Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17028/21.0T8LSB.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: TRANSMISSÃO DE DÍVIDA
RATIFICAÇÃO
ASSUNÇÃO CUMULATIVA
ASSUNÇÃO LIBERATÓRIA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Nos termos do art.º 595º nº 1, al. a) do CC, a transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se mediante contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; ou seja a assunção de dívida não se dará, rectius, não produzirá efeitos enquanto o credor não der a sua anuência a essa assunção de dívida pelo terceiro.
2- A ratificação, pelo credor, do acordo entre o devedor originário e o novo credor, não tem de ser expressa. Com efeito, a ratificação é o acto jurídico unilateral, praticado pelo credor, pelo qual manifesta a sua concordância com o acto/acordo praticado pelo anterior e novo devedor, sendo exemplo de ratificação tácita a aceitação, pelo credor, da prestação, parcial ou total, realizada pelo assuntor.
3- Do art.º 595º nº 2 do CC, resultam duas formas de assunção de dívida: a assunção cumulativa de dívida e assunção liberatória de dívida. A distinção destas duas modalidades de assunção de dívida depende da circunstância de haver, ou não, exoneração expressa, pelo credor, do antigo devedor.
4- Quer dizer, a declaração expressa do credor, a exonerar o antigo devedor, tem de ser inequívoca e tanto pode ser feita por palavras, por escrito ou por outro meio directo de expressão da vontade, nos termos gerais do art.º 217º do CC.
5- Não havendo declaração expressa de exoneração do antigo devedor estamos perante uma assunção cumulativa de dívida e, assim sendo, ambos, o antigo e o novo devedor, respondem solidariamente pelo cumprimento da dívida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO

1- Q e P, Lda, instaurou acção declarativa com processo comum, contra, MPR e, contra F, Lda., pedindo:
- A condenação solidária das rés no pagamento de 66.420€, acrescida de juros à taxa legal desde 07/06/2021, sendo os já vencidos no montante de 356,77€ e nos vincendos até integral pagamento.
Alega, em síntese, que no exercício da sua actividade foi contactada pela 1ª ré, MPR, para encontrar interessados na compra do prédio urbano sito na Rua …, Lisboa e, em consequência celebraram, a 07/04/2020, o contrato de mediação imobiliária, em regime de não exclusividade, pelo período de seis meses, com renovações sucessivas por iguais períodos, mediante a comissão de 5% do preço de venda. Em consequência das diligências realizadas pela autora, foi encontrado interessado na compra do imóvel, a 2ª ré F, Lda, tendo sido celebrado contrato-promessa de compra e venda, a 15/02/2021, com o preço fixado pelas rés de 1.600.000€. Nos termos acordados no contrato-promessa celebrado entre as rés, a comissão seria paga pela 2ª ré, F Lda. A autora continuou a desenvolver diligência tendentes à celebração do contrato definitivo de compra e venda, que teve lugar a 07/06/2021, pelo que a autora tem direito a receber 66 420€, mais IVA, de comissão já deduzido do valor de comissão parcial que recebeu da 2ª ré, F, Lda, aquando da celebração do contrato-promessa. A assunção, pela 2ª ré, F, Lda, do pagamento da comissão de mediação, constitui uma transmissão de dívida nos termos do art.º 595º do CC e, como não houve declaração, da autora, a exonerar a 1ª ré, MPR, ambas são solidariamente responsáveis pelo valor devido (art.º 595º nº 2 do CC).

2- Citada, a 2ª ré, F, Lda, contestou.
Impugna parte da factualidade alegada pela autora, afirmando que o valor peticionando pressupõe uma comissão de 4% sobre a venda; invoca que durante as negociações ficou claro que a vendedora, 1ª ré, MPR, pretendia receber um valor de 1.600.000€ e, por isso, se tivesse de ser a 1ª ré, MPR, a pagar o valor da comissão à autora, não receberia os 1.600.000€ líquidos que pretendia, pelo que a 2ª ré, F, Lda, propôs assumir o pagamento da comissão; assim, a 2ª ré, F, Lda, celebrou com a autora e a 1ª ré, MPR, um acordo verbal e autónomo, em que a 2ª ré, F, Lda, assumiu pagar a comissão à autora, no valor correspondente a 4%, portanto, um valor total de comissão de 64.000€; e, nos termos desse acordo, a 2ª ré, F, Lda, aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda, pagou 10.000€ correspondentes a 4% do valor de sinal pago (250.000€); pelo que, quando muito, a 2ª ré deveria à autora somente 54.000€ mais IVA.
Por outro lado, a autora obrigou-se para com a 2ª ré, F, Lda, a facultar-lhe acesso ao imóvel logo após a celebração do contrato promessa, mas não cumpriu essa obrigação, o que levou a atrasos na elaboração do projecto arquitetónico de remodelação, causando prejuízos à 2ª ré, F, Lda, correspondente a um período de três meses o que perfaz 32.000€
Requer a compensação do seu crédito, de 32.000€, com o crédito da autora de 54.000€ mais IVA, menos 10.000€ já pagos, ficando devedora à autora de 22.000€.
Pede a condenação da autora como litigante de má-fé, por ter omitido factos relevantes, em multa e em indemnização.
Conclui, pedindo a condenação da autora a:
a)- Pagar à 2ª ré, F, Lda, a quantia de 32.000€ de indemnização pelos prejuízos com o atraso de disponibilização de acesso à fracção;
b)- Realizada a compensação entre este crédito da 1ª ré e o crédito da autora, ser a 2ª ré condenada a pagar à autora somente 22.000€;
c)- A condenação da autora, como litigante de má-fé, em multa e indemnização.

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3- Citada, a 1ª ré, MPR, contestou.
Impugna, parcialmente, a factualidade alegada pela autora. Afirma que foi combinado o preço de 1.750.000€ e não 1.600.000€; a consultora da autora chegou a apresentar uma proposta de compra por 1.750.000€, 5% de comissão e valor líquido a receber de 1.642.375€ e, a cliente propunha pagar à 1ª ré 1.600.000€ e suportar a comissão da autora, proposta esta que a 1ª ré aceitou. Com a celebração do contrato-promessa a autora emitiu a factura de 12.300€ correspondente a 15,625% do valor total da comissão de 5% do valor do negócio acrescido de IVA. Ficou estipulado no contrato-promessa que o imóvel seria entregue devoluto de pessoas e bens, o que implicou que a 1ª ré tivesse de empacotar as suas coisas, para as retirar da casa, até à segunda quinzena de Maio. Uma semana antes da escritura, o administrador da 2ª ré, F, Lda, mostrou o seu desagrado por não ter podido ter acesso, mais cedo, à casa. No dia da escritura, a autora apresentou à 2ª ré a factura de 66.420€ relativo ao remanescente de 84,37% da comissão e, no mesmo dia, enviou à autora uma factura com o mesmo valor, sabendo que a 2ª ré é quem se tinha comprometido a pagar a comissão. A autora, ao enviar a factura à 1ª ré, MPR, actuou em abuso de direito a modalidade de venire contra factum proprium.
Pede a condenação da autora como litigante de má-fé, no pagamento de multa e em indemnização correspondente a 1/10 do valor que a autora pretende obter e no pagamento de honorários a advogado no valor de 7.585€.
Alega que a autora aceitou, expressamente, que seria a 2ª ré, F, Lda, a pagar a comissão, pelo que a 1ª ré não é responsável solidária com a 2ª no pagamento da comissão e, inclusivamente, preparou a minuta do contrato-promessa de compra e venda, no qual consta a assunção do pagamento da comissão pela 2ª ré, pelo que a autora exonerou a 1ª ré do pagamento da comissão.
Conclui pugnando pela improcedência da acção e pela condenação da autora como litigante de má-fé no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais no montante de 15.581€ e 7.281€ em valor suportado com honorários de advogado.

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4- A autora replicou.
Salienta que o acordo de pagamento da comissão pela 2ª ré foi estipulado entre as rés.
O pagamento da comissão pela 2ª ré não dependia de condição de imediato acesso ao imóvel que, de resto, não estava na disponibilidade da autora mas, exclusivamente, da 1ª ré. Nega que a 2ª ré, F, Lda, detenha qualquer crédito sobre a autora e, por isso, pugna pela improcedência da reconvenção/compensação.

