Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29703/22.7T8LSB-A.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: SENTENÇA DE DESPEJO
SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO
DIREITO À HABITAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE REALOJAMENTO
INCUMBÊNCIA DO AGENTE DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Nos casos em que seja proferida sentença de despejo com o decretamento da desocupação do locado, a lei enuncia taxativamente as situações em que é admissível a sustação/suspensão da execução de tal decisão (Artigos 863º a 865º do Código de Processo Civil e Artigo 15º-M, nº1, da Lei nº 6/2006, de 27.2.).
II. O direito à habitação constitui um direito a prestações positivas do Estado e de outros entes públicos territoriais, os quais são os seus sujeitos passivos, não sendo exercitável em via direta contra tais entidades e, muito menos, contra particulares. Sob a reserva do possível, cabe ao Estado desenvolver políticas que fomentem a habitação, designadamente para os mais carenciados.
III. Segundo a jurisprudência do TEDH, o artigo 8.º da CEDH não reconhece, em termos gerais, o direito a uma habitação, muito menos uma habitação específica ou num local específico, sendo limitado o âmbito de qualquer obrigação positiva de alojar os sem-abrigo.
IV. Em caso de despejo de indivíduos ou famílias vulneráveis, cabe ao Município, ao ISS, IP e ao IHRU, IP o acompanhamento da situação, cabendo a tais entidades diligenciar pela procura de soluções de realojamento (Artigo 13º da Lei nº 83/2019, de 3.9 e Artigo 4º do Decreto-lei nº 89/2021, de 3.11).
V. A execução do despejo deve ser precedida da comunicação pelo agente de execução ao Município em causa, ao IHRU, IP e ao ISS, IP da existência de dificuldades do realojamento do executado casos estas tenham sido reconhecidas ou invocadas no processo, tanto mais que, no caso, o agente de execução tem conhecimento que este deduziu incidente de diferimento da desocupação. Essa comunicação do agente de execução deverá ocorrer com uma antecedência de, pelo menos, 10 dias em relação à data designada para a execução do despejo.
VI. Essa incumbência é própria do agente de execução (cf. Artigos 861º, nº6, e 719º, nº1, do Código de Processo Civil), não carecendo expressamente de despacho prévio do juiz. Todavia, tendo sido o juiz chamado a decidir o requerimento formulado e pronunciando-se expressamente sobre os termos da desocupação, em conformidade, cabia ao Mmo Juiz enfatizar a necessidade de cumprimento de tal comunicação prévia por parte do agente de execução, o que não fez.
VII. A realização da comunicação referida em V não significa que a execução do despejo só seja admissível mediante asseguramento prévio do realojamento do executado. Não cabe ao Tribunal assegurar realojamento ao executado, mas apenas comunicar a necessidade do mesmo ao Município, ao ISS, IP e ao IHRU, IP, cabendo a estes diligenciar pelo suprimento de tal necessidade. O Tribunal não supre necessidades de habitação, limitando-se a dirimir litígios, no caso entre privados.
VIII. Segundo jurisprudência do TEDH, a execução de uma decisão judicial de despejo não pode ser indevidamente atrasada, sob pena de violação do Artigo 6º da CEDH (Acórdão de 30.11.2000, Caso Edoardo Palumbo v. Italy).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 23.1.2023, os executados apresentaram requerimento pedindo o diferimento de desocupação, o que foi deferido por sentença datada de 27.02.2023 pelo prazo de cinco meses.
Em 6.10.2023, o executado formulou o seguinte requerimento:
«AB, executado melhor identificado, nos autos à margem referenciados, com o devido respeito, vem expor e requerer o que segue:
O ora Executado é portador de patologia com quadro cognitivo sugestivo de doença de Alzheimer, conforme se verifica por Relatório de lavra da Exma. Sra. Dra. AV (Doc. 01 junto), da respetiva Consulta de Neurologia, o que se dá, por integralmente reproduzido.
Mais recentemente, como facto superveniente à tramitação dos presentes  autos e, após a prolação da douta Sentença de diferimento da desocupação de imóvel, foi deferido, ao ora Executado um “complemento por dependência do 2º Grau”, por parte da Segurança Social, com início a 2023-07-01, conforme se verifica pela notificação de 2023-09-08 em anexo (Doc. 02 junto), o qual igualmente se dá por reproduzido.
 Isto significa que o quadro de saúde do Executado agravou-se, durante o período de diferimento para a desocupação, atingindo, oficialmente, o estatuto de “dependente de segundo grau”.
Facto este que se verifica, evidentemente, a título de manifesto caráter de superveniência durante o curso do processo, absolutamente independente da vontade e escolha do Executado.
Sem se olvidar que, a esposa do ora Executado é portadora de uma incapacidade permanente global, de 60%, “Neoplasia do Cólon”, conforme se verifica pelo anexo Atestado Médico Multiuso, ao abrigo da Lei nº 14/2021, de 6 de Abril (Doc. 03 junto).
Circunstância que impõe à mesma, a necessária frequência para a realização de exames e análises.
Por derradeiro, MM. Juiz, é facto público e notório, nomeadamente, durante o início do último verão e, até a presente data, o inflacionamento dos valores de arrendamento do Mercado relativos a imóveis, em Portugal e, principalmente, em Lisboa e arredores, tendo em conta os Centros de Saúde e Hospitais, aos quais ambos os executados encontram-se afetos e são seguidos.
Nestes termos, por equidade, ex vi o disposto pelo artigo 4º, do Código Civil, em conjugação com o disposto pelo artigo 6.º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como por integração de lacuna, por analogia (artigo 10.º, do Código Civil), aplicando-se o disposto pelo artigo 863.º, nºs 3, 4 e 5, do Código de Processo Civil, no que couber, requer-se seja ordenada a suspensão da instância executiva, por período não inferior de 8 (oito) semanas ou outro período que V.Ex.ª considerar por suficiente, a fim de que o Executado e sua esposa, efetivamente, reúnam condições de desocupação do imóvel, após 50 anos de no mesmo residirem, em correspondência com o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em conta a idade de ambos, o seu quadro de saúde agravado, após a prolação da sentença de diferimento e os contornos e evolução do atual Mercado imobiliário, este último sobejamente como facto público e notório.»
Em 5.2.2024, no Tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho:
«Req.to de 06/10/2023 - Fls. 95 e ss.:
O Executado veio requerer a suspensão da acção executiva pelo período de 8 semanas a fim de adquirirem condições para desocupação do imóvel.
Alegou, para o efeito, ter-se agravado quadro de saúde do Executado durante o período de diferimento para a desocupação, atingindo agora, oficialmente, o estatuto de “dependente de segundo grau”, tendo sido deferido “complemento por dependência do 2º Grau”, por parte da Segurança Social, com início a 2023-07-01, conforme se verifica pela notificação de 08/09/2023”.
Sucede que nestes autos e com base no quadro de saúde dos executados, a executada já deduzira incidente de diferimento de desocupação do locado, objecto de decisão que diferiu a desocupação pelo prazo máximo de 5 meses, decisão essa transitada em julgado.
E o requerimento ora formulado reconduz-se, no fundo, novo incidente de diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação, por período não inferior a 8 semanas (2 meses).
Ora, a lei apenas permite deferir a desocupação pelo prazo máximo de 5 meses a contar da data do trânsito em julgado da decisão que a concede - 865º, nº 6 do N.C.P.C., o que já foi concedido.
Por outro lado, a lei não permite nem renovação do pedido, nem a formulação de novo pedido.
Importa, por fim, referir que ao caso não é aplicável o disposto no art. 863º, n.º 3 a 5, do N.C.P.C., pois este regula os mecanismos processuais à disposição do executado para obter a “suspensão precária da desocupação” no caso do imóvel se tratar de casa de habitação principal do executado e não se estar perante imóvel arrendado (neste último caso rege o disposto nos arts. 864.º e ss.), não sendo os dois regimes de aplicação sucessiva, nem cumulativa.
Mas mesmo que assim não fosse o regime previsto no citado art. 863.º exige a verificação dos seguintes requisitos:
i. o imóvel em causa constitui casa de habitação principal do executado;
ii. a existência de doença aguda que ponha em risco a vida das pessoas que se encontram no local, ou seja, “doença súbita e inesperada, por contraposição a doença crónica, que é de longa duração”, quer do executado, quer de familiares que com ele convivam em comunhão de mesa e habitação;
iii. o risco de vida “deve ser demonstrado pelo opoente mediante atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução”.
Ora, no caso vertente, não se mostra alegado nenhum dos fundamentos referidos em ii. e iii.
*
Assim, tendo já sido proferida decisão a conceder deferimento da desocupação, ainda que se reconheça a situação precária dos executados e que o seu quadro de saúde é grave e de desamparo, não é possível renovar o deferimento de desocupação, nem formular novo requerimento para esse efeito.
Pelo exposto indefiro o requerido, por falta de fundamento legal.
*
Nos termos do disposto nos art. 861º, n.º 1 e 757º, n.º 3 e 4, do N.C.P.C., autoriza-se o AE a solicitar o auxílio das entidades policiais, com vista a proceder à entrega do imóvel.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o executado formulando, no final das suas alegações, as seguintes
CONCLUSÕES:

