Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CONCEIÇÃO SAAVEDRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA SIMPLES REMUNERAÇÃO DEVIDA CONCLUSÃO DO NEGÓCIO EXERCÍCIO DE MEDIAÇÃO NEXO DE CAUSALIDADE NULIDADE DO CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I- No contrato de mediação imobiliária simples a remuneração será devida com a conclusão e perfeição do negócio visado através do exercício da mediação, desde que a atividade desenvolvida pelo mediador constitua causa adequada, ainda que não exclusiva, à conclusão do negócio; II- Tendo A. e RR. mencionado, nos contratos escritos de mediação imobiliária entre si celebrados, um valor remuneratório superior ao efetivamente acordado, aceitando a desconformidade – uma vez que que nos contratos de referência da A./mediadora é sempre indicada uma comissão de 5% (que já vem assim fixada, não sendo elemento de preenchimento manual), não permitindo o sistema informático a entrada de um imóvel com comissão inferior – não devem considerar-se os referidos contratos omissos quanto às condições de remuneração da primeira, nos termos e para os efeitos previstos na al. c) do nº 2 do art.º 16 do RJAMI; III- A invocação de uma tal irregularidade pelos RR. não poderia, em todo o caso, deixar de considerar-se abusiva e contrária ao princípio da boa-fé na medida em que a A. terá confiado, ao celebrar os contratos de mediação, que os RR. não viriam a questionar a validade dos mesmos por deles constar um valor de remuneração distinto do que fora, de facto, combinado; IV- A nulidade do contrato de mediação imobiliária não desonera necessariamente o cliente de qualquer obrigação perante a mediadora; V- Assim, comprovando-se que, no âmbito de contratos de mediação imobiliária simples (em regime de não exclusividade), vieram a concretizar-se os negócios visados, de venda dos imóveis dos RR., por intervenção da A./mediadora que conseguiu interessado por si angariado, não poderia a mesma deixar de ser remunerada pelo serviço que prestou, ainda que fossem julgados nulos os referidos contratos de mediação celebrados. (da exclusiva responsabilidade da relatora – art.º 663, nº 7, do C.P.C.) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I- Relatório: Alismédia-Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda, veio propor contra IB e marido, JB, em 15.7.2021, providência de injunção, pedindo o pagamento da quantia global de €8.032,48, incluindo juros e a taxa de justiça suportada, sendo €7.241,63 o valor em falta da remuneração devida pela atividade de mediação desenvolvida pela A. na venda de duas frações autónomas pertencentes aos RR., nos termos acordados entre as partes. Diz, no essencial, que tendo-se concretizado os negócios visados, os RR. apenas pagaram à A., a final, a quantia de €13.276,31 (já haviam pago €20.517,94 com a assinatura do contrato promessa de compra e venda), recusando-se a pagar ainda o valor de € 7.241,63 da totalidade da comissão devida. Os RR. deduziram oposição, alegando, em síntese, que as partes acordaram que a comissão a pagar pelos serviços de mediação imobiliária da A., para venda de dois imóveis (um apartamento e um lugar de estacionamento) dos RR., seria de 3,5% + IVA, contra o que consta dos respetivos contratos escritos (5% + IVA), tendo a A., após a aceitação de proposta de aquisição pelos RR. no valor de €775.000,00 relativamente ao apartamento, informado estes que o negócio não poderia ser concretizado se os mesmos não aceitassem um aumento da comissão para 4,25% + IVA devido a exigências da agência imobiliária que representava os compradores do imóvel. Tendo a Ré aceitado um aumento da comissão caso o valor da proposta também subisse para compensar esse aumento, os RR. acabaram por anuir a uma proposta no valor de €785.000,00, mas que incluía também o lugar de estacionamento no negócio e não era tão vantajosa. Vieram os RR. a saber que a A. falseara o pretexto para elevar o valor da comissão, pelo que apresentaram reclamação por essa atuação perante a Century 21 Portugal que não foi atendida, e apenas pagaram o valor correspondente aos 3,5% + IVA de comissão acordada pelos serviços de mediação imobiliária. Mais invocam a nulidade dos contratos por falta de elementos obrigatórios (valor da comissão acordada de 3,5% + IVA e identificação da agente angariadora), ou ainda por ausência de outros elementos caso se considere como contrato a troca de mensagens por correio eletrónico, e, subsidiariamente, a anulabilidade dos mesmos com fundamento em vício da vontade. Pedem a improcedência da causa, formulam pedido reconvencional e pedem a condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização, por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e omitir factos relevantes para a decisão da causa. A convite do Tribunal, a A. juntou requerimento inicial aperfeiçoado e os RR. exerceram o contraditório. A A. pronunciou-se sobre a matéria de exceção arguida, sobre a reconvenção deduzida e sobre a litigância de má-fé que lhe é imputada, concluindo pela respetiva improcedência. Por despacho de 31.5.2022, foi indeferido liminarmente, por inadmissibilidade legal, o pedido reconvencional formulado pelos RR.. Realizada audiência de discussão e julgamento foi, na sessão que ocorreu em 5.12.2022, proferida sentença nos seguintes termos: “(...) Pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal citado, se decide: a) Julgar procedente a presente acção e, consequentemente, condenar os Réus IB e JB, a pagarem à Autora Alismédia - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. a quantia de € 7.241,63 (sete mil duzentos e quarenta e um cêntimos e sessenta e três euros), acrescida de juros de mora, à taxa comercial, vencidos, desde 01.03.2022, e vincendos, até integral pagamento (artigos 805º e 806º do Código Civil). b) Não condenar a Autora como litigante de má-fé. Custas a cargo dos Réus (artigo 527º do CPC). (…).” Inconformados, recorreram os RR., IB e JB, culminando as alegações por si apresentadas com as conclusões a seguir transcritas: “ 1. Os contratos de mediação imobiliária celebrados entre Autora e Réus são nulos, nos termos do artigo 16.º, n.º 2, alínea c), e n.