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5- Teve lugar a audiência prévia, com saneamento dos autos, indicação do objecto do litígio e temas de prova.

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6- Realizou-se a audiência final, em três sessões e, com data de 11/07/2023 foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:
V – DECISÃO
Tendo em atenção as considerações expendidas e as normas legais citadas, julga- se a acção procedente por provada e, em consequência, decide-se:
a) condenar solidariamente as Rés MPR e F, Lda a pagar à Autora Q e P, Lda. a quantia de €66.420,00 (sessenta e seis mil e quatrocentos e vinte Euros) de capital, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos calculados às sucessivas taxas fixadas nos termos da Portaria n.º 277/2013, de 26 de Agosto, desde o dia 8 de Junho de 2021 até efectivo e integral pagamento.
b) Julga-se improcedentes os pedidos de condenação da Autora como litigante de má-fé formulados pela 1.ª Ré e pela 2.ª Ré.

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7- Inconformada, veio a 1ª ré, MPR, interpor recurso dessa sentença, formulando, as seguintes CONCLUSÕES:
1. A Recorrente (1ª Ré) celebrou com a A. um contrato de mediação imobiliária para obter interessados na compra de um prédio urbano de que aquela era proprietária, tendo a A. obtido um comprador (a 2ª Ré) para a referida aquisição do imóvel.
2. Em 15 de Fevereiro de 2021, as Rés celebraram um contrato promessa de compra e venda relativo ao imóvel, tendo sido acordado por ambas que a comissão devida a pagar à A. seria paga pela 2ª Ré, comissão que foi estipulada no valor de 4%.
3. A 2ª Ré procedeu, no tempo devido (aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda), ao pagamento da primeira parte estipulada da comissão.
4. No momento da escritura, a A. procedeu à entrega da segunda factura à 2ª Ré, relativa ao pagamento do restante valor da comissão devida (pagamento este que havia sido estipulado previamente que recaía na obrigação da 2ª Ré), tendo a 2ª Ré referido que não iria proceder a esse pagamento por considerar que a A. incumpriu certos aspectos previamente estabelecidos contratualmente.
5. Apesar de ter sido estipulado que o pagamento da comissão era devido pela 2ª Ré, a A. sustenta que nunca acordou a exoneração da Recorrente relativamente ao pagamento da comissão (apenas que aceitou que essa dívida pudesse ser cumprida pela 2ª Ré).
6. Na sentença recorrida, entendeu o Tribunal que estamos perante uma transmissão singular de dívidas, nomeadamente, uma assunção de dívida, a qual, para ser considerada válida, implica que o acordo entre o antigo e o novo devedor seja ratificado pelo credor, de forma expressa ou tácita.
7. O Tribunal recorrido aceitou que existiu, de facto, um comportamento concludente no sentido daquela ratificação por parte da A.
8. Entendeu também o Tribunal a quo estar-se perante uma assunção cumulativa, e não perante uma assunção liberatória, na medida em que é alegada a falta da declaração expressa por parte da A. relativa à exoneração da Recorrente (nos termos do art.º 595º n.º 2 do C.C.), motivo pelo qual o devedor primitivo responde solidariamente pela dívida com o novo devedor.
9. No que tange à exoneração da Recorrente, entende-se que o Tribunal a quo, por um lado, não observou prova documental da qual emerge a referida exoneração expressa da Recorrente e, por outro lado, olvidou todo o contexto anterior e posterior à aludida exoneração expressa, o qual permite, sem dúvidas, concluir que, concomitantemente com a transmissão de dívida, a A. exonerou expressamente a aqui Recorrente do pagamento da comissão.
10. No e-mail datado de 11-01-2021 – Doc. 1 da Contestação da 1ª Ré –, a A. refere expressamente o seguinte “MPR não paga comissão à QP (quem paga é o comprador)”.
11. Com esta afirmação, a A. credora exonerou expressamente a Recorrente do pagamento da comissão numa declaração de mediana clareza para qualquer homem médio.
12. O art.º 595º n.º 2 do C.C. não exige a utilização de complexa linguagem jurídica, bastando-se com uma afirmação escrita da qual seja possível retirar que o anterior devedor já não tem de pagar seja o que for e que essa manifestação seja entendível por qualquer pessoa.
13. No e-mail que redigiu à 2ª Ré, a A. efectua, de forma clara, uma declaração expressa de vontade pelo que transmissão singular de dívidas que ocorreu é uma assunção liberatória.
14. Tal declaração, apesar de ser suficiente per si, vem ainda acompanhada de um comportamento concludente, da A., exatamente nesse sentido pois que aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda, a primeira parte da comissão (15.625%) foi paga pela 2ª sem nunca ter sido transmitido à 1ª Ré, ou de alguma forma lhe foi dado a entender, que ainda assim se manteria como garante desse ou doutros pagamentos que houvessem de ser realizados.
15. Pelo contrário, quer antes, quer após o referido e-mail (Doc. 1 da Contestação da 1ª Ré) - que contempla a declaração expressa de exoneração da Recorrente, a A. foi-lhe sempre transmitindo que o pagamento da comissão seria assumido pela 2ª Ré e que aquela estava liberta do mesmo.
16. Após a emissão da factura do remanescente da comissão à 2ª Ré e da recusa da mesma no pagamento, veio a A. emitir uma outra factura para a 1ª Ré, FA 2021/268, de igual valor num comportamento desesperado e contrário ao anteriormente declarado pela A. junto da 1ªRé.
17. Este inusitado comportamento não tem a virtualidade de limpar a conduta anteriormente assumida de forma expressa pela A. e num contexto inequívoco de interpretação dessa mesma declaração, que aqui citamos novamente, “MPR não paga comissão à QP (quem paga é o comprador)”.
18. Ademais, a testemunha B, trabalhadora da A. e que redigiu o e-mail de exoneração expressa, referiu em julgamento que era sua convicção que a 2ª Ré pagaria a comissão acordada quer face a toda a correspondência trocada, quer face ao que se encontrava já estipulado no contrato-promessa de compra e venda, nunca aludindo ao pagamento da comissão pela 1ª Ré.
19. A Recorrente é alheia a qualquer e eventual conflito existente entre a 2ª Ré e a Autora, porquanto a mesma se encontra exonerada de qualquer tipo de obrigação quanto ao pagamento da comissão.
20. Face à declaração expressa da A. de exoneração da Recorrente, aliado ao comportamento concludente da mesma A., entende-se estar perante assunção liberatória, logo, encontrando-se a Recorrente exonerada da dívida perante o credor, pelo que deve ser absolvida.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente.