O douto despacho recorrido decidiu a final, que:
«Assim, tendo já sido proferida decisão a conceder deferimento de desocupação, ainda que se reconheça a situação precária dos executados e que o seu quadro de saúde é grave e de desamparo, não é possível renovar o deferimento de desocupação, nem formular novo requerimento para esse efeito.
Pelo exposto indefiro o requerido, por falta de fundamento legal.
Nos termos do disposto nos art. 861, nº 1, e 757º, nº 3 e 4, do N.C.P.C., autoriza-se o AE a solicitar o auxílio das entidades policiais, com vista a proceder a entrega do imóvel.»

Fê-lo, contudo, com a violação de diversos dispositivos legais, devendo, por isto, ser revogado e substituído por outro, conforme se demonstrará em sede recursal.

Isto porque, por sua vez, em nenhum momento de seu requerimento anterior, o Apelante renovou ou formulou novo requerimento para diferimento da desocupação do imóvel que ocupa.

Requereu foi a SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA EXECUTIVA, por período não inferior a oito semanas ou outro período que se julgue mais apto de tutela à sua situação do Apelante, com CONTORNOS SUPERVENIENTES à época em que foi apresentado o requerimento de diferimento da desocupação.

Sendo que as circunstâncias supervenientes que fundamentaram o pedido de suspensão da instância, por parte do Apelante, foi o agravamento de seu quadro de saúde e dependência de terceira pessoa, no âmbito da doença de Alzheimer, bem como o facto de sua esposa ser portadora de incapacidade permanente e global, de 60% (na sequência de Neoplasia do Cólon), conforme atestado médico multiuso junto aos autos.

Dito isto, acrescendo-se, ainda, o FACTO PÚBLICO e NOTÓRIO do manifesto e desproporcional inflacionamento do mercado de imóvel, incluindo o de arrendamento para habitação em Lisboa e arreadores, tendo em conta os Centros de Saúde e Hospitais, nos quais o Apelante e sua esposa encontram-se a ser seguidos, inflacionamento este que lhes impossibilitou e ainda impossibilita encontrar outro imóvel para estarem condignamente alojados.

Sendo ainda de relevar, que, nos termos do disposto pelo nº 1, do artigo 412.º, do Código de Processo Civil, não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se tais os factos que são do conhecimento geral.»

Assim constata-se que o Apelante não deduziu, verbi gratia, um segundo incidente de diferimento de desocupação do locado.