º 5, do RJAMI, uma vez que as condições de remuneração da Autora efetivamente acordadas entre as partes (comissão de 3,5%+IVA sobre o valor do negócio) não eram as que constavam do seu clausulado, conforme reconhecido na Sentença recorrida. 2. Errou o Tribunal ao considerar que a nulidade seria afastada pelo princípio da boa fé, por um lado, porque a própria Autora não agiu de boa fé e, por outro, porque não corresponde à verdade que a atuação dos Réus tenha gerado confiança na Autora, uma vez que aqueles mostraram o seu desacordo com o valor da comissão pretendido pela Autora, pelo menos desde a reclamação que apresentaram em 11.12.2018. 3. Ao não reconhecer a nulidade dos contratos de mediação imobiliária celebrados entre Autora e Réus, a Sentença incorreu em erro de direito, violando o disposto no artigo 16.º, n.º 2, alínea c), e n.º 5, do RJAMI. 4. Caso assim não se entenda, e sendo o contrato de mediação imobiliária um negócio formal, porque necessariamente reduzido a escrito (cf. artigo 16.º, n.º 1, do RJAMI), qualquer alteração contratual ao mesmo terá forçosamente de revestir a mesma forma, sob pena de nulidade. 5. A alteração das condições remuneratórias da Autora não revestiu a mesma forma dos contratos de mediação imobiliária, não tendo sido reduzida a escrito, pelo que padece de nulidade, tendo o Tribunal incorrido em erro de direito e violado o artigo 16.º, n.ºs 1 e 5, do RJAMI, ao não reconhecer tal nulidade. 6. Mais, o Tribunal incorreu em omissão de pronúncia - sendo, por conseguinte, a Sentença nula, nos termos conjugados dos artigos 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil -, ao não apreciar concretamente a validade formal da alteração das condições de remuneração da Autora, apesar de a nulidade da mesma ter sido oportunamente invocada pelos Réus e ser de conhecimento oficioso (cf. artigo 286.º do Código Civil).” Pedem a revogação da sentença. Em contra-alegações, a apelada, Alismédia-Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda, sustenta o acerto do julgado, alinhando, por sua vez, as seguintes conclusões: “ I. Vem o Recurso interposto pelos Recorrentes por não concordarem com a, aliás, douta Decisão proferida, alegando que “a Sentença padece de erro de direito.” e que “A Sentença esteve mal, como mínimo, (i) ao considerar válidos os contratos de mediação imobiliária, e, mesmo que o fossem, (ii) ao ignorar a invalidade da alteração contratual respeitante ao valor da comissão a pagar pelos Réus”. II. Bem andou o Tribunal a quo ao não declarar nulo o Contrato de Mediação Imobiliária pelas razões apontadas pelos Recorrentes. III. A Recorrida deu a conhecer, primeiramente que a comissão seria de 3,5% + IVA, apesar de no Contrato de Mediação Imobiliária constar que seria de 5% + IVA, por o sistema informático, da Century 21, não permitir tal alteração. IV. E, os Recorrentes sempre tiveram conhecimento de quem era a angariadora imobiliária, ou seja, sabiam que era MMC, pois foi ela que sempre foi a sua interlocutora. V. Tendo esta informado mais tarde, que o negócio poderia não se concretizar se a comissão não passasse para 4,25% + IVA, sobre o valor da venda, e explicado qual a razão. VI. Tendo os Recorrentes aceite tal comissão expressamente, que só mais tarde vieram a impugnar, depois do negócio concluído, não pagando a totalidade do valor acordado. VII. Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao desconsiderar a invocada nulidade, uma vez que os Recorrentes aceitaram e a Recorrida prestou àqueles a sua actividade. VIII. Tendo os Recorrentes celebrado a Escritura de Compra e Venda e pago à Recorrida os valores de €20.517,94 e €13.276,31. IX. Não é, assim, de considerar, como alegam os Recorrentes, que alteração contratual é nula, por falta de forma, uma vez que o aceitaram posteriormente e expressamente, não se verificando qualquer omissão de pronúncia, ou mesmo erro no Direito aplicado. X. Não lograram os Recorrentes provar qualquer desconhecimento sobre o nome da angariadora imobiliária nem sobre a comissão que aceitaram expressamente, por email, após saberem os termos do negócio que lhe foi proposto.” O recurso foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, mais se sustentando a inexistência da nulidade da sentença arguida. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II- Fundamentos de Facto: A sentença fixou como provada a seguinte factualidade: 1) A Alismédia é uma empresa que tem por objecto a actividade de mediação imobiliária e que pertence à rede Century 21. 2) Os Réus são casados, entre si, no regime de comunhão de adquiridos. 3) Os Réus conheceram MMC, agente imobiliária da Alismédia. 4) No âmbito da sua actividade a Autora celebrou, em 19/04/2018, com os Réus (ao que ora importa) dois contratos de mediação imobiliária, sendo um para venda da fracção autónoma designada pela letra "P" correspondente ao 5º Esquerdo do prédio sito na Av. 5 de Outubro n.º .., em Lisboa, descrito na CRP sob o n.º … da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, com o artigo matricial … da freguesia de Avenidas Novas, pelo valor de €785.000,00, e outro para venda da fracção "DI" correspondente a um lugar de estacionamento na cave -3 com entrada na Av. João Crisóstomo, do prédio sito na Av. 5 de Outubro, n.º .. a ..A e Av. João Crisóstomo n.º .. a ..E., descrito na CRP sob o n.º … da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, com o artigo matricial ... da freguesia de Avenidas Novas, pelo valor de €35.000,00, com a subscrição dos documentos cujas cópias se mostram insertas a fls. 56v e 57, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 5) Tais contratos foram celebrados inicialmente com regime de exclusividade, por um período de 6 meses. 6) Em 23 de Julho de 2018, através dos Aditamentos cujas cópias se mostram insertas a fls. 57v e 58, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, Autora e Réus acordaram alterar os referidos contratos de mediação imobiliária para o regime de não exclusividade. 7) A angariadora imobiliária dos imóveis (dos Réus) foi MMC. 8) Nos contratos de mediação imobiliária celebrados entre a Autora e os Réus não consta o nome da angariadora imobiliária MMC. 9) Os contratos de referência da Century 21 preveem uma comissão de 5% (mas que pode ser pelas partes negociada para menos). 