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8- Igualmente inconformada, veio a 2º ré, F, Lda, interpor recurso, formulado as seguintes CONCLUSÕES:
A. A Recorrente discordando da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente a ação proposta pela Autora, aqui Recorrida, vem dela agora interpor recurso.
B. No plano da matéria de facto, o presente pedido de reapreciação apresentado pela Recorrente cinge-se aos seguintes factos: factos provados n.º 8, 17 e 25; factos não provados C e D.
C. Quanto ao facto provado n.º 8, dele se discorda, porque foi a 2.ª Ré que contactou, por sua própria iniciativa a Autora e que iniciou, no fundo, o processo de negociação e de venda do Imóvel em causa nos autos.
D. Neste sentido, veja-se o depoimento claro (também ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo) do representante legal da F, Lda, prestado a 20 de outubro de 2022 e gravado digitalmente entre as 10h:11m e as 11h:23m, mais concretamente as seguintes passagens, identificadas ao minuto e aos segundos 00:03:11 – 00:03:52; da consultora B que prestou depoimento no mesmo dia, gravado digitalmente entre as 14h:12m e as 15h:09m, mais concretamente as seguintes passagens, identificadas ao minuto e aos segundos 00:03:32 – 00:03:48’; e, ainda, o depoimento da consultora IC que prestou declarações no mesmo dia, gravado digitalmente entre as 15h:27m e as 16h:18m, mais concretamente as seguintes passagens, identificadas ao minuto e aos segundos: 00:02:43 – 00:03:48’.
E. Em consequência, e conforme decorre quer das declarações de parte do Réu da F, Lda e, inclusive, dos depoimentos das consultoras da Autora, em especial da consultora que recebeu o 1.º contacto direto do Eng. VF, não corresponde à verdade que tenha sido a Autora a obter, como interessada, a 2.ª Ré; antes isso mesmo resultou de um contacto da iniciativa própria da 2.ª Ré, em inícios de dezembro de 2020.
F. E, por isso, o facto 8 não pode ser dado como provado nos moldes fixados pelo Tribunal a quo, antes deve ser dado como provado, nos seguintes termos: “Em início de dezembro de 2020, a 2.ª Ré, por iniciativa própria, contactou a Autora e solicitou informações sobre a Casa do Restelo”.
G. O Tribunal a quo também entendeu que não se podia considerar provado o facto C. “Entre a Autora e a 2.ª Ré ficou acordado que uma vez que o imóvel seria comprado para revenda e precisaria de ser reabilitado, a Autora obteria o consentimento da 1.ª Ré para que a 2.ª Ré tivesse acesso ao imóvel logo desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda e assim poder começar a desenvolver o projecto de reabilitação do edifício.”.
H. Contudo, resultou à saciedade, quer pela documentação junta pela ora Recorrente, quer por vários depoimentos prestados em audiência de julgamento – inclusive das consultoras da Autora - que, entre a Autora, aqui Recorrida e a 2.ª Ré, aqui Recorrente foi efetivamente celebrado um novo acordo que previa duas obrigações contratuais para a Autora, aqui Recorrida:
i. Baixar a percentagem do valor devido pela 2.ª Ré à Autora pela venda do imóvel de 5% para 4%;
ii. A Autora obteria o consentimento da 1.ª Ré para que a 2.ª Ré tivesse acesso ao imóvel, logo desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda e assim pudesse começar a desenvolver o projeto de reabilitação do edifício. Pelo que, só por manifesto erro de apreciação da prova se poderá compreender a decisão de não julgar tal facto como provado. Vejamos.
I. Em primeiro lugar, refira-se que a 2.ª Ré nunca viu o contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Autora e a 1.ª Ré, junto como doc. 3 da petição inicial.
J. Prova disso decorre do facto de o respetivo documento junto pela Autora se encontrar assinado apenas por esta e pela 1.ª Ré.
K. O mesmo significa dizer que esse documento nunca poderia vincular a 2.ª Ré, pois não foi por ela assinado, nem sequer era do seu conhecimento - o que, aliás, foi corroborado pelo Legal Representante da 2.ª Ré, no depoimento prestado no dia 20 de outubro, gravado digitalmente entre as 10h11 e as 11h23, mais concretamente nos minutos e segundos seguintes: 00:19:38 – 00:19:41’.
L. Em segundo lugar, refira-se que a 2.ª Ré acordou com a 1.ª Ré a venda da “Casa do Restelo” por um €1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil euros) – e não pelo asking price inicialmente pedido pela 1.ª Ré de €1.750.000,00 (um milhão e setecentos e cinquenta mil euros).
M. Contudo, ao pagamento desse valor acrescia ainda a assunção, pela 2.ª Ré, de um pagamento devido à Autora – cujos contornos foram, posteriormente, negociados entre estas (e apenas estas) duas partes.
N. E na verdade, o próprio Tribunal a quo considerou que entre a Autora e a 1.ª Ré (e apenas essas partes) tinha sido celebrado, um primeiro contrato, de mediação imobiliária, que previa a venda da “Casa do Restelo” por um asking price €1.750.000 e com uma comissão de mediação imobiliária acordada entre as partes de 5%.
O. Ao mesmo tempo, o Tribunal a quo reconheceu (contudo, não o previu expressamente na matéria de facto provada) que, mais tarde, a 2.ª Ré e a Autora celebraram um acordo, pois, e conforme decorre do ponto 17, houve uma negociação entre as duas partes que resultou, nomeadamente, num valor diferente atribuído à venda do imóvel (4% sob o valor de venda acordado entre as Rés).
P. E, de facto, de outra forma não poderia enquadrar-se juridicamente estas situações, pois se as condições contratuais acordadas entre a 2.ª Ré e a Autora eram diferentes das condições contratuais celebradas entre a 1.ª Ré e a Autora – naturalmente que só poderiam estar em causa contratos de tipo diferentes e com obrigações contratuais distintas.
Q. Assim, a partir do momento em que a 2.ª Ré aceitou pagar a comissão à Autora, fê-lo com base num novo contrato atípico, verbal, autónomo face ao que havia sido celebrado entre essas duas partes no fundo, um acordo cujo conteúdo, termos e condições eram diferentes daqueles que constavam do contrato inicial de mediação imobiliária assinado pela Autora e pela 1.ª Ré, que a 2.ª Ré só conheceu agora, nestes autos.
R. Nesse contrato que a 2.ª Ré negociou com a Autora – mais concretamente por intermédio das mediadoras IC e B - ficou estabelecido que seria efetivamente a 2.ª Ré a pagar-lhe uma percentagem sobre o valor de venda do Imóvel.
S. Contudo, e para o negócio não se tornar demasiado oneroso para a 2.ª Ré - que iria suportar um valor que, à partida, não lhe incumbiria pagar -, o pagamento daquele valor ficou sujeito a outras condições
contratuais, mais concretamente:
a) A percentagem devida sobre o valor de venda do Imóvel fixar-se nos 4% (ao invés dos 5%);
b) Uma vez que o Imóvel seria comprado para revenda, e precisaria de ser reabilitado, a Autora – obteria o consentimento da 1.ª Ré – para que a 2.ª Ré tivesse acesso imediato ao Imóvel, logo desde a data da celebração do contrato promessa compra e venda, e pudesse assim começar a desenvolver o projeto de reabilitação daquele edifício.
T. Assim, no dia 15 de fevereiro de 2021, a 1.ª e 2.ª Rés celebraram um contrato de promessa de compra e venda (cfr. doc. 6 junto com a petição inicial), cuja minuta foi elaborada pela Autora, relativamente à qual houve uma ou outra pontual alteração acordada entre a Advogada da 1.ª Ré e a 2.ª Ré.
U. Nele pode ler-se no n.º 3 da Cláusula Quarta, que as partes acordaram que seria a 2.ª Ré a pagar a comissão de venda à Autora, nos termos acordados. Ora, naturalmente que os termos acordados eram aqueles que tinham sido negociados posteriormente entre a Autora e a 2.ª Ré (percentagem de 4% sobre o valor de venda do imóvel, acesso imediato ao Imóvel após celebração do contrato promessa) e não os termos e condições constantes do contrato de mediação imobiliária que a aqui 2.ª Ré nunca conheceu.
V. Quanto a este novo acordo celebrado entre a 2.ª Ré e a Autora diga-se, em abono da verdade que a Autora cumpriu, com algumas das condições contratuais estipuladas, nomeadamente a cobrança de uma percentagem de 4% sobre o valor de venda do Imóvel; valor esse que foi pago proporcionalmente aquando da celebração do CPCV (€10.000,00 + IVA) - como, aliás, o Tribunal a quo assim reconheceu
 os factos provados n.º 17 e 18 da sentença.
W. Contudo, a verdade é que a Autora não cumpriu com todas as obrigações contratuais a que se tinha comprometido, motivo pelo qual a 2.ª Ré deixou de ter a obrigação de lhe pagar o remanescente do valor total em falta (os tais €54.000, s/IVA, ou €66.420 c/IVA incluído).
X. E é em relação a essa posição do Tribunal a quo, de que não se pode dar como provado o facto de que “Entre a Autora e a 2.ª Ré ficou acordado que uma vez que o imóvel seria comprado para revenda e precisaria de ser reabilitado, a Autora obteria o consentimento da 1.ª Ré para que a 2.ª Ré tivesse acesso ao imóvel logo desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda e assim poder começar a desenvolver o projecto de reabilitação do edifício”, da qual se discorda veemente, visto que não é isso que resulta da prova constante do presente processo judicial, conforme de seguida se melhor se explicará.
Y. Veja-se, aliás, que o Tribunal a quo considerou como facto provado 20 que apenas “Sensivelmente uma semana antes da outorga do contrato definitivo de compra e venda o administrador da 2.ª Ré – VF - realizou-se uma visita à Casa do Restelo, já desocupada de pessoas e bens”.
