventual excesso de velocidade e falta de atenção/concentração do autor ora recorrente, para o que poderá ter concorrido o facto de conduzir sob o efeito de substâncias estupefacientes.
32.O autor ora recorrente não pode aceitar a conclusão do Tribunal a quo, uma vez que não resulta da matéria de facto provada, por um lado, que o autor conduzisse o seu motociclo em excesso de velocidade e, por outro, que o autor conduzisse sob o efeito de substâncias estupefacientes – não estando, por isso, provada a culpa do autor ora recorrente na produção do acidente; estando, por seu turno, devidamente demonstrado que a origem do acidente a que reportam os presentes autos foi o comportamento da condutora do veículo automóvel seguro pela ré ora recorrida.
33.Não se provando em absoluto as circunstâncias do acidente e a sua complexa dinâmica, impunha-se imputar aos condutores intervenientes no acidente, a responsabilidade pelo mesmo, apelando ao elemento risco, tal como expressamente resulta do número 1 do artigo 506.º do Código Civil.
34.Assim, provado que está o circunstancialismo que antecedeu o sinistro e o nexo causal entre a manobra da condutora do veículo seguro pela ré o sinistro em si – e os seus correspondentes dados –, e não estando provado qualquer facto que permita concluir pela culpa do autor ora recorrente na produção do sinistro a que reportam os presentes autos, restará concluir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade pelo risco relativa à circulação automóvel, tal como previstos no número 1 do artigo 503.º do Código Civil – o que, se verifica nos presentes autos.
35.Termos em que, tendo o Tribunal a quo mal andado ao afastar, do acidente a que reportam os presentes autos, a responsabilidade pelo risco, pugna o autor ora recorrente que este Douto Tribunal de Recurso que seja julgada procedente a presente apelação e, em consequência, seja a decisão recorrida revogada e substituída por outra que fixe a proporção do risco de cada um dos veículos intervenientes no sinistro para a contribuição do mesmo, fazendo repercutir em igual medida a condenação da ré ora recorrida, porquanto seguradora do veículo automóvel matrícula …-…-…, no ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor ora recorrente – conforme descritos no elenco dos factos provados.
A R. apresentou alegação de resposta, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem-se com a alteração da matéria de facto e consequente determinação da responsabilidade da R. na reparação dos danos apurados.
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Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais):
1.No dia 1 de Outubro de 2018, cerca das 18:30 horas, na Auto Estrada A2, ao quilómetro 5,90, no concelho de Almada, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes dois veículos, nomeadamente, o veículo automóvel de matrícula …-…-…, conduzido por D…, e o motociclo de matrícula …-…-…, conduzido pelo A. e sua propriedade.
2.No motociclo matrícula …-…-… seguia C…, passageira.
3.O local do sinistro é uma auto estrada, com separador central e com 3 vias de trânsito em cada sentido.
4.O local do acidente é uma hemi-faixa de rodagem, com 3 vias de circulação, configurando, as mesmas, rectas.
5.No momento do acidente, o estado do tempo era bom e as condições de visibilidade eram igualmente boas.
6.O sinistro ocorreu no sentido Sul – Norte, i.e., Almada – Lisboa.
7.A R. é uma sociedade comercial que tem por objecto social o exercício de actividade de seguro e resseguro do ramo “não vida”.
8.No exercício da sua actividade comercial, e no âmbito do seu objecto social, a R. celebrou com D… um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que teve por objecto o veículo automóvel marca Hyundai, modelo … 1.2 Confort + Pack D, com a matrícula …-…-…, relativamente ao qual foi emitida a Apólice n.º ….
9.O A. foi submetido a análises toxicológicas efectuadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, tendo apresentado resultado positivo à presença de canabinóides com a qualificação de 1,3 ng/mL de 11-Nor-9-carboxi-D9-tetrahidrocanabidol (THC-COOK) no sangue.
10.O motociclo …-…-…, conduzido pelo A., encontrando-se em despiste, e arrastando-se pelo asfalto, colidiu com o veículo …-…-…, embatendo neste sensivelmente a meio da metade esquerda da traseira do …-…-…, na zona abaixo do pára-choques.
11.Na sequência do acidente referido em 1 o A. foi transportado em NX de emergência médica – INEM – para o Hospital Garcia da Horta.
12.Nas instalações daquela unidade hospitalar, o A. recebeu assistência médica de urgência, sob o episódio de urgência número … e realizou exames, tendo sido diagnosticado com:
a.-politraumatismo com instalação imediata de abolição de força muscular e de sensibilidade abaixo da linha mamilar;
b.-fractura das apófises transversas de C6-C7;
c.-fractura corpo de C5, com ligeiro recuo do muro posterior, com redução do espaço subaracnoideu anterior e estenose foraminal degenerativa C5-C6 direita com compromisso da raiz de C6;
d.-fractura D6-D7 com retro desvio posterior do muro, com compressão das estruturas nervosas;
e.-fractura da clavícula esquerda e
f.-múltiplas fracturas de arcos costais com hemorragia e pneumotórax, submetido a drenagem.
13.O A. ficou internado naquela unidade hospitalar, desde o dia 01 de Outubro até ao dia 05 de Outubro, data em que foi transferido para o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central – Hospital de São José, onde permaneceu internado até 04 de Janeiro de 2019.
14.A 11 de Outubro de 2018, o A. foi submetido a intervenção cirúrgica, nomeadamente a artrodese postero-externa de D4-D8 com descompressão.
15.A 30 de Outubro do mesmo ano, o A. foi diagnosticado com trombose venosa ileo-femural esquerda.
16.Durante o período de internamento, o A. registou quadro doloroso e dificuldades respiratórias.
17.O A. foi submetido a tratamentos medicamentosos anti-coagulação, que perduraram por vários meses.
18.O A., a 03 de Dezembro de 2018, foi submetido a consulta externa do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, tendo sido internado naquela unidade hospitalar, para programa de reabilitação, em 04 de Janeiro de 2019.
19.O A. esteve internado no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão num total de 68 dias.
20.Durante o período de internamento para programa de reabilitação, o quadro clínico do A. foi marcado por:
a.-Quadro neuromotor de paraplegia completa com nível sensitivo por D4 à direita e D5 à esquerda;
b.-Sem movimentos activos nos membros inferiores;
c.-Algaliado em DC;
d.-Treino intestinal ineficaz com perdas para fralda;
e.-Discreto clónus nas tibiotársicas;
f.-Espasmos abdominais;
g.-Reflexos rotulianos abolidos;
h.-Dores a mobilização a nível da grelha costal e região dorsal;
i.-Deficiente equilíbrio sentado;
j.-Tosse pouco eficaz;
k.-Muito dependente nas actividades de vida diária;
l.-diagnóstico de sequelas a nível motor, sensitivo, sexual e esfincteriano irreversíveis;

21.O A. teve alta para o domicílio a 13 de Março de 2019, com indicação para:
a.- manutenção de consumo de medicação anticoagulante;
b.-reforço hídrico;
c.-necessidade de manutenção de treino vesico-esfincteriano e intestinal;
d.-necessidade de vigilância diária da pele, para evitar úlceras de pressão;
e.ecessidade de continuidade de programa de reabilitação, para melhoria do equilíbrio de tronco;