10) À data da celebração dos contratos a Autora, através da angariadora MMC, e os Réus acordaram que a remuneração da primeira seria de € 3,5% + IVA sobre o preço do negócio concretizado, paga 50% no CPCV e 50% na celebração da escritura. 11) À data da assinatura dos contratos foi explicado aos Réus pela angariadora MMC que o sistema informático da Century 21 não permitiria formalmente a entrada de um imóvel com comissão inferior a 5% + IVA (que já vem assim fixada, não sendo elemento de preenchimento manual), mas que a comissão seria a acordada de 3,5% + IVA. 12) No dia 11.10.2018 a Autora deu a conhecer o apartamento dos Réus a um casal de clientes (estrangeiros de nacionalidade francesa) de uma outra agência, a Loadirect, Lda. (Century 21 República), que o visitaram na manhã desse dia. 13) Nesse mesmo dia tais clientes, que regressavam ao seu país no dia seguinte, estando ausentes do País durante um mês, apresentaram uma proposta para aquisição exclusivamente do apartamento no valor de €775.000,00. 14) Essa proposta foi aceite pela Ré. 15) A Loadirect, Lda. (Agência da Century 21 República), que tinha a indicação da cliente compradora, não aceitou receber de comissão menos que 2,5% do valor da venda, metade dos 5% do contrato de referência da Century 21. 16) Tal facto não foi aceite pela Century 21 Alismédia, Lda. que ficaria unicamente com uma comissão de 1%. 17) No dia 11.10.2018 a Ré recebeu telefonemas da angariadora MMC dando conta de dificuldades na concretização das negociações referentes à posição da Loadirect, Lda. que (no âmbito da cooperação entre agências da rede Century 21 intervenientes no negócio e do acordo pré-existente de partilha de comissão de 50%/50%) não aceitava receber de comissão menos que 2,5% do valor da venda, correspondente a metade dos 5% do contrato de referência da Century 21. 18) Em face do exposto a Alismédia, Lda. e a Loadirect, Lda. acordaram repartir (50%/50%) uma comissão de 4,25% mais IVA caso o valor final do negócio se situasse nos €785.000,00. 19) A Autora, através de MMC, transmitiu à Ré que o negócio não poderia ser concretizado se os Réus não aceitassem o aumento da comissão negociada (de 3,5% + IVA) para 4,25% + IVA. 20) Os Réus aceitaram pagar a comissão de 4,25% + IVA (do valor da venda), que naquela data foi proposta pela Autora, na condição do valor de venda ser alterado de €775.000,00 (setecentos e setenta e cinco mil euros) para €785.000,00 (setecentos e oitenta e cinco mil euros). 21) Na mesma data a Autora transmitiu aos Réus que os clientes (da Loadirect, Lda.) que visitaram (nessa manhã) o apartamento apresentaram (nova) proposta de compra no valor de €785.000,00, com inclusão de um lugar de estacionamento no piso - 3. 22) Os Réus aceitaram pagar a comissão de 4,25% + IVA sobre o valor total do negócio de €785.000,00 (setecentos e oitenta e cinco mil euros) pela venda do apartamento, com inclusão dos electrodomésticos encastrados (frigorifico, máquina de lavar loiça, máquina de lavar roupa, aparelhos de ar condicionado e aquecedores dos dois corredores) e pela venda do lugar de estacionamento no piso - 3 (fracções acima identificadas). 23) Em 19.10.2018 a Ré enviou para SF, JC e LA da Century 21 a mensagem de correio electrónico cuja cópia se mostra inserta a fls. 32v, que aqui se dá por integralmente reproduzida, de cujo teor consta, nomeadamente: (...) “Já agora, aproveito para expressar o meu descontentamento face ao aumento da comissão acordada já depois de feita a proposta. Foi-me dito pela minha agente que vocês ficariam com 2,5% e eles com o remanescente - não sei se será assim, mas foi muito pouco profissional da vossa parte”. 24) Em resposta, em 20.10.2018, JC enviou para a Ré a mensagem de correio electrónico cuja cópia se mostra inserta a fls. 32, que aqui se dá por integralmente reproduzida, de cujo teor consta, nomeadamente: (...) “Lamento mas o que a Sr.ª Dr.ª relata não corresponde à verdade e, porque pode afectar o nosso bom nome, sugiro e desde já damos o nosso consentimento para tal, que, de forma escrita e com cópia para todos, o vosso consultor imobiliário revele as condições de partilha acordadas entre as nossas duas agências bem como de que forma a elas se chegou”. 25) Em 14 de Novembro de 2018 entre os Réus, na qualidade de promitentes vendedores, e FB, na qualidade de promitente compradora, foi subscrito o contrato-promessa compra e venda cuja cópia se mostra inserta a fls. 91 a 104, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 26) A Autora emitiu a factura n.º FT V8001V1/20180059, datada de 12/11/2018, de € 16.681,00, acrescida de IVA, no total de € 20.517,94, a título de 50% da comissão. 27) Os Réus pagaram à Autora a quantia de €20.517,94. 28) Os Réus apresentaram a reclamação, datada de 11.12.2018, cuja cópia se mostra inserta a fls. 35 e 36, que aqui se dá por integralmente reproduzida, à Century 21 Portugal. 29) Em resposta à reclamação apresentada a Autora enviou aos Réus a mensagem de correio electrónico datada de 08.01.2019, cuja cópia se mostra inserta a fls. 44, que aqui se dá por integralmente reproduzida. 30) Por motivo da reclamação apresentada ES da Century 21 Iberia enviou aos Réus a mensagem de correio electrónico datada de 21.01.2019, cuja cópia se mostra inserta a fls. 45, que aqui se dá por integralmente reproduzida, de cujo teor consta, além do mais, que entraram em contacto com os parceiros Century 21 2 República e Century 21 Alismédia que prestaram esclarecimentos. 31) Por motivo do referido contacto JC, gerente da Century 21 2 República enviou à Century 21 Iberia, designadamente a ES, a mensagem de correio electrónico datada de 19.12.2018, cuja cópia se mostra inserta a fls. 109 e 110, que aqui se dá por integralmente reproduzida, de cujo teor consta (além do mais): “1 - O Dr. JB é cliente da Alismédia na qualidade de vendedor e o casal Beal (francês) é nosso cliente na qualidade de comprador. 2 - O imóvel do Dr. JB estava anunciado na Alismédia no 21Online com o valor de 790,000 euros e uma comissão de 5%. 3 - A nossa consultora SF contactou a colega da Alismédia, MMC, detentora da angariação, para efectuar uma visita. 5 - Realizou-se a visita ao imóvel (...) Posteriormente o nosso cliente apresentou uma proposta. Apresentámos essa proposta à consultora da Alismédia. Posteriormente à apresentação dessa proposta, a consultora da Alismédia comunicou à nossa consultora que a comissão afinal seria de 3,5% e não de 5%. 