Z. Contudo, as partes não tinham acordado que essa visita se realizasse apenas uma semana antes da escritura de compra e venda, nem sequer tinham acordado que essa visita fosse apenas para confirmar que o imóvel estava desocupado de pessoas e bens; mas, antes, tinha a Autora se comprometido a assegurar a visita à “Casa do Restelo”, logo desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda, para assim, a 2.ª Ré poder começar a desenvolver o projeto de reabilitação do edifício.
AA. Ou seja, contrariamente à obrigação contratual que foi estipulada entre a 2.ª Ré e a Autora, e conforme aliás reconheceu o Tribunal a quo, a 2.ª Ré só teve acesso ao Imóvel cerca de 3 meses depois da celebração do contrato promessa de compra e venda (e nem sequer por intermeio da Autora).
BB. O que resulta não só da prova documental junta aos autos, como também dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento.
CC. Quanto à prova documental, veja-se que prova disso é:
a. A comunicação enviada, no dia 24 de maio de 2021, por uma das mediadoras da Autora que afirma em email enviado à Advogada da 1.ª Ré, “Fico muito satisfeita que se tenha finalmente acordado tudo em conformidade com a vontade das partes, nomeadamente a visita do Dr. VF e a celebração da escritura” (doc. 4 da contestação);
b. Ou ainda o email que outra mediadora da Autora enviou à 2.ª Ré questionando sobre o horário da visita agendada com a advogada da 1.ª Ré (doc. 5 da contestação).
DD. Ora, dessa prova documental decorre que:
a. A Autora reconhece que correspondia à vontade da 2.ª Ré a realização de uma visita ao imóvel antes da escritura;
b. Não era suposto essa visitar-se realizar apenas uns dias antes da escritura (concretizada a 7 de junho de 2021), daí que, e conforme referido no email, “finalmente” essa visita se tivesse acordado – podendo concluir-se, a contrario, que já há muito se tentava agendá-la; e que,
c. Se tivesse sido a própria Autora a cumprir com esta obrigação contratual, não precisava de enviar emails a perguntar pelas horas estipuladas para as visitas agendadas entre as partes.
EE. Fica, assim, patente que desde o momento em que celebraram o contrato promessa de compra e venda, a Autora se alheou das obrigações que ainda tinha de cumprir, nomeadamente a garantia do acesso ao Imóvel à 2.ª Ré, para que esta pudesse, imediatamente, avançar na elaboração do seu projeto de reabilitação.
FF. Aliás, tal incumprimento contratual é tão evidente que foi assumido pelo próprio Managing Partner da Autora, Fe Q, em email enviado à 2.ª Ré, no passado dia 14 de junho de 2021 – cfr. doc. 6 da contestação. Consequentemente, o próprio Managing Partner enquanto representante da Autora, estava ciente do contrato que esta tinha posteriormente celebrado com a 2.ª Ré e de que incumprira parcialmente com esse mesmo acordo.
GG. E, não se diga que a culpa do incumprimento não foi da Autora, pois a verdade é que, quando a 2.ª Ré contactou a advogada da 1.ª Ré, esta – apesar de não estar obrigada a fazê-lo - facilmente diligenciou junto da proprietária e conseguiu agendar a visita que era da obrigação da Autora ter concretizado.
HH. O que significa que a Autora nunca cumpriu com essa sua obrigação contratual e, ainda, assim, quando a 2.ª Ré conseguiu o acesso ao Imóvel (através da Advogada da 1.ª Ré) já tinham passado mais de 3 meses face ao momento em que era suposto esse acesso ter-lhe sido concedido.
II. No mesmo sentido e a confirmar o teor da documentação supra elencada, vejam-se os depoimentos das partes, em primeiro lugar, o depoimento do representante legal da 2.ª Ré, aqui Recorrente, prestado no dia 20 de outubro de 2022, entre as 10h:11min e as 11h:23min, mais concretamente nos seguintes minutos e segundos: 00:03:58 – 00:04:48’; 00:09:06 – 00:10:15’; 00:28:21 – 00:28:42’; 00:29:20 – 00:29:50’; 00:34:03 – 00:35:44’
JJ. E, veja-se ainda, como o representante legal da 2.ª Ré, explicou o porquê de ter imposto esta condição em específico (acesso imediato ao imóvel após o CPCV), no depoimento já identificado no ponto anterior e, mais concretamente, nos seguintes minutos e segundos 00:12:38 – 00:13:35.
KK. Acresce que as visitas que tinha tido antes, tinham sido visitas curtas, conforme também explicado pelo Legal Representante da 2.ª Ré, no depoimento já identificados nos dois pontos anteriores, mais concretamente nos seguintes minutos e segundos 00:36:39 – 00:37:40’; 00:41:00 – 00:41:37’; 00:46:42
– 00:47:26’
LL. No fundo, a Autora, aqui Recorrida, apenas conseguiu que a Recorrente tivesse duas visitas ao imóvel, mormente a dada como provada no facto n.º 8; visitas essas – a primeira com o propósito de conhecer a casa; a segunda na fase das negociações da compra do imóvel – que foram curtas (sensivelmente meia hora) e não permitiram que fossem tiradas as devidas medições para avançar com o projeto de reabilitação.
MM. E, na verdade, tudo o que foi supra exposto, resulta dos próprios depoimentos das testemunhas da Autora, depoimentos esses que, e ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, foram contraditórios e incoerentes e que foram prestados por IC e por SC, no dia 20 de outubro de 2022, e gravados digitalmente entre 15h27 e 16h18min e as 15h09 e 15h27m, respetivamente. Vejamos em concreto os minutos e segundos relevantes desses depoimentos: 00:31:30 – 00:31:40’; 00:33:44 – 00:47:37’(IC); 00:06:52 – 00:07:20’ e 00:08:15 – 00:08:38’ (SC).
NN. Ora, da transcrição dos excertos supra, não se consegue compreender como é que o Tribunal a quo entendeu que a testemunha IC “depôs com isenção e objetividade” ao contrário do Legal Representante que prestou um “depoimento demasiado disperso e com o objetivo de convencer o Tribunal que tem razão”, quando, na verdade, as incoerências e contradições resultam, de forma evidente, dos depoimentos das testemunhas da Autora (e não do Legal Representante da 2.ª Ré).
OO. Veja-se, nos excertos supra transcritos como a testemunha da Autora, IC (possivelmente das mais relevantes nesta ação, pois foi a que teve, ao longo de todo o processo de negociação e compra do Imóvel, contacto direto com o Legal Representante da 2.ª Ré) teve um discurso absolutamente incoerente:
• Como a testemunha afirmou inicialmente que o Legal Representante da 2.ª Ré nada tinha a apontar à Q e P, Lda e como foi, no fundo, uma surpresa a sua postura no dia da escritura (de não querer pagar o remanescente do valor acordado); no entanto, e conforme confrontada na audiência de julgamento, era a própria testemunha que andava, desde abril de 2021, a trocar mensagens com o Legal Representante da 2.ª Ré e, nessas mesmas mensagens, resultava clara não só a sua insistência (na visita ao imóvel) como o seu desagrado com essa impossibilidade; e,
• Como a testemunha frisou as vezes que tinha tentado a visita ao imóvel; contudo, e em simultâneo, não reconheceu que isso fosse uma obrigação da Autora – não conseguiu explicar, se não era uma obrigação, o porquê dessa insistência da sua parte;
• Como a testemunha afirmou inicialmente ter sido a Autora a conseguir a visita ao imóvel uma semana antes da escritura para, depois, afirmar que afinal esta tinha sido conseguida pela advogada da 1.ª Ré.
PP. Da mesma forma, veja-se como a Diretora Comercial da Autora, SC, reconheceu o pedido do Eng. VF e a insistência na visita ao imóvel.
QQ. Não obstante, nada disso foi ponderado pelo Tribunal a quo que não viu (o que é de espantar) as incoerências prestadas nestes depoimentos tendo, inclusive, baseado a sua decisão nos mesmos!
RR. Nem teve em conta que, na verdade, as testemunhas apresentadas pela Autora eram interessadas no desfecho (procedente) desta ação para a Autora – pois, enquanto suas consultoras, sempre terão direito a parte da comissão que é aqui discutida.
SS. Efetivamente resultou do seu próprio depoimento que a Autora se tinha obrigado a assegurar uma visita ao imóvel logo após a celebração do CPCV; contudo, a Autora não cumpriu com a sua responsabilidade contratual, como aliás, resulta do depoimento supra transcrito da consultora IC onde esta acaba por afirmar que a visita ao imóvel, após a celebração do CPCV, só foi conseguida 1 semana antes da celebração da escritura e nem sequer pela Q e P; antes pela Advogada da 1.ª Ré.
TT. E o mesmo resultou do depoimento do Legal Representante da 2.ª Ré, prestado no dia 20 de outubro, entre as 10h:11 e as 11h:23, gravado digitalmente, mais concretamente dos seguintes minutos e segundos: 00:21:58 – 00:22:50’.
UU. Em consequência, aquilo que a Q e P, Lda não conseguiu assegurar em 3 meses, foi rapidamente assegurado pela Advogada da 1.ª Ré.
VV. O mesmo significa dizer que, na verdade, se a Autora, aqui Recorrida, tivesse (como acabou por fazer o Legal Representante da 2.ª Ré) tentado agilizar a visita com a Advogada da 1.ª Ré, muito possivelmente teria conseguido fazê-lo e teria cumprido com a sua obrigação.
WW. E não se diga que a impossibilidade de cumprimento foi motivada pela postura da Dra. MPR, pois, conforme decorreu do depoimento do Legal Representante da 2.ª Ré, contactada a Advogada da 1.ª Ré, a visita foi rapidamente conseguida.
XX. Contudo, e ainda que assim fosse, a Autora, aqui Recorrida, continuaria, nos termos do artigo 801.º e 802.º do CC, a ser responsável por esse incumprimento.
YY. Nem se diga, por fim, que a visita efetuada pelo Legal Representante da 2.ª Ré ao Imóvel, uma semana antes da escritura, permitiu o cumprimento da obrigação em questão.
