Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6950/2005-6
Relator: URBANO DIAS
Descritores: EMBARGOS
FALSIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: No incidente de falsidade aludido no art. 818º, nº 2 do C.P.C., apenas se exige que o juiz emita um juízo de probabilidade (de sumaria cognitio) sobre a alegada falsidade e face ao princípio de prova apresentado pelo embargante.
A coincidência entre este juízo de probabilidade e a alegação do embargante determina automaticamente a suspensão da execução.
Incidente de falsidade – art. 818º, nº 2 do C.P.C. (redacção anterior ao D.-L. 38/00)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


1 –
(A), executado no processo executivo que Banco Comercial Português S.A. instaurou contra ele e outros, e pendente na 4ª Vara Cível de Lisboa, deduziu embargos e, inter alia, pediu a suspensão da execução, louvando-se no disposto no nº 2 do art. 818º do C.P.C..

2 –
Este pedido de suspensão da execução foi formulado em 14 de Março de 2001.
Aconteceu, porém, que, malgrado a prova oferecida pelo embargante com vista à decisão do incidente suscitado, o pedido formulado acabou por ser apreciado apenas em 11 de Fevereiro de 2005 e no seguimento de um pedido do embargante-executado no sentido de ser sustada a execução e ser dada sem efeito a penhora numa sua conta bancária, pedido este formulado em 29 de Abril de 2004.

3 –
O Mº juiz a quo, decidiu indeferir a pretensão do embargante por entender não se verificarem as condições exigidas pelo supra referido nº 2 do art. 818º.
Esta decisão foi proferida não na sequência pura da apreciação da prova junta pelo embargante, mas já depois de elaborada a base instrutória que contemplava a instrução sobre a autoria da letra aposta no título executivo e que fora objecto dos referidos embargos.

4 –
Com esta decisão não se conformou o embargante que agravou para esta instância, pedindo a imediata suspensão da execução e a declaração de nulidade das penhoras entretanto realizadas.
Para tanto apresentou alegações que rematou com “conclusões” nas quais se limitou a reproduzir o que consta no texto da peça.
Atacando a decisão proferida pelo Mº juiz a quo em 11 de Fevereiro de 2005, o agravante limitou-se a dizer que foram violados os arts. 818º, nº 2 do C.P.C e 374º do C. Civil.
Tudo o mais referido nas ditas “conclusões” tem a ver com a história dos acontecimentos e até com o comportamento processual do Banco-agravado.

O Banco agravado defendeu, em contra-alegações, a manutenção da decisão impugnada, argumentando que o art. 818º, nº 2 do C.P.C. configura apenas uma faculdade do juiz e já não um dever e, ainda, que nada justifica a suspensão pretendida.

O Mº juiz a quo manteve a sua decisão.

5 –
Relevam na decisão do presente recurso os seguintes factos:
- Banco Comercial Português S. A. intentou, no tribunal cível de Lisboa, acção executiva contra (J), (A) (o ora agravante) e Auto Alverquense Lª;
- o ora agravante foi demandado com a alegação de ter avalizado a livrança dada à execução;
- o ora agravante deduziu embargos e pediu a suspensão da execução nos termos do art. 818º, nº 2 do C.P.C., juntando para prova da falsidade alegada o seu B.I..

6 –
Cumpre, ora, decidir.
Como se sabe, são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, ut arts. 684º, nº 3 e 691º, nº 1 do C.P.C..
As conclusões destinam-se a resumir, para o tribunal da quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, com elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões por que devem ser decididas num determinado sentido (cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, 3º, pág, 299).
O ónus de concluir fica satisfeito pela indicação resumida dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão (cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Volume V, pág. 359).
Assim sendo – como é – apenas interessa saber se a decisão posta em crise violou os arts. supra referidos dos códigos adjectivo e substantivo.
Vejamos.
Flúi do exposto que a decisão proferida não teve apenas por base as provas oferecida ab initio pelo embargante, mas sim o teor do relatório elaborado pelo L.P.C. da P.J. que concluiu que “o reduzido número de semelhanças encontrado na comparação da escrita suspeita constante do verso da livrança de fls. ….., com a dos autógrafos de (A), de …, bem como a forma irregular dos autógrafos e o traçado pouco característico, trémulo e desenhado das escritas em confronto, não permitem formular uma conclusão quanto à possibilidade de a referida escrita poder ter sido, ou não, da autoria do autografado”.
Não pode deixar de se dizer que a decisão proferida peca por tardia, já que a mesma deveria ser tomada logo após a formulação do pedido e o respeito pelo contraditório e na base de uma sumaria cognitio.
Com efeito, se o Mº juiz a quo tivesse seguido a metodologia que o art. 818º, nº 2 do C.P.C impõe, teria de decidir apenas e só com base “no princípio de prova” indicada pelo embargante.
Neste ponto particular, discorda-se da posição defendida pelo Mº juiz a quo quando, ao interpretar a exigência do nº 2 do art. 818º no que tange a “princípio de prova”, defende que “documento esse que seja … e dispense ou … o lançar mão de um exame pericial”. Ou seja, para o entendimento sufragado pela 1ª instância, a simples apresentação de um B.I. não é suficiente como “princípio de prova”.
Com todo o devido respeito por este entendimento, teremos de dizer que o mesmo não está de acordo com a intenção do legislador ao criar um mini-incidente com vista a, rapidamente, o juiz, em seu alto critério, poder avaliar da bondade da tese apresentada pelo embargante de uma forma sumária.
Isso mesmo nos dá conta Lebre de Freitas, ao indicar o B.I. (ou o passaporte) como “princípio de prova” (vide A Acção Executiva – 2ª edição -, pág. 167, nota 77-B).
O certo é que a decisão impugnada não teve, como devia ter, em devida consideração a assinatura do devedor constante do B.I. para efeitos de contraste com a que consta do título dado à execução, mas acabou por aderir ao resultado do exame do L.P.C..
Ora, se se deve criticar o timing da decisão (proferida muito para além do prazo razoável), já não se pode fazer o mesmo em relação ao seu conteúdo: qualquer pessoa acabaria por indeferir a pretensão do embargante, ora agravante, ao ler o relatório supra referido.
Daí que se possa dizer com todo o à vontade que a decisão proferida não merece a mínima censura no que diz respeito ao seu mérito e é só isso que está em causa.

Quanto à invocada violação do art. 374º do C. Civil, há que dizer que a mesma não se verificou.
Perante o título dado à execução, o embargante veio arguir a falsidade da letra e da assinatura que do mesmo consta como tendo sido sua – daí a sua oposição.
Verdadeiramente, o embargante não impugnou a letra e a assinatura, antes deduziu a falsidade das mesmas e pelo mini-incidente previsto pelo nº 2 do art. 818º do C.P.C..
Não tendo logrado provar a sua argumentação, sendo certo que tal ónus lhe incumbia, outro remédio não há que não seja a de não dar provimento à pretensão de suspender os termos da execução.

Improcede, dest’arte, a defesa do agravante.

7 –
Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se negar provimento ao agravo e manter a decisão impugnada, com custas pelo agravante.


§§§

Lisboa, aos 30 de Junho de 2005

Urbano Dias
Gil Roque
Sousa Grandão

I