6 - Porque no 21Online a comissão indicada era 5% e porque nunca, em todo o processo e até esse momento, tínhamos sido informados que, afinal, essa comissão era de apenas 3,5%, contactámos, telefonicamente, o Broker da Alismédia, informando que não prescindíamos da nossa comissão de 2,5%. Não foi possível chegar a acordo nesta questão uma vez que a Alismédia também não aceitou pagar-nos 2,5% de comissão. 7 - Posteriormente e no mesmo dia, foi proposto pela consultora da Alismédia à nossa consultora uma comissão de 4,25% caso o valor final se situasse nos 785 mil euros. (...) 8 - Dado o negócio estar já numa fase muito adiantada e tendo em conta o “timing” para a sua resolução, o nosso cliente regressaria nesse mesmo dia a França e tinha criado fortes expectativas no fecho do negócio, propusemos esse valor ao nosso cliente, que o aceitou, atingindo-se assim o acordo final entre as partes. 9 - Posteriormente fomos contactados pelo cliente da Alismédia para apurar a questão da nossa “exigência” de subida da comissão de 3,5% para 4,25% para concretizar o negócio. Respondemos verbalmente que não tínhamos feito qualquer “exigência” e que, aliás, a questão da partilha da comissão era um assunto a debater apenas entre as agências. (...) O negócio prosseguiu, foi efectuado o CPCV e a escritura está marcada para 01/03/2019”. 32) Em 01 de Março de 2019 entre os Réus, na qualidade de vendedores, e FB, na qualidade de compradora, foi outorgada a escritura de compra e venda cuja cópia se mostra inserta a fls. 105 a 107, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 33) A Autora emitiu a factura FT V 9001V1/20190008, datada de 28 de Fevereiro de 2019, no valor de €16.681,00, acrescida de IVA, no total de €20.517,94, a título dos restantes 50% da comissão. 34) Os Réus [para além da quantia mencionada em 27)] pagaram à Autora a quantia de € 13.276,31. 35) Os Réus recusam pagar o valor de €7.241,63. Deu-se ainda como não provado, nomeadamente, que: A) A remuneração inicialmente acordada (3,5% + IVA) entre as partes e mencionada em 10) ficou dependente da descida do preço de venda dos imóveis. B) O transmitido pela angariadora MMC à Ré quanto à posição da Loadirect, Lda. que, então [mencionado em 17)], não aceitava receber de comissão menos que 2,5% do valor da venda não era verdadeiro. * III- Fundamentos de Direito: Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Compulsadas as conclusões da apelação, verificamos que cumpre apreciar: - da nulidade da sentença por omissão de pronúncia; - da subsunção jurídica: da nulidade dos contratos de mediação celebrados entre A. e RR.. A) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia: Dizem os apelantes que a sentença é nula, nos termos conjugados dos art.ºs 608, nº 2, e 615, nº 1, al. d), do C.P.C., por não ter concretamente apreciado a validade formal da alteração das condições de remuneração da A., apesar dessa nulidade ter sido oportunamente invocada pelos RR. e ser de conhecimento oficioso. A recorrida afirma não ocorrer tal nulidade, o que igualmente se sustenta na decisão que admitiu o recurso. Vejamos. As nulidades da decisão encontram-se taxativamente previstas no art.º 615 do C.P.C. e correspondem a deficiências que não podem confundir-se com o erro de julgamento. De acordo com a al. d) do nº 1 do art.º 615 do C.P.C., a decisão será nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.” A referida norma deve conjugar-se, por sua vez, com o nº 2 do art.º 608 do mesmo Código. Assim, ao juiz cabe resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nessa medida, se o mesmo deixar de pronunciar-se sobre questões que, nos moldes indicados, devia apreciar, a sentença é nula. Tais questões são, por outro lado, os problemas concretos a decidir e não os argumentos utilizados pelas partes na defesa das suas posições. Diz-nos J. Alberto dos Reis a tal propósito([1]): “(…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” O que os apelantes afirmam é que a sentença não apreciou concretamente a validade da alteração das condições de remuneração da A., designadamente à luz do art.º 16, nº 1, do RJAMI, apesar dessa nulidade ter sido invocada pelos RR. e estar em causa matéria de conhecimento oficioso. Desde logo, cumpre recordar que os RR. invocaram na sua contestação a nulidade dos contratos de mediação imobiliária por falta de elementos obrigatórios (valor da comissão acordada de 3,5% + IVA e identificação da agente angariadora), ou ainda por ausência de outros elementos caso se considere como contrato a troca de mensagens por correio eletrónico, e, subsidiariamente, a anulabilidade dos mesmos com fundamento em vício da vontade, não afirmando em particular existir uma nulidade autónoma respeitante à alteração das condições remuneratórias da A. (de 3,5% + IVA para 4,25% + IVA). De resto, tal afigura-se-nos até contraditório – como adiante melhor veremos – posto que dos contratos escritos consta uma remuneração de 5% + IVA (que já vem assim fixada, não sendo elemento de preenchimento manual, mas que pode ser negociada pelas partes para menos) – ver pontos 9, 10 e 11 supra. Ou seja, se não era possível, como foi explicado aos RR. (ponto 11), indicar no texto do contrato o valor de 3,5% + IVA, admitindo-se apenas que o valor de 5% + IVA era negociável para menos, e foi aceite aquela formulação, que sentido faria, nesse contexto, promover a alteração escrita das condições remuneratórias de 3,5% + IVA para 4,25% + IVA? De todo o modo, verifica-se que o Tribunal a quo apreciou a questão da nulidade dos contratos que fora invocada pelos RR., concluindo quanto à questão da remuneração, após considerações sobre o quadro legal aplicável e resenha dos factos apurados: “(…) À data da celebração dos contratos a Autora, através da angariadora MMC, e os Réus acordaram que a remuneração da primeira seria de € 3,5% + IVA sobre o preço do negócio concretizado, paga 50% no CPCV e 50% na celebração da escritura. À data da assinatura dos contratos foi explicado aos Réus pela angariadora MMC que o sistema informático da Century 21 não permitiria formalmente a entrada de um imóvel com comissão inferior a 5% + IVA (que já vem assim fixada, não sendo elemento de preenchimento manual), mas que a comissão seria a acordada de 3,5% + IVA. No presente caso resulta claro e inequívoco que entre a Autora e os Réus foram celebrados (ao que ora importa), dois contratos de mediação imobiliária que foram, em observância do quadro legal aplicável (artigo 16º, n.