ZZ. Por um lado, porque não tinha sido isso o acordado (a visita seria logo a seguir ao CPCV e não 3 meses depois); por outro lado porque essa visita acabou por ter como único propósito, aliás, como resulta do facto dado como provado n.º 19, a validação da disponibilidade do Imóvel. E isso mesmo foi explicado pelo Legal Representante da 2.ª Ré, no depoimento prestado no dia 20 de outubro de 2021, entre as 10h:11 e as 11h:23, gravado digitalmente, mais concretamente nos seguintes minutos e segundos: 00:26:49’ – 00:27:48’.
AAA. Em face de tudo quanto foi supra exposto inexiste prova bastante que permitisse ao Tribunal a quo aderir à teoria da Autora, aqui Recorrida. Andou, assim, mal o Tribunal a quo, errando na motivação da matéria de facto e, consequentemente, decidindo mal o julgamento da matéria de facto.
BBB. Consequentemente, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos do n.º 1 do artigo 662.º do CPC, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois a prova produzida impõe decisão diversa.
CCC. Impõe-se, pelo exposto, que:
• O facto provado 17 seja alterado para a seguinte redação: “A 2.ª Ré, posteriormente, celebrou um acordo com a Autora para que a percentagem de venda que lhe era devida fosse reduzida para 4%, o que a Autora aceitou.”
• Seja julgado provado o Facto C (que se encontra na matéria não provada) nos seguintes termos: “Entre a Autora e a 2.ª Ré também ficou acordado (para além da percentagem de venda sobre o valor do imóvel) que uma vez que o imóvel seria comprado para revenda e precisaria de ser reabilitado, a Autora obteria o consentimento da 1.ª Ré para que a 2.ª Ré tivesse acesso ao imóvel logo desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda e assim poder começar a desenvolver o projeto de reabilitação do edifício.”.
DDD. E, impõe-se, ainda, que seja adicionado como Facto Provado o seguinte:
• A Autora não logrou cumprir com a obrigação contratual que assumira com a 2.ª Ré, de garantir o acesso ao imóvel logo desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda, para esta assim poder começar a desenvolver o projeto de reabilitação do edifício.
EEE. Nesta senda, cumpre reformular a ponderação da matéria de facto provada e, necessariamente, o seu enquadramento jurídico.
FFF. Efetivamente não pode haver dúvidas que entre a Autora e a 2.ª Ré, foi celebrado um novo acordo, segundo o qual, a Recorrida:
• Aceitaria a redução da percentagem devida pela venda do Imóvel para 4%;
• Uma vez que o imóvel seria comprado para revenda e precisaria de ser reabilitado, obteria o consentimento da 1.ª Ré para que a 2.ª Ré tivesse acesso ao imóvel logo desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda e assim poder começar a desenvolver o projeto de reabilitação do edifício.
GGG. Acordo esse que foi apenas parcialmente cumprido (a 2.ª obrigação contratual supra listada não foi assegurada) – justificando-se, assim, a existência de responsabilidade contratual por parte da Autora, aqui Recorrida.
HHH. O Tribunal a quo considerou ainda como facto provado n.º 25 que “A 2.ª Ré teve como objetivo destinar o imóvel ao uso próprio do seu representante VF”. Contudo, isso não é o que resulta dos autos.
III. Em primeiro lugar, da prova documental, em concreto da escritura de compra e venda onde expressa e claramente se indica que o imóvel era para revenda (cfr. doc. 11 da petição inicial).
JJJ. Por outro lado, isso mesmo foi confirmado pelo Legal Representante da 2.ª Ré, no depoimento prestado no dia 20 de outubro, entre as 10h:11 e as 11h:23, gravado digitalmente, mais concretamente nos seguintes minutos e segundos: 01:01:52 – 01:05:30’.
KKK. Em consequência, ficou provado documentalmente, mas também pelo depoimento do Legal Representante da 2.ª Ré que a sua vontade era afetar o imóvel para revenda – o que veio a revelar-se no teor expresso e claro da escritura de compra e venda – não se compreendendo, por isso, como é que o Tribunal a quo entendeu não ter sido feita prova deste facto.
LLL. Devendo, por isso, alterar-se o facto n.º 25 para a seguinte redação: “A 2.ª Ré teve como objetivo destinar o imóvel para revenda”.
MMM. Por fim, veja-se ainda que o Tribunal a quo também não considerou provado o facto de que “A 2.ª Ré espera retirar do imóvel adquirido uma rentabilidade de €128.000,00/ano.”
NNN. Contudo, e mais uma vez incorretamente, o Tribunal a quo não considerou o depoimento do Legal Representante da 2.ª Ré, prestado em 20 de outubro, entre as 10h11min e as 11h23min, gravado digitalmente, mais concretamente os seguintes minutos e segundos: 00:39:03 – 00:44:18’.
OOO. Consequentemente, ficou assim provado nos autos que a 2.ª Ré esperava retirar uma rentabilidade do imóvel adquirido, nos termos supra explicados.
PPP. E, por isso mesmo, deve ser dado como provado o facto d) (“A 2.ª Ré espera retirar do imóvel adquirido uma rentabilidade de €128.000,00/ano).
QQQ. Contudo, e sem conceder, ainda que o Tribunal a quo tivesse tido dúvidas quanto ao valor dos danos patrimoniais gerados pelo incumprimento contratual perpetrado pela Recorrida, poderia sempre ter determinado oficiosamente a realização de uma perícia, nos termos do artigo 467.º do CPC ou remetido o apuramento desse valor para momento posterior, em sede de incidente de liquidação de sentença (artigo 358.º do CPC) – o que também não fez.
RRR. Perante o incumprimento de uma obrigação contratual, por parte da Recorrida, gera-se no presente caso uma situação de responsabilidade contratual cujos pressupostos têm que ser preenchidos: facto; ilicitude; culpa; nexo de causalidade; danos.
SSS. Dando como provado os factos supra requeridos, fica claro:
a. Que a Autora, aqui Recorrida, praticou factos ilícitos (porque violou as obrigações contratuais por si assumidas);
b. A culpa da Autora, aqui Recorrida, no incumprimento de uma das obrigações contratuais (o acesso ao imóvel depois do CPCV) e, ainda que assim não fosse, recorde-se que, nos termos do artigo 799.º do CC, sempre se presumiria a culpa da Autora, aqui Recorrida, pela prática deste facto ilícito.
TTT. A isso acresce dizer que este facto ilícito deu origem (nexo de causalidade) a danos patrimoniais na esfera jurídica da 2.ª Ré.
UUU. Tendo em conta que a 2.ª Ré é uma sociedade de promoção imobiliária e que a compra deste Imóvel era para revenda (conforme também foi já anteriormente aqui explicado), visa naturalmente a prossecução de um escopo lucrativo.
VVV. Daí a importância de rentabilizar o tempo e de garantir o acesso imediato ao Imóvel – pois isso permitiria que a 2.ª Ré começasse de forma mais célere os trabalhos de projeto e, desde logo, a rentabilizar o Imóvel.
WWW. Essa rentabilização é particularmente necessária no âmbito de uma atividade tão exigente e competitiva como o é a da promoção imobiliária.
XXX. Percentagem essa de rentabilidade que a 2.ª Ré espera retirar do Imóvel agora adquirido à 1.ª Ré – in casu, estamos a falar de €128.000/ano.
YYY. E que esperava começar logo a retirar, desde o momento em que celebrou o contrato promessa de compra e venda, portanto desde 15 de fevereiro de 2021, altura em que a Autora se comprometera a dar-lhe acesso ao Imóvel.
ZZZ. Contudo, apenas conseguiu aceder ao Imóvel cerca de três meses depois.
AAAA. Ou seja, com a mora da Autora, a 2.ª Ré perdeu um “trimestre expectável de rentabilidade”, pois o Imóvel adquirido esteve parado 3 meses, contrariamente ao que havia sido acordado entre as partes.
BBBB. Por outras palavras, com este atraso a 2.ª Ré irá obrigatoriamente terminar a obra 3 meses mais tarde e não terá tão cedo disponível o valor do Imóvel.
CCCC. O mesmo é dizer que numa rentabilidade de €128.000/ano, a 2.ª Ré perdeu o equivalente a 3 meses de rentabilidade, ou seja, perdeu €32.000, pela mora em que a Autora, aqui Recorrida, incorreu.
DDDD. Ficando, assim também provado que, o incumprimento da obrigação contratual da Recorrida gerou (nexo causalidade) danos patrimoniais na esfera jurídica da aqui Recorrente.
EEEE. A 2.ª Ré constitui-se, assim, credora da Autora no montante de €32.000, montante esse que deve ser deduzido ao valor da comissão de venda a que a Autora tem direito, nos termos dos artigos 847.º e segs. do CC.
FFFF. No fundo, aos €64.000 de valor de comissão de venda devidos à Autora (s/IVA), para além de terem de se descontar os €10.000 pagos aquando da celebração do contrato de promessa, devem ainda descontar-se estes €32.000.
GGGG. O que significa que, à presente data, a 2.ª Ré se assume como devedora da Autora em €22.000 (vinte e dois mil euros).
HHHH. Estando disponível para pagar, de imediato, esta quantia à Autora, aqui Recorrida – tendo-lhe já, inclusive, transmitido esta posição que, até ao momento, esta não logrou aceitar.
IIII. Diga-se então: a 2.ª Ré, aqui Recorrente, está disposta a pagar à Autora o montante proporcional às obrigações que esta cumpriu ao longo de todo o processo de negociação e compra e venda do Imóvel – que corresponde, no total, a €32.000 (trinta e dois mil euros), dos quais já foram pagos €10.000 (dez mil euros) aquando da celebração contrato promessa.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) Nos termos do artigo 662.º/1 do CPC, ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois a prova produzida impõe sentença diversa; e em consequência,
b) Ser a Ré parcialmente absolvida do pedido e condenada apenas no pagamento da quantia de €22.000,00, por julgar-se verificada a responsabilidade contratual da Autora, aqui Recorrida (e os danos por si gerados), operando-se, por isso, à necessária compensação de créditos.