Tendo sim, informado e suscitado, nos autos, a IMPOSSIBILIDADE e DIFICULDADE SUPERVENIENTE de encontrar outro alojamento condigno, nomeadamente, consideradas as manifestas caraterísticas do atual mercado imobiliário para habitação, facto público e notório.
10ª
Tão pública e notória é, tal circunstância, que a atual dificuldade do mercado para habitação representa tema corrente e sensível desafio para o Governo cessante e ainda em funções, bem como para o próximo Governo eu se formará após as próximas eleições legislativas que se avizinham.
11ª
Sendo de efeito incontornável que, o despacho recorrido ao indeferir a requerida suspensão da instância, impõe, como efeito prático, a colocação em situação de Rua, seja do ora Apelante portador de Alzheimer e dependente de terceira pessoa, quando essa terceira pessoa, justamente sua esposa, encontra-se na sequência de tratamentos de neoplasia do cólon.
12ª
Como efeito direito, o despacho posto em crise, com o seu indeferimento do requerimento do Apelante fere o Direito à integridade pessoal do Apelante, tutelado pelo artigo 25.º, nº 2, última parte, da Constituição da República, pois a iminente situação de rua qualifica trato degradante e desumano, salvo o devido respeito, dispositivo constitucional que restou violado.
13ª
Salvo o devido respeito, ainda, o risco de ir para situação de rua, nestas circunstâncias, ordenado pelo Despacho ora recorrido implica, igualmente, em violação do disposto pelo artigo 65.º, nºs 1 e 3, da Constituição da República, por preterir ao Apelante e, por consequência, ao seu agregado familiar, o Direito a uma habitação adequada em condições de higiene e conforto e, o principal, ou seja, que retira o direito do Apelante a aceder a um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e ter acesso à habitação própria.
14ª
Verifica-se, ainda, que o despacho recorrido ao fundamentar não ser aplicável o disposto pelo artigo 863.º, “II” e “III” e nºs 3 a 5, do CPC, no presente caso concreto, não se pronunciou sobre o facto do Apelante ter pedido o reconhecimento e aplicação daqueles preceitos por EQUIDADE e ANALOGIA, ex vi o disposto pelos artigos 4.º e 10.º, do Código Civil, que, nesta parte da decisão posta em crise, restaram violados.
15ª
No que concerne à sua parte final, o despacho recorrido autorizar ao AE a solicitação do auxílio das entidade policiais, com vista a proceder a entrega do imóvel, violou, igualmente, o disposto pelo artigo 6.º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na vertente processo não equitativo, bem como os referidos e anteriores artigos 25.º, nº 2 e 65.º, nºs 1 e 3, todos da Constituição da República, bem como o disposto pelo artigo 4.º e 10.º, ambos do Código Civil, em conjugação com o artigo 863.º, nºs 3, 4 e 5, do Código de Processo Civil, em caráter subsidiário, ao não vincular a atuação intervenção das autoridades policiais, em coordenação com os competentes serviços da Segurança Social, que tutelem a situação pessoal do Apelante e de sua esposa, a fim de evitar o risco de rua, aquando da execução definitiva da entrega do locado.
16ª
Ex positis, a título principal, deverá ser dado provimento ao presente Recurso para que, revogado o despacho recorrido, seja substituído por outro que defira o pedido de suspensão da instância executiva deduzido pelo Apelante.
17ª
Em caráter subsidiário, deverá ser dado provimento ao presente recurso para que, revogado parcialmente o douto Despacho recorrido, deverá ser substituído por outro que autorize o auxílio de forças policiais, após o devido plano de ação social, elaborado pela Segurança Social, que estabeleça e permita alojamento condigno e recolocação contemporânea em nova habitação e aos serviços médico-sanitários do Apelante.
Para fins e efeitos do disposto pelo artigo 646.º, nº 1, do Código de Processo Civil, neste ato, o Apelante requer a extração de Certidão para instruir o presente Recurso indica, todas as peças processuais e documentos anexos que as acompanharam, bem como notificações, ou seja, todo o processado, na sua integralidade.
NESTES TERMOS, requer-se seja dado provimento ao presente Recurso para que:
A) Em conformidade com as Conclusões, a título principal, seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro que defira o pedido de suspensão da instância executiva deduzido pelo Apelante;
B) Caso assim não se entenda, em caráter subsidiário, seja revogado parcialmente o douto Despacho recorrido e substituído por outro que autorize o auxílio de forças policiais, após ou, no mínimo contemporaneamente o devido plano de ação social, elaborado pela Segurança Social, que estabeleça e permita a recolocação em alojamento condigno, com o acesso aos serviços médico-sanitários do Apelante, permitindo execução da retoma do imóvel em questão, com o respeito à defesa do princípio da dignidade da pessoa humana.
Com o douto suprimento de Vossas Excelências, ROGA DEFERIMENTO.»
*
Contra-alegou o apelado, propugnando pela improcedência da apelação.
Em 20.6.2024, o recurso foi admitido nestes termos:
«Por ter sido interposto de decisão que o admite, ter sido apresentado por quem tem legitimidade para o efeito, e dentro do prazo legal, admito o recurso consubstanciado no requerimento em apreço (arts. 852º, 853º, n.º 2, al. a), 638º, n.º 1, todos do N.C.P.C.).
O mesmo é de apelação, sobe imediatamente, em separado, com efeito meramente devolutivo (arts. 852º, 853º, n.º 2, al. a) e n.º 4, todos do N.C.P.C.).»
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Se é admissível a suspensão da instância executiva por período não inferior a oito semanas com os fundamentos aduzidos pelo executado;
ii. Se o despacho impugnado pretere o direito do executado a uma habitação adequada;
iii. Se o despacho proferido, ao não vincular a atuação da autoridade policial em coordenação com os serviços da Segurança Social, viola o Artigo 6º, nº1, da CEDH, Artigos 25º, nº2, e 65º da CRP.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Se é admissível a suspensão da instância executiva por período não inferior a oito semanas com os fundamentos aduzidos pelo executado.
O executado formulou requerimento pedindo a suspensão da instância executiva por período não inferior a oito semanas a fim de que o executado e mulher reúnam condições de desocupação do imóvel.
Fundamentando tal pretensão, alegou designadamente que, após a prolação da sentença de diferimento de desocupação do imóvel, ocorreram os seguintes factos: foi deferido pela Segurança Social ao executado um complemente por dependência de 2º grau com início em 1.7.2023, ou seja, agravou-se o seu quadro de saúde; permanece a situação de incapacidade global de 60% pela sua mulher em virtude de neoplasia do colón; ocorre um inflacionamento dos valores de arrendamento dos imóveis em Lisboa e arredores.
O Tribunal a quo indeferiu o pedido, essencialmente com este iter de raciocínio:
i. Já foi deduzido incidente de diferimento de desocupação do locado, o qual foi deferido pela prazo e cinco meses;
ii. O requerimento formulado reconduz-se a um novo incidente de diferimento da desocupação do locado;
iii. A lei não permite nem a renovação de tal pedido nem a formulação de novo pedido;
iv. Não é aplicável o disposto no Artigo 863º, nºs 3 a 5, porquanto este regula o mecanismo processual para obter a suspensão precária da desocupação, não sendo os dois mecanismos de aplicação sucessiva nem cumulativa;
v. Não estão preenchidos os requisitos do Artigo 863º.
Desde já se adianta que a decisão assim proferida não merece reparo.
Com efeito, nos casos em que seja proferida sentença de despejo com o decretamento da desocupação do locado, a lei enuncia taxativamente as situações em que é admissível a sustação/suspensão da execução de tal decisão. Assim, no Artigo 863º do Código de Processo Civil prevê-se a suspensão da execução para entrega do imóvel arrendado e nos Artigos 864º e 865º enunciam-se os requisitos e regime do diferimento da desocupação. O Artigo 15º-M, nº1, da Lei nº 6/2006, de 27.2., remete, precisamente, para estas normas.
O Legislador ordinário, no âmbito da sua liberdade de conformação, enuncia nestas normas os requisitos quer da suspensão da execução quer do diferimento da desocupação. Esses requisitos atendem ao estado de saúde do inquilino/executado (”põe em risco de vida a pessoa que se encontre no local, por razões de doença aguda” – nº 3 do Artigo 863º; “é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%” – al. b), do nº2, do Artigo 864º), à sua idade, estado de saúde, situação económica e social (nº2 do Artigo 864º).
Conforme reconheceu o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 465/2001, a propósito do então Artigo 930º-A do Código de Processo Civil (cujo nº 1 remetia para o artigo 61º do RAU, norma este equivalente ao atual nº 3 do Artigo 863º), esse regime tutela o interesse do executado que possa ser privado da casa de habitação principal, permitindo a suspensão da execução por motivo de doença.
O diferimento da desocupação não pode exceder o prazo de cinco meses (nº4 do Artigo 865º), daqui defluindo também que não pode ser repetido.
Quanto à colocação em risco de vida da pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda, a lei não enuncia um prazo de suspensão. Todavia, pela natureza excecional da norma e da tutela por ela visada, a mesma doença não poderá dar azo a mais do que uma suspensão.
Deste modo, o requerimento formulado pelo executado foi, corretamente, indeferido desde logo porque a situação superveniente alegada não se subsume às previsões taxativas dos Artigos 863º a 865º. Aliás, o próprio requerente/executado nem argumenta que a situação se subsuma a estas normas. Acresce que já foi deferido o incidente de diferimento de desocupação pela prazo máximo permitido por lei, sendo o requerimento formulado uma forma enviesada de reiterar, materialmente, o requerimento de diferimento da desocupação do locado.
O deferimento do requerimento formulado equivaleria a fazer letra morta dos Artigos 863º a 865º do Código de Processo Civil, sendo que estes são a expressão admissível e equilibrada da tutela do executado para estas situações. A suspensão da execução, no limite, através da previsão geral do Artigo 272º, nº1, (ex vi Artigo 551º, nº1) representaria o esvaziamento da coercividade da ação executiva, introduzindo fatores de acentuada aleatoriedade na tramitação da ação executiva e na segurança do ordenamento jurídico.
Por fim e neste circunspeto, sempre se dirá que, mesmo a admitir-se que em 2023/2024 o aumento dos preços das rendas de Lisboa possa constituir um facto notório (cf. Artigo 412º, nº1, do Código de Processo Civil), sempre se dirá que, do mesmo modo, não se lobriga minimamente que tal dificuldade seja superável no prazo de oito semanas.
Se o despacho impugnado pretere o direito do executado a uma habitação adequada
