Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5557/10.5TBCSC.L1-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: MENORES
APADRINHAMENTO
MEDIDA DE APOIO JUNTO DA MÃE
CONFIANÇA COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – O apadrinhamento civil previsto na Lei nº103/2009, de 11/9, é aí definido, no seu art.2º, como uma relação jurídica, tendencialmente de carácter permanente, entre uma criança ou jovem e uma pessoa singular ou uma família que exerça os poderes e deveres próprios dos pais e que com ele estabeleçam vínculos afectivos que permitam o seu bem-estar e desenvolvimento, constituída por homologação ou decisão judicial e sujeita a registo civil.
II – O apadrinhamento civil é um novo instituto do direito da família e constitui uma nova providência tutelar cível, sendo mais uma forma de tentar afastar as crianças/jovens das instituições de acolhimento quando elas não podem ser adoptadas.
III – Apesar de o apadrinhamento civil não se caracterizar como medida de promoção e protecção, nada impede que o mesmo se constitua no presente processo, desde que satisfeitos os respectivos requisitos, como acontece no caso em relação à menor mais velha.
IV – Em relação à menor mais nova, a medida de apoio junto da mãe pelo período de um ano, com a obrigação da mãe não deixar a filha sozinha com o pai, considera-se que, com os dados disponíveis neste momento, é arriscado confirmar tal medida, pelo que haverá que coligir elementos no sentido de se poder optar, consciente e justificadamente, pela medida de promoção e protecção que, além do mais, atenda prioritariamente aos interesses e direitos da menor.
V – De todo o modo, em nenhum dos casos se pode afirmar, relativamente à mãe das menores, que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pelo que não há que as confiar a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a adopção, por não se verificar o requisito a que alude o corpo do nº1, do art.1978º, do C.Civil (cfr. os arts.35º, nº1, al.g) e 38º-A, da LPCJP).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.
No 1º Juízo de Família e Menores de Cascais, o Magistrado do M.ºP.º junto daquele Tribunal requereu a instauração de processo de promoção e protecção a favor das menores D… e S…, nascidas, respectivamente, em 10/12/01 e em 27/5/07, filhas de S2 e de M...
Para o efeito, alega que o pai das menores abusou sexualmente da filha D… e que, quer esta quer a sua irmã S…, estão em situação de perigo manifesto e grave, a permanecerem no seio do agregado, com a presença do progenitor, pelo facto de a progenitora não constituir uma figura protectora capaz de impedir que sejam vítimas de novos abusos sexuais por parte do progenitor.
Conclui, assim, que se impõe a aplicação, provisória, a ambas as menores, da medida de acolhimento institucional.
Declarada aberta a instrução, foi, em 20/7/10, determinado o imediato acolhimento institucional das menores em Centro de Acolhimento de Emergência (CAE), a título provisório, por 6 meses, até que se defina o projecto de vida das menores.
Prorrogada aquela medida, foi declarada encerrada a instrução e determinado o prosseguimento dos autos para realização do debate judicial.
Realizado este, foi, após consideração dos factos provados e não provados, proferida decisão, aplicando a favor das menores as seguintes medidas de promoção e protecção:
I. À menor D… e ao abrigo do disposto no art 4° da LPCJP e nos arts 10º, 13°, e 14° n° 4 al. e) todos da Lei n° 103/2009 de 11-09 a medida de apadrinhamento civil, devendo a menor permanecer institucionalizada até que um casal ou pessoa singular possa ser seleccionado em tempo útil, mantendo-se as visitas da mãe e de outros familiares que a menor deseje contactar, mantendo-se o acompanhamento psicoterapêutico.
II. À menor S… e ao abrigo do disposto nos art°s 4°, 35° n° l al. a) e 39º todos da LPCJP, a medida de apoio junto da mãe pelo período de um ano com a obrigação da mãe não deixar a filha sozinha com o pai.
Inconformado, o M.ºP.º interpôs recurso de apelação daquela decisão.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. Na decisão recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
1) D…e S…nasceram, respectivamente, a 10-12-2001 e 27-05-2007, e ambas são filhas de S2…e de M…, - assentos de nascimento de fls. 47 a 51
2) A D… nasceu na Guiné-Bissau, embora tenha adquirido a nacionalidade portuguesa em Maio de 2008. - assento de nascimento de fls. 47 e 48
3) A S…, embora tendo nascido já em Portugal, apenas adquiriu a nacionalidade portuguesa em Julho de 2008. – assento de nascimento de fls.50 e 51
4) Ambos os progenitores têm nacionalidade Guineense, e quando a D… nasceu o pai tinha 42 anos. - assento de nascimento de fls. 47 e 48
5) A mãe da D… e da S… nasceu a 24-12-1977 e está casada com o pai das filhas há cerca de 17 anos. - fotocópia do cartão único da progenitora junta a fls. 132 do apenso da CPCJ e relatório da ECJ de fls. 131e ss
6) A D…, sua mãe, e seu irmão, T…, da parte do pai, vieram para Portugal em 2006 tinha a D… 5 anos, sendo que o pai já cá vivia em Portugal.
7) O pai da D… e da S…, que é pedreiro, tem outra mulher na Guiné-Bissau de quem tem 6 filhos, já crescidos, e netos, nunca tendo havido suspeitas idênticas sobre as outras filhas. - relatório da ECJ de fls. 131 e ss
8) A mãe das crianças tem o 3° ano de escolaridade, tem dificuldades em compreender e comunicar em português e vive com a marido, S2…, numa habitação camarária sita na Rua…, n° ……, Bairro ..., ..., em ..., dispondo tal habitação de dois quartos, um sala, uma cozinha e uma casa de banho.
9) Antes das menores serem institucionalizadas as mesmas viviam no referido imóvel juntamente com os pais, e ainda com um irmão da parte do pai, de nome T…, e um primo de nome E....
10) O T… tem actualmente 18 anos e continua a habitar com o pai e mãe das menores sendo que o E…, que tem cerca de 23 anos, já se autonomizou.
11) Quando as menores viviam com os pais a S… dormia no quarto dos progenitores num berço, e a D… dormia no mesmo quarto que o T… e o E…, no qual havia um beliche, onde dormia a D… e o irmão, e uma cama onde dormia, o E...
12) a D… e o seu agregado familiar beneficiavam do banco alimentar junto do ATL da ....
13) A mãe das menores esteve em França para fazer um tratamento à sua saúde, mais concretamente para o tratamento de cefaleias, durante cerca de 3 meses, entre finais de 2009 e inícios de 2010, tendo levado a filha S… consigo, relatório da ECJ de fls. 131 ess
14) Durante esse período de tempo a D… dormiu sempre com o pai, na cama deste, por sugestão da mãe porque a D… havia dito a esta que tinha medo.
15) Um ou dois dias antes do dia 22-03-2010 a D… contou a uma amiga do ATL da ..., V…, que o pai havia abusado sexualmente dela.
16) A V… contou, por sua vez, à sua mãe que, preocupada com o sucedido, apareceu no ATL no dia 22-03-2010, para contar o que a filha lhe havia comunicado.
17) No dia 23-03-2010, no ATL da ..., a educadora E2… perguntou à D… se tinha relatado à amiga ter sido abusada pelo pai, tendo a criança acabado por contar à referida educadora que de facto o pai havia abusado dela sexualmente.
18) A menor contou igualmente o sucedido à directora do ATL da ..., M2… que convocou a mãe da menor no dia seguinte.
19) Confrontada a mãe da D…, no dia 24-03-2010, com o abuso que a criança acabara de relatar aquela aparentou um estado de choque e de negação, não aceitando que tal pudesse ter acontecido.
20) No dia 24-03-2010, pelas 12:00, a D… e sua mãe, acompanhada da educadora E2…, foram às urgências pediátricas do Hospital de Cascais a fim da D… ser observada.
21) Lá no hospital a menor e mãe foram acompanhadas por uma assistente social, S3…, e por uma psicóloga S4…,
22) Entretanto a PJ enviou pelo menos dois inspectores para o Hospital de Cascais, um para falar com a educadora, e uma inspectora que tomou declarações à menor pelas 18:30, estando essas declarações documentadas no auto de inquirição a fls. 8 e ss do apenso, dando-se as mesmas aqui por integralmente reproduzidas.
23) A D… contou à agente da PJ, inspectora T2…, que, entre outras coisas que a menor declarou, anotou o seguinte:
"Ele mete um bocadinho do coiso no meu pipi. O pai mete um bocado da picha no meu pipi. "Assim umas noites por outras, o pai "fazia estas coisas. " Mais informa que, quando o pai fazia isto beijava na boca. Muitas vezes a depoente dizia ao pai "pára que eu não quero", mas este dizia-lhe "espera, está quase a sair é só mais um bocadinho", então a depoente via o pai deitar um liquido branco da picha. A pergunta feita, esclareceu que a primeira vez que tal aconteceu foi no verão do ano de 2009, em data que não se recorda. Informa que se recorda que foi no verão porque estava de férias da escola e tinha 7 anos de idade— Não consegue precisar quantas vezes estes actos ocorreram, sendo certo que/oram diversas vezes."
24) No mesmo local e dia, mas pelas 19:10, a educadora do ATL da ... E2…, que acompanhou a menor D… ao hospital, declarou perante o inspector da PJ que anotou, entre outras, o seguinte:
"Ontem, 23-03-2010 a depoente/alou a sm com a D... (a qual) acabou por verbalizar que o pai vinha abusando sexualmente dela há alguns meses.
A menor não soube precisar há quanto tempo isto vinha acontecendo. Também não conseguiu dizer quantas vezes foi abusada, afirmando, contudo, que foram muitas vezes. " -fls. 12 e ss do apenso da CPCJ.
25) Nesse mesmo dia, pelas 22:00, a menor foi sujeita a perícia médico legal, no Hospital X…, para onde foi encaminhada pelo Hospital de Cascais, perícia essa efectuada pela perita M3…, a qual elaborou o relatório pericial de fls. 238 e ss do apenso da CPCJ cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
26) Desse relatório se destaca o seguinte: "2a - À data do exame (a D…) era portadora de um himen, com uma solução de continuidade de etiologia congénita - "entalhe " definindo um ostíolo permeável apenas à falange distal do 5º dedo da perita. 3a — Não apresenta sinais de lesões infecciosas nem traumáticas recentes, quer a nível genital quer extra-genital. 4a - tal não permite excluir que a examinanda haja sido objecto de algum contacto de cariz sexual que, pelas suas características, não deixe, necessariamente marcas. 5ª - a apurar-se razoável certeza da situação referida, tal configurará uma situação de risco para a Examinanda."