***

9- A autora contra-alegou no recurso interposto pela 1ª ré, MPR, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
i) Apelante e Apelada celebraram um contrato de mediação imobiliária (pontos 1 a 4 do relatório de facto constante da douta sentença) e é no âmbito dessa actividade que se deve interpretar a actuação da Apelada;
ii) A empresa de mediação não actua, nesses actos ou diligências, em nome próprio, limitando-se a apresentar a cada uma das partes a posição da outra;
iii) O e-mail a que se refere a Apelante, insere-se nessa actividade de mediação imobiliária, como de resto, decorre do seu texto onde se diz “…venho por este meio enviar-lhe a última proposta que recebemos do cliente…”;
iv) E a parte onde se diz que “não paga comissão à QP” está contida nessa proposta do cliente que é transmitida, não sendo como é facilmente apreensível uma proposta da Apelada;
v) Não constitui, pois, tal comunicação expressa declaração da Apelada de exoneração da Apelante;
vi) No Art.º 595º do Código Civil exige-se que a exoneração do antigo devedor seja expressa, nos termos do e para os efeitos do Art.º 217º do Código Civil, não podendo resultar sequer da dedução de factos que com toda a probabilidade a revelem (declaração tácita);
vii) Os denominados “comportamentos concludentes” vão ainda para além da declaração tácita e, para quem os aceite juridicamente, constituem “condutas geradoras de vínculos obrigacionais fora da emissão de declaração de vontade” (Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, págs. 184);
viii) Ou seja, nos referidos comportamentos concludentes, nem sequer existe declaração, e a norma referida exige não apenas declaração de exoneração, como que esta seja expressa.
Termos em que, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença.