O direito à habitação consagrado constitucionalmente não constitui um direito absoluto, que permita ao particular/executado exercitá-lo em autotutela contra terceiros, incluindo contra o exequente, na sequência do decretamento do despejo.
Nos termos do Artigo 34º, nº3, da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, «A fim de lutar contra a exclusão social e a pobreza, a União reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a uma ajuda à habitação destinadas a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes, de acordo com o direito da União e comas legislações e práticas nacionais
Nos termos do Artigo 31º da Carta Social Europeia:
«Artigo 31.º
Direito à habitação
Com vista a assegurar o exercício efetivo do direito à habitação, as Partes comprometem-se a tomar medidas destinadas a:
1) Favorecer o acesso à habitação de nível suficiente;
2) Prevenir e reduzir o estado de sem-abrigo, com vista à sua eliminação progressiva;
3) Tornar o preço da habitação acessível às pessoas que não disponham de recursos suficientes.»
No Acórdão de 8.3.2022, o TEDH nos casos n.ºs 30391/18 e 30416/18, Christina FAULKNER contra Irlanda e Bridget MCDONAGH contra Irlanda, enfatizou-se o seguinte a propósito do despejo e do realojamento:
«96.  Ao considerar se um despejo é proporcional, o Tribunal terá em conta se a residência foi legalmente estabelecida. Se a habitação tiver sido estabelecida legalmente, este fator pesará contra a legitimidade de exigir que o indivíduo se mude. Pelo contrário, se a residência foi estabelecida ilegalmente, a posição do indivíduo é menos forte. Se não existir alojamento alternativo, a ingerência é mais grave do que se existir um alojamento alternativo. Quanto mais adequado for o alojamento alternativo, menos grave será a interferência causada pela mudança do requerente do seu alojamento atual. A avaliação da adequação de um alojamento alternativo é uma tarefa que implica ter em conta a situação e as necessidades específicas das pessoas em causa, bem como as necessidades, os direitos e os interesses da comunidade local. No que diz respeito a esta tarefa, é adequado dar uma ampla margem de apreciação às autoridades nacionais, que estão evidentemente em melhor posição para efetuar a avaliação necessária (ver Chapman, acima citado, §§ 102-104).
97.  O Tribunal declarou que embora o facto de pertencer a uma minoria com um estilo de vida tradicional diferente do da maioria não confira imunidade às leis gerais destinadas a salvaguardar os bens da comunidade como um todo, pode ter uma incidência na forma como essas leis devem ser implementadas. A posição vulnerável dos ciganos enquanto minoria significa que deve ser dada alguma consideração especial às suas necessidades e ao seu estilo de vida diferente, tanto no quadro de planeamento regulamentar relevante como na tomada de decisões em casos particulares (ver Chapman, citado acima, § 96; Connors, citado acima, § 84, e Hirtu e outros, citado acima, § 70). Nesta medida, existe assim uma obrigação positiva imposta aos Estados Contratantes por força do Artigo 8 para facilitar o modo de vida dos Ciganos (ver Chapman, § 96).
98.  O Tribunal recorda, contudo, os limites que identificou na sua jurisprudência sobre o alcance do Artigo 8 da Convenção (36366/14, § 53, 23 de março de 2021, e outras referências), nem confere um direito a viver num determinado local (ver Garib v. the Netherlands [GC], no. 43494/09, § 141, 6 de novembro de 2017, e outras referências), nem garante o direito a que os seus problemas de habitação sejam resolvidos pelas autoridades, uma vez que o âmbito de qualquer obrigação positiva de alojar os sem-abrigo é limitado (ver Hudorovič e outros v. Eslovénia, n.º 24816/14 e 25140/14, § 114, 10 de março de 2020).»
No Acórdão de 10.3.2020, Hudorovič e outros v. Eslovénia, n.º 24816/14 e 25140/14, o TEDH afirmou o seguinte:
«114.  O Tribunal de Justiça reitera que o artigo 8.º não reconhece, em termos gerais, o direito a uma habitação (ver Chapman c. Reino Unido [GC], n.º 27238/95, § 99, CEDH 2001-I), muito menos uma habitação específica ou uma categoria de habitação - por exemplo, uma habitação num local específico (ver, mutatis mutandis, Ward c. Reino Unido (dec.), n.º 31888/03, 9 de novembro de 2004). 31888/03, 9 de novembro de 2004). Observa que o âmbito de qualquer obrigação positiva de alojar os sem-abrigo é limitado (ver, mutatis mutandis, O'Rourke v. the United Kingdom (dec.), no. 39022/97, 26 de junho de 2001).»
Nas recomendações adotada pelo Comité dos Direitos Humanos em 28.2.2022, ao abrigo do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, relativamente à comunicação n.º 127/2019, a proteção da habitação em caso de despejo foi assim analisada:
«Proteção contra desocupações forçadas
8.1 O direito humano a uma habitação adequada é um direito fundamental central para o gozo de todos os direitos económicos, sociais e culturais e está indissociavelmente ligado a outros direitos humanos, incluindo os estabelecidos no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. O direito à habitação deve ser assegurado a todas as pessoas, independentemente do rendimento ou do acesso a recursos económicos e os Estados Partes devem tomar todas as medidas necessárias para alcançar a plena realização deste direito, com o máximo dos seus recursos disponíveis.
8.2 As desocupações forçadas são, à primeira vista, incompatíveis com o Pacto e só podem ser justificadas em circunstâncias muito excecionais. As autoridades competentes devem assegurar que sejam efetuadas de acordo com legislação compatível com o Pacto e em conformidade com os princípios gerais de razoabilidade e proporcionalidade, ponderando o objetivo legítimo do despejo e as suas consequências para as pessoas desalojadas. Esta obrigação decorre da interpretação das obrigações do Estado Parte nos termos do artigo 2 (1) do Pacto, lido em conjunto com o artigo 11.º, e de acordo com os requisitos do artigo 4. do Pacto, que estipula as condições em que são permitidas tais limitações ao gozo dos direitos previstos no Pacto.
8.3 Assim, para que um despejo seja justificável, deve satisfazer um certo número de requisitos. Em primeiro lugar, a limitação deve ser determinada por lei. Em segundo lugar, deve promover o bem-estar geral numa bem-estar geral numa sociedade democrática. Em terceiro lugar, deve ser adequada ao objetivo legítimo invocado. Em quarto lugar, a limitação deve ser necessária, no sentido de que se houver mais do que uma medida que se possa razoavelmente esperar que sirva o objetivo da limitação, deve ser escolhida a restritiva deve ser escolhida. Por último, os benefícios da limitação na promoção do bem-estar geral devem ser superiores aos impactos no gozo do direito que está a ser limitado. Quanto mais quanto mais grave for o impacto nos direitos do autor ao abrigo do Pacto, maior deve ser o escrutínio que deve ser dado aos fundamentos invocados para tal limitação. A disponibilidade de alojamento alternativo, as circunstâncias pessoais dos ocupantes e das pessoas a seu cargo e seus dependentes e a sua cooperação com as autoridades na procura de soluções adequadas são fatores cruciais nessa análise. Além disso, é inevitável fazer uma distinção entre os imóveis pertencentes de pessoas que deles necessitam para a sua habitação ou para a obtenção de um rendimento vital e os imóveis pertencentes a instituições financeiras ou outras entidades. O Estado Parte estará, por isso, a cometer uma violação do direito a uma habitação adequada se estipular que uma pessoa cujo contrato de arrendamento seja rescindido deve ser despejada imediatamente, independentemente das circunstâncias em que a desocupação deva ser executada.
A avaliação da proporcionalidade da medida deve ser efetuada por uma autoridade judicial ou outra autoridade imparcial e independente com poderes para ordenar a cessação da violação do contrato de arrendamento.  Esta autoridade deve analisar se o despejo é compatível com o Pacto, incluindo no que respeita aos elementos do teste de proporcionalidade exigido pelo artigo 4.º do Pacto, conforme descrito acima.
8.4 Além disso, deve haver uma possibilidade efetiva de consulta prévia entre as autoridades e as pessoas em causa, não devem existir meios ou medidas alternativas suscetíveis de violar menos o direito à habitação e as pessoas em causa não devem permanecer ou ser expostas a uma situação que constitua uma violação de outros direitos do Pacto ou dos direitos humanos.
Dever dos Estados de proporcionar alojamento alternativo às pessoas necessitadas
9.1 Os despejos não devem tornar as pessoas sem-abrigo ou vulneráveis à violação de outros direitos humanos.  Quando as pessoas afetadas são incapazes de se sustentar a si próprias, o Estado Parte deve tomar todas as medidas adequadas, até ao limite dos seus recursos disponíveis, para garantir que habitação alternativa adequada, reinstalação ou acesso a terras produtivas, conforme o caso. O Estado Parte tem o dever de tomar medidas razoáveis para fornecer alojamento alternativo às pessoas que ficam sem casa em resultado de um despejo, independentemente de o despejo ser iniciado pelas suas autoridades ou por entidades privadas, como o proprietário do imóvel. No caso de uma pessoa ser despejada da sua casa sem que o Estado Parte conceda ou garanta alojamento alternativo, o Estado Parte deve demonstrar que considerou as circunstâncias específicas do caso e que, apesar de ter adotado todas as medidas razoáveis para evitar o despejo, não conseguiu obter um alojamento alternativo. As informações fornecidas pelo Estado Parte devem permitir ao Comité considerar a razoabilidade das medidas tomadas em conformidade com o n.º 4 do artigo 8. do Protocolo Facultativo.
9.2 A obrigação de fornecer alojamento alternativo às pessoas despejadas que dele necessitem implica, sob o artigo 2º, nº 1, do Pacto, que os Estados Partes devem tomar todas as medidas necessárias, até ao máximo dos seus recursos disponíveis, para defender este direito. Os Estados Partes podem escolher uma variedade de políticas para atingir este objetivo. Contudo, quaisquer medidas adotadas devem ser deliberadas, concretas e direcionadas tão claramente quanto possível para a realização deste direito tão rápida e eficientemente quanto possível. As políticas relativas a alojamento alternativo em casos de despejo devem ser devem ser proporcionais às necessidades das pessoas em causa e à urgência da situação e devem respeitar a dignidade da pessoa. Além disso, os Estados Partes devem adotar medidas coerentes e medidas coerentes e coordenadas para resolver as deficiências institucionais e as causas estruturais da falta de falta de alojamento.»
A este propósito e a nível interno, releva a seguinte jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Acórdão nº 269/2019:
«Integrado no catálogo dos direitos económicos, sociais e culturais, o artigo 65.º da Constituição dispõe, no respetivo n.º 1, o seguinte:
«Artigo 65.º
(Habitação e urbanismo)
Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