º 1 da Lei 15/2013, de 08.02), reduzidos a escrito. As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável constam dos contratos, embora no que respeita à percentagem da remuneração se mostre indicado 5% + IVA (remuneração que já vem assim fixada não sendo elemento de preenchimento manual), quando a comissão negociada (aquando da celebração dos contratos) e inicialmente acordada entre as partes foi de 3,5% + IVA, como se extrai da correspondência electrónica junta aos autos e resultou demonstrado. A este propósito resultou ainda assente que à data da assinatura dos contratos foi explicado aos Réus pela angariadora MMC que o sistema informático da Century 21 não permitiria formalmente a entrada de um imóvel com comissão inferior a 5% + IVA (que já vem assim fixada não sendo elemento de preenchimento manual), mas que a comissão seria a acordada de 3,5% + IVA. Pelo que, considerando o conspecto factual apurado, não se verifica, neste particular, a invocada nulidade, nem a suscitada divergência entre a vontade real e a vontade declarada [que são uma só e a mesma: remuneração de 3,5% + IVA sobre o preço do negócio concretizado, paga 50% no CPCV e 50% na celebração da escritura, e não 5% + IVA (que já vinha assim prévia e informaticamente inscrito nos contratos, não tendo sido elemento de preenchimento manual pelos Réus)]. Acresce que na hipótese sub Júdice (a entender-se diferente, o que não é o caso) sempre seria de desconsiderar quer a invocada nulidade, quer a suscitada anulabilidade, atento o princípio da boa fé, dado que as partes negociaram e acordaram a remuneração de 3,5% + IVA, actuaram na convicção de que não se suscitaria a invalidade de tal cláusula, gerando reciprocamente confiança na sua actuação, e dado que a Autora prestou a sua actividade, que esta conduziu à concretização dos negócios visados, e que os Réus pagaram parte substancial da remuneração acordada; por constituir abuso de direito. (…).” Por sua vez, e no que toca ao valor final da comissão, salienta-se na sentença que, face ao descrito nos pontos 15 a 22 supra, os RR. aceitaram pagar uma comissão de 4,25% + IVA, na condição do valor de venda ser alterado de €775.000,00 para €785.000,00, incluindo também a venda do lugar de estacionamento no piso -3. Resulta, assim, da sentença que foi apreciada a questão da nulidade dos contratos na vertente do valor da remuneração acordado (e ainda, mais à frente, também na relativa à falta de indicação da angariadora), considerando que, no contexto factual comprovado, não se verificava nem a invocada nulidade dos mesmos, nem a invocada anulabilidade (por divergência entre a vontade real e a vontade declarada), mais se afirmando que, ainda assim, sempre seriam ambas (nulidade e anulabilidade) de desconsiderar, atento o princípio da boa-fé, dado que as partes negociaram e acordaram a remuneração de 3,5% + IVA, atuando na convicção de que não se suscitaria a invalidade de tal cláusula. Ou seja, foi decidida, designadamente, a questão da nulidade do contrato sendo que as razões que explicam não se ter tal nulidade como verificada explicam, também e necessariamente, a eventual nulidade decorrente da alegada omissão escrita da alteração das condições de remuneração. Acresce que não só o Tribunal deu como provado que os RR. aceitaram pagar à A. uma comissão de 4,25% + IVA, como justificou (na motivação da decisão de facto), além do mais, essa prova, como bem assinala a recorrida, no documento de “(…) fls. 42 e 42v (correspondência electrónica datada de 11.10.2018 e 12.10.2018, trocada entre a angariadora MMC e os Réus) (…).” Em suma, é evidente que se encontram resolvidas na sentença todas as questões que as partes suscitaram nos autos e que ao Tribunal cumpria conhecer, como a relativa à nulidade dos contratos por falta de requisitos de forma. O que sucede é que os RR. discordam do que foi sentenciado e da apreciação levada a cabo sobre a arguida nulidade, defendendo que o Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do direito. Contudo, a questão de saber se foi feita inadequada subsunção jurídica dos factos corresponderá a um eventual erro de julgamento, não tendo a objeção dos apelantes nada tem que ver com a deficiência formal da decisão, designadamente por omissão de pronúncia, à luz do disposto na al. d) do nº 1 do art.º 615 do C.P.C.. Concluindo, não ocorre a nulidade arguida. B) Da subsunção jurídica: da nulidade dos contratos de mediação celebrados entre A. e RR.: Como acabamos de ver, a sentença apreciou a questão da nulidade dos contratos que fora invocada pelos RR., concluindo quanto à questão da remuneração nos termos acima transcritos que aqui se reproduzem, e ainda, mais à frente, também a relativa à falta de indicação da angariadora. Considerou, para tanto, que não se verificava nem a invocada nulidade dos contratos, nem a arguida anulabilidade (por divergência entre a vontade real e a vontade declarada), mais afirmando que, ainda assim, sempre seriam ambas (nulidade e anulabilidade) de desconsiderar, atento o princípio da boa-fé, dado que as partes negociaram e acordaram a remuneração de 3,5% + IVA, atuando na convicção de que não se suscitaria a invalidade de tal cláusula. No que se refere ainda à arguição de nulidade por falta de indicação da angariadora, considerou-se que os RR. agem em abuso de direito sobre cuja figura se discorre, concluindo-se: “(…) Assim, neste circunstancialismo, considerando o conspecto factual apurado, a invocação da nulidade do contrato por falta da identificação da angariadora imobiliária que teve intervenção e colaboração na preparação do contrato, após todo o comportamento que adoptaram, excede claramente os limites impostos pela boa fé e configura abuso de direito, na modalidade “venire contra factum proprium”. Tanto mais que tal falta (de indicação da identificação da angariadora imobiliária MMC) não importou desprotecção ou prejuízo dos Réus perante a Autora, e visa, tão-só, a desresponsabilização dos Réus pelo pagamento da