27) À perita médico-legal a D… contou que: "vim por causa do meu pai...quando estavam todos a dormir o meu pai mexia-me no pipi com as mãos...a minha mãe quando foi para França disse-me que eu podia dormir com o meu pai... ela não sabia.. .já tinha acontecido...mas eu não disse nada à minha mãe...o meu pai estava com  a camisola eu contei às minhas amigas que o meu pai punha o coisa no meu pipi mas não punha tudo... fazia-me doer e ficava suja...o meu pai dizia para não dizer nada...a minha mãe voltou de França em Fevereiro de 2010 e desde que a minha mãe voltou ele não faz e prometeu-me não fazer mais...porque eu não tenho idade e eu também lhe disse que não tinha idade...ele começou a fazer quando eu tinha 7 anos...a última vez foi no dia que a minha mãe veio de França..."
28) Por motivos preventivos a D… ficou internada no hospital durante dois dias, tendo sempre sido acompanhada pela sua mãe que apenas se ausentava de tarde para cuidar da S...
29) Entretanto o pai da D… é interrogado judicialmente no dia 25 -03-2010 tendo-lhe sido aplicada a prisão preventiva. - auto de 1º interrogatório de arguido detido de fls. 27 do apenso da CPCJ.
30) A mãe das menores entretanto começa a revelar sinais de uma depressão, com apatia e continua sem aceitar que o marido pudesse ter abusado da filha.
31) A mãe chega a imputar o alegado abuso a dois primos da filha. C… e A…, com 8 e 9 anos, respectivamente, e ainda a um jardineiro que trabalhava na escola frequentada pela filha.
32) Em 28-02-2012 o pai da D… é notificado de que foi deduzida acusação contra E2…, ex-jardineiro na Escola da ..., por alegadamente, no dia 18 de Junho de 2008, enquanto varria, introduziu uma das mãos por baixo da minissaia que a menor trazia vestida até tocar-lhe na vagina, sobre as cuecas apalpando-a- - cópia da notificação efectuada ao pai da D… junto na última sessão do debate judicial.
33) A D… contou à técnica psicóloga que lhe efectuou a perícia à personalidade no âmbito do processo-crime, C2…, que também havia sido abusada sexualmente pelo C… e A…, relatório de fls. 464 e ss
34) E disse à referida técnica, apenas na 3a sessão, que "a verdade é que foi o pai que me fez aquilo, uma vez antes da mãe ir para França e outra vez quando a mãe estava em França. " - relatório de fls. 464 e ss
35) A D… é ouvida em declarações para memória futura, no âmbito do inquérito-crime, no dia 28-04-2010, onde oferece uma versão diferente dos factos até então referidos por si, o que levou a que o pai fosse restituído à liberdade em Junho de 2010. - auto de fls. 448
36) Em 19-07-2010 é distribuído judicialmente o presente processo através do qual foi liminarmente aplicado a favor das menores D… e S… a medida de acolhimento institucional a titulo provisório, tendo as menores sido acolhidas no Centro de Acolhimento em 26-07-2010.
37) Em 12-08-2010 as visitas do pai das menores são proibidas mas são autorizadas as visitas da mãe.
38) A mãe visita semanalmente e de forma regular as filhas no Centro de Acolhimento, levando para essas visitas doces e mostrando-se preocupada com a forma como as filhas se apresentavam penteadas, uma vez que as filhas não tinham as típicas tranças.
39) A mãe pegava na S… ao colo, mimava-a e mostrava afecto sendo estas visitas momentos de prazer para a S...
40) Nessas visitas a mãe das crianças falava muitas vezes na sua língua nativa.
41) A partir de certa altura a D… começa a queixar-se à técnica do Centro de Acolhimento, P…, que a mãe a ameaça nas visitas, que a amedronta e que diz que é culpada por aquilo que se estava a passar com a família.
42) Com base nos relatos trazido a juízo pela técnica P…, no tocante à forma como as visitas entre mãe e D… corriam, o Tribunal suspendeu, cautelarmente, essas visitas, também em relação à S…, em Abril de 2011.  acta de fls. 206 e ss
43) Em 24-05-2011 a D…, acompanhada da assistente social do Centro de Acolhimento, declara perante a Sr° Procuradora do inquérito crime que quando foi chamada para prestar declarações para memória futura não falou a verdade porque a sua mãe a obrigou a mentir. - auto de declarações de fls. 461
44) A 17-06-2011 a menor é ouvida novamente no âmbito do processo crime em declarações para memória futura, estando acompanhada das duas técnicas do Centro de Acolhimento. - auto de fls. 462
45) Quando as visitas da mãe às filhas foram suspensas, num primeiro momento a D… terá mostrado alivio, mas depois começou a perguntar pela mãe.
46) Em relação à S…, que sofreu logo com o referido corte das visitas, revelando-se essa situação penosa para si, notou-se, no jardim-de-infância, frequentada pela S…, que esta passou a estar triste, chorando sem motivo aparente.
47) A S… até hoje ainda pergunta pela mãe diariamente.
48) Após a proibição das vistas da mãe às filhas no Centro de Acolhimento esta telefonava todas as semanas a perguntar pelas filhas, e nomeadamente sobre o seu estado de saúde e como em geral se encontravam.
49) Por pedido expresso da menor D…, em sede da sua audição ocorrida durante o debate judicial, as visitas da mãe foram restabelecidas, tendo a D… expressamente pedido para que as visitas, que antes eram uma vez por semana, passassem a ser três vezes por semana.
50) Antes do sucedido no dia 24-03-2010, os pais da D… eram figuras presentes no ATL da ... e a menor sempre foi assídua no referido ATL.
51) No entanto, refere a professora da D… a fls. 201 e 202 do apenso da CPCJ (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) que: "a aluna é pouco assídua e não é pontual chegando atrasada diversas vezes com atrasos entre os 30 a 40 minutos. Relativamente a esta situação a mãe foi informada via caderneta do aluno e pessoalmente pela professora ao que alega que é um dos irmãos que a traz embora a aluna diga que vem sozinha. (...) A mãe só há pouco tempo se deslocou à escola não tendo nunca comparecido às reuniões promovidas pela entidade escolar. No que diz respeito ao comportamento e estabilidade emocional da menina não notei algum tipo de mudança. È uma criança alegre, bem-disposta, conversadora nas aulas e motivada para a vida. Tem amigas em toda a escola mas convive mais com um grupinho restrito do 3° ano de escolaridade pois eram as suas companheiras no ano transacto.
Embora esteja a repetir o 2" ano, a D… é uma aluna regular com algumas dificuldades sobretudo na área da Língua Portuguesa, que tem vindo a superar sem grandes complicações."
52) Quando a mãe da D… regressa de França na companhia da S…, esta regressa à creche que até então frequentava, antes da ida a França, tendo a respectiva educadora referido o seguinte:
"A S… regressou à escola em Fevereiro e desde então tem sido uma criança muito assídua e pontual. A S… está bem integrada na turma. O grupo nunca se esqueceu dela, mencionando a sua falta na chamada e noutras ocasiões diversas. A S… brinca com todas as crianças e mostra estar satisfeita.
E uma criança cuidada. Tem hábitos de higiene adquiridos, como ir à casa de banho, limpando-se e levando as mãos por auto-recriação. Às refeições também demonstra cuidado. Em termos de vestuário, a S… apresenta-se sempre cuidada, também.
Estabelecemos até à data, apenas contacto com a mãe e um irmão mais velho. A mãe mostra-se atenta e cuidadosa. Pôs questões e segue os recados, etc. Há, no entanto, alguma dificuldade de comunicação, no sentido em que nem sempre se percebe o seu português.
A S… mostra estar ao nível da turma, em termos cognitivos, no entanto, gostaria de ter mais noção do seu ambiente familiar, afim de a contextualizar melhor durante as diferentes actividades, bem como aproveitar as suas experiências pessoais na partilha e desenvolvimento das matérias, "-fls. 149 do apenso da CPCJ
53) Foi deduzida acusação contra o pai da D…, no âmbito do processo comum n° 547/10.0GASCS, pelos factos referentes nos art°s 11° a 20° das alegações apresentadas pelo M°P° no âmbito deste processo, não se encontrando ainda esse julgamento findo.
Na mesma decisão consideraram-se não provados os seguintes factos:
- o pai da D… tivesse efectivamente abusado de si, e nomeadamente que tivesse colocado parte do seu pénis na sua vagina e depois ejaculado por cima da criança, sendo que se considerou como não provados os factos constantes dos n°s 11° a 20° das alegações do M°P° apresentadas ao abrigo do art° 114° da LPCJ e correspondentes aos factos constantes da acusação no respectivo processo-crime;
- a mãe da D… tivesse feito ameaças à filha de modo a levá-la a alterar o seu depoimento ou a colocar em causa de forma irreversível a relação que tinha até então com a filha;
- a menor tivesse estado na noite anterior à tomada de declarações para memória futura no consultório da advogada do pai Drª H…, ou que esta tivesse manipulado ou de algum modo interferido naquilo que a menor iria dizer no dia seguinte.
2.2. O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
l - Vem o presente recurso interposto da decisão proferida em 29/5/2012, que indeferiu o pedido de aplicação às menores D… e S…, da medida de confiança Judicial com vista á Adopção prevista na alª g) do art° 35 da LPP.
2 - O tribunal entendeu que a menor D… deve ser sujeita ao apadrinhamento civil, mantendo-se na instituição até que seja encontrada pessoa singular ou família com quem a D… possa querer viver.
3 - Quanto à menor S… o tribunal entendeu que não estão reunidos os requisitos previstos na alª d)- do n° l do art° 1978 do Cód Civil, a única eventualmente susceptível de vir a ser aplicável e, se se pode compreender alguma preocupação relativamente ao pai, não se vislumbra qualquer perigo para a S… junto da mãe, razão pela qual o tribunal aplicou à menor, a medida de apoio junto da mãe, pelo período de l ano, com a obrigação da mãe não deixar a menor sozinha com o pai.