***

10- A autora contra-alegou, igualmente, no recurso interposto pela 2ª ré, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
i) A Apelante entende que o ponto 8 dos factos provados não deveria ter tido resposta positiva, mas a falta de fundamento da sus posição fica patente com o depoimento da testemunha IC (sessão 20.10.2022 - início: 15.27.14 horas – fim: 16.17 hora), a qual, prestando serviço na Apelada, intermediou na aquisição do imóvel em causa nos autos pelo lado daquela Apelante (vd. excerto transcrito no corpo desta alegação);
ii) A testemunha explicou, então, como foi obtida a Apelante como destinatária do negócio e essa explicação foi também dada pela testemunha DS (sessão de 26.10.2022 - início: 09.45.28 horas – fim: 10.09.03 horas) (vd. excertos transcritos no corpo desta alegação);
iii) O legal representante da Apelante contacta a Apelada telefonicamente por ter visto o imóvel em causa anunciado no “site” desta e pretender adquirir um imóvel com essas características;
iv) Não há, pois, dúvida de que foi a promoção feita pela Apelada que obteve a Apelante como interessada para o negócio, estando correcta a resposta dada ao ponto 8 dos factos provados e até as declarações do legal representante da Apelante confirmam essa situação (vd. Excerto transcrito no corpo desta alegação);
v) A Apelante insurge-se com a resposta negativa dada ao facto não provado C, entendendo que este deveria ter tido resposta positiva, que corporizaria um novo acordo feito entre as partes e que esse novo acordo implicaria a redução da comissão e o acesso imediato da Apelante ao imóvel;
vi) Não foi, porém, isso que se verificou, tendo, bem inversamente, a Apelante apresentado uma proposta à 1.ª Ré que importava a redução do preço de venda de €1.750.000,00 para €1.600.000,00 e a assunção da obrigação de pagar à Apelada uma comissão de 4%. como pode ver-se pelo depoimento da testemunha B (sessão de 20.10.2022 - início:14.12.19 horas – fim: 15.08.02 horas) que negou taxativamente a existência do acordo a que se refere a Apelante (vd. Excertos transcritos no corpo desta alegação);
vii) A testemunha confirma que a obrigação de aceitar visitas nem sequer foi acordada entre a 1.ª Ré e a Apelante o que decorre também do depoimento da testemunha SC (sessão de 20.10.2022 - início:15.09.29 horas – fim: 15.23.58 horas) (vd. excerto transcrito no corpo desta alegação);
viii) E também a testemunha IC refere que a proposta da Apelante para a 1.ª Ré era apenas de reduzir o preço e pagar a comissão à Apelada (vd. excerto transcrito no corpo desta alegação);
ix) A testemunha disse ainda que o pedido de visita ao imóvel pela Apelante surgiu após o contrato promessa e que foi exactamente isso, um pedido (vd. excerto transcrito no corpo desta alegação)
x) Os depoimentos em causa são confirmados pela testemunha DS (vd. excerto transcrito no corpo desta alegação);
xi) Dos depoimentos em causa resulta claramente que nunca houve um acordo de que fizesse parte a Apelada e que mesmo entre as condições do acordo feito por 1.ª Ré e Apelante nunca esteve a obrigação de permitir o acesso ao imóvel;
xii) A versão da Apelante a respeito da importância dessas visitas não merece a mínima credibilidade como pode ver-se pelas declarações do seu legal representante, pois, este refere que essa visita tinha objectivo apresentar um projecto de remodelação do imóvel (vd. excerto transcrito no corpo desta alegação);
xiii) E depois admite que nada data do depoimento ainda não foi apresentado o “projecto” (vd. excerto transcrito no corpo desta alegação);
xiv) A Apelante entende que o facto 25 dado como provado não deveria ter tido resposta positiva, mas a sua argumentação não pode proceder uma vez que a sua prova resultou do depoimento das testemunhas.
xv) Assim decorre do depoimento da testemunha B (vd. excerto transcrito no corpo desta alegação), do depoimento da testemunha IC (vd. excerto transcrito no corpo desta alegação);
xvi) O facto não provado d) não pode ser dado como provado uma vez que a aquisição do imóvel se destinava a habitação da família do legal representante da Apelante;
xvii) E nem sequer faz sentido, como o tenta a Apelante várias vezes, assentar a sua argumentação nas declarações desse legal representante, que, desde logo, são declarações de parte e por outro lado pouca credibilidade merecem, como pode ver-se de todo o seu depoimento e do excerto bastante impressivo transcrito no corpo desta alegação;
xviii) E de qualquer modo, as declarações dele a respeito da situação financeira da Apelante e que se reproduzem não coincidem com as contas dessa empresa cuja junção foi requerida no âmbito da contradita da testemunha EP (sessão de 26.10.2022 - início:14.12.19 horas – fim: 15.08.02 horas), (vd. excerto transcrito no corpo desta alegação);
xix) A Apelante admite – como já admitira – entre outros no artigo 76º da contestação – que assumiu a dívida relativa à comissão decorrente da mediação imobiliária e que se obrigou a pagar, mas alega que tem o direito de compensar parte dessa comissão com pretensos danos que lhe foram provocados pela Apelada;
xx) Não obstante, não logrou demonstrar que tenha celebrado qualquer contrato com esta, tendo, sim, ficado patente que assumiu a obrigação referida da 1.ª Ré;
xxi) Por outro lado, não demonstrou também que esse pagamento da comissão estivesse sujeito a qualquer condição, nem sequer perante a 1.ª R;
xxii) E muito menos perante a Apelada, pois, a suposta condição de visitar o imóvel nem sequer, como resulta evidente, dependia da vontade desta;
xxiii) Por fim, a Apelante não demonstrou os supostos prejuízos onde assentava o seu pedido indemnizatório, tanto mais que em Dezembro de 2022, quando o seu legal representante prestou o seu depoimento e mais de um ano depois de adquirir o imóvel nenhum projecto ainda aprovou para ele;
xxiv) Aliás, as versões do referidas do legal representante e da testemunha apresentada sobre a situação da sociedade são desmentidas pelas contas destas.
Termos em que, não deve ser fixado efeito suspensivo ao presente recurso, ou caso assim não se entenda sempre esse efeito deverá ficar dependente da prestação de caução nos termos legais; deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO.

1- Objecto do Recurso.

1- É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelas recorrentes, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
A)- Recurso da 1ª autora, MPR:
i)- Revogação da sentença com a absolvição da 1ª ré do pedido;
B)- Recurso interposto pela 2ª ré, F, Lda:
i)- A Impugnação da Matéria de Facto;
ii)- A Revogação da sentença com a redução da condenação a 22.000€ por via da compensação de créditos.

***

2- Matéria de Facto.

A 1ª instância decidiu a seguinte matéria de facto:

MATÉRIA DE FACTO PROVADA
1. A Autora Q e P, Lda, é uma empresa de mediação imobiliária e que se dedica a essa actividade de mediação nos negócios relativos à comercialização de direitos reais ou obrigacionais sobre imóveis.
2. No exercício da sua actividade, a Autora foi contactada pela 1.ª Ré MPR para obter interessados para a compra do prédio urbano situado na Rua D. Constantino…, em Lisboa, descrito sob o n.º 2… na Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na matriz da freguesia de Belém sob artigo 3…, do qual era, à data proprietária.
3. Deste modo, a Autora celebrou em 7 de Abril de 2020 com a 1.ª Ré o contrato de mediação imobiliária que tinha por objecto o prédio identificado.
4. O contrato foi celebrado no regime de não exclusividade e vigorava pelo período de seis meses contados desde a data da sua celebração, renovando-se sucessivamente por iguais períodos, caso não fosse denunciado por nenhuma das partes.
5. A comissão acordada foi de 5% sobre o preço obtido pela venda do prédio, acrescida de IVA à taxa legal de 23%.
6. A 1.ª Ré fixou o valor de €1.750.000,00 pelo qual aceitaria vender a Casa do Restelo.
7. A Autora bem sabia que este era o valor pretendido pela 1.ª Ré.
8. A Autora obteve a 2.ª Ré como interessada na aquisição do imóvel, tendo organizado uma visita a esse imóvel na qual esteve presente o legal representante da 2.ª Ré.
9. Em 11 de Janeiro de 2021, a consultora da Autora, B apresentou à 1.ª Ré a proposta da 2.ª Ré de compra da Casa do Restelo que oferecia a quantia de €1.600.000,00 e segundo a qual a 1.ª Ré não teria de pagar a comissão de venda.
10. Nessa proposta, consta que em caso de venda da Casa do Restelo pelo asking price de €1.750.000,00 a comissão seria de €107.625,00.
11. A 1.ª Ré aceitou a proposta em questão.
12. Tendo sido obtido, pela Autora, acordo entre as Rés para a aquisição do imóvel, aquela iniciou, através do seu departamento jurídico, as diligências necessárias para a celebração do contrato promessa de compra e venda.
13. Em 15 de Fevereiro de 2021, as Rés celebraram o contrato promessa de compra e venda atinente ao imóvel, cuja minuta foi elaborada pela Autora.
14. O preço fixado no contrato promessa de compra e venda pelas Rés, com a mediação da Autora, foi de €1.600.000,00.
15. Com a celebração do contrato promessa de compra e venda, a 2.ª Ré pagou à 1.ª Ré a título de sinal o valor de €250.000,00.
16. Nos termos desse contrato promessa de compra e venda foi acordado pelas Rés, que a comissão devida à Autora seria paga pela 2.ª Ré.
17. A 2.ª Ré solicitou que a comissão fosse reduzida para 4%, o que a Autora aceitou.
18. Em 22 de Fevereiro de 2021, a Autora emitiu em nome da promitente- compradora, ora 2.ª Ré F, Lda., uma factura no valor de €12.300,00 (IVA incluído) correspondente a 15.625% da comissão.
19. Por e-mail de 21 de Maio de 2021, enviado pelo administrador da 2.ª Ré à Ré MPR, foi-lhe comunicado o dia, hora e local para a outorga do contrato definitivo  compra e venda, e, bem assim, solicitada a possibilidade de visita ao imóvel em data anterior à realização desta escritura tendo em vista fazer a validação da sua total disponibilidade e condição de acordo com o previsto no n.º 2 da Cláusula Primeira do contrato promessa.
20. Sensivelmente uma semana antes da outorga do contrato definitivo de compra e venda o administrador da 2.ª Ré - VF - realizou-se uma visita à Casa do Restelo, já desocupada de pessoas e bens.
21. A escritura pública de compra e venda entre as Rés realizou-se em 7 de Junho de 2021, tendo nela sido declarado por estas que a Autora teve intervenção no negócio enquanto mediador imobiliário.
22. A Autora emitiu, no próprio dia, a Factura FA 2021/259, em nome da 2.ª Ré, no valor de € 66.420,00 (com IVA incluído), correspondente a 84.37% da comissão de mediação pela venda da Casa do Restelo.
23. A Autora emitiu em nome da Ré MPR a factura FA 2021/268, em seu nome e de igual valor.
24. A 2.ª Ré é uma sociedade anónima cujo objecto social visa a promoção imobiliária, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para o mesmo fim e administração de património imobiliário.
25. A 2.ª Ré teve como objectivo destinar o imóvel ao uso próprio do seu representante VF.
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FACTOS NÃO PROVADOS
a) A 1.ª Ré tem sofrido uma enorme ansiedade inerente ao facto de ser demandada na presente acção.
b) A 1.ª Ré MPR tem de suportar as despesas necessárias à sua defesa, relativas a honorários de advogado, em montante não inferior a €7.581,00.
c) Entre a Autora e a 2.ª Ré ficou acordado que uma vez que o imóvel seria comprado para revenda e precisaria de ser reabilitado, a Autora obteria o consentimento da 1.ª Ré para que a 2.ª Ré tivesse acesso ao imóvel logo desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda e assim poder começar a desenvolver o projecto de reabilitação do edifício.
d) A 2.ª Ré espera retirar do imóvel adquirido uma rentabilidade de €128.000,00/ano.