22.Na presente data, o A. mantém:
a.-quadro neuromotor de paraplegia AIS A completa com nível sensitivo por D4 à direita e D5 à esquerda;
b.-sem movimentos activos nos membros inferiores;
c.- necessidade de se manter algaliado durante a noite;
d.-necessidade de realizar esvaziamentos vesicais com sondas, durante o dia;
e.-necessidade de uso de fraldas durante todo o dia, sempre que realiza treino intestinal e necessidade de uso de fraldas todas as noites, todos os dias, para dormir, devido a incontinência, originando, não só a necessidade de utilização permanente de fraldas, como a sua muda, a levar a cabo, necessariamente, por terceira pessoa;
f.-deficiente equilíbrio sentado;

23.O A. exerceu a actividade profissional de montador de elevadores como profissão habitual.
24.Nos últimos anos, o A. havia exercido diferentes actividades profissionais, derivado da ausência de ofertas de emprego como montador de elevadores.
25.O A. tem o 9.º ano de escolaridade.
26.À data do sinistro, o A. havia concluído formação para distribuição e venda de produtos de panificação, sendo que, a 03 de Outubro de 2018 iria iniciar funções na empresa AC... de E..., actividade profissional através da qual iria auferir o ordenado mínimo em vigor, acrescido de 3% de comissão sobre as vendas.
27.O A. padece de uma incapacidade permanente parcial de 80%.
28.O A. aufere um rendimento mensal por parte do Instituto da Segurança Social, a título de prestação social de inclusão, no montante mensal de € 438,22.
29.O A. não consegue tomar banho sozinho, nem realizar os demais actos de higiene pessoal e diária.
30.O A. não se consegue vestir sozinho da cintura para baixo.
31.O A. não consegue tratar da roupa, limpar a casa, levar o lixo e todas as restantes tarefas inerentes à manutenção e limpeza de uma habitação.
32.O A. não consegue ir às compras, preparar e confeccionar alimentos.
33.Para se mover, o A. está absolutamente dependente do uso de cadeira de rodas.
34.O A. não consegue deslocar-se na via pública sem ajuda de terceiros.
35.O A. necessitaria de veículo automóvel adaptado, bem como de diversas obras de remodelação e adaptação da sua habitação.
36.O A. usa, todos os dias, 1 algália descartável, num consumo total de 30 algálias mensais.
37.O A. usa fraldas, regularmente durante o dia e sempre durante a noite, para dormir, o que determina o consumo médio de, pelo menos, 2 pacotes mensais.
38.O A. necessita de usar resguardo da cama todos os dias, nomeadamente, 1 por dia, num consumo total de 30 resguardos de cama mensais.
39.O A. consome medicação, nomeadamente: 1 comprimido de emselex 15 mg por dia, num consumo médio mensal de 30 comprimidos e 1 supositório dulcolax por dia, num consumo médio mensal de 30 comprimidos.
40.O A. necessita de realizar programa de reabilitação com diversos tratamentos, como os prescritos em Consulta Externa realizada no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, designadamente: - tratamentos de fisioterapia neurológica; - fortalecimento muscular dos membros superiores e tronco; - treinos de equilíbrio e marcha; - reeducação mecânica; - massagens manuais.
41.O A. passou ainda a sofrer de perturbações do sono e de humor.
42.A nível pessoal, o A. sente-se triste, angustiado e profundamente desgostoso face ao seu quadro clínico e à sua condição física permanente e irreversível.
43.O A. sente-se diminuído, quer na sua dimensão física, quer na sua dimensão psicológica.
44.O A. não perspectiva a constituição de família, atentas as suas incapacidades sexuais.
45.O A. depende, em absoluto, dos amigos para se deslocar em encontros sociais.
46.À data do acidente, o A. tinha como principais hobbies: jogar futebol com amigos, realizar corridas e longas caminhadas, andar de bicicleta, andar de moto, ir à praia, sair com amigos para bares e discotecas.
47.O A. não mais realizou qualquer um dos hobbies que tinha à data do acidente.
48.O motociclo matrícula …-…-…, propriedade do A., sofreu danos que ascendem a € 6.963,50.
49.O capacete que o A. usava no momento do acidente, sofreu, igualmente, danos, tendo sido adquirido pelo montante de € 699,95.
50.O A. suportou despesas no montante de € 1.498,95, de natureza médica e medicamentosa, instrumentos adaptativos com vista a viabilizar a sua higiene diária e outros.
51.O A. nasceu em 25/3/1967. (a referência a 22/12/2022 constante da sentença recorrida trata-se de um lapso manifesto, que fica desde já corrigido)
52.O custo médio de uma embalagem de 30 algálias é de € 33,00.
53.O custo médio de uma embalagem de 20 fraldas é de € 11,99.
54.O custo médio de uma embalagem de 15 resguardos de cama é de € 9,69.
55.O custo do medicamento emselex é de € 39,23 por embalagem, que contém 28 medicamentos, tomando o A. 1 medicamento por dia.
56.O custo do medicamento dulcolax supositório é de € 5,65 por embalagem, que contém 6 medicamentos, tomando o A. 1 medicamento por dia.
57.Para cuidar do A. são necessárias luvas descartáveis e toalhitas, cujo custo mensal se apura, razoavelmente, em cerca de € 10,00.
58.A prestação de serviços domésticos fixa-se no valor de, pelo menos, € 6,50/hora.

59.Em sede do procedimento cautelar para arbitramento de reparação provisória, que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de Almada do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o processo n.º …/…, o A. alegou, no que à dinâmica do acidente diz respeito, que:
(…) 6.- No dia 01 de Outubro de 2018, cerca das 01:40 horas, na Auto Estrada A2, ao quilómetro 5,90, no concelho de Almada, ocorreu um acidente de viação,
7.-no qual foram intervenientes 2 (dois) veículos, nomeadamente,
8.- o veículo automóvel matrícula …-…-…, conduzido por D… e doravante designado por …-…-….
9.- e o motociclo matrícula …-…-…, conduzido pelo ora REQUERENTE e doravante designado por…-…-….
10.- O local do sinistro configura uma estrada – auto estrada – com separador, com 3 vias de trânsito em cada sentido, todas – no local do sinistro – configurando rectas.
11.- O sinistro ocorreu no sentido Sul – Norte.
12.- O AUTOR conduzia o seu motociclo, supra identificado como …-…-…, na via de trânsito do meio, a cerca de 80 km/hora,
13.- quando, de forma repentina e de impossível previsão, um veículo automóvel – o supra identificado como …-… – … mudou de via de trânsito, nomeadamente da fila da direita para a do meio, onde circulava o ora REQUERENTE, abalroando-o com a sua lateral.
14.-Face à imprudência do condutor do …-…-… aquando da mudança de via de trânsito, deu-se o embate da lateral esquerda traseira daquele com o …-…-…, sobretudo na sua lateral direita.
15.- O acidente de viação a que ora nos reportamos consistiu na colisão do …-…-… no …-…-… que, por força do embate, provocou o despiste daquele e consequente a projecção e arrastamento do REQUERENTE pelo asfalto.
16.- Momentos imediatamente anteriores ao sinistro, o …-…-… circulava na via de trânsito do meio,
17.- e o SE na via de trânsito da direita,
18.- tendo, a dada altura e sem que nada o fizesse prever, se inserido na via de trânsito onde aquele primeiro circulava,
19.- fazendo-o de forma repentina e brusca, embatendo no …-…-…, nomeadamente, na sua lateral,
20.- O REQUERENTE tentou ainda evitar o embate do …-…-… no seu motociclo, travando, contudo sem sucesso.
21.- O veículo …-…-…, sem acautelar a sua manobra, i.e. não garantindo que se reuniam todas as condições necessárias à realização da mesma em segurança, embateu no …-…-…, conduzido pelo REQUERENTE,
22.- que, ao assim ser embatido, acabou, devido à força do embate, por perder o controlo do seu veículo, sendo violentamente projectado para o solo, onde foi arrastado.(sublinhado nosso).