4 - O registo das diligências desencadeadas durante a chamada fase de instrução do processo, permite delas extrair diversos factos que foram assumidos, sem hesitação, pela Mmª Juiz, ao longo dessa fase, tais como:
a)- o facto de a menor D… sempre ter mantido a mesma versão dos factos até determinada altura em que foi exposta à defensora do pai;
b)- a pressão da progenitora sobre a filha para que esta alterasse o seu depoimento (tomando aliás posição no sentido de dar a conhecer ao processo-crime as preocupações expressas pelas técnicas do CAT sobre esta matéria);
c)- a presença da menor no escritório da advogada do progenitor, precisamente no dia anterior ao que prestou as primeiras declarações para Memória Futura;
d)- a natureza nociva das visitas efectuadas pela progenitora às filhas, e em especial à D… ( ao ponto de ter suspendido tais visitas );
e)- a dependência económica da progenitora relativamente ao pai das menores;
f)- a defesa sistemática da progenitora relativamente ao pai da sua filha, em prejuízo da defesa da filha.
5 - Tais factos, que foram sendo assumidos pela Mmª Juiz, tiveram por base os diversos relatórios sociais que foram sendo juntos, assim como a audição das técnicas que foram sendo apresentadas.
6 - No debate judicia! estavam em causa os mesmos relatórios e foram ouvidas as mesmas técnicas, para além das Srªs Peritas.
7 - No processo de promoção e protecção existe uma íntima conexão entre a instrução e a fase de debate - a qual vai ao ponto do tribunal ter a possibilidade de aceitar mesmo a prática de actos de instrução efectuados por uma outra entidade (por exº um CPCP), dispensando essa mesma fase de instrução, já no decurso do processo judicial - cfr art° 106 n°2 da LPP.
8 - Ora, se não resultaram do debate judicial elementos novos que tenham posto em causa o teor dos referidos relatórios ou o depoimento de tais técnicas, o tribunal contradiz-se quando, após e debate judicial, vem negar esses mesmos factos.
9 - Estamos, por isso, perante a aceitação de determinados factos, devidamente fundamentados nos diversos relatórios juntos aos autos e nos depoimentos das técnicas que os vieram esclarecer, e, posteriormente, na sua negação, sem que o tribunal o explique.
10 - Como é que, após o debate, essencialmente com os mesmos intervenientes, a versão da menor D… deixou de ser a mesma; ou a progenitora afinal já não pressionou a menor; ou a menor já não esteve no escritório da advogada, ou as visitas da progenitora já deixaram de ser nocivas ás menores ?
11 - O mesmo se verifica, aliás, quanto à questão, que temos como fulcral nestes autos, a saber:
- a menor D… foi, ou não, vitima de abusos sexuais por parte do seu pai ?
12 - É que o tribunal, no início da sua decisão, começa por não reconhecer qualquer consistência no depoimento da menor para, mais adiante, na parte da fundamentação, vir admitir como possível a consistência desse mesmo depoimento e, tendo mesmo por base tal possibilidade, vir aplicar à menor uma medida de protecção, na qual vai ao ponto de excluir o progenitor da vida da menor.
13 - Entendemos que o tribunal não respondeu a estas questões, como lhe competia, tendo tomado a opção clara de se colocar numa verdadeira dependência relativamente ao resultado do processo-crime, em oposição à decisão proferida por esse Venerando Tribunal na sequência de recurso interposto em defesa da legalidade - 7a Secção - em 26/3/012, proferida pelo Exm° Sr Desembargador, Dr L….
14 - O presente recurso tem, assim, por objecto a impugnação da decisão, quer no que se refere à forma como foi apreciada a prova produzida, ( matéria de facto ) quer relativamente à forma como foi aplicado o Direito.
15 - E, tendo a prova testemunhal sido gravada e tendo a restante prova natureza documental, estão reunidos todos os elementos que permitem ao Tribunal da Relação unia reapreciação da matéria de facto e, por via disso, a modificação da decisão da 1a instância sobre a matéria de facto - art° 685-B e 712 n° 1 alª a)-, do Cód P.Civil.
16 - Estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária - art° 100 da LPP - e, como decorre de forma muito clara da letra do art° 1409 do CPC, em processos de jurisdição voluntária o objecto do processo não se restringe apenas aos factos alegados e aos meios de prova apresentados pelas ''partes", uma vez que sobre o Tribunal impende o poder-dever de "investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes ..." - art° 1409 do Cód P.Civil ( o sublinhado é nosso ).
17 - Ora, da análise da decisão resulta que o tribunal se desvinculou do dever de investigar livremente os factos, de ordenar as diligências e recolher as informações convenientes.
Senão vejamos:
a)- se o tribunal detectou uma discrepância a nível de documentação clínica ( cfr fls 13 da decisão ) entendemos que cabe ao tribunal efectuar as diligências que tenha por necessárias para esclarecer tal discrepância;
b)- se o tribunal ainda tem dúvidas acerca da consistência do depoimento de D, entendemos que deveria ter procedido à audição dos depoimentos prestados pela menor, em Memória Futura, ( devidamente gravados ) audição essa que aliás o M°P° expressamente requereu - cfr fls 401;
c)- E, se mesmo assim, tais dúvidas persistissem, então, porque não ouvir a própria menor sobre esses factos, no âmbito da audição que o tribunal, aliás, tomou a iniciativa de determinar, embora esclarecendo que não via necessidade de interpelar a menor ( e não interpelou ) acerca dos alegados abusos ? ( cfr sessão do debate judicial de 15/5/012};
d)- porque o tribunal não pediu a junção aos autos da avaliação efectuada pelos psicólogos aos desenhos feitos pela menor ?
e)- se o tribunal não sabe o que a menor contou à sua amiga Verónica - cfr fls 24 da decisão - porque não determinou a audição desta e, eventualmente, até da sua mãe ?
16 - Entendemos que, não só a gravidade dos factos em apreço, mas também o próprio dever que impende sobre o tribunal, decorrente da natureza da jurisdição em que nos movemos, impunham ( impõem ) que o tribunal tomasse (tome ) iniciativas para ver esclarecidas todas estas questões, sob pena de, não o fazendo estar a violar as regras que constituem a essência da jurisdição voluntária - art° 1409 e segs do Cód P Civil;
17 - Todavia, a natureza urgente dos autos e a necessidade de definir com celeridade a situação das menores, impõe que, antes mesmo de se pugnar pelo suprimento das deficiências apontadas, se avalie, desde já, a prova efectivamente produzida, de forma a definir se os elementos já recolhidos constituem, ou não, obstáculos a que o tribunal possa definir e fundamentar uma posição relativamente aos factos em apreço e ás medidas a aplicar, conforme foram requeridas pelo M°P° - medidas de confiança das menores a instituição com vista a adopção ?
18 - A decisão terá que resultar de uma avaliação de todos os meios de prova e de todos os factos que, consequentemente, aqueles suportam. Mas não foi esse o procedimento do tribunal.
Senão vejamos.
19 -- Com efeito, quanto aos depoimentos da menor D… os autos mostram que as declarações da menor foram registadas, pela Srª Inspectora da PJ, pela Srª Perita do IML, pela Srª Psicóloga clínica, pela Mmª JIC, em 28/4/010 ( fls 448 ) e em 17/6/011 ( fls 462 ) e pela Srª Procuradora-Adjunta titular do Inquérito.
20 - Ora, se efectuarmos o confronto desses vários registos verificamos que as declarações prestadas pela menor perante a Srª Inspectora da PJ, em 24/3/010, coincidem, com as declarações prestadas perante a Srª Procuradora-Adjunta titular do Inquérito, em 24/5/011, que remete para aquelas, assim como também coincidem com as declarações prestadas pela menor perante a Srª Perita do IML e se à Srª Psicóloga clínica a menor referiu que o pai a molestou em 2 ocasiões distintas, as quais efectivamente concretizou ( l vez antes da mãe ir para França e outra vez depois da mãe ir para França ), o certo é que esta definição acerca do momento da actuação do pai não deixa mesmo de ser coincidente com o depoimento prestado à Srª Inspectora da PJ.
21 - Acresce que mesmo alguma diferença que se constate nos depoimentos da menor, (relativamente ao momento em que os abusos ocorreram), em nada abala a consistência do depoimento da menor relativamente aos actos, em si mesmos, praticados pelo pai. E, consequentemente, em nada impede o tribunal, de fixar, pelo menos, esses 2 momentos, como aqueles em que o pai abusou da menor, sempre coincidentes com ausência da mãe, elemento que é comum a todas as declarações registadas.
22 - Está assim encontrada a coincidência entre todos os depoimentos registados ( desconhecendo-se o teor do depoimento prestado pela menor perante a Mmª JIC, como já referimos ).
23 - E esta coincidência verifica-se também relativamente aos depoimentos das restantes técnicas a quem a menor relatou os factos, a saber, …e….
24 - E verifica-se também relativamente à observação clínica, conjugada com os esclarecimentos prestados pela Srª Perita do IML, M3…, em sede de debate judicial não afastando, de modo algum, a prática de abusos sexuais, como bem salienta aliás o tribunal no parágrafo 6° de fls 14 da decisão.
25 - O tribunal não pode esquecer que estamos perante uma menor que relata os factos na ocasião em que tinha 8 anos de idade ( 9 anos quando depõe pela 2a vez perante a Mmª JIC e perante a Srª Procuradora titular do Inquérito, e que "escalpelizar" o depoimento de uma menor com esta idade, como o tribunal o pretende, dele exigindo coincidências "matemáticas" quanto ao número de ocasiões em que os abusos ocorreram; as datas e o lugar onde ocorreram ( se, no quarto da menor ou no do pai ) é anulá-lo, por completo, não o relevando no que deve ser relevado.
26 - Mas, se ainda assim, fosse admissível duvidar deste depoimento da menor, sempre se dirá, que tais dúvidas se dissipam ao conjugar o depoimento da menor com os restantes elementos de prova, designadamente:
- a perícia à personalidade da menor;
- o depoimento das técnicas do CAT;
- as declarações dos progenitores.
27 - Não compreendemos, porque motivos o tribunal não valorou, como deveria ter valorado, a perícia à personalidade.
28 - É que o tribunal, para desvalorizar a perícia parte de um pressuposto que não se verifica e que, aliás, os próprios autos mostram que não corresponde à realidade dos factos. Com efeito, quando o tribunal refere, no parágrafo 3° de fls 35 da decisão, que a técnica desconhecia o que a menor relatou a outras pessoas e a forma como o fez, não atentou que a Srª Procuradora, titular do Inquérito, ao solicitar a perícia, teve o cuidado de enviar à Srª perita, entre outros, cópias de todas as declarações prestadas menor , como resulta de forma muito clara de fls 459, e que foi com base nesses elementos, entre outros, que a perícia teve lugar ( cfr fls 466).