quantia reclamada na acção, o que não se autoriza. (…). Vertendo tais ensinamentos para o caso concreto, resultando assente, nomeadamente, os factos constantes dos pontos 4), 7), 8), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 17), 19), 20), 21), 22), 25), 26), 27), 32), 33) e 34), que aqui se dão por integralmente reproduzidos, os Réus, com a invocação (apenas no âmbito da presente acção), posteriormente a todo o comportamento que anteriormente adoptaram, da nulidade em apreço, violam os princípios da boa fé e da confiança que a Autora neles depositou e excedem manifestamente os limites impostos pela boa-fé do direito que invocam. É na confiança que radica a proibição do "venire contra factum proprium", numa conduta que, objectivamente, interpretada face à lei, bons costumes, boa fé, legitima a convicção de que tal direito não será exercido. Na situação em apreço é indiscutível que a pretensão dos Réus é incompatível e contraditória com a sua conduta anterior. A materialidade apurada nos autos permite comprovar os traços nucleares do instituto abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil), de conhecimento oficioso. O que torna ilegítimo o exercício do direito que pretendem exercer ao invocar a mencionada nulidade. Nestas condições, porque as consequências do abuso do direito se reflectem na paralisação do direito, terá necessariamente que improceder a pretensão dos Réus, traduzida na assinalada nulidade dos contratos, por falta do elemento previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 16º da Lei 15/2013, de 08.02.(…).” No recurso, insistem os apelantes/RR. que os contratos celebrados entre A. e RR. são nulos, nos termos do art.º 16, nº 2, al. c), e nº 5, do RJAMI, uma vez que as condições de remuneração efetivamente acordadas entre as partes (comissão de 3,5% + IVA sobre o valor do negócio) não eram as que constavam do seu clausulado. Dizem, ainda, que a A. não agiu de boa-fé, ao contrário do que se afirma na sentença, sendo que não corresponde à verdade que a atuação dos RR. tenha gerado confiança nesta de que não invocariam a nulidade, uma vez que aqueles mostraram o seu desacordo com o valor da comissão pretendido pela A., pelo menos desde a reclamação que apresentaram em 11.12.2018. Mais defendem que a alteração das condições remuneratórias pela A. não revestiu a mesma forma dos contratos de mediação imobiliária, não tendo sido reduzida a escrito, pelo que padece de nulidade. Vejamos. O contrato de mediação imobiliária encontra-se hoje regulado pela Lei nº 15/2013, de 8.2, (RJAMI), aplicável ao caso, não deixando de constituir uma modalidade especial do contrato de prestação de serviços previsto nos art.ºs 1154 a 1156 do C.C.. De acordo com o disposto no art.º 2, nºs 1 e 2, da aludida Lei nº 15/2013, a atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte do mediador em nome do cliente, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de quaisquer direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos, bem como a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis, desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e sobre as características dos respetivos imóveis. Mais estabelece o nº 5 daquele art.º 2 que se define como destinatário do serviço o terceiro que celebre com o cliente da empresa qualquer negócio mediado por esta. A lei vigente deixa, por isso, de aludir à obrigação da mediadora de efetuar determinadas diligências (como sucedia no revogado DL nº 211/2004, de 20.8), limitando-se a descrever a atividade como a procura de destinatários. Todavia, sendo o contrato de mediação imobiliária reduzido a escrito, estabelecerá o mesmo a concreta obrigação jurídica assumida pela empresa mediadora (art.º 16 do RJAMI). Do respetivo contrato escrito devem constar ainda elementos obrigatórios, como “As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável” (art.º 16, nº 2, al, c)), sendo que o contrato será nulo se, designadamente, não obedecer à forma escrita ou não contiver os elementos obrigatórios indicados no nº 2 do art.º 16 do referido RJAMI. Trata-se, por sua vez, de uma nulidade atípica, que não pode ser invocada pela empresa de mediação (art.º 16, nº 5). O art.º 19, nº 1, do mesmo Diploma, estabelece ainda que: “A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.” Por conseguinte, no contrato de mediação simples a remuneração será, em princípio, devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. É, desse modo, indispensável para que o mediador adquira o direito à remuneração que o negócio seja concluído por efeito da sua intervenção (o mediador deve conseguir interessado por si angariado que venha a concretizar o negócio) ou seja, que a atividade desenvolvida pelo mediador constitua causa adequada à conclusão do negócio, mesmo que não seja a única causa do resultado produzido. Já nos contratos de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, e sem prejuízo da estipulação neles concretamente definida, a mediadora fica obrigada a desenvolver as ações necessárias à obtenção de interessado no negócio bem como, pelo menos, as tendentes à sua concretização([2]). Assim, o regime será diverso havendo cláusula de exclusividade, pois de acordo com o nº 2 do art.º 19 da mesma Lei, se o contrato for celebrado em regime de exclusividade, a remuneração será devida se a mediadora cumpriu a prestação a que se obrigou mas o negócio visado não se concretizou por causa imputável ao cliente. Revertendo para o caso em análise, constatamos que a questão central a decidir respeita à arguida nulidade dos dois contratos de mediação imobiliária celebrados tendo em conta as condições de remuneração da A.([3]), sendo que estamos perante dois contratos inicialmente celebrados em regime de exclusividade e mais tarde alterados para o regime de não exclusividade (pontos 4 a 6 supra). O primeiro aspeto a ter em conta é que os contratos de mediação imobiliária celebrados, por escrito, entre a A. e os RR., não são omissos quanto às condições de remuneração da primeira, nos termos e para os efeitos previstos na al. c) do nº 2 do art. 16 do RJAMI. Isso mesmo se assinala na sentença, quando se afirma, como acima já transcrito: “(…) As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável constam dos contratos, embora no que respeita à percentagem da remuneração se mostre indicado 5% + IVA (remuneração que já vem assim fixada não sendo elemento de preenchimento manual), quando a comissão negociada (aquando da celebração dos contratos) e inicialmente acordada entre as partes foi de 3,5% + IVA, como se extrai da correspondência electrónica junta aos autos e resultou demonstrado.