60.Foi proferido despacho final a 15.07.2019, no âmbito do procedimento cautelar para arbitramento de reparação provisória referido em 59, nos termos do qual foi o mesmo julgado improcedente.
61.Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 19.11.2019, transitado em julgado, o recurso interposto pelo requerente, ora A., no âmbito do procedimento cautelar para arbitramento de reparação provisória referido em 59 e 60, foi julgado improcedente.
***

Na sentença recorrida foram considerados como não provados os seguintes factos:
1.A condutora do veículo …-…-… circulava na via de trânsito mais à direita e mudou para a via de trânsito central, sem acautelar a sua manobra para a esquerda, i.e., sem verificar e garantir que, na sua retaguarda, não circulava qualquer veículo, não assegurando assim que podia realizar a manobra com segurança.
2.No momento em que realiza a manobra, surpreende o A., que circulava na via de trânsito onde a mesma se estava a intrometer.
3.O A., surpreendido com a mudança de direcção do veículo automóvel, ainda tentou evitar o embate na traseira do …-…-…, travando.
4.Ao travar nas circunstâncias descritas, o A. perdeu o controlo do veículo e entrou em despiste, acabando por ser projectado para o solo, tendo nele resvalado, tendo igualmente o veículo …-…-…, conduzido pelo A., tombado para o lado direito e resvalado pelo asfalto, tendo acabado por embater na traseira do veículo automóvel …-…-….
***

Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.

A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197):
a)- Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b)- Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c)- Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e)- O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente.

E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de factodesignadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.

Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos constitutivos da causa de pedir e das excepções invocadas. É que, face ao disposto no nº 1 do art.º 5º do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto tem por objecto, desde logo, os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das excepções invocadas. Todavia, e porque do nº 2 do mesmo art.º 5º resulta que o tribunal deve ainda considerar os factos instrumentais, bem como os factos complementares e concretizadores daqueles que as partes hajam alegado, e que resultem da instrução da causa, daí decorre que na decisão da matéria de facto devem esses factos ser tidos em consideração.
Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e bem ainda aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objecto dessa decisão.
Isso mesmo enfatizam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 721), quando explicam que o juiz da causa deve optar por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação”. E mais explicam (pág. 722) que o regime consagrado no CPC de 2013 propugna uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando, depois, os motivos que o determinaram, com destaque para a explanação dos factos instrumentais que o levaram a extrair as ilações ou presunções judiciais.

Assim, e como tal delimitação deve estar igualmente presente na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/2017, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt, quando conclui que o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”), só há lugar à apreciação dos pontos indicados como impugnados na medida em que, não só devam constar do elenco de factos provados e não provados, no respeito pelo disposto no art.º 5º, nº 1 e nº 2, al. b), do Código de Processo Civil, mas igualmente correspondam a factos com efectivo interesse para a decisão do recurso.
Por outro lado, e a respeito da enunciação dos factos instrumentais, decorre do nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil que os mesmos não carecem de ser discriminados no elenco de factos provados, mas apenas referidos na medida das ilações que forem tiradas dos mesmos, para a demonstração dos factos essenciais alegados pelas partes.
Isso mesmo explicam igualmente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 718-719), afirmando a necessidade de enunciação dos factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda”, bem como a necessidade de “enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa” (e sendo que “a enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da acção ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso”), mas afirmando igualmente que, quanto aos factos instrumentais, atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objecto de um juízo probatório específico”, já que o seu relevo estará limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos, designadamente quando a convicção sobre a sua prova resulte da assunção de presunções judiciais.
Revertendo tais considerações para o caso concreto, há que afirmar que o A. deu cumprimento ao ónus de especificação a que alude o art.º 640º do Código de Processo Civil, não só porque na conclusão 28 da sua alegação concretiza os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e qual a decisão que os mesmos devem merecer, mas igualmente porque especifica os meios de prova que conduzem ao resultado pretendido e, no que respeita à prova gravada, identifica as passagens das gravações que entende conduzirem às alterações pretendidas, correspondentes ao aditamento ao elenco dos factos provados de cinco novos pontos, sendo os quatro primeiros correspondentes (com irrelevantes alterações de redacção) ao elenco de factos não provados, e sendo o quinto ponto com o seguinte teor:
  • Foi por força da manobra da condutora do veículo …-…-…, seguro pela R. ora recorrida, que ocorreu o acidente datado a 01 de Outubro de 2018 que vitimou o A.
Pelo que é quanto à matéria em questão, e apenas relativamente a esta, que há lugar ao conhecimento da impugnação da decisão de facto, mas tão só na medida em que cada uma das alterações pretendidas não se apresente como irrelevante e/ou não vise a inclusão de factualidade instrumental no elenco de factos provados.
Com efeito, e desde logo no que respeita ao mencionado quinto ponto, torna-se manifesto que não está aí em causa qualquer realidade factual, mas antes uma valoração da restante factualidade, destinada tão só a formular um juízo conclusivo.
Com efeito, aquilo que o A. visa é que se conclua, a partir da valoração da manobra da condutora do veículo …-…-… (doravante o SE), que o acidente (e os correspondentes danos) foram causados pela actuação da mesma no exercício da condução automóvel. Mas essa não é uma realidade factual, e antes um juízo de valor, que não deve constar da fundamentação de facto.
Pelo que, face ao acima exposto, é de concluir que, nesta parte, a impugnação do A. não merece provimento, não havendo que aditar ao elenco de factos provados o referido ponto proposto pelo A.
Já relativamente aos restantes quatro pontos, correspondem à factualidade que o A. alegou na P.I., como resulta dos artigos 17 a 30 da mesma.