29 - Aliás, se dúvidas ainda subsistissem acerca da perícia, ( cfr fls 459 e fls 464 e segs, em especial fls 472 e 473 ), elas também foram dissipadas pela forma muito clara como a Srª perita. Custódia Ribeiro, depôs.
30 - A perícia efectuada, conjugada com os esclarecimentos que a Srª perita sobre ela prestou ao tribunal, reforçam a consistência do depoimento da menor, estando, por isso, perante um depoimento credível da menor.
31 - Da credibilidade que entendemos que deve merecer o depoimento da menor D…, decorrem necessariamente a prova de outros factos referentes á menor D....
32 - E, da credibilidade que deve merecer o depoimento da menor D… conjugado com os depoimentos de M2…; R…, e I… decorre um outro facto, agora relativamente à menor S...
32 - Relativamente ao depoimento das técnicas do CAT, não acompanhamos, de modo algum, as considerações do tribunal acerca das "falsidades" que faz recair sobre o depoimento da Srª Directora do CAT, Drª E4… - cfr sessão do dia 10/1/012 de 00.00.01 a 00.50.29).
33 - Como já acima o referimos, mas não queremos deixar de sublinhar novamente, a Drª E4…foi muitíssimo clara quando esclareceu o tribunal que, como Directora do CAT sabe de tudo o que se passa mas muitas das vezes não presencia os acontecimentos porque esses são presenciados pelas técnicas gestoras do processo ( no caso a Drª P…). São, aliás, inúmeras as referências que a Drª E4… faz ao conhecimento da Drª P…, remetendo mesmo para o depoimento desta, como técnica gestora do processo.
34 - Consideramos, por isso, que o depoimento desta técnica, tal como o da Drª P…, são depoimentos objectivos e isentos, que confirmam o teor dos relatórios que fizeram juntar aos autos e que esclarecem esse mesmo teor.
35 - Estamos, por isso, perante depoimentos credíveis dos quais o tribunal deveria ter retirado ( e devem ser retirados )   factos referentes à conduta da menor D… na instituição.
36 - No que se refere ás declarações dos progenitores constatamos que o tribunal em nenhum momento as refere, apesar dos progenitores terem sido ouvidos na parte final da sessão que teve lugar no dia 15/5/012.
37 - Ora, entendemos que, quer as declarações registadas da menor, quer o resultado da perícia, quer o depoimento das técnicas do CAT e das restantes técnicas, devem também ser conjugadas com as declarações prestadas pelos progenitores, em especial pelo pai.
38 - Temos como assente é que o pai, apesar de negar os factos, não consegue explicar por que motivo quando do seu 1° interrogatório, não forneceu qualquer explicação à Mmª JIC, acerca do que pretende agora fazer crer que poderão ser "prováveis causas" das imputações dos factos que a menor D… lhe atribui.
39 - Por sua vez, da audição da progenitora resulta muito claro que esta continua a acreditar no seu marido, e não na menor D…, que se mantém a viver com o seu marido e dele depende economicamente e que não tem projecto de vida definido, caso possa manter os contactos com as menores.
40 - Quanto à presença da menor no escritório da advogada do pai, no dia 27/4/010, precisamente o dia anterior ao que prestou as primeiras declarações para Memória Futura, entendemos que este facto resulta, de forma muito clara, do depoimento da técnica da CPCJ R...
41 - Assim, não obstante as diversas lacunas enunciadas pelo tribunal para proferir esta decisão, entendemos que o tribunal deve dar como provados os seguintes factos:
a)- que a menor foi abusada, sexualmente, pelo pai, no período que medeia entre Novembro de 2009 e Fevereiro de 2010, pelo menos em 2 ocasiões distintas, na ausência da mãe — este facto resulta da credibilidade que se atribui ao depoimento da própria menor; da perícia à personalidade realizada por C2… e dos esclarecimentos que em sede de debate judicial sobre ele prestou, assim como da inconsistência das declarações prestadas pelo pai da menor no debate;
b)- a mãe pressionou a menor de tal modo que a levou a alterar o seu depoimento, quando a menor prestou declarações para Memória futura, no dia 28/4/010 - a prova deste facto decorre também da perícia a que já nos referimos - ver alª d(- das Respostas aos Quesitos, bem como dos esclarecimentos resultantes do depoimento da Srª Perita a que também já nos referimos — cfr sessão do dia 8/5/012 em especial 17.50 a 19.48;
c)- S…, a estar próxima do pai, corre o perigo de poder vir a ser abusada sexualmente por este - este facto resulta da credibilidade que entendemos que deve merecer o depoimento da menor D…, conjugado com os depoimentos de – M2… - ver sessão do dia 18/1/012 em 38.26 a 39.55; R…, na mesma sessão, em 39.30 a 41.25; I… ver sessão do dia 8/5/012 em 18.45 a 25.00;
d)- após ter sido acolhida no CAT, no período de cerca de 3 a 4 semanas que se lhe seguiu, a menor D… praticou actos de masturbação, não se coibindo de o fazer mesmo na presença de terceiros - este facto resulta da credibilidade que entendemos que deve merecer o depoimento da Drª E4… - vide sessão de 10/1/012, em 02.00 a 00.09.00;
e)- por outro lado, com os pares, na instituição, a menor D… manteve algumas conversas de cariz sexual e propôs a realização de jogos cujo tema era sexo - este facto resulta do depoimento da Drª P… - vide sessão de 10/1/012, em 15.10a 19.33;
f)- a progenitora continua a acreditar no seu marido, com quem se mantém a viver, estando na dependência económica deste – resulta da audição da progenitora - ver sessão do dia 15/5/012, em 05.00, a 12.03; 28.00 a 34.40; 34.45 a 37.30;
g)- a progenitora não tem projecto de vida definido, caso possa manter os contactos com as menores, conforme resulta da audição da progenitora - ver sessão do dia 15/5/012, em 05.00, a 12.03; 28.00 a 34.40; 34.45 a 37.30;
h)- no dia 27/4/010, véspera de prestar declarações para Memória Futura a mãe da menor levou-a, ao fim do dia, ao escritório da advogada do pai da menor, Drª H… - este facto resulta do depoimento de R… - ver sessão do dia 18/1/012 em 29.00a32.25.
42 - Assim, ressalvado o muito respeito que temos pelo Tribunal recorrido, afigura-se-nos, no caso em apreço, ter ocorrido erro na apreciação da prova, não tendo o Tribunal observado o disposto nos art° 513 e 515, do Cód P.Civil.
43 - Assim, uma vez alterada a matéria de facto, no sentido já referido, a questão que se coloca é a de saber se o factos assim apurados integram a alª d)- do n° l do art° 1978 do Cód Civil.
44 - Pensamos claramente que sim. Com efeito, dispõe o art° 34 da Lei 147/99 de 1/9 ( doravante LPP ) que uma das finalidades das medidas é a de proporcionar às crianças e jovens "... as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem estar e desenvolvimento integral. "
45 - Por seu lado, estabelecem-se no art° 4° da LPP "Princípios orientadores da intervenção" de entre os quais nos permitimos aqui destacar 2 deles, a saber: o “interesse superior da criança e do jovem” e a “Prevalência da família”.
46 - Deles decorre que na aplicação das medidas de promoção e protecção deve atender-se prioritariamente aos interesses e direitos das crianças (cfr citado art° 4 da LPP, art. 147-A da OTM, Princípio VII da Declaração dos Direitos da Criança de 1959, art° 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança).
47 — Ora, a superioridade dos interesses da criança significa, precisamente que, quando o interesse da criança conflituar com os interesses dos progenitores, dos representantes legais ou mesmo dos guardadores de facto, a decisão deve ser tomada no sentido de consagrar o interesse da criança, mesmo que, em detrimento dos restantes.
48 - Mas o superior interesse do menor deve também ser entendido como "o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade " (In Almiro Rodrigues, Interesse do Menor - Contributo para uma definição, Revista Infância e Juventude, citado em OTM Anotada e Comentada, Tomé de Almeida Ramião ).
49 - É também a Convenção dos Direitos da Criança que sublinha a importância do papel da família, "como elemento natural e fundamental da sociedade e a necessidade da criança crescer em ambiente familiar (...) visa alcançar-se, na protecção e promoção dos seus direitos uma plena maturidade física e intelectual adentro, quando possível, do seu enquadramento familiar. " (In Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Beatriz Marques Borges, Almedina).
50 - E é na mesma Convenção sobre Direitos da Criança que se reconhece que "a criança, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão".
51 - Ainda de acordo com os princípios da CRP têm os pais o direito e o dever de educar os filhos e zelar pela sua segurança, competindo ao Estado o auxílio, em caso de crise, ou mesmo a intervenção na defesa dos jovens perante orientações parentais desvirtuantes. Nisto consiste também a responsabilização parental outro dos princípios norteadores da intervenção (cfr art° 4 f) da LPP).
52 - Ora, o princípio da prevalência da família de que nos falam a CRP, os instrumentos normativos internacionais e a LPP, refere-se quer à família biológica quer à família adoptiva.
53 - Com efeito, quando falha o retorno da criança à família biológica o caminho a seguir para alcançar o pleno desenvolvimento da criança é a adopção.
Neste sentido se pronunciou, a título de exemplo, o Tribunal da Relação de Évora, no acórdão de 6/12/2007, relatado pelo Desembargador P2…(disponível em www.dgsi.pt).
54 - A medida de confiança a pessoa seleccionada para adopção, ou a instituição, com vista a adopção, prevista no art. 35 alínea g) da LPJCP, foi introduzida pela Lei n° 31/2003 de 22/8, e pressupõe, nos termos do art. 38°-A, que se verifique qualquer das situações previstas no art. 1978° do Código Civil.
55 - O art. 1978° do Cód Civil (na redacção da Lei 31/2003), estatui no n° l que "com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição quando existam ou se encontrem seriamente comprometidos_os vínculos_afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações ", entre as quais se destaca a alínea d) -"Se os país, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razoes de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor ".
56 — E, por isso, condição de decretamento da medida, que se demonstre não existirem ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação ( requisito autónomo ), através da verificação objectiva (independente de culpa da actuação dos pais) de qualquer das situações descritas no n°l do art. 1978 do CC.
57 - Por sua vez, o perigo exigido na alínea d) do n°l do art.1978 do CC é aquele que se apresenta descrito no art.3° da LPCJP, conforme expressamente se remete no n°3 do art.1978 do CC.