Tendo por conteúdo «o direito a uma morada digna, onde cada um possa viver com a sua família» (Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Volume I, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2017, p. 958 e ss.), o direito à habitação encontra-se consagrado como um direito social, que a Constituição acolhe numa dupla dimensão, isto é, enquanto direito que gera para o Estado tanto o dever de omitir as ações suscetíveis de o comprometer ou afetar, como ainda a obrigação de promovê-lo e protegê-lo, através da criação e manutenção dos pressupostos de facto e de direito necessários à respetiva defesa e satisfação (neste sentido, sobre a dupla função vinculativa dos direitos fundamentais, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra, Coimbra Editora, 1991, p. 139).
Nesta última aceção — de resto, pacífica na jurisprudência deste Tribunal (cf. Acórdãos n.º 130/92, 131/92, 806/93, 32/97 e 590/04) —, o direito fundamental à habitação apresenta-se como um direito a ações positivas do Estado, nas quais vão incluídas quer as prestações fácticas quer as prestações normativas necessárias a assegurar a todos, por via da propriedade ou do arrendamento, a obtenção e conservação de uma «morada decente, para si e para a sua família» (Acórdão n.º 151/92).
Encontrando-se o legislador ordinário constitucionalmente vinculado à edição de normas de promoção e proteção do direito à habitação, o regime jurídico do arrendamento urbano, atualmente constante do NRAU, inscreve-se justamente no âmbito instrumentos de direito ordinário mobilizados para aquele fim.
Ora, no âmbito da concretização, através dos institutos de direito ordinário, dos chamados imperativos jurídico-constitucionais de tutela, o legislador dispõe, em regra, de um amplo espaço de livre apreciação, valoração e modelação dos instrumentos escolhidos em ordem à realização daquele desiderato.
No domínio da tutela infraconstitucional do direito à habitação, este amplo espaço de conformação que assiste ao legislador ordinário foi já por diversas vezes sublinhado na jurisprudência deste Tribunal.
Como se escreveu logo no Acórdão n.º 130/92:

«O “direito à habitação”, ou seja, o direito a ter uma morada condigna, como direito fundamental de natureza social, situado no Capítulo II (direitos e deveres sociais) do Título III (direitos e deveres económicos, sociais e culturais) da Constituição, é um direito a prestações. Ele implica determinadas ações ou prestações do Estado, as quais, como já foi salientado, são indicadas nos nºs 2 a 4 do artigo 65º da Constituição (cf. J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5ª ed., Coimbra, Almedina, 1991, p. 680 - 682). Está-se perante um direito cujo conteúdo não pode ser determinado ao nível das opções constitucionais, antes pressupõe uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, e cuja efetividade está dependente da chamada "reserva do possível" (Vorbehalt des Möglichen), em termos políticos, económicos e sociais [cfr. J.J. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, Coimbra Editora, 1982, p. 365, e Tomemos a Sério os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Separata do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - "Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia" - 1984, Coimbra, 1989, p. 26; J.C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 (Reimpressão), Coimbra, Almedina, 1987, p. 199 ss., 343 ss.]».

A mesma ideia foi subsequentemente desenvolvida no Acórdão n.º 806/93, aresto no qual pode ler-se o seguinte:

«A conceção constitucional quanto à efetivação do direito à habitação é, assim, uma conceção «plural» ou «aberta» quanto aos meios, que tanto pode ser canalizada na promoção e regulação da oferta habitacional, como da sua procura. […] [E]stá em causa uma pura opção de política social, adotada ao abrigo da liberdade que assiste ao legislador, dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos. Não pode, pois, um juízo de constitucionalidade incidir sobre as finalidades dessa política, mas tão somente sobre o confronto dos normativos que a corporizam com os pertinentes preceitos constitucionais».

Para além da ampla liberdade de conformação no âmbito estabelecimento do regime jurídico mais adequado à concretização do direito à habitação, o legislador goza ainda da faculdade de modificar tal regime ao longo do tempo, revendo as opções legislativas tomadas em cada momento histórico.
Uma vez que «em nenhum dos diversos números do artigo 65.º da Constituição, designadamente nas três alíneas do n.º 2, é cometida ao Estado uma tarefa da qual resulte, de alguma forma, a obrigação geral de manter soluções jurídicas anteriormente estabelecidas […]» (Acórdão n.º 465/01), o legislador não se encontra constitucionalmente impedido, em matéria de arrendamento para habitação, de ajustar os instrumentos de tutela à conjuntura, económica e social, presente em cada momento, mesmo que em aparente retrocesso da situação dos inquilinos existentes. Até porque, como nota Rui Medeiros, «mesmo existindo um aparente retrocesso na perspetiva da situação dos inquilinos existentes, uma conclusão definitiva no sentido da verificação de um retrocesso só pode ser alcançada depois da ponderação, para além da situação dos próprios senhorios, dos efeitos das medidas em causa sobre o mercado do arrendamento em geral» (ob. cit., p. 960).»
Acórdão nº 612/2019:
«Tal como outros direitos sociais, o conteúdo deste direito desdobra-se numa dupla vertente: por um lado, uma vertente de natureza negativa, que se traduz no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de atos que prejudiquem tal direito; por outro lado, uma vertente de natureza positiva, correspondente ao direito a medidas e prestações estaduais visando a sua promoção e proteção.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (cf. Constituição…, cit., pág. 834), tal direito:
«Consiste, por um lado, no direito de não ser arbitrariamente privado da habitação ou de não ser impedido de conseguir uma; neste sentido, o direito à habitação reveste a forma de “direito negativo”, ou seja, de direito de defesa, determinando um dever de abstenção do Estado e de terceiros, apresentando-se, nessa medida, como um direito análogo aos “direitos, liberdades e garantias” (cf. art. 17º). Por outro lado, o direito à habitação consiste no direito a obtê-la por via de propriedade ou arrendamento, traduzindo-se na exigência das medidas e prestações estaduais adequadas a realizar tal objetivo. Neste sentido, o direito à habitação apresenta-se como verdadeiro e próprio “direito social”.»