O tribunal recorrido motivou pela seguinte forma a sua convicção quanto à não demonstração da factualidade em questão:
O Autor prestou declarações sobre a dinâmica do acidente e a sua situação de saúde, social e económica após o acidente em causa nos presentes autos.
No que respeita à dinâmica do acidente, importa em primeiro lugar referir que na versão do acidente submetida pelo Autor a juízo em sede do Procedimento Cautelar para Arbitramento de Reparação Provisória, que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de Almada do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o Processo n.º 4777/19.1T8ALM, o Autor alegou, no que à dinâmica do acidente diz respeito que “(…) o SE – mudou de via de trânsito, nomeadamente da fila da direita para a do meio, onde circulava o ora REQUERENTE, abalroando-o com a sua lateral. Face à imprudência do condutor do …-…-… aquando da mudança de via de trânsito, deu-se o embate da lateral esquerda traseira daquele com o …-…-…, sobretudo na sua lateral direita. O acidente de viação a que ora nos reportamos consistiu na colisão do …-…-… no …-…-… que, por força do embate, provocou o despiste daquele e consequente a projecção e arrastamento do REQUERENTE pelo asfalto (…)”.
Por sua vez, em sede da acção em apreço, o Autor submeteu a juízo uma versão do acidente, segundo a qual, no essencial, “(…) O autor conduzia o seu motociclo, supra identificado como …-…-…, na via de trânsito do meio, quando, de forma repentina e de impossível previsão, um veículo automóvel – o supra identificado como …-…-… mudou de via de trânsito, nomeadamente da fila da direita para a do meio, onde circulava o autor, colocando-se à sua frente, ou seja, na sua linha de trajectória. Em consequência de tal manobra do …-…-…, o condutor do …-…-…, ora autor, perdeu o controlo do seu veículo e entrou em despiste, tendo sido projectado para o solo e tendo o …-…-… derrapado pelo asfalto, acabando por embater na traseira do …-…-… (…)”.
Estamos, assim, perante duas versões do mesmo acidente submetidas a juízo pelo Autor, sendo que em sede do Procedimento Cautelar para Arbitramento de Reparação Provisória acima identificado invoca em síntese que por força do abalroamento do veículo …-…-… ao …-…-…, provocou-lhe o despiste e consequentemente a projecção e arrastamento do Requerente pelo asfalto, na acção em apreço alega que a manobra daquele veículo fez com que este entrasse em despiste e após derrapagem no asfalto acaba por embater na traseira do …-…-….
A relação de instrumentalidade existente entre o procedimento cautelar e acção principal não nos permite concluir que a decisão proferida naquele tenha força de caso julgado material ou configure uma relação de prejudicialidade relativamente à pretensão ora reclamada na acção principal, caso contrário ao Tribunal estaria vedado a sua apreciação, na medida em que o Autor num primeiro momento, prevalecendo-se de uma determinada versão da dinâmica do acidente pretendendo que lhe fosse arbitrada uma indemnização a título de reparação provisória e, posteriormente, em sede da acção principal, prevalecendo-se de uma versão diferenciada da dinâmica do acidente vem deduzir pretensão indemnizatória final.
No entanto, tal situação não pode ser desatendida na valoração probatória das Declarações de Parte proferidas pelo Autor em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, sendo que as mesmas consubstanciam uma terceira versão do mesmo acidente submetido a juízo.
Efectivamente, referiu o Autor em sede das respectivas Declarações de Parte quanto à dinâmica do acidente, que apenas perde o controlo da mota após ter embatido na parte traseira do …-…-…, tendo caído para o lado esquerdo.
Assim sendo, há que concluir que não se mostra necessário confrontar as declarações de parte produzidas pelo Autor com a demais prova produzida para aferir da sua verosimilhança ou consistência, porquanto, o próprio, com a conduta processual demonstrada em sede do Procedimento Cautelar para Arbitramento de Reparação Provisória e no âmbito da presente acção judicial se descredibilizou a si próprio. Não se pode apresentar três versões diferentes do mesmo acidente em juízo e esperar que o Tribunal valorize a última apresentada ou a que lhe convier. A credibilidade das Declarações de Parte depende, à semelhança dos restantes meios de prova, da consistência e lógica intrínsecas o que desde logo foi posto em causa pelo Autor com as diversas versões apresentadas por si a juízo. Refira-se que, não obstante a posição desesperada do Autor adveniente das sequelas físicas gravíssimas a que ficou votado na sequência do acidente em apreço, as quais o Tribunal lamenta profundamente, não justificam, ainda assim, o afeiçoamento dos factos submetidos a juízo conforme lhe aprouver.
(…)
No que respeita ao depoimento prestado pela testemunha C…, a qual seguia no motociclo matrícula …-…-… seguia como passageira, não nos mereceu credibilidade, por inconsistente, uma vez que a testemunha no que à dinâmica do acidente respeita começou por referir que após a manobra do veículo, o Autor fez uma travagem brusca seguida de embate, sendo que confrontada pelo Ilustre Mandatário da Ré com o depoimento por si proferido em sede do Procedimento Cautelar para Arbitramento de Reparação Provisória, que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de Almada do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o Processo n.º …/…, a testemunha retirou o que disse afirmando desconhecer se se a mota sequer bateu no automóvel.
(…)
No que respeita à testemunha D…, o seu depoimento mostrou-se consistente e desinteressado, esclarecendo que antes de fazer a manobra de mudança de direcção certificou-se que inexistia qualquer veículo na faixa de trânsito do meio, tendo sinalizado a sua manobra, sendo que após o veículo se encontrar integralmente nessa via sentiu um toque muito ligeiro na traseira do mesmo e apenas parou porque sentiu algo a passar pelo ar.
O depoimento da testemunha em causa é mais consistente e verosímil do que as Declarações de Parte prestadas pelo Autor e pela testemunha C … no que à dinâmica do acidente respeita, na medida em que a mesma manteve a sua versão dos factos em sede da providência cautelar e na presente acção, a qual se mostra consentânea com a participação do Acidente e croqui constantes de fls. 26 a 28 e Relatório de Averiguação constante de fls. 134 a 142 a que faremos referência infra. Acresce que a testemunha em apreço, interveniente no acidente em causa, conduzia sem qualquer taxa de alcoolémia ou consumo de estupefacientes, ao contrário do Autor que o fazia sob o efeito de sob o efeito de cannabis, o que poderá ter contribuído para a alteração da percepção das circunstâncias em que ocorreram o acidente.
Refira-se, ainda, que a descrição do acidente efectuada pela testemunha após a ocorrência do mesmo é compatível com a sua versão do acidente, no que respeita à sinalização da manobra e à certificação de que inexistia qualquer obstáculo na via do meio que a impedisse de realizar a mesma. No que respeita à percepção da existência de uma mota que a terá tentado ultrapassar e que se situava atrás de si, não é claro em que momento tal terá ocorrido ou se tal percepção, tal como a testemunha explicou em sede da Audiência de Discussão e Julgamento, terá surgido do facto de após a imobilização do veículo a mota se encontrar atrás do mesmo.
Acresce que da participação do Acidente e croqui constantes de fls. 26 a 28, resulta que não se encontram assinalados quaisquer rastos de travagem do motociclo, mas sim de arrastamento o que é consentâneo com as fotos constantes dos autos dos veículos e com a análise dos veículos efectuada no Relatório de Averiguação constante de fls. 134 a 142, do qual resulta que o veículo automóvel apenas tem danos numa parte muito baixa, os quais se mostram adequados a terem sido produzidos pelo embate do motociclo na posição horizontal, já caído no asfalto. Efectivamente, resulta das imagens do veículo SE, que as marcas de rapagem do lado esquerdo terão sido produzidas pelo motociclo após derrapagem e queda no asfalto.
Refira-se que a participação policial e croqui foram corroborados pela testemunha F…, Chefe da PSP com o n.º mecanográfico …, que o subscreveu e o do Relatório de Averiguação constante de fls. 134 a 142, foi secundado pela testemunha E…, que o subscreveu.
Com base nos depoimentos e prova documental referida, o Tribunal considerou demonstrado o facto ínsito no ponto 10. da Matéria de Facto Provada, não obstante não ter sido possível apurar a dinâmica completa e extada do acidente, em que momento e por que razão o Autor se despistou e não demonstrados os factos ínsitos nos pontos 1. a 4. da Matéria de Facto Não Provada.
Contrapõe o A., no essencial, que:
  • Da divergência entre as versões do acidente constantes do procedimento cautelar e da acção principal não se pode retirar a desvalorização das declarações do A. prestadas na audiência final, porque a decisão proferida no procedimento cautelar não faz caso julgado na acção principal, não condicionando a decisão a proferir nesta;
  • Também a testemunha D… apresentou versões distintas da dinâmica do acidente, o que significa que também o depoimento da mesma teria de ser desvalorizado;
  • A testemunha C… logrou explicar que a linha de marcha do motociclo foi cortada pelo veículo que se atravessou à frente daquele, fazendo com que o A. travasse bruscamente e fosse embater no veículo, sendo a testemunha (passageira do motociclo) projectada, e tendo depois a condutora do veículo explicado que era a responsável pelo acidente;
  • A existência de vestígios de substâncias estupefacientes no sangue no A. não permite a conclusão da influência dos mesmos na capacidade de condução do A., também não estando provado qualquer excesso de velocidade imputado ao A. na condução do motociclo, e assim havendo que explicar a perda de controlo do motociclo pela manobra da condutora do veículo automóvel.
Começando pela valoração das declarações prestadas pelo A., é certo que decorre da letra e do espírito do art.º 466º do Código de Processo Civil que as mesmas são susceptíveis de, só por si, servir de meio de prova, devendo ser valoradas da mesma forma que é valorado um depoimento testemunhal.
Com efeito, e como afirmam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 529 532), quanto à prova por declarações de parte, ao invés de um mero poder/dever do tribunal, regula-se aqui um verdadeiro direito potestativo de natureza processual conferido a qualquer das partes, permitindo-lhe oferecer-se para prestar declarações”.
Do mesmo modo, não se diga, de forma preconcebida, que a parte irá reproduzir a versão dos factos que o seu mandatário já terá exposto nos articulados. O poder da imediação não deve ser desconsiderado, do mesmo modo que não deve ser desprezado o relevo que pode ser atribuído a declarações mais ou menos espontâneas de alguém que não está condicionado necessariamente pelos efeitos jurídicos que podem ser extraídos das suas declarações. É que uma coisa é a versão da parte exposta pelo seu mandatário (…); outra, bem diversa, é a que pode emanar da própria parte quando depõe perante o juiz, tudo podendo decorrer de modo mais espontâneo e impressivo, permitindo porventura uma maior aproximação à realidade que subjaz ao litígio.
E do mesmo modo, ainda, a circunstância de, por princípio, este meio de prova resultar da iniciativa da parte que se propõe depor não é de molde a negar a sua utilidade, pois tudo decorrerá com sujeição ao teste do interesse que a parte tem no desfecho da acção, acrescendo que tais declarações, quando não tenham valor confessório, são livremente apreciadas pelo tribunal (…)”, pelo que “nada obstará a que factos que, de acordo com a lei substantiva, não estejam sujeitos a prova tarifada, sejam considerados provados com base nas declarações da parte, se acaso o tribunal se convencer da sua veracidade.
E estando as declarações da parte sujeitas ao princípio da livre apreciação, pese embora a sua especificidade, podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente, assumindo um valor probatório autónomo”, havendo que valorar em primeiro lugar as declarações de parte e só depois a pessoa do depoente, porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações de parte e incorrer no viés confirmatório.
Também este Tribunal da Relação de Lisboa vem concluindo repetidamente pela auto suficiência e valor probatório autónomo das declarações de parte, como no acórdão de 26/4/2017 (relatado por Luís Filipe Pires de Sousa e disponível em www.dgsi.pt), quando se afirma que no que excede a confissão, as declarações de parte integram um testemunho de parte; (ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente”, mais se afirmando que “em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”. Ou ainda como no acórdão de 28/5/2019 (relatado por Ana Rodrigues da Silva e disponível em www.dgsi.pt), quando se afirma que as declarações de parte estão ao mesmo nível que os demais meios de prova, sendo valoradas de forma autónoma e integrada, sem que se estabeleça qualquer hierarquia entre os vários elementos probatórios”, o que significa que “as declarações de parte devem ser valoradas, ponderando-se o seu conjunto com os demais elementos de prova, sem prejuízo da eventual confissão que ocorra.
Ora, no caso concreto das declarações do A., aquilo que importa apurar é se as mesmas são merecedoras de credibilidade, no que respeita à dinâmica do acidente, independentemente do interesse do A. na afirmação de uma versão do acidente que faça concluir ter sido a condutora do SE quem deu causa ao mesmo.
Dito de outra forma, e rejeitando o afirmado pelo A. na sua alegação de recurso, o que está em causa não é a recusa da descrição do acidente que o A. fez nas suas declarações, porque não está conforme ao que foi dado como provado no procedimento cautelar. O que está antes em causa é a constatação de que nesse procedimento cautelar o A. veio alegar que o SE embateu com a sua lateral esquerda traseira na lateral direita do motociclo, porque mudou de forma repentina para a via onde circulava o motociclo, e sendo que o despiste do motociclo e consequente queda do A. foi causada por tal embate, tendo depois vindo alegar (na acção) que o motociclo é que embateu no …-…-…, após o despiste daquele causado pela actuação da condutora do …-…-…, interceptando a linha de marcha do motociclo, e terminando a relatar (em sede das referidas declarações de parte) que o SE cortou repentinamente a linha de marcha do motociclo e obrigou o A. a travar a fundo, ocorrendo o embate do motociclo no pára-choques traseiro do …-…-…, e o subsequente despiste daquele. Mais concretamente, declarou o A. que quando ia a passar por esse carro da senhora que me originou o acidente, quando vou mesmo perto da traseira dela, ela muda de, ou para aí a dois metros para aí, ela muda da faixa da direita para a minha faixa” e “eu para tentar evitar o acidente travei a fundo, toco-lhe no pára-choques, perdi o controlo da mota, caí para o chão e a minha colega também caiu”, enquanto no referido procedimento cautelar havia alegado que “de forma repentina e de impossível previsão, um veículo automóvel – o supra identificado como …-…-… mudou de via de trânsito, nomeadamente da fila da direita para a do meio, onde circulava o ora REQUERENTE, abalroando-o com a sua lateral”.