58 - Todavia, contrariamente ao que se sustenta na decisão, no que se refere à situação da menor S…, não se exige uma lesão efectiva desse perigo, bastando, tão só, um perigo eminente ou provável - vide neste sentido Ac da Relação do Porto de 13/2/07 ( JTRP000400051 ); Ac da Relação de Coimbra, de 3/5/06 no P° 681/06; Ac da Relação do Porto de 16/7/07 no P° 0752873 ; Ac da Relação de Lisboa, de 21/10/08 no P° 6987/2008-1; Ac da Relação de Lisboa de 28/5/09 n° P° 628/06.5TMLSB.LI-8.
59 - Com efeito, e porque de crianças de trata, não podemos analisar a sua situação apenas á luz do momento actual, sob pena de nunca terminarmos as análises do momento actual, - enquanto o tempo vai passando e a criança vai crescendo - esquecendo o que nos parece essencial: o futuro da criança; o seu projecto de vida e o perigo provável a que pode estar sujeita caso permaneça com os progenitores.
60 - Ora, o que nos separa da decisão do tribunal é precisamente esta questão: o futuro destas menores; o facto de entendermos que estas menores, tal como quaisquer outras, têm o DIREITO a que o tribunal lhes trace um futuro que lhe permita um adequado e saudável desenvolvimento.
61 - O tribunal refugia-se na ideia de que relativamente à menor D…, aplicar-lhe uma medida de confiança à instituição com vista à adopção significa atirá-la para uma espécie de "limbo jurídico de onde a menor nunca mais poderá sair ".
62 - Com o devido respeito, nada nos parece mais errado. Com efeito, como já acima o dissemos, um dos princípios norteadores desta jurisdição é o do "Interesse superior da criança e do jovem".
63 - Não compreendemos, por isso, como é que ainda se pode defender que aplicando uma medida de confiança com vista a instituição estamos a colocar a menor perante um projecto irreversível?
64 - Nunca podemos perder de vista que é sempre o interesse do menor que temos de procurar concretizar ao longo do processo e, na concretização desse interesse não nos podemos contentar nunca com "meias soluções".
65 - Se é no seio de uma família que a menor D… tem o DIREITO de se desenvolver, porquê, logo de inicio, vedar-lhe esse DIREITO ? Apenas porque é de raça negra e não tem uma face "apelativa"?
66 - A inviabilidade de um projecto de vida adopção só pode constatar-se ( concluir-se ) quando solicitadas as entidades competentes para o concretizarem, a resposta, decorrido algum tempo ( o período que o tribunal julgue o necessário na perspectiva do interesse do menor ) venha a ser negativa.
67 - Mas, se assim for, o tribunal obviamente que deverá rever o projecto de vida das menores, de forma a adequá-lo à nova realidade da situação. E, em nosso entender, não há lei que o proíba ! Antes pelo contrário.
68 - O n° 2 do art° 5° da Lei do Apadrinhamento - Lei 103/2009 de 11/9 - prevê precisamente a possibilidade de vir a ser aplicado quando, aplicada a medida de confiança com vista a adopção, se mostre que a adopção é inviável.
69 - Mas, se alguma dúvida ainda subsistisse, veja-se que até a própria inibição do exercício do poder paternal ( consequência que resulta da aplicação da medida da alª g)- do art° 35 da LPP ) pode, a qualquer momento, ser levantada, nos termos do disposto no art° 1916 do Cód Civil.
70 - O que está então em causa é saber se existe algum fundamento para que a menor D mantenha alguma relação com a progenitora ?.Pensamos que não.
71 - Com efeito, resulta claro dos autos que em relação à D… a mãe não foi protectora, "função" ( de protecção ) que consideramos a mais relevante de entre as responsabilidades parentais.
72 — E, para além de não se ter revelado protectora, ainda optou por fazer a defesa de seu marido, com manifesto prejuízo para a menor que, para além do sofrimento inerente aos abusos de que foi vítima, ainda teve de sofrer as pressões da mãe, levando-a a interiorizar um sentimento de culpa que nunca lhe deveria ter sido permitido que interiorizasse.
73 - Ora, é nosso entendimento que, perante factos de tamanha gravidade de que a menor foi vítima, a conduta da progenitora, ao assumir a defesa de seu marido e ao culpabilizar a menor pela situação em que tinha colocado o progenitor, veio comprometer, de forma séria, os laços afectivos próprios de uma relação de filiação.
74 - A D… não deve ficar à espera que a mãe adquira "....as competências que ainda lhe faltam" - cfr parágrafo 5° de fls 48 da decisão final.
75 - Entendemos, por isso, que a situação da menor D… se enquadra na previsão do n° l e da alª b)-, do n° 2, do art° 1978 do Cód Civil, devendo, por isso, ser aplicada a medida prevista na alª g)-do art°35 da LPP.
76 - E, só a verificar-se, em concreto, a improbabilidade séria de vir a constituir-se o vínculo da adopção é que, em nosso entender, se pode ponderar de um eventual encaminhamento da menor para uma outra solução, designadamente a do apadrinhamento.
77 - Por último, sempre se dirá que, tratando-se de uma medida tutelar cível, o apadrinhamento haverá de ser aplicado em processo próprio que não este.
78 - Relativamente à situação da menor S…, entendemos que parece não oferecer dúvidas de que um pai que abusa sexualmente de uma filha, pode efectivamente constituir-se abusador de uma outra.
79 - E, parece também não oferecer dúvida, de que a incapacidade protectora da mãe, face à idade da menor S… e ao perigo a que a menor S… fica exposta, tanto abrange a menor D…, como a menor S...
80 - Entendemos que se pode concluir que a menor S…, se se mantiver próxima do pai, corre o perigo de vir a ser abusada por este.
81 - E, entendemos que, também em relação aos afectos, não estamos perante os afectos próprios de uma relação de filiação.
82 - Não basta sentar a menor ao colo e fazer-lhe penteados para se poder concluir estarmos perante uma relação de filiação. É preciso muito mais do que isso. É preciso, sobretudo, que a progenitora tivesse tomado a opção de defesa das filhas, que efectivamente não tomou, ao manter-se a viver com o seu marido, de quem se revelou incapaz de se autonomizar.
83 - Por tudo isto, entendemos que a medida de apoio junto da mãe, que o tribunal se propõe aplicar à menor S…, mesmo com a obrigação da mãe não a deixar sozinha com o pai, é uma medida manifestamente inadequada.
84 - Pensamos que o regresso de S… ao seu agregado familiar está tão comprometido quanto o de sua irmã D… e, por isso, entendemos que também a menor S… tem o DIREITO de crescer no seio de uma família que, acima de tudo, a considere também um SUJEITO DE DIREITOS.
85 - Mas, se a aplicação de uma medida relativamente à menor D… se insere no âmbito da protecção, dado que o direito da menor à segurança foi efectivamente violado, já a aplicação de uma medida relativamente à menor S… se insere no âmbito da promoção, ou seja, o tribunal tem de promover/garantir a segurança e estabilidade de menor impedindo que, de alguma forma, sejam postas em causa, por qualquer conduta do pai e face à incapacidade protectora da mãe.
86 - Pelo que, da mesma forma que o propusemos para a menor D…, também o propomos para a menor S… - a aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adopção, prevista na alª g)-do art° 35 da LPP.
87 - Concluindo que a decisão do tribunal ao recusar a aplicação às menores da medida prevista na alª g)- do art° 35 violou o disposto nos art° 4°, alª a)- e g)-, 34 e 35 n° l alª g)-, todos da LPP, e a alª d)- do n° l do art° 1978 do Cód Civil, pelo que
88 - Tal decisão deve ser revogada e substituída por outra que, integrando os factos provados na alª d)- do n° l do art° 1978 do Cód Civil, aplique às menores D… e S… a medida de confiança com vista à adopção prevista na alª' g)- do art° 35 da LPP.
2.3. A mãe das menores contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
A. Houve discrepância nas declarações feitas pela menor D… e S2…
B. Assim como as testemunhas - as técnicas que acompanharam as menores - não tiveram conhecimento directo dos factos, merecendo todas elas pouca credibilidade, como invoca e bem o julgador a quo.
C. A prova produzida foi bastante e necessária, tendo o Tribunal procedido com a devida cautela.
D. A adopção nem sempre se revela um caminho seguro
E. A instituição onde se encontram as menores e a CPCJ de Cascais desistiram da mãe das menores não promovendo qualquer apoio junto da mesma.
F. Nunca a mãe da D… e da S… foi conivente com o alegado abuso sexual, quer ao nível de o ter promovido, quer ao nível de ter tido conhecimento prévio do mesmo e de nada ter feito.
G. Nunca desistiu das suas filhas.
H. Nunca ameaçou a sua filha D…, como se comprovou peio próprio depoimento da técnica que a acompanhava.
I. Sempre a mãe das menores foi protectora, nunca sendo negligente, cuidando das suas filhas, que sempre foram por si bem tratadas, nunca as tendo posto em situação de perigo.
J. Ambas, a D… e a S… se têm ressentido com o afastamento da mãe, imposto pelo Tribunal, sendo este afastamento extremamente penoso, tanto para a mãe, como para as filhas.
K. Nunca a menor S… foi alvo de qualquer abuso por parte do progenitor, sendo que sempre foi super protegida pela mãe.
L. Também a própria D… não pretende ser adoptada e, consequentemente perder todos os laços afectivos que a prendem à sua família, devendo a sua vontade ser respeitada, no superior interesse da mesma, uma vez que não estão comprometidos os laços afectivos, próprios de uma relação de filiação e de família, devendo os mesmos manterem-se.
M. Assim o impõe a Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela AGNU em 20 de Novembro de 1989 e ractificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990, no seu art°. 12°. ao estabelecer que deve ser garantido à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião, sobre as coisas que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração.
N. É violado o principio do superior interesse das menores se às mesmas lhes for aplicada a medida da adopção, na medida que lhes é retirado o direito a um desenvolvimento são e normal no plano físico, emocional, moral e social, juntas uma da outra e junto da mãe que sempre as protegeu e sempre desconheceu o que a filha D… mencionou, ficando em estado de choque
O. Assim como é violado, o princípio da proporcionalidade, previsto no art°. 4°. al. da Lei 147/99 de 1/9 que estatui que a intervenção deve ser a necessária à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento e só se deve interferir na sua vida e da sua família na medida em que for estritamente necessário.
P. Sendo também violado, caso se haja adopção das menores D… e S…, o princípio da prevalência da família, pois que a adopção deve ser "... um meio adoptado sempre depois de esgotada a possibilidade de integração na família biológica e, muitas vezes, só mesmo depois da integração na família alargada" (vj. Ac. S.T.J. de 21/10/2010 - 327/08.3 TBENT.E1.S1).