É esta vertente de direito social que implica um conjunto de obrigações positivas por parte do Estado, legitimando pretensões a determinadas prestações, que vem acentuada no artigo 65.º da CRP, particularmente nos seus n.ºs 2 a 4.
Significa isto que, sendo o direito à habitação configurado como um direito à proteção do Estado, as pretensões nele fundadas não têm como destinatários diretos os particulares, nas relações entre si, mas antes o Estado, as regiões autónomas e as autarquias, a quem são impostas um conjunto de incumbências no sentido criar as condições necessárias tendentes a assegurar tal direito. A garantia de tal direito envolve, deste modo, a adoção de medidas no sentido de possibilitar aos cidadãos o acesso a habitação própria (cf. o n.º 3 do artigo 65.º da CRP). Contudo, o mesmo direito não se esgota nem se identifica com o direito a ser proprietário de um imóvel onde se tenha a habitação, sendo realizável também por outras vias, designadamente através do arrendamento.
Neste mesmo sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 649/99, salientando, por um lado, que «o direito à habitação não se esgota ou, ao menos, não aponta, ainda que de modo primordial ou a título principal, para o “direito a ter uma habitação num imóvel da propriedade do cidadão”» e, por outro, «que o “mínimo de garantia” desse direito (ou seja, o de obter habitação própria ou de obter habitação por arrendamento “em condições compatíveis com os rendimentos das famílias”) é algo que se impõe como obrigação, não aos particulares, mas sim ao Estado».
Daí que, conforme referem ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira (cf. Constituição…, cit., pág. 836), incumba ao Estado «garantir os meios que facilitem o acesso à habitação própria (fornecimento de terrenos urbanizados, cré­dito acessível à generalidade das pessoas, direito de preferência na aqui­sição da casa arrendada, etc.) e que fomentem a oferta de casas para arrendar, acompanhada de meios de controlo e limitação das rendas (subsídios públicos às famílias mais carenciadas, criação de um parque imobiliário público com rendas limitadas, etc.).».
Assim, embora o direito à habitação possa justificar limitações à propriedade, tais limitações terão de obedecer sempre a um princípio de equidade e de proporcionalidade, sem que se perca de vista, no entanto, que o direito à habitação constitucionalmente garantido, na sua vertente positiva, tem como titulares passivos, em primeira linha, o Estado e os demais entes públicos territoriais, e não os particulares.
Nessa medida, a consagração do direito fundamental à habitação «pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo, a efetivar-se segundo a “reserva do possível”, não conferindo, por si mesmo, habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e de conforto, com preservação da intimidade pessoal e da privacidade familiar, na medida em que isso sempre dependerá da concretização da tarefa constitucionalmente atribuída ao Estado» (cf. Acórdão n.º 829/96 e, neste mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos n.ºs 508/99 e 29/2000).
Por outro lado, e tendo em conta a aludida vertente defensiva, está vedado ao legislador ordinário adotar soluções que impliquem a privação arbitrária, sem fundamento razoável, do direito a ter uma habitação condigna (cf., a este respeito, os Acórdãos n.ºs 4/96 e 402/2001). Mas o Tribunal Constitucional tem igualmente reconhecido que, nesta matéria, o legislador goza de um amplo espaço de conformação (cf., a este respeito, entre outros, o Acórdão n.º 806/93), conformação essa que a propósito da tutela da habitação própria permanente do executado, tem a vindo a ser exercida em diversas ocasiões.»
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.2022, Luís Espírito Santo, 11843/19, proferido num caso com algumas afinidades é dito claramente que:
«(…) merecendo a débil situação pessoal da Ré ocupante/utilizadora, mormente a sua fragilidade económica e o seu precário estado de saúde, o máximo respeito, devendo ser devidamente considerada, atendida e cuidada em sede e momento próprios pelas entidades públicas vocacionadas para a resolução destes problemas graves de emergência social, o certo é que a mesma não é suscetível, em termos estritamente jurídicos, de paralisar o direito de propriedade do A. que exige, legitimamente, a restituição de um bem que lhe pertence (…)
No mesmo sentido, não é possível interpretar o regime constante da Lei nº 83/2019, de 3 de Setembro, que estabelece as bases do direito à habitação e as incumbências e tarefas fundamentais do Estado na efetiva garantia desse direito a todos os cidadãos, nos termos da Constituição da República Portuguesa, como legitimando, num dado caso concreto, as ocupações de imóveis ilegalmente consumadas e que perdurem no tempo, agindo os ocupantes sem título e usando-os gratuitamente contra a vontade do seu proprietário, ao completo arrepio das atribuições conferidas às entidades competentes neste domínio da atribuição de habitação social, sob pena de total descaracterização e subversão da conceção de Estado de Direito que preside ao nosso edifício legislativo.»
Decorre desta jurisprudência que o direito à habitação constitui um direito a prestações positivas do Estado e de outros entes públicos territoriais, os quais são os seus sujeitos passivos, não sendo exercitável em via direta contra tais entidades e, muito menos, contra particulares. Sob a reserva do possível, cabe ao Estado desenvolver políticas que fomentem a habitação, designadamente para os mais carenciados.
Isto mesmo decorre da Lei da Habitação (Lei nº 83/2019, de 3.9) cujo Artigo 13º dispõe que:
Artigo 13.º
Proteção e acompanhamento no despejo
1 — Considera -se despejo o procedimento de iniciativa privada ou pública para promover a desocupação forçada de habitações indevida ou ilegalmente ocupadas.
2 — A lei estabelece os termos e condições em que a habitação é considerada indevida ou ilegalmente ocupada.
3 — O despejo de habitação permanente não se pode realizar no período noturno, salvo em caso de emergência, nomeadamente incêndio, risco de calamidade ou situação de ruína iminente, casos em que deve ser proporcionado apoio habitacional de emergência.
4 — O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento, nos termos definidos na lei, sem prejuízo do número seguinte.
5 — Em caso de ocupação ilegal de habitações públicas, o despejo obedece a regras procedimentais estabelecidas por lei.
6 — Sempre que estejam reunidas as condições para o procedimento previsto no n.º 1, são garantidos pelo Estado, nomeadamente:
a) Desde o início e até ao termo de qualquer tipo de procedimento de despejo, independentemente da sua natureza e motivação, a existência de serviços informativos, de meios de ação e de apoio judiciário;
b) A obrigação de serem consultadas as partes afetadas no sentido de encontrar soluções alternativas ao despejo;
c) O estabelecimento de um período de pré-aviso razoável relativamente à data do despejo;
d) A não execução de penhora para satisfação de créditos fiscais ou contributivos, nos termos da lei, quando esteja em causa a casa de morada de família;
e) A existência de serviços públicos de apoio e acompanhamento de indivíduos ou famílias vulneráveis alvo de despejo, a fim de serem procuradas atempada e ativamente soluções de realojamento, nos termos da lei.
7 — As pessoas e famílias carenciadas que se encontrem em risco de despejo e não tenham alternativa habitacional têm direito a atendimento público prioritário pelas entidades competentes e ao apoio necessário, após análise caso a caso, para aceder a uma habitação adequada.
Por sua vez, o Artigo 4º do Decreto-lei nº 89/2021, de 3.11, dispõe que:
Artigo 4.º
Dever objetivo de atuação das entidades públicas
1 - Cabe às entidades públicas, no âmbito da proteção e acompanhamento no despejo, conforme estabelecido no artigo 13.º da Lei n.º 83/2019, de 3 de setembro, prestar o apoio necessário aos agregados familiares em situação de efetiva carência habitacional nos termos definidos no n.º 1 do artigo anterior, sinalizados no âmbito do atendimento de ação social, designadamente aquele a que se refere o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 55/2020, de 12 de agosto, sem prejuízo do disposto na Portaria n.º 120/2021, de 8 de junho.
2 - Não existindo alternativa habitacional adequada, deve ser salvaguardado o encaminhamento para uma resposta habitacional permanente do parque habitacional público existente, quer dos municípios, quer do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P. (IHRU, I. P.), e de acordo com os respetivos critérios de elegibilidade.
3 - Na impossibilidade de promover a imediata atribuição de uma habitação permanente no parque habitacional público existente, o município da área de localização da habitação a desocupar deve promover, cumpridos os requisitos de elegibilidade do Decreto-Lei n.º 37/2018, de 4 de junho, na sua redação atual, a inclusão das situações referidas no número anterior no âmbito da sua Estratégia Local de Habitação ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 37/2018, de 4 de junho, na sua redação atual.
4 - O disposto no número anterior não prejudica que o município ou, existindo, outras entidades com competência para o efeito, encaminhem ou assegurem a implementação de uma solução de alojamento temporário, em articulação com o Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.), e o IHRU, I. P., no âmbito das respetivas competências.
5 - A articulação referida no número anterior é operacionalizada através de sinalização junto dos serviços de ação social locais ou de outras entidades que, em função da matéria, sejam competentes, preferencialmente através da Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 26/2021, de 31 de março, ou de outras respostas sociais disponíveis.
6 - O disposto no número anterior não prejudica, complementarmente, a salvaguarda de soluções habitacionais de emergência através do município, em articulação com o IHRU, I. P., no âmbito dos respetivos programas, sendo possível recorrer-se, se necessário, ao arrendamento de frações ou de prédios destinados a habitação.