Dito de outra forma, a circunstância de o A. apresentar várias versões distintas relativamente à forma como o embate se deu, faz com que o tribunal não consiga valorizar uma versão em detrimento das outras, exactamente porque tal variação na descrição do acidente leva ao descrédito de todas as versões, tendo então o tribunal de concluir, segundo as regras da experiência comum, que terá sido a constatação do A. de que a primeira versão apresentada não logrou obter validação judicial (em sede do procedimento cautelar) que o fez alterar a descrição do acidente (em sede da P.I. da acção), e não logrando sequer manter uma ou outra versão, no âmbito das declarações que prestou na audiência final, antes apresentando uma terceira versão sem pontos de contacto com aquelas duas, no que é mais determinante para a consistência do relato efectuado (o tipo de embate e a relação do mesmo com o despiste, em termos do embate ser causado pelo despiste ou vice-versa). O que é o mesmo que afirmar que a consistência intrínseca do relato do A. no âmbito das declarações de parte está comprometida, porque o mesmo esteve a relatar factos sem razão de ciência bastante para tal (designadamente por poder não ter memória de como o acidente ocorreu).
E, nessa medida, está-se perante um testemunho pessoal não credível, a determinar que não seja acolhido para efeitos de demonstrar que o acidente se deu tal como o A. o descreveu, em sede das declarações em questão.
É certo que a restante prova podia corroborar as declarações do A., no que respeita à forma como descreveu o embate e o despiste.
Só que os dados objectivos que emergem do estado em que ficou o SE e o motociclo (tal como as fotografias juntas aos autos o demonstram) afastam a verosimilhança das declarações em questão, nesta parte.
Assim, constata-se que os danos existentes no …-…-… se situam ao nível do pára-choques traseiro, ligeiramente à esquerda do centro do mesmo, e na sua parte inferior, a uma distância do solo não superior a 30 centímetros. Mas não apresenta quaisquer danos na tampa da mala traseira, ou nos sistemas de iluminação traseiros, ou mesmo no vidro traseiro.
Por sua vez o motociclo apresenta marcas de raspagem do seu lado direito, compatíveis com um arrastamento no asfalto, já na posição horizontal (isto é, caído no solo para o seu lado direito). Mas não apresenta quaisquer danos compatíveis com o embate da sua frente na traseira do …-…-…, designadamente danos no conjunto roda/guarda lamas dianteiros, no sistema de direcção, no vidro ou na iluminação frontal.
Ou seja, o embate do motociclo no …-…-… não se dá quando o mesmo ainda está em posição vertical, mas quando o mesmo já está em posição horizontal, já que só assim se mostra justificada a existência de danos no …-…-… exclusivamente na sua parte traseira, a não mais de 30 centímetros do solo, associada à existência de danos no motociclo exclusivamente causados por raspagem no asfalto, à direita.
Pelo que, se o motociclo embate no …-…-… quando já está caído para o seu lado direito, é porque o A. perdeu o controlo do mesmo antes do embate, e não com o embate ou na sequência deste, como emerge das suas declarações. Aliás, recorde-se que o A. declarou que travou mesmo em cima do carro, quase”, e que com tal travagem não perdeu o controlo do motociclo, porque conforme trava a seguir apanha logo o carro”, o que sempre significaria que os danos existentes teriam de ser distintos que os verificados, porque o motociclo estaria em posição vertical, e não deitado para o lado direito. E assim se demonstra a referida falta de credibilidade das declarações do A. relativamente à forma como o acidente se deu. O que equivale a afirmar que não é de atender ao relato feito pelo A. sobre as circunstâncias em que se deu o acidente, incluindo aquelas circunstâncias relativas à actuação da condutora do …-…-….
Já no que respeita ao depoimento da referida condutora do …-…-… (a testemunha D…), importa atentar que já em sede de averiguações levadas a cabo pela A., através de uma entidade externa (aquela que produziu o relatório junto com a contestação como documento 4), a referida condutora havia afirmado que quando mudou de via, da via da direita por onde circulava para a via do meio, verificou previamente que não veículos a circular à sua esquerda, só então efectuando a manobra e sentindo um embate na traseira do …-…-… quando estava quase a terminar a mesma. Tal relato, ainda que minimalista, é genericamente coincidente com aquele outro que a mesma condutora tinha prestado por escrito à PSP, no âmbito da elaboração da participação do acidente feita por esta autoridade policial. Ou seja, que a referida condutora efectuou a manobra de mudança de via depois de verificar que na via do meio (para onde ia mudar) não existia trânsito. E, do mesmo modo, tais relatos são também coincidentes com o depoimento prestado na audiência final, quanto à intenção de mudar de via de trânsito, quanto a ter verificado que o podia fazer porque na via à sua esquerda não havia trânsito, assim concretizando tal intenção de mudar de via, e quanto a ter-se apercebido de um embate na traseira do …-…-…, quando estou já nessa faixa (ou seja, na via do meio, para onde tinha passado a circular).
É certo que no relato escrito feito à PSP (contemporâneo do acidente) a referida condutora do …-…-… referiu que apercebo-me que uma mota me tenta ultrapassar e, daquilo que me parece, estaria atrás de mim na faixa da direita”.
Mas tal frase, assim descontextualizada, não tem eficácia probatória bastante para fazer concluir que a referida condutora do …-…-… percepcionou que estava a ser ultrapassada pelo motociclo conduzido pelo A. e que, ainda assim, iniciou a manobra de mudança para a via à sua esquerda, onde já circulava o motociclo, colocando-se repentinamente à frente do mesmo e fazendo com o que o A. entrasse em despiste com o motociclo.
Antes subsiste a coerência da sua versão, (re)afirmada no depoimento prestado na audiência final, no sentido de ter pretendido mudar de via, para a via à esquerda daquela onde circulava, de ter iniciado tal manobra depois de constatar que não havia trânsito nessa via (a via do meio), e de só ter ocorrido o embate do motociclo na traseira do …-…-… quando este já circulava pela via (do meio) para onde tinha mudado.
Ou seja, até pode suceder que a condutora do SE tenha percepcionado a existência do motociclo a circular na A2, no mesmo sentido em que seguia, e à retaguarda do …-…-…. E, do mesmo modo, também é crível que até tenha percepcionado que a forma como o mesmo motociclo circulava na via da direita (ou seja, aquela que era usada por quem provinha da Costa da Caparica, como era o caso do …-…-… e do motociclo, como resulta do croquis elaborado pela PSP e da fotografia 1 do já mencionado documento 4 junto com a contestação) fazia pressupor que iria ultrapassar os restantes veículos que circulassem nessa via da direita.
Todavia, essa circunstância não permite afirmar que o motociclo já circulava na via do meio, e de tal modo próximo da posição do …-…-… à sua direita que, quando a condutora do …-…-… efectuou a manobra de mudança da via da direita para essa via do meio, tal significou a intersecção da linha de marcha do motociclo, surpreendendo o A. e obrigando-o a travar de forma tal que perdeu o controlo do motociclo.
Pelo contrário, aquilo que essa circunstância poderia deixar antever é que a posição do motociclo a surgir do acesso da Costa da Caparica, associada à velocidade de que vinha animado, fez a condutora do …-…-… equacionar que o mesmo pretenderia ultrapassar todos os veículos que circulavam na A2, naquele momento e naquele local, por circular a velocidade superior à de todos esses veículos (e recorde-se que não existe controvérsia nos depoimentos, quanto à circunstância de existir mais trânsito na via da direita, ou seja, trânsito vindo da Costa da Caparica, do que nas restantes duas vias).