(…).” Na verdade, o que sucede é que, conforme se apurou, a remuneração que do texto dos contratos consta, 5% + IVA, não corresponde à então efetivamente acordada, de 3,5% + IVA, tendo as partes aceitado a desconformidade, uma vez que que nos contratos de referência da Century 21 é indicada uma comissão de 5% (mas que pode ser pelas partes negociada para menos), e que, à data da assinatura dos ditos contratos, aos RR. foi explicado pela angariadora MMC que o sistema informático da Century 21 não permitiria formalmente a entrada de um imóvel com comissão inferior a 5% + IVA (que já vem assim fixada, não sendo elemento de preenchimento manual), mas que a comissão seria a acordada de 3,5% + IVA (pontos 9 a 11 supra). Ou seja, resulta inequívoco que ambas as partes, quando celebraram os contratos escritos, aceitaram que o valor que nos mesmos foi indicado não correspondia ao exatamente acordado, salientando-se, aliás, que pelo menos o R. marido é Advogado (intervindo na presente causa nessa qualidade e também enquanto mandatário da Ré mulher). Deste modo, os RR. concordaram e não deixaram de celebrar os contratos nas referidas circunstâncias. Cremos, por isso, na linha do entendimento seguido em 1ª instância, que a referida indicação escrita do valor remuneratório de 5% + IVA como devido à A., em divergência com o acordado (3.5% + IVA), não implica a nulidade dos contratos, posto que estes não são omissos nesse tocante, sendo essa a nulidade que se refere o art.º 16, nº 2, al, c), e nº 5, do RJAMI. Mas, a admitir-se que a referida desconformidade (não omissão, repisa-se) implicaria a nulidade dos contratos por constituir uma errada indicação das condições de remuneração, e sem prejuízo do desenrolar posterior dos acontecimentos, cremos que a invocação de uma tal irregularidade pelos RR. não pode deixar de considerar-se abusiva e contrária ao princípio da boa-fé. É que, nas circunstâncias descritas, a A. terá confiado, ao celebrar os contratos, que os RR. não viriam a questionar a validade dos mesmos por deles constar um valor de remuneração distinto do que fora, de facto, combinado. Dispõe o art.º 334 do C.C. que: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” Como referem Pires de Lima e Antunes Varela([4]), a conceção adotada de abuso de direito no art.º 334 do C.C. é a objetiva: “(…) Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites.(…)” A ilegitimidade em que se traduz o abuso de direito não resulta da violação formal de qualquer preceito legal em concreto mas da utilização manifestamente anormal, excessiva, do direito, independentemente do animus ou da consciência que o seu titular tenha do carácter abusivo da sua conduta([5]). “(…) Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder. É preciso, como acentuava M. de Andrade, que o direito seja exercido, «em termos clamorosamente ofensivos da justiça» (…)”([6]). O abuso de direito surge, deste modo, como a exceção oposta ao direito, cuja existência em si não é questionada, mas cujo exercício, por circunstâncias concretas, se torna inadmissível. Daí que a verificação do abuso legitime a oposição ao seu exercício e paralise a respetiva execução. Uma das modalidades desse abuso é a chamada conduta contraditória, venire contra factum próprio, em combinação com o princípio da tutela da confiança. Ora, tendo os RR. claramente aceitado celebrar os contratos conhecendo a desconformidade existente quanto à menção escrita da remuneração, não poderão razoavelmente pretender comprometer mais tarde a validade dos mesmos com base nessa mesma desconformidade, que à partida conheciam e que não impediu que contratassem com a A.. Uma coisa é discutir-se qual a remuneração efetivamente devida. Outra é, como pretendem os RR., impugnar a validade formal dos contratos com fundamento na irregularidade/desconformidade existente quanto à indicação desse valor nos contratos escritos. Acresce que, em face dos factos apurados, não resulta que a A. tenha atuado de má-fé ao reclamar, mais tarde, valor remuneratório superior a 3,5% + IVA (ver igualmente o ponto B não provado), sendo ainda certo que, como também se apurou, os RR. aceitaram pagar o valor de 4,5% + IVA, conforme descrito nos pontos 12 a 22 supra. De resto, o desentendimento entre A. e RR. apenas terá surgido posteriormente, quando estes duvidaram das razões que teriam levado a A. a pedir uma remuneração superior a 3,5% + IVA, como alegam na sua contestação (ver artigos 38º e 39º daquele articulado). Em súmula, cremos que, conforme se entendeu na sentença recorrida, aos RR. sempre estaria vedado invocar a nulidade dos contratos ao abrigo do disposto no art.º 16, nº 2, al, c), e nº 5, do RJAMI. Dizem, por sua vez, os apelantes que a alteração das condições remuneratórias pela A. não revestiu a mesma forma dos contratos de mediação imobiliária, não tendo sido reduzida a escrito, pelo que padece de nulidade. Temos dificuldade em acompanhar a argumentação recursiva, no quadro da factualidade assente, como acima já anunciámos a propósito da arguida nulidade da sentença. Pois se dos contratos escritos consta uma remuneração de 5% + IVA, previamente fixada, não sendo este elemento de preenchimento manual, mas que pode ser negociada pelas partes para menos, como resulta dos pontos 9, 10 e 11 supra, e se não era viável mencionar no texto dos contratos o valor de 3,5% + IVA, que foi o valor efetivamente acordado, e as partes aceitaram tal formulação e discrepância, nomeadamente os RR., que lógica teria, nesse contexto, promover a alteração escrita das condições remuneratórias de 3,5% + IVA para 4,25% + IVA? E de que modo poderia fazer-se tal alteração, em novos contratos ou aditamentos como parece sugerir-se, se dos escritos já celebrados constava o valor remuneratório de 5% + IVA por não ser possível inscrever um outro (o que se aceitou)? Aliás, e como acima já referimos, o Tribunal deu como provado que os RR. aceitaram pagar à A. uma comissão de 4,25% + IVA, justificando-se, na motivação da decisão de facto, além do mais, essa demonstração no documento de “(…) fls. 42 e 42v (correspondência electrónica datada de 11.10.2018 e 12.10.2018, trocada entre a angariadora Margarida . e os Réus) (…).” Por conseguinte, a alteração do valor remuneratório (para 4,25% + IVA) resultou comprovada e assentou em acordo escrito entre as partes, o que não foi tão pouco posto em causa. Pelo que sempre aproveitariam também aqui os motivos atrás já referidos sobre a impossibilidade de os RR., que concordaram expressamente com tal alteração, poderem invocar a nulidade dos contratos agora por inobservância da forma escrita quanto à alteração do valor da remuneração, ao abrigo do disposto no art.