7 - O financiamento da solução habitacional prevista no número anterior é complementarmente elegível para apoio a uma solução habitacional transitória ao abrigo do disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 29/2018, de 4 de maio, na sua redação atual.
Resulta deste acervo normativo que, caso o executado e mulher não tenham condições económicas efetivas de providenciar pelos próprios meios uma solução de habitação, cabe-lhes- conforme deflui destes normativos – dirigir-se ao respetivo Município, ao IHRU, IP e/ou ao ISS, IP, sendo estas as entidades públicas incumbidas de diligenciar pela obtenção de uma solução habitacional, mesmo transitória.
O executado  já deveria ter-se dirigido a estas entidades públicas,  desde logo no período em que beneficiou do diferimento da desocupação, sendo que este período se destina, em primeira linha, a permitir que o beneficiado disponha de mais algum tempo útil para, sendo necessário, junto de entidades públicas tentar obter uma solução de alojamento.
A legislação interna referida conforma-se com o dever geral de atuação propugnado pelo Comité para Portugal, enquanto Estado-Membro da Convenção, incumbindo o Estado-Membro de adotar todas as medidas razoáveis no intuito de alcançar um alojamento alternativo.
Além do mais, o teste da proporcionalidade não se mostra inobservado porquanto o executado beneficiou já de um diferimento da desocupação, em 27.2.2023, pelo prazo de cinco meses. Conforme é referido pelo Comité, cabia ao executado cooperar com as autoridades na procura de soluções adequadas, sendo que dos autos não resulta que o executado tenha contactado o ISS, IP, o Município ou o IHRU, IP, como lhe incumbia neste longo período já decorrido após o diferimento da desocupação.
Se o despacho proferido, ao não vincular a atuação das autoridade policial em coordenação com os serviços da Segurança Social, viola o Artigo 6º, nº1, da CEDH, Artigos 25º, nº 2, e 65º da CRP.
Dispõe o Artigo 861º, nº 6, do Código de Processo Civil , que «Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos nºs 3 a 5 do artigo 863º e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.»
Conforme se refere em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2ª ed., 2022, Almedina, pp. 302-303:
«O disposto no nº 6 não vincula nem o tribunal, nem o exequente, nem o agente de execução, administrador da insolvência ou credores, a assegurar o efetivo realojamento ao executado/insolvente e seu agregado familiar, mas apenas a informar previamente as entidades com competência para, em caso de dificuldade de realojamento, lhe prestarem apoio, no quadro das suas competências legais, a fim de a diligência de entrega do imóvel poder ter lugar na data designada (RL 27-4-21, 929/13). A jurisprudência vem decidindo que a comunicação em causa não determina a suspensão das diligências executivas para entrega do imóvel, entendendo que, na data designada, a diligência se executará, no pressuposto de que as entidades notificadas tiveram oportunidade para analisar a situação e providenciar pela solução do problema do alojamento do executado. Mesmo que tal não tenha ocorrido, a execução da entrega de imóvel não se suspende, uma vez que a lei não o afirma, ao contrário do caso previsto no nº 3 do art. 863º, sendo que o legislador terá ponderado que não seria justo onerar o exequente com a inércia ou a incapacidade dos organismos oficiais, cometendo-lhe uma tutela de facto que legalmente não lhe caberia, com a inerente e injustificada compressão dos seus direitos (RG 21-3-19, 153/15, RG 29-11-18, 2098/08 e RL 22-1-15, 161/06).»
Não vemos razões para nos apartar desta interpretação, daqui decorrendo que, de facto, a execução do despejo deve ser precedida da comunicação pelo agente de execução ao Município em causa, ao IHRU, IP e ao ISS, IP da existência de dificuldades do realojamento do executado casos estas tenham sido reconhecidas ou invocadas no processo, tanto mais que o agente de execução tem conhecimento que este deduziu incidente de diferimento da desocupação. Essa comunicação deverá ocorrer com uma antecedência de, pelo menos, 10 dias em relação à data designada para a execução do despejo (cf. Artigos 720º, nº7, e 149º, nº1, do Código de Processo Civil e 86º, nº1, do Código de Procedimento Administrativo).
Essa incumbência é própria do agente de execução (cf. Artigos 861º, nº 6, e 719º, nº1, do Código de Processo Civil), não carecendo expressamente de despacho prévio do juiz. Todavia, tendo sido o juiz chamado a decidir o requerimento formulado e pronunciando-se expressamente sobre os termos da desocupação, em conformidade, cabia ao Mmo Juiz enfatizar a necessidade de cumprimento de tal comunicação prévia por parte do agente de execução, o que não fez.
Isto não significa que, conforme visto acima, a execução do despejo só seja admissível mediante asseguramento prévio do realojamento do executado. Não cabe ao Tribunal assegurar realojamento ao executado, mas apenas comunicar a necessidade do mesmo ao Município, ao ISS, IP e ao IHRU, IP, cabendo a estes diligenciar pelo suprimento de tal necessidade (cf. supra). O Tribunal não supre necessidades de habitação, limitando-se a dirimir litígios, no caso entre privados.
A invocação que o apelante faz do disposto no Artigo 6º da CEDH não tem qualquer pertinência nem fundamento no enfoque que pretende.
Dispõe o nº1 de tal preceito que: «Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça
Ora, não está minimamente indiciada qualquer limitação no exercício dos direitos que assistem ao executado, muito pelo contrário, o que os autos evidenciam é que os mesmos foram exercidos pelo próprio, sem qualquer limitação anómala ou indevida por parte do Tribunal a quo.
Em sentido oposto, há que notar que a demora excessiva do procedimento tendo em vista reinvestir o exequente/ex-senhorio na posse do imóvel pode integrar uma violação dos Artigos 1º e 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
No Acórdão de 30.11.2000, Caso Edoardo Palumbo v. Italy, o TEDH analisou a questão nestes termos:
«26. O Tribunal reitera que uma ingerência ao abrigo do segundo parágrafo do Protocolo n.º 1, deve estabelecer um "justo equilíbrio" entre as exigências entre as exigências do interesse geral e os requisitos de proteção dos direitos proteção dos direitos fundamentais do indivíduo. Deve existir uma relação razoável de proporcionalidade entre os meios utilizados e o objetivo prosseguido.  Ao determinar se esta exigência está preenchida, o Tribunal de Justiça reconhece que o Estado goza de uma ampla margem de apreciação, tanto no que se refere à escolha dos meios de execução e de verificar se as consequências da  execução se justificam no interesse geral para atingir o objetivo da lei em questão.  Em domínios como a habitação, que desempenha um papel central nas políticas económicas e de bem-estar das sociedades modernas, o Tribunal de Justiça respeitará o juízo do legislador sobre o que é de interesse geral, exceto se esse juízo for manifestamente desprovido de fundamento razoável (ver acórdão Immobiliare Saffi, supracitado, § 49 e acórdão Chassagnou e o. contra França, de 29 de março de 2000, § 49)
(...)
41. O Tribunal de Justiça observa que um senhorio não pode pedir a execução de uma ordem de posse [despejo] contra um inquilino até à data em que o magistrado, tendo em conta as necessidades especiais do senhorio e do arrendatário e os e os motivos do despejo, fixa a ordem. A duração máxima da suspensão da execução é fixada por lei em seis meses ou, em casos excecionais, em doze meses, após o qual o senhorio deve ser autorizado a executar a ordem (ver Immobiliare Saffi § 20). (…)
42. O Tribunal recorda que o direito a um tribunal, garantido pelo artigo 6 a decisões judiciais definitivas e vinculativas, que, nos Estados que aceitam o Estado de direito, não podem permanecer inoperantes em detrimento de uma das partes (ver, mutatis mutandis, o acórdão Hornsby c. Grécia, acórdão de 19 de março de 1997, Coletânea de acórdãos e decisões 1997-II, p. 1 Decisões 1997-II, p. 510, § 40). Por conseguinte, a execução de uma decisão judicial não pode ser indevidamente atrasada.
(...)
46. Em conclusão, embora se possa aceitar que os Estados Contratantes podem, em circunstâncias excecionais e, como neste caso, fazendo uso da sua da sua margem de apreciação para controlar o uso da propriedade,  intervir em processos de execução de uma decisão judicial, a consequência dessa de tal intervenção não deve ter como consequência que a execução seja impedida, invalidada ou indevidamente atrasada ou, ainda menos, que a substância da decisão seja prejudicada.
47. No caso em apreço, o requerente foi privado do seu direito, nos termos do da Convenção de ver o seu litígio (contestação) com o seu inquilino do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção, de ver o seu litígio (contestação) com o seu inquilino decidido por um tribunal. Esta situação é incompatível com o princípio do Estado de direito.
Consequentemente, existe uma violação do artigo 6 § 1 da Convenção.»
Conforme é enfatizado neste Acórdão, a execução de uma decisão judicial de despejo não pode ser indevidamente atrasada.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em:
a) julgar parcialmente procedente a apelação, devendo o tribunal a quo ordenar que o agente de execução, com uma antecedência mínima de dez dias, comunique ao Município, ao ISS, IP e ao IHRU, IP a realização da execução do despejo, precisando que o executado tem dificuldades de realojamento;
b) no mais, julga-se a apelação improcedente, mantendo-se a decisão impugnada.
Custas pelo apelante e pelo apelado, na vertente de custas de parte, na proporção de ¾ e ¼, respetivamente (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 11.7.2024
Luís Filipe Sousa
Cristina Silva Maximiano
Diogo Ravara
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge  Leal, 331/21, de 11.6.2024, Leonel Serôdio, 7778/21. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).