Acresce que, como resulta das fotografias juntas aos autos e da descrição do local constante da participação do acidente feita pela PSP e do já referido documento 4 junto com a contestação, todo o local entre o início da via da direita (que se inicia a partir do acesso da Costa da Caparica à A2) e o local onde ficaram imobilizados o motociclo e o …-…-… apresenta-se em recta e com uma extensão não inferior a 300 metros (no Google Maps a distância corresponde mais concretamente a 382 metros, tomando por boa a referência ao ponto fixo constante da participação do acidente feita pela PSP). E desses mais de 300 metros os últimos cerca de 40 metros foram aqueles que o motociclo percorreu a raspar no asfalto (igualmente tomando por boas as medições da PSP constantes da participação do acidente). O que significa que desde que o motociclo passou a circular na A2 percorreu pelo menos 260 metros, antes de o A. se despistar com o mesmo.
Ou seja, é perfeitamente plausível que a condutora do …-…-… tenha vislumbrado o motociclo a circular à sua retaguarda, na via da direita surgindo do acesso da Costa da Caparica, e estando o mesmo a começar a circular a velocidade mais elevada que o restante trânsito dessa via da direita, assim dando à mesma condutora a sensação de que o motociclo iria ultrapassar todos os veículos que aí circulavam.
Tal não significa, no entanto, que o mesmo estivesse já tão perto do …-…-… e à sua esquerda que não permitisse a manobra de mudança da via da direita para a via do meio, tendo desde logo presente a extensão da recta que se apresentava para trás do …-…-….
Aquilo que significa, objectivamente, é que o A. circulou cerca de 260 metros com o motociclo e depois se despistou com o mesmo, a velocidade não concretamente apurada, mas que fez com que o motociclo fosse a raspar pelo asfalto durante cerca de 40 metros, embatendo no …-…-… durante esse percurso.
Ora, se o …-…-… já estava a circular na via do meio e se o A. circulou com o motociclo durante cerca de 260 metros antes de se despistar e embater com o motociclo caído na traseira do …-…-…, nessa mesma via do meio, só podem existir dois motivos para tanto: ou a velocidade que o A. imprimia ao motociclo era de tal forma superior à dos restantes veículos que o A. perdeu o controlo do motociclo, despistando-se com o mesmo; ou o A. não atentou à existência dos restantes veículos na via, como o …-…-…, e quando se apercebeu da presença do mesmo à sua frente travou em situação de emergência para evitar o embate e assim perdeu o controlo do motociclo, despistando-se com o mesmo.
Mas seja uma ou outra das situações, o que não se pode afirmar, a partir da prova assim valorada no seu conjunto, é que foi a manobra realizada pela condutora do …-…-… que deu lugar à perda de controlo do motociclo pelo A., e consequente despiste.
O A. intenta ainda convocar o depoimento de C… (a passageira do motociclo) para demonstrar o surgimento inesperado do …-…-… na linha de marcha do motociclo.
Mas da audição do mesmo resulta evidente a ineficácia probatória de tal depoimento, no que respeita às concretas circunstâncias em que o embate ocorreu, porque a testemunha em questão acabou por entrar em contradições e lapsos quanto ao que se lembra (ou, mais correctamente, ao que não se lembra). Com efeito, a referida passageira do motociclo começa por afirmar ter sentido o embate do mesmo no …-…-… quando ainda estava no motociclo, e só tendo sido projectada na sequência desse embate, o que é incompatível com a forma como o motociclo embateu no …-…-… (já caído). Mas é igualmente incompatível com a forma como a condutora do …-…-… diz que viu o vulto da referida passageira do motocicloa voar-me ao meu lado esquerdo”. É que se a referida passageira do motociclo tivesse sido projectada na sequência do embate frontal do motociclo na traseira do …-…-…, a mesma seria projectada para a frente e para cima, passando por cima (ou acima) do …-…-…, e não ao lado do mesmo, de forma a que a condutora deste pudesse assistir a tal projecção. Já quando confrontada com tais incompatibilidades a passageira do motociclo passa a afirmar que a mota pode ter batido [no …-…-…] não vi”, para terminar afirmando que “houve um embate, agora a certeza que foi no carro, não há certezas, mas houve um embate e que fechou os olhos quando sentiu que ia cair, assim colocando em causa até a ocorrência do reafirmado embate e, consequentemente, de toda a dinâmica do acidente, tal como a descreveu inicialmente.
O A. intenta também convocar o desenho que a condutora do …-…-… fez e que acompanhou o referido relato escrito feito para a PSP, para demonstrar que a mesma nunca chegou a completar a mudança para a via do meio, mas ainda se encontrava a mudar da via da direita para a via do meio, quando o …-…-… ficou imobilizado na sequência do embate. Todavia, é a própria condutora do …-…-… que explica que vejo o vulto, assusto-me e volto a guinar para a faixa da direita e fico parada no meio das duas faixas”, assim estando justificado o local onde foi graficamente representado o …-…-…, imobilizado na sua posição final após o embate.
Para além disso, outra circunstância concorre para não lograr dar como demonstrado que o A. perdeu o controlo do motociclo em razão do surgimento inesperado do …-…-… na sua linha de marcha, quando se encontrava a mudar da via da direita para a via do meio.
Com efeito, a presença de danos essencialmente na parte direita do motociclo, condizentes com a sua queda para esse lado e arrastamento pelo asfalto durante cerca de 40 metros, não é compatível, em termos de condução de veículos de duas rodas, com a versão do acidente apresentada pelo A. É que se o A. circulava pela via do meio e inesperadamente a condutora do …-…-… mudou da via da direita para essa mesma via do meio, cortando a linha de marcha do motociclo, a reacção previsível do A. seria travar e desviar-se para o lado oposto de onde surgia tal obstáculo, como forma de tentar passar ao lado do mesmo com o motociclo. O que é o mesmo que dizer que o A. tentaria desviar-se para a esquerda, enquanto travava. Pelo que se tal manobra não fosse bem sucedida, daí resultaria o desequilíbrio e consequente queda do motociclo para a esquerda, apresentando-se então desse lado esquerdo os danos de raspagem do mesmo pelo asfalto, e não do lado oposto. É certo que poderia esse desequilíbrio fazer o motociclo dar meia volta sobre si próprio no ar, caindo então sobre o lado direito e assim raspando pelo asfalto. Mas neste caso existiriam danos resultantes desse embate no solo depois do motociclo ter estado no ar (recorde-se que se trata de um motociclo que pesa 223 quilogramas, como resulta apurado nos termos do documento 4 junto com a contestação), e que não corresponderiam apenas aos sinais de raspagem, mas à deformação e destruição das peças de plástico e metal desse lado do motociclo, o que não se verifica.
No mais, a questão da existência de vestígios de substâncias estupefacientes no sangue do A. apresenta-se como irrelevante para a alteração da decisão de facto, face ao acima afirmado quanto à falta de demonstração da actuação da condutora do …-…-…, nos termos que vinham alegados pelo A.
E quanto à questão da afirmação do excesso de velocidade do motociclo, trata-se de uma valoração jurídica, não cabendo pois a sua apreciação nos termos da impugnação da decisão de facto.
Em suma, a valoração das passagens da prova gravada identificadas pelo A., quando colocada em confronto com o restante teor das declarações do A. e dos depoimentos das duas testemunhas referidas, e bem ainda com a prova documental referida, não permite afirmar a verificação da factualidade a que respeitam os quatro primeiro pontos elencados nos factos não provados, antes sendo de acompanhar o decidido pelo tribunal recorrido, quanto à não verificação da factualidade em questão.
Pelo que, na improcedência da impugnação da decisão de facto, é de manter o elenco de factos provados e não provados que consta da sentença recorrida, assim improcedendo as conclusões do recurso do A., nesta parte.
***