Q. Não estão preenchidos nenhum dos pressupostos constantes do art°. 1978°. do C. Civil, que possam conduzir a uma adopção, tanto relativamente à D… e por maioria de razão relativamente à S…, sem que estejam esgotadas outras medidas menos gravosas, previstas no art°. 35°. da LPCJC
R. Por tudo isto entendemos a possibilidade de à D… lhe poder ser aplicada a medida prevista na al. b) do n°.1 do art0. 35°. da Lei 147/99 de 01 de Setembro, ou em caso extremo o apadrinhamento e, à S…, a medida de apoio junto da mãe, tal como se menciona expressamente no douto acórdão do Tribunal a quo.
2.4. São as seguintes as questões que importa apreciar no presente recurso:
- saber se a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode, no caso, ser alterada pela Relação;
- saber se às menores deve ser aplicada a medida de confiança com vista à adopção, prevista na al.g), do nº1, do art.35º, da Lei nº147/99, de 1/9.
2.4.1. Segundo o recorrente, o tribunal deve dar como provados os factos que elencou nas als.a) a h), do ponto 41º das conclusões da sua alegação, já que do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão de facto.
Verifica-se, que, entretanto, foi junta aos autos certidão do acórdão condenatório proferido contra o pai das menores, transitado em julgado em 20/9/12, que condenou o aí arguido na pena de 4 anos de prisão, cuja execução ficou suspensa por 4 anos.
Estamos, assim, perante uma condenação definitiva proferida no processo penal, sendo que o art.674º-A, do C.P.C., estabelece a relevância reflexa do caso julgado penal condenatório em acções de natureza civil, materialmente conexas com os factos já apurados no processo penal, certamente por se ter em conta que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, bem como a certeza «prática» de que o arguido cometeu a infracção que lhe era imputada (cfr. neste sentido, Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, pág.448). Não obstante, como diz este autor, a eficácia «erga omnes» da decisão penal condenatória é temperada com a possibilidade de os titulares de relações civis conexas – terceiros relativamente ao processo penal – ilidirem a presunção de que o arguido cometeu efectivamente os factos integradores da infracção que ditou a sua condenação.
No caso dos autos, a condenação penal do pai das menores não foi, propriamente, uma surpresa, atentos os fortes indícios que no presente processo já existiam no sentido de aquele ter abusado sexualmente da sua filha menor D.... No entanto, na decisão recorrida não se considerou provado esse facto, por se ter entendido subsistirem algumas dúvidas a esse respeito. Dúvidas essas que agora se dissiparam, face à condenação definitiva do pai das menores no processo penal.
Deste modo, haverá que considerar provados os seguintes factos constantes daquela condenação, com a respectiva numeração subsequente:
- 54º: Em data não concretamente apurada, mas anterior a 11 de Novembro de 2009, o arguido, aproveitando a proximidade, a confiança, a autoridade e a superioridade física que tinha para com a menor D…, decidiu passar a obter, quando as condições lho permitissem, satisfação sexual com aquela.
- 55º: Os factos ocorreram no interior da referida residência, quando o arguido se encontrava sozinho com a menor.
- 56º: Assim, em dia não concretamente apurado do ano de 2009, mas anterior a 11 de Novembro desse ano, após a mãe da menor ter saído de casa, o arguido foi ter com a menor ao quarto, deitou-a na cama e despiu as cuecas que a menor trazia vestidas.                   
- 57º: De seguida, o arguido colocou-se despido por cima da menor e, sem preservativo, introduziu parcialmente o pénis erecto na vulva da menor, friccionando-o repetidamente, até ejacular fora da vulva daquela, provocando dores na menor.
 - 58º: Após ter satisfeito os seus instintos libidinosos, o arguido disse à menor para não contar a ninguém, o que esta fez, com medo do pai.
 - 59º: A partir de 11 de Novembro de 2009 e até 04 de Março de 2010, período durante o qual a mãe da menor foi residir temporariamente para França, a menor D… passou a dormir no quarto dos progenitores e na mesma cama, com o pai.
- 60º: Durante esse período temporal, o arguido, em datas não
concretamente apuradas, por diversas vezes, durante a noite, dizia para a menor não fazer barulho.

 - 61º: De seguida, beijava-a na boca, despia-se e tirava as cuecas da menor, após o que introduzia parcialmente o pénis erecto na vulva da mesma, friccionando-o, até ejacular para fora da vulva da menor.
 - 62º: Por vezes, a menor referia ao pai «pára que eu não quero», mas o arguido continuava a tocar na menor, dizendo «espera, está quase a sair, é só mais um bocadinho».
 - 63º: Após, em resultado da ejaculação do arguido, a menor tinha de se limpar com toalhas ou tomar banho.
 - 64º: O arguido sabia a idade da filha D…, mas não se coibiu de agir da maneira descrita, fazendo-se valer do facto de residirem juntos e da autoridade que o mesmo exercia por ser pai da menor.
 - 65º: O arguido agiu com o intuito concretizado de satisfizer os seus desejos sexuais com a menor, bem sabendo que esta, por ter apenas 07 e 08 anos de idade à data dos factos, não possuía discernimento e capacidade necessários para desejar manter com ele os actos sexuais descritos, visando ele atingir, ao assim proceder, a autodeterminação sexual da menor, com consequências no desenvolvimento da sua personalidade.
 - 66º: O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e penalmente punível.
 - 67º: O arguido agiu sabendo-se indiferente perante a natureza de tais actos e o seu grau de parentesco em relação à menor e sua filha D...
 - 68º: Bem como perante o sofrimento físico e psíquico e confusão que lhe causava.
 - 69º: Na escola, antes dos factos ocorrerem, a menor D… era uma criança alegre, espontânea e comunicativa.
 - 70º: No entanto, após os factos descritos, a menor alterou o seu comportamento, apresentando-se reactiva e impulsiva, tendo chegado a confrontar-se fisicamente com a professora.
 - 71º: No ATL da ..., que a menor D… frequentava, esta revelava resistência em ir para casa ao final do dia e demonstrava sinais físicos de mal-estar, como dores de cabeça.
 - 72º: Inicialmente a menor D… apresentou comportamentos sexualizados, nomeadamente gestos de masturbação não dependente de controlo próprio e não sensível à entrada de um adulto durante o acto.
 - 73º: Em resultado dos descritos comportamentos do pai, a menor D… apresentava-se ansiosa, depressiva e angustiada, com manifestações fisiológicas como a sudação, agitação motora, ritmo respiratório elevado, e manifestações cognitivas, designadamente com grande preocupação com o que poderia vir a acontecer no futuro.
 - 74º: O arguido vive o afastamento das filhas, colocadas em instituição, com alguma indiferença, contrariamente à mãe destas, que, por sua vez, vive a situação de acolhimento das filhas com sofrimento, ainda que solidarizada com o arguido quanto à sua condição nestes autos.
 - 75º: O arguido é considerado como pessoa trabalhadora, empreendedora, reservada, não conflituosa e com acompanhamento próximo dos filhos.
 - 76º: A suspensão da execução da pena foi concedida:
1. - com subordinação à obrigação de o arguido continuar o seu afastamento de situações em que possa permanecer sozinho com qualquer das menores D… e S…, suas filhas, como já decidido no âmbito do processo de promoção e protecção das menores;
2. - com subordinação à obrigação de o arguido se submeter a acompanhamento - e, se o aceitar fazer, a adequado tratamento (art.° 52.°, n.° 3, do CPen.) -, com referência aos seus impulsos para o tipo de actos praticados sobre a menor D…, com elaboração e junção aos autos de relatórios trimestrais respectivos; e
3. - condicionada mediante a aplicação de regime de prova:
a suspensão será acompanhada do regime de prova, e bem assim dos deveres de o arguido se submeter ao plano individual de readaptação social a elaborar pela DGRS, com subsequente homologação do Tribunal, e responder às convocatórias do técnico de reinserção social, colocando à sua disposição as informações necessárias, designadamente alterações de residência, com elaboração de relatórios trimestrais, designadamente com detecção de quaisquer anomalias ou situações de abuso no seio familiar do arguido.
- 77º: Ao arguido foi ainda aplicada a medida de inibição do poder paternal da menor D…, pelo período de 8 anos.
Tais factos já contemplam suficientemente os referidos pelo recorrente nas als.a), d), e) e f) do ponto 41º das conclusões da sua alegação. Quanto aos referidos nas als.c) e g), não se trata, rigorosamente, de factos, mas sim de meras conclusões, pelo que não têm que constar do elenco dos factos provados. No que respeita aos mencionados na al.h), os mesmos não têm interesse para a decisão da causa, pois que não são susceptíveis de contribuir para a formação do juízo que há-de determinar a decisão. E, de todo o modo, sempre se dirá que os factos aí relatados não estão de acordo com os considerados provados no acórdão do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados.
Finalmente, quanto aos factos aludidos na al.b) – «a mãe pressionou a menor de tal modo que a levou a alterar o seu depoimento, quando prestou declarações para memória futura no dia 28/4/10» – o que resulta, quer do relatório de avaliação psicológica datado de 31/3/11, subscrito pela Psicóloga Clínica C2…, quer do depoimento desta prestado em Tribunal, elementos estes indicados pelo recorrente, é que a mãe da menor D… fez pressão junto dela, fazendo-lhe ver que, se acusasse o pai de abuso sexual, seria a responsável pelas consequências, isto é, ficaria para sempre numa instituição e ficaria sem pai e sem mãe, o que afectou psíquica e mentalmente aquela menor, causando-lhe um estado de grande ansiedade e angústia. Aliás, foi devido essencialmente a essas pressões que foram suspensas as visitas da mãe à menor (cfr. fls.203 a 208, e, ainda, o ponto 42º da matéria de facto provada).
Assim, considerar-se-ão, também, provados os seguintes factos, que passarão a constar do ponto
- 78º: A mãe da menor D… fez pressão junto dela, fazendo-lhe ver que, se acusasse o pai de abuso sexual, seria a responsável pelas consequências, isto é, ficaria para sempre numa instituição e ficaria sem pai e sem mãe, o que afectou psíquica e mentalmente aquela menor, causando-lhe um estado de grande ansiedade e angústia.