º 16, nºs 1 e 5, do RJAMI. Isto é, de novo aqui se deve ter como abusiva e contrária às regras da boa-fé a invocação dos RR.. Por último, e nem por isso de menor relevância, cumpre realçar que do eventual reconhecimento da nulidade dos contratos de mediação imobiliária sub judice não decorreria, ainda assim, o efeito pretendido pelos RR./apelantes quanto à dispensa do pagamento à A. da remuneração peticionada. De facto, a declaração de nulidade tem efeito retroativo, acarretando a obrigação de restituir tudo o que houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (cfr. art.º 289, nº 1, do C.C.). Desta forma, uma vez julgado nulo um contrato tudo funciona como se o mesmo nunca tivesse existido, obrigando-se os intervenientes a repor o que tenham recebido. Daqui decorre que a nulidade do contrato não desonera necessariamente o cliente de qualquer obrigação perante a mediadora e antes desencadeia a produção de efeitos em relação aos contraentes. Constituiria, na verdade, verdadeiro abuso de direito a possibilidade de invocação pelo cliente/proprietário da nulidade do contrato de mediação por vício de forma com o objetivo de se eximir ao pagamento da remuneração correspondente ao serviço efetivamente prestado pela mediadora. Como refere Higina Orvalho Castelo([7]): “(…) quando o direito não conduz à manutenção do contrato, declarada a sua nulidade, haverá que ter em consideração o disposto no art.º 289, n.º 1, do CC: a nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Ora, tendo sido prestada com êxito a atividade de mediação, e tendo o cliente celebrado o contrato visado graças à atuação da mediadora, creio que o melhor critério para aferir o valor do que foi prestado é fazê-lo corresponder à remuneração acordada, pois foi esta que o cliente entendeu que a atividade bem sucedida da mediadora para si valia. (…).” Como também já referimos, nos contratos de mediação simples, como é o caso (ver pontos 5 e 6 supra), a remuneração será, em princípio, devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, sendo indispensável para que o mediador adquira o direito à remuneração que o negócio seja concluído por efeito da sua intervenção (o mediador deve conseguir interessado por si angariado que venha a concretizar o negócio). Deste modo, comprovando-se que vieram a concretizar-se os negócios visados, de venda dos imóveis dos RR., por intervenção da A. que conseguiu interessado por si angariado, não poderia a mesma deixar de ser remunerada pelo serviço que prestou, ainda que fossem julgados nulos os contratos celebrados. Já quanto ao montante e nesse caso, sempre prevaleceria o critério de que o mesmo corresponderia à retribuição/comissão acordada pelas partes, por melhor se reconduzir ao conceito de “valor correspondente” referido no nº 1 do art.º 289 do C.C.([8])([9]). Apurando-se que as partes fixaram uma remuneração inicial de 3,5% + IVA que depois acordaram alterar para 4,25% + IVA nos termos acima descritos, seria, pois, esta a remuneração devida mesmo em caso de nulidade dos contratos. Não sendo questionado pelos apelantes no recurso o demais decidido na sentença – designadamente, quanto à questão da nulidade dos contratos de mediação decorrente da falta de identificação da angariadora ou à anulabilidade dos mesmos com fundamento em vício da vontade – a cujos fundamentos e no essencial, em todo o caso, aderimos, não podemos deixar de subscrever a conclusão final sobre a procedência da ação. Com efeito, sendo incontornável que, conforme decorre da factualidade assente, a A. e os RR. estabeleceram inicialmente uma remuneração de 3,5% + IVA que depois acordaram alterar para 4,25% + IVA, e que, estando em causa contratos de mediação imobiliária simples, os contratos de compra e venda visados vieram a concretizar-se, com sucesso, em virtude da intervenção da A., que interveio como mediadora, será devida a esta a remuneração reclamada. O que também sucederia, conforme demonstrado, ainda que os ditos contratos celebrados entre A. e RR. fossem julgados nulos. Improcede, em suma, o recurso. * IV- Decisão: Termos em que e em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. Custas pelos apelantes. Notifique. * Lisboa, 28.6.2023 Maria da Conceição Saavedra Cristina Coelho Edgar Taborda Lopes _______________________________________________________ [1] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 143. [2] Cfr. Higina Orvalho Castelo, “Contrato de mediação imobiliária”, Revista Jurídica Digital, Novembro 2016, págs. 92 e 93. [3] Note-se que os apelantes abandonaram no recurso a questão da nulidade decorrente da falta de identificação da angariadora que colaborou na preparação do contrato (art.º 16, nº 2, al. e), e nº 5, do RJAMI). [4] “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª ed., pág. 298. [5] Cfr. “Dicionário Jurídico”, Ana Prata, 3ª ed., pág. 7, e Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 5ª ed., pág. 498. [6] Ainda Antunes Varela, ob. cit., págs. 498/499. [7] Ob. cit., pág. 113. [8] Neste sentido, além de Higina Orvalho Castelo, ob. cit., pág. 113, acima já transcrito, ver Fernando Baptista de Oliveira, “O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial”, CEJ, pág. 32/33. [9] Na jurisprudência, ver, entre outros, o Ac. do STJ de 11.2.2010, Proc. 2044/07.2TBFAR.E1.S1, o Ac. da RL de 24.3.2009, Proc. 3006/07.5TBOER.L1-7, o Ac. da RL de 22.11.2011, Proc. 1634/05.2TCSNT.L1-7, e o Ac. da RE de 11.3.2021, Proc. 1145/18.6T8FAR.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. |