A sentença recorrida afastou a responsabilidade da R. pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo A., em consequência do acidente de 1/10/2018, essencialmente por considerar que a fonte da obrigação de indemnizar assenta no instituto da responsabilidade civil extracontratual, previsto no art.º 483º do Código Civil, e mais considerando que, à face da factualidade apurada, ficou por demonstrar a versão do acidente que o A. apresentou, ficando ainda demonstrado que foi a actuação do mesmo que provocou o acidente e os danos correspondentes, sofridos pelo mesmo.
O A. sustenta a alteração do assim decidido em razão de uma fundamentação de facto que não se verifica, já que a dinâmica do acidente não corresponde à que o mesmo invoca.
Pelo que, nesta parte, não apresentando o A. qualquer outro fundamento para sustentar a alteração do decidido, que não seja a referida (e inexistente) fundamentação de facto, não há que tecer quaisquer considerações adicionais sobre a (não demonstrada) culpa da condutora do …-…-… na produção do acidente.
Todavia, sustenta igualmente o A. que, ainda que não se possa afirmar a responsabilidade da R. (enquanto seguradora do …-…-…) por facto ilícito e culposo praticado pela referida condutora do …-…-…, ainda assim será de afirmar a responsabilidade pelo risco (ou objectiva, porque não depende da culpa do agente), tendo presente que não resulta da matéria de facto que o A. circulava em excesso de velocidade, e antes sendo de afirmar que o acidente ocorre na sequência da manobra realizada pela conduta do …-…-…, o que é o mesmo que dizer que o acidente emerge dos riscos próprios da utilização do …-…-… pela sua condutora, a par dos riscos próprios da utilização do motociclo pelo A., assim havendo que afirmar a responsabilidade da R. no ressarcimento dos danos emergentes desse acidente, e devendo a responsabilidade ser repartida na proporção do risco de cada um desses veículos, ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 506º do Código Civil.
Ou seja, o A. não coloca em crise que, como ficou referido na sentença recorrida, prevê-se no n.º 2 do mesmo preceito legal [o art.º 483º do Código Civil] que: “Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”. Acolhe-se, deste modo, ao lado da responsabilidade pela culpa, ainda que em casos excepcionais, uma responsabilidade independente de culpa – objectiva ou pelo risco – ou mesmo uma responsabilidade resultante de uma conduta lícita do agente causador de danos – responsabilidade por facto lícito.
A responsabilidade objectiva ou por facto lícito baseia-se na ideia de que, posto em confronto o sacrifício do lesado sem culpa e a actividade perigosa de um lesante sem culpa, o bem comum reclama que se ponha a cargo deste último, até um certo limite, a reparação do prejuízo emergente daquela fonte de riscos.