Haverá, deste modo, que concluir que, no caso, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada, nos seguintes termos:
- do ponto 53º deve ser eliminada a última expressão - «não se encontrando ainda esse julgamento findo» - já que, como atrás se referiu, entretanto foi proferido acórdão condenatório transitado em julgado;
- aos factos provados devem acrescentar-se os pontos 54º a 78º, com a redacção atrás aludida.
2.4.2. Na decisão recorrida considerou-se que a menor D… devia ser sujeita ao apadrinhamento civil, mantendo-se na instituição com visitas da sua mãe e restantes familiares de quem queira ter visitas, até que seja encontrada pessoa singular ou família com quem a D… possa querer viver, mantendo os laços biológicos e afectivos com a mãe.
Em relação à menor S…, considerou-se que deve ser aplicada uma medida de apoio junto da mãe pelo período de um ano, sujeito a eventual prorrogação e com a obrigação da mãe não deixar a filha sozinha na companhia do pai, devendo estar sempre presente ou a mãe ou uma pessoa da sua confiança.
Segundo o recorrente, tal decisão deve ser revogada e substituída por outra que, integrando os factos provados na al.d), do nº1, do art.1978º, do C.Civil, aplique às menores a medida de confiança com vista à adopção prevista na al.g), do nº1, do art.35º, da LPP.
Vejamos.
Resulta do disposto no art.38º-A, da LPCJP, que a medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção, é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art.1978º, do C.Civil. Os respectivos pressupostos estão, pois, definidos neste último artigo, na redacção que lhe foi dada pelo Lei nº31/2003, de 22/8, que, aliás, aditou aquele art.38º-A à LPCJP.
É pressuposto genérico da referida medida, nos termos do corpo do nº1, do citado art.1978º, a inexistência ou o sério comprometimento dos «vínculos afectivos próprios da filiação» e só pode ser decidida nas situações descritas nas diversas alíneas do mesmo nº1. Note-se que a mencionada Lei nº31/2003, ao alterar a redacção do art.1978º, veio expressamente clarificar, por um lado, que o tribunal, na verificação das situações previstas no nº1, deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor, como impõe o nº2, e, por outro lado, que no conceito de «manifesto desinteresse pelo filho» está essencialmente em causa a qualidade e a continuidade dos vínculos próprios da filiação, como decorre da al.e), do nº1.
Haverá que ter em consideração que estamos perante matérias em que só aos interesses do menor há que atender. Os processos que delas tratam são considerados de jurisdição voluntária (cfr. o art.100º, da LPCJP). O que significa que não há, propriamente, um conflito de interesses a compor, mas um só interesse a regular, muito embora possa haver um conflito de representações ou opiniões acerca do mesmo interesse. Sendo que, por força do art.1410º, do C.P.C., nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna. O que vale por dizer que o julgador deve olhar para o caso concreto e procurar descobrir a solução que melhor serve o interesse em causa.
Assim sendo, no presente recurso, a questão fulcral que cumpre apreciar consiste em saber se, no caso, se verifica alguma das situações previstas no citado art.1978º. Ou seja, saber se não existem ou se se encontram seriamente comprometidos os vínculos efectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das situações previstas nas als.a) a e), do nº1, daquele artigo.
Segundo Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família, vo.II, tomo I, pág.278, a redacção do preceito levanta uma dúvida: a não existirem ou o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação é um requisito autónomo, de que há que fazer prova, ou a verificação objectiva de uma das situações previstas nas cinco alíneas do art.1978º, nº1, constitui presunção iuris et de iure de que aqueles vínculos não existem ou se encontram seriamente comprometidos, de modo que só há que fazer prova de uma dessa situações? E acrescentam aqueles autores: «Falando na verificação “objectiva” das situações que especifica, a lei pode sugerir este 2º entendimento; mas inclinamo-nos para o 1º (pois de outro modo seria inútil a exigência de que os vínculos afectivos próprios da filiação não existissem ou estivessem seriamente comprometidos), tendo assim a acção de confiança judicial uma causa de pedir complexa».
Voltando ao caso dos autos, considera o recorrente que os factos apurados integram a al.d), do nº1, do art.1978º, pelo que deve ser aplicada a ambas as menores a medida de confiança com vista à adopção, prevista na al.g), do nº1, do art.35º, da LPP.
A citada al.d) prevê a seguinte situação, cuja verificação poderá justificar que o tribunal, com vista a futura adopção, confie o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição, quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação:
«Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor».
Por outro lado, nos termos do nº3, do citado art.1978º, «Considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e à promoção dos direitos dos menores». Sendo que, essa legislação se reporta à Lei nº147/99, de 1/9 (LPCJP), em cujo art.3º, nº2, se considera que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das situações previstas nas als.a) a f) desse nº2, aludindo a al.b) ao caso de a criança ou o jovem sofrer maus tratos físicos ou psíquicos ou ser vítima de abusos sexuais.
Dir-se-á, antes do mais, que, a nosso ver, haverá que fazer uma distinção entre a situação da menor D… e a situação da menor S... E, relativamente às duas, haverá, ainda, que distinguir a posição do pai e da mãe de ambas.
Assim, a menor D… foi vítima de abusos sexuais por parte do pai que, por isso, já foi condenado em processo penal na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, condicionada mediante a aplicação do regime de prova, nos termos constantes do ponto 76º da matéria de facto provada, tendo-lhe ainda sido aplicada a medida de inibição do poder paternal da menor D…, pelo período de 8 anos (cfr. o ponto 77º daquela matéria de facto).
Por conseguinte, dúvidas não restam que o pai da referida menor, por acção, pôs em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação e o desenvolvimento desta, encontrando-se seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação em relação ao progenitor.
E em relação à mãe da menor D…? O que se provou, a esse propósito, foi que aquela fez pressão junto desta, fazendo-lhe ver que, se acusasse o pai de abuso sexual, seria a responsável pelas consequências, isto é, ficaria para sempre numa instituição e ficaria sem pai e sem mãe, o que afectou psíquica e mentalmente aquela menor, causando-lhe um estado de grande ansiedade e angústia (ponto 78º da matéria de facto provada). Por isso que o Tribunal suspendeu cautelarmente as visitas da mãe às filhas, que se encontravam no Centro de Acolhimento Temporário (pontos 36º, 41º e 42º).
No entanto, provou-se, por outro lado, que a mãe da D…, confrontada no dia 24/3/10 com o abuso que esta relatou, aparentou um estado de choque e de negação, não aceitando que tal pudesse ter acontecido (ponto 19º). Que tendo a D… ficado internada no hospital durante dois dias, foi sempre acompanhada pela mãe, que apenas se ausentava de tarde para cuidar da S… (ponto 28º). Que, entretanto, a mãe das menores começou a revelar sinais de uma depressão, com apatia, continuando sem aceitar que o marido pudesse ter abusado da filha (ponto 30º). Que a mãe visita semanalmente e de forma regular as filhas no Centro de Acolhimento, levando para essas visitas doces e mostrando-se preocupada com a forma como as filhas se apresentavam penteadas, uma vez que não tinham as típicas tranças (ponto 38º). Que quando as visitas da mãe às filhas foram suspensas, num 1º momento a D… terá mostrado alívio, mas depois começou a perguntar pela mãe (ponto 45º), sendo que esta telefonava todas as semanas a perguntar pelas filhas e, nomeadamente, sobre o seu estado de saúde e como em geral se encontravam (ponto 48º). Que por pedido expresso da menor D…, em sede da sua audição ocorrida durante o debate judicial, as visitas da mãe foram restabelecidas, tendo aquela expressamente pedido para que as visitas, que antes eram uma vez por semana, passassem a ser três vexes por semana (ponto 49º). Que a mãe das menores vive a situação de acolhimento das filhas com sofrimento (ponto 74º).
Face a esta matéria de facto dada como provada, poder-se-á dizer que a D…, por via da pressão que sobre ela foi exercida pela mãe, que não acreditava ou não queria acreditar na culpabilidade do marido, o que causou à menor um estado de grande ansiedade e angústia, sofreu maus tratos psíquicos ou não recebeu os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal. Situação esta a implicar que se considere que a menor ficou em perigo por acção da mãe, e, ainda, por omissão desta, por não ter conseguido protegê-la dos abusos sexuais cometidos pelo pai (cfr. os arts.1978º, nºs1, al.d) e 3, do C.Civil, e 3º, nº2, als.b) e c), da LPCJP).
Mas poder-se-á dizer que, em relação à mãe, se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação?
Quer-nos parecer que não. Note-se que a mãe da menor D… sempre se mostrou preocupada com as filhas, nunca deixando de as visitar e de as contactar, não obstante não acreditar na culpabilidade do marido, no que respeita aos abusos sexuais por este perpetrados na pessoa da D…. Esta, porém, é que tomou a iniciativa de pedir que a mãe voltasse a visitá-la e até com mais assiduidade.
Por outro lado, consta da decisão recorrida que a D… foi ouvida no gabinete da Sr.ª Juíza e que, ao ser informada de que a sua entrega para ser adoptada significava o corte definitivo de todos os laços e todos os contactos com a mãe, ficou espantada e assustada, revelando que não é nada disso que pretende. Consta, ainda, daquela decisão que a menor, quando soube que a mãe estava presente no tribunal, pediu com alegria e entusiasmo para a ver, tendo-se ambas abraçado de forma intensa e longamente, chorando a mãe convulsivamente por ter a filha de volta nos seus braços, sentando-a no seu colo e agarrando-a carinhosamente.
Note-se que um dos princípios a que obedece a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo é o previsto na al.i), do art.4º, da LPCJP. Trata-se do princípio da audição obrigatória e participação, segundo o qual, designadamente, a criança e o jovem têm direito a serem ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e de protecção.
Acresce que estão previstos, nas várias alíneas do citado art.4º, outros princípios orientadores da intervenção, nomeadamente, o interesse superior da criança e do jovem, significando que a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos daqueles (al.a); proporcionalidade e actualidade, pois que a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (al.e); responsabilidade parental, já que a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem (al.f); prevalência da família, porquanto na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção (al.g).
Por outro lado, como já vimos, o nº2, do art.1978º, também prevê que o tribunal deva atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor aquando da verificação das situações previstas no nº1, do mesmo artigo.
Conforme refere Beatriz Marques Borges, in Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, 2ª ed., pág.143, na perspectiva de «retorno» à família biológica da criança e do jovem, a medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção, surge completamente desfasada da filosofia original do diploma em questão, só surgindo em último lugar por se tratar de uma medida de rotura com a família biológica. Isto é, trata-se de uma medida que nada tem a ver com as demais previstas na LPCJP, que visam preservar os laços com a família biológica e não a extinguir essa relação, como acontece na adopção.