Dito de forma mais simples, não sofre controvérsia que para que se possa fazer apelo ao instituto da responsabilidade pelo risco torna-se desde logo necessário que não se possa imputar a ocorrência do acidente ao A. E como o A. entende não ser possível concluir que foi a sua conduta que deu causa ao acidente, está afastada a sua culpa na produção do acidente e, por consequência, há que lançar mão da responsabilidade pelo risco, tendo presente que se verificou uma colisão entre veículos (o motociclo e o …-…-…).

Como ficou expresso na sentença recorrida,o facto ínsito no ponto 10. da Matéria de Facto Provada, onde se refere que o motociclo …-…-…, conduzido pelo autor, encontrando-se em despiste, e arrastando-se pelo asfalto, colidiu com a veículo …-…-…, embatendo neste sensivelmente a meio da metade esquerda da traseira do …-…-…, na zona abaixo do para-choques, inculca em ter sido o próprio a infringir as normas estradais ao não lograr travar, de modo atempado, evitando embater na parte de trás do veículo …-…-…, devido a eventual excesso de velocidade, falta de atenção/concentração (…)”.

Tendo presente que se está a falar da actuação do A. no exercício da condução do motociclo que se reconduz à prática de um acto ilícito e culposo, não se pode esquecer que o acto ilícito se traduz numa forma de conduta humana, dominável pela vontade, que viole a ordem jurídica, consistindo na violação de um direito de outro ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios. Neste último caso trata-se de “... infracções de leis que embora protejam interesses particulares, não conferem aos respectivos titulares um direito subjectivo a essa tutela ou leis que defendendo interesses colectivos não deixam de atender aos interesses particulares subjacentes.” (A. Varela, Das Obrigações em Geral, I, 505, 6ª edição).
Já a culpa resulta de um juízo de reprovabilidade da conduta do agente; verifica-se, atendendo às circunstâncias concretas da situação, caso o lesante devesse e pudesse ter agido de outro modo.
Ora, no que respeita à circulação estradal, o nº 1 do art.º 24º do Código da Estrada dispõe que o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
E da al. m) do nº 1 do art.º 25º do Código da Estrada decorre que, sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade sempre que exista grande intensidade de tráfego.
Da primeira das normas referidas retira-se que a todos os condutores se exige um concreto domínio da marcha.
Como afirma António Augusto Tolda Pinto (Código da Estrada, 1996, pág. 59), conduzir para além da correlata capacidade de domínio efectivo significa condução em velocidade excessiva”.
E como afirma Jerónimo de Freitas (Código da Estrada Anotado, 3ª edição, pág. 59-60), a condução em excesso de velocidade existe não só quando o condutor do veículo ultrapassa os limites legais, mas também quando perante um determinado evento, características da via ou do veículo, ou outra circunstância relevante para a circulação em segurança, que seja previsível para um condutor com a capacidade de diligência de um cidadão médio, devido à velocidade que anima o veículo, este não logra concretizar determinada manobra que pretendia realizar ou deter a marcha do mesmo no espaço livre e visível à sua frente.
O excesso de velocidade relativo, ou seja, aquele que se verifica quando o condutor não consegue efectuar a manobra necessária ou imobilizar o veículo, sem que tal se deva a uma circunstância imprevisível ou à ocorrência fortuita de determinado evento, independentemente do valor absoluto da velocidade, resultará, por consequência, de uma condução imprudente, descuidada ou temerária”.

Ou seja, é porque as situações de especial perigosidade elencadas na segunda das normas referidas exigem do condutor um acréscimo da sua capacidade de domínio efectivo”, que o mesmo fica obrigado a uma moderação especial da velocidade, como forma de lograr alcançar tal domínio da marcha que imprime ao veículo, designadamente executando as manobras necessárias para evitar os obstáculos que se lhe apresentem, ou mesmo parando no espaço livre e visível à sua frente.
Assim, e reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, se o A. não logrou manter o equilíbrio do motociclo que conduzia, por forma a que o mesmo continuasse a circular suficientemente afastado dos restantes veículos que circulavam na mesma hemi-faixa de rodagem da auto-estrada por onde circulava, antes perdendo o controlo do mesmo e despistando-se, assim permitindo que o motociclo fosse desgovernado a raspar no asfalto e, desse modo, embatesse na traseira do …-…-… (ou seja, que se apresentava à sua frente), e não estando demonstradas quaisquer circunstâncias imprevistas e estranhas à vontade do A. determinantes dessa conduta, então só se pode concluir que o A. circulava em velocidade superior à que devia ter imprimido ao motociclo, pois só a velocidade inferior à efectivamente praticada é que era possível manter o motociclo equilibrado e na sua posição de marcha vertical, correspondendo ao domínio efectivo do mesmo.
Que é o mesmo que afirmar que, no momento do acidente, o A. conduzia em violação das regras estradais acima referidas.
Já quanto à culpa do A., é sabido que para provar a mesma basta (no domínio da responsabilidade civil por factos ilícitos) que se possam estabelecer factos que segundo os princípios da experiência geral tornem muito verosímil a culpa, sabendo-se igualmente que cabe ao autor do facto ilícito fazer a contraprova, no sentido de demonstrar que a actuação foi estanha à sua vontade ou que não foi determinante para o desencadeamento do acto danoso. Mais, como há muito vem afirmando a jurisprudência, em matéria de responsabilidade civil resultante de acidente de viação cujo dano foi provocado por uma infracção ao Código da Estrada, existe uma presunção juris tantum de negligência contra o autor da infracção.
Ora, e como já se disse, não resultou provada qualquer actuação da condutora do …-…-… que possa ser caracterizada como desrespeitadora das regras estradais e que, nessa medida, tenha dado causa à colisão verificada entre o motociclo e o …-…-….
Pelo que, partindo das regras da experiência comum, pode-se afirmar que quem conduz um motociclo numa auto-estrada e se despista com o mesmo, deixando que na sequência de tal despiste o motociclo embata num veículo que circulava à sua frente, efectua uma condução desatenta e violadora dos preceitos estradais acima citados, por não conseguir dominar a marcha do motociclo naquelas concretas condições de tráfego, assim violando as correspondentes disposições estradais e actuando, pois, com culpa na produção do acidente verificado.
Ou seja, afirmada que está a ilicitude da conduta e a culpa do A. na produção do evento danoso, por contraponto à ausência de qualquer ilicitude e culpa da condutora do …-…-… na produção do mesmo, não é de convocar o instituto da responsabilidade pelo risco, tendo em vista a reparação dos danos sofridos pelo A. e emergentes desse evento danoso, porque o A. surge como único responsável pela produção desses danos.
Ou, dito de forma mais simples, não obstante a sua qualidade de entidade seguradora para a qual havia sido transferida a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação causados pela circulação do …-…-…, no caso concreto do acidente que se discute nos autos não é de imputar à R. tal responsabilidade.
Nesta medida improcedem na sua totalidade as conclusões do recurso do A., não havendo que fazer qualquer censura à sentença recorrida.
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DECISÃO

Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo A., sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


Lisboa,20 de Junho de 2024


António Moreira - (assinatura electrónica)
Inês Moura - (assinatura electrónica)
Paulo Fernandes da Silva - (assinatura electrónica)