Todavia, no caso dos autos, uma vez que entendemos que não se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, relativamente à mãe da menor D…, não há que confiar esta menor a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção, por não ser aplicável tal medida, já que não se verifica o requisito a que alude o corpo do nº1, do art.1978º (cfr. os arts.35º, nº1, al.g) e 38º-A, da LPCJP).
E o mesmo se diga, por maioria de razão, relativamente à menor S…, pois que, quanto a ela, não ocorre qualquer das situações previstas nas várias alíneas do nº1, do art.1978º. Acresce que, pelo menos em relação à mãe, não resulta dos autos que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação.
Assim, provou-se que quando a mãe visitava a S… no Centro de Acolhimento, pegava nela ao colo, mimava-a e mostrava afecto, sendo essas visitas momentos de prazer para a menor (ponto 39º). Que a S… sofreu logo com o referido corte das visitas, revelando-se essa situação penosa para si, notando-se no jardim de infância que passou a estar triste, chorando sem motivo aparente (ponto 46º). Que a S… até hoje pergunta pela mãe diariamente (ponto 47º). Que a educadora do aludido jardim de infância refere que a mãe da S… se mostra atenta e cuidadosa (ponto 52º).
Entende o recorrente que se um pai abusa sexualmente de uma filha, pode abusar também da outra, e invoca, ainda, a incapacidade protectora da mãe, quer em relação à D…, quer em relação à S…. Só que tais circunstâncias, ainda que se considere corresponderem à realidade, não justificam, só por si, a aplicabilidade da medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção, atento o disposto no art.38º-A, da LPCJP, e, por remissão deste, o disposto no art.1978º, do C.Civil.
Refira-se que a situação da S… foi trazida aos autos por arrastamento, em virtude da ocorrência dos abusos sexuais perpetrados pelo pai das menores na pessoa da D... Na verdade, em relação à S… não consta que o pai tenha cometido qualquer abuso, nem que a mãe a tenha desprotegido. Todavia, a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento podem ser postos em perigo, caso a menor volte ao convívio com o seu pai.
De todo o modo, haverá que concluir que às menores não deve ser aplicada a medida de confiança com vista à adopção, prevista na al.g), do nº1, do art.35º, da LPCJP, como pretende o recorrente.
Mas será que as medidas aplicadas às menores na decisão recorrida estão devidamente justificadas?
Entendeu-se naquela decisão que o caso da D… é um caso perfeito para o apadrinhamento civil, previsto na Lei nº103/2009, de 11/9,    que aí é definido, no seu art.2º, como uma relação jurídica, tendencialmente de carácter permanente, entre uma criança ou jovem e uma pessoa singular ou uma família que exerça os poderes e deveres próprios dos pais e que com ele estabeleçam vínculos afectivos que permitam o seu bem-estar e desenvolvimento, constituída por homologação ou decisão judicial e sujeita a registo civil.
Mais se entendeu que a D… está institucionalizada desde 26/7/10 e que, apesar de não querer deixar de estar ligada à mãe e a outros familiares, verbaliza querer pertencer a uma outra família. Isto é, no fundo, o que a menor pretende é não perder os laços que a ligam à família biológica, excepto relativamente ao pai. Sendo que, acrescentou-se naquela decisão, o apadrinhamento civil é revogável, designadamente, quando se tornar contrário aos interesses do afilhado, nos termos do art.25º, nº1, al.c), da Lei nº103/2009.
  O apadrinhamento civil é um novo instituto do direito da família e constitui uma nova providência tutelar cível, sendo mais uma forma de tentar afastar as crianças/jovens das instituições de acolhimento quando elas não podem ser adoptadas (cfr. Beatriz Marques Borges, ob.cit., pág.156, onde cita o Prof. Guilherme de Oliveira). Como aí se refere, «O apadrinhamento civil sendo um vínculo permanente e como tal com efeitos para além da menoridade das crianças e dos jovens, acaba por ser mais uma forma de regular as responsabilidades parentais, com um regime em parte regulado pelo instituto da tutela, criando novos direitos e deveres recíprocos entre as crianças e os jovens e os seus padrinhos, para além dos da família natural».
Por conseguinte, o apadrinhamento civil constitui uma medida tutelar cível e não, propriamente, uma medida de promoção e protecção. Contudo, não deixa de estar relacionado com a LPCJP, como resulta de várias das disposições previstas na Lei nº103/2009. Assim, o apadrinhamento civil pode constituir-se, designadamente, por decisão do tribunal, até oficiosamente, nos casos em que esteja a correr um processo judicial de promoção e protecção, e em qualquer altura deste processo (arts.10º, nº3 e 13º, nºs1, al.a) e 3). Acresce que pode ser apadrinhado qualquer criança ou jovem menor de 18 anos, desde que o apadrinhamento civil apresente reais vantagens para eles e desde que não se verifiquem os pressupostos da confiança com vista à adopção, que esteja a beneficiar de uma medida de acolhimento em instituição ou de outra medida de promoção e protecção, e que se encontre numa situação de perigo confirmado em processo judicial (art.5º, nº1, als.a), b) e c)). Sendo que, quando o apadrinhamento civil tiver lugar após a aplicação de uma medida de promoção e protecção ou após uma decisão judicial sobre responsabilidades parentais com que se mostre incompatível, determina necessariamente a sua cessação (art.13º, nº3, 2ª parte).
Consideramos, deste modo, que, apesar de o apadrinhamento civil não se caracterizar como medida de promoção e protecção, nada impede que o mesmo se constitua no presente processo, desde que satisfeitos os respectivos requisitos, como acontece no caso. Tal instituto permite que se mantenham os laços biológicos e afectivos com a mãe, como é desejo da própria menor. Pensamos, pois, que assim se atende prioritariamente aos interesses da menor, mediante uma intervenção que reputamos necessária e adequada à situação de perigo em que ela se encontra.
Em relação à menor S…, já vimos que a sua situação é diferente, pelos motivos atrás referidos. Daí que a decisão recorrida tenha optado pela aplicação da medida de apoio junto da mãe pelo período de um ano, com a obrigação desta não deixar a filha sozinha com o pai.
Segundo o recorrente, se a menor S… se mantiver próxima do pai, corre o perigo de vir a ser abusada por este, pelo que a medida aplicada é manifestamente inadequada, propondo também para ela a medida de confiança a instituição com vista à adopção.
Já atrás referimos que a medida proposta pelo recorrente para a menor S… não é aplicável à sua situação, assim como à da sua irmã D.... Mas será que a medida de promoção e protecção aplicada na decisão recorrida proporciona à menor S… as condições que permitam proteger a sua segurança, saúde e bem-estar?
Temos muitas dúvidas que a obrigação imposta à mãe de não deixar a filha sozinha com o pai seja exequível, eficaz e, sobretudo, controlável. Claro que, como se diz na sentença recorrida, desde que a mãe não deixe a filha sozinha na companhia do pai, não se vislumbra qualquer tipo de perigo adicional para a criança. Porém, que garantias existem de que a mãe irá conseguir cumprir essa obrigação, tendo em conta que no dia a dia de uma família em que os seus membros trabalham e não têm horários inteiramente coincidentes, haverá sempre a possibilidade de o pai se encontrar a sós com a filha?
É certo que ao pai da menor foi concedida a suspensão da execução da pena de prisão com subordinação às obrigações e aos deveres constantes do ponto 76º da matéria de facto provada. Só que, permanece o problema do controle do cumprimento dessas obrigações e deveres.
Um dos princípios orientadores da intervenção para a promoção e protecção é o da proporcionalidade e actualidade, previsto na al.e), do art.4º, da LPCJP. Assim, a intervenção, nos termos do citado artigo, deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontrem no momento em que a decisão é tomada.
Ora, os presentes autos foram enviados a este Tribunal da Relação em finais de Agosto do corrente ano, sendo que, entretanto, foi junta aos autos certidão do acórdão condenatório proferido contra o pai das menores, transitado em julgado em 20/9/12. Desconhece-se, no entanto, que influência terá tido tal acórdão no relacionamento entre os pais da menor, designadamente, se a mãe continua a acreditar que o seu marido não cometeu o crime que lhe era imputado ou se, acreditando ou não, continua a viver com ele. Ou seja, a situação actual da vivência conjugal dos pais revela-se decisiva para a determinação da medida de promoção e protecção a aplicar à menor S…, já que, relativamente a esta, a única preocupação reside no perigo de, a aplicar-se a medida de apoio junto da mãe, uma vez que esta continue a viver com o marido, o mesmo possa vir a abusar sexualmente daquela menor, como o fez com a irmã. O que significa que a medida decretada pode revelar-se adequada, ou não, à situação actual, tudo dependendo dos contornos desta, designadamente, no que respeita ao relacionamento dos cônjuges. 
Assim, consideramos que, com os dados disponíveis neste momento, é arriscado confirmar a medida que foi aplicada na 1ª instância à menor S, por não lhe proporcionar, com suficientes garantias, as condições que permitam proteger a sua segurança, saúde, educação e bem-estar.
Verifica-se, porém, que, por despacho proferido em 17/8/12 (fls.720 dos autos), foi mantida a medida de acolhimento institucional por mais 6 meses, sem prejuízo da decisão que vier a ser proferida por este Tribunal da Relação. E como aquele prazo ainda está a decorrer, o mesmo poderá ser aproveitado para se coligirem elementos no sentido de se averiguar qual a situação actual do relacionamento conjugal entre os pais da menor. Após o que se poderá optar, consciente e justificadamente, pela medida de promoção e protecção que, além do mais, atenda prioritariamente aos interesses e direitos da menor, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto (art.4º, al.a), da LPCJP).
Haverá, deste modo, que manter a decisão recorrida, na parte respeitante à menor D…, e que a revogar, na parte respeitante à menor S….


3 – Decisão.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência, altera-se a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, nos termos atrás referidos, e revoga-se a sentença apelada, na parte em que aplicou à menor S… a medida de apoio junto da mãe, devendo aquela menor continuar sujeita à medida de acolhimento institucional por mais 6 meses que lhe foi aplicada por despacho de 17/8/12, a qual será revista o mais tardar findo aquele prazo, durante o qual haverá que colher elementos tendo em vista o apuramento da situação actual dos pais da menor, mantendo-se, no mais, o decidido na 1ª instância.
Sem custas.

Lisboa, 27 de Novembro de 2012

Roque Nogueira 
Pimentel Marcos
Tomé Gomes