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3- As Questões Enunciadas.

Apreciar-se-ão as questões enunciadas não pela ordem que elencadas, mas, antes, pelo critério da respectiva precedência lógica. Assim, começar-se-á pela impugnação da matéria de facto feita pela 2ª ré, F, Lda, seguindo-se a pretendida alteração da sentença, defendida pela 2ª ré, com a redução da sua condenação à quantia de 22.000€, por efeito da alegada compensação de créditos e, finalmente, a peticionada, pela 1ª ré, revogação da sentença com a consequente sua absolvição do pedido.

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3.1- A Impugnação da Matéria de Facto pela 2ª ré, F.

A 2ª ré, F, impugna, parcialmente, a matéria de facto decidida pela 1ª instância, relativamente aos pontos 8, 17 e 25 dos factos provados e, pontos C e D dos factos não provados.
Vejamos cada um desses factos.

- Ponto 8 dos factos provados.
É a seguinte a redacção dada pela 1ª instância ao ponto 8 dos factos provados:
8. A Autora obteve a 2.ª Ré como interessada na aquisição do imóvel, tendo organizado uma visita a esse imóvel na qual esteve presente o legal representante da 2.ª Ré.”
A 2ª ré, F, Lda, impugna esse facto dizendo ter sido ela, por iniciativa própria, quem contactou com a autora e iniciou o processo negocial de compra do imóvel. Invoca, para o efeito, as declarações do seu gerente, e os depoimentos das testemunhas B e IC, cujos depoimentos resume na parte relativa a esta questão.
Pretende que o ponto 8 passe a ter a seguinte redacção:
8- Em início de dezembro de 2020, a 2.ª Ré, por iniciativa própria, contactou a Autora e solicitou informações sobre a Casa do Restelo”.
Ora bem, da própria síntese, feita pela 2ª ré, F, Lda, decorre que não há fundamento para alterar a redacção do ponto 8 dos factos provados.
Primeiro, porque como o próprio gerente da F, Lda reconhece, na síntese que fez das suas declarações, “…eu encontrei este imóvel porque fui ao Idealista e este imóvel estava lá à venda em vários anúncios, da Q e P, Lda, da ERA… e calhou ligar para a Q e P, Lda. Liguei, foi feita visita…” Ou seja, neste trecho das declarações do gerente da 2ª ré, F, Lda, ele próprio reconhece que foi através da publicidade/anúncios, apostos pela autora, em plataforma online de publicidade imobiliária, que teve conhecimento de o imóvel se encontrar à venda.
Segundo, da síntese que a 2ª ré, F, Lda, faz dos depoimentos das duas testemunhas, B e IC, resulta que a autora colocou anúncios relativos à venda da moradia em vários sítios online. Trata-se de um modo corrente, entre as mediadoras imobiliárias, de captar eventuais interessados na celebração do negócio.
Terceiro, o ponto 8 dos factos provados tem origem na alegação da autora no ponto 8º da petição inicial e, na contestação que apresentou, a 2ª ré, F, Lda, declarou, no ponto 1º da contestação, que aceitava, além de outros, o ponto 8º da petição inicial; embora, no ponto 3º dessa mesma contestação, tenha mencionado que impugnava, entre outros, o ponto 8º da petição inicial “…na parte relativa às diligências efectuadas pela autora…” e, posteriormente, nos pontos 6º e 7º da sua contestação, a 2ª ré, F, Lda refira “A 2.ª Ré, em dezembro de 2020, teve conhecimento de que o prédio urbano sito na Rua D. Constantino …, se encontrava à venda…” e, “…a Autora, mediadora imobiliária encarregue da promoção do Imóvel, agendou uma visita para a 2.ª Ré poder conhecer o Imóvel para o dia 15 de dezembro de 2020…
Portanto, destas circunstâncias decorre que a 2ª ré, F, Lda, teve conhecimento de a vivenda se encontrar à venda, por via de actuação da autora na publicitação da venda do imóvel.
Por certo, o gerente da 2ª ré, F, Lda, não teria chegado (adivinhado) à intenção de venda da vivenda se a autora não tivesse publicitado a venda do imóvel.
A esta vista, sem necessidade de outros considerandos, conclui-se que não há fundamento para alterar a redacção do ponto 8 dos factos provados.

- Ponto 17 dos factos provados e, facto não provado C.
Entende a 2ª ré, F, Lda, que se o tribunal deu como provado o ponto 17, teria, igualmente, de dar como provado o ponto C dos factos não provados. Argumenta que a negociação para a redução da percentagem da comissão decorreu entre a autora e a 2ª ré, F, Lda, e que a autora se comprometeu a disponibilizar à 2ª ré, F, Lda, acesso ao imóvel logo após a celebração do contrato promessa e ficou acordado que o imóvel seria adquirido para revenda. Diz que esse acordo, entre a 2ª ré, F, Lda e a autora foi verbal e atípico.
Invoca, como meios de prova, o teor dos documentos 4, 5 e 6 da sua contestação, as declarações de parte do gerente da 2ª ré, F, Lda e, os depoimentos das testemunhas IC que, segundo entende, reconheceram que o gerente da 2ª ré insistia em ter acesso ao imóvel logo após a assinatura do contrato-promessa.
Defende que seja alterada a redacção do ponto 17º dos factos provados e seja julgado provado o ponto C) dos factos não provados com uma redacção diferente e, seja aditado um novo ponto aos factos provados, tudo nos seguintes termos:
“17- A 2.ª Ré, posteriormente, celebrou um acordo com a Autora para que a percentagem de venda que lhe era devida fosse reduzida para 4%, o que a Autora aceitou.”;
“C)- Entre a Autora e a 2.ª Ré também ficou acordado (para além da percentagem de venda sobre o valor do imóvel) que uma vez que o imóvel seria comprado para revenda e precisaria de ser reabilitado, a Autora obteria o consentimento da 1.ª Ré para que a 2.ª Ré tivesse acesso ao imóvel logo desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda e assim poder começar a desenvolver o projeto de reabilitação do edifício.”
“- Novo Facto: A Autora não logrou cumprir com a obrigação contratual que assumira com a 2.ª Ré, de garantir o acesso ao imóvel logo desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda, para esta assim poder começar a desenvolver o projeto de reabilitação do edifício.”

Vejamos se a 2ª ré, F, Lda, tem razão.
Antes de mais recordemos as redacções dos pontos 17 dos factos provados e C) dos factos não provados, dadas pela 1ª instância:
17- A 2.ª Ré solicitou que a comissão fosse reduzida para 4%, o que a Autora aceitou.”
“C) Entre a Autora e a 2.ª Ré ficou acordado que uma vez que o imóvel seria comprado para revenda e precisaria de ser reabilitado, a Autora obteria o consentimento da 1.ª Ré para que a 2.ª Ré tivesse acesso ao imóvel logo desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda e assim poder começar a desenvolver o projecto de reabilitação do edifício.”
Relativamente ao ponto 17 dos factos provados, a 1ª instância fundamentou a sua decisão, escrevendo:
Relativamente ao facto provado em 17., na aceitação da Autora que a 1.ª Ré solicitou a redução da comissão o que a mesma aceitou (artigo 11.º da réplica).”
E, em relação ao ponto C) dos factos não provados, a 1ª instância alicerçou a sua convicção, escrevendo:
Quanto ao facto não provado em c), a prova que foi produzida nesse sentido foram apenas as declarações de parte do Legal Representante da 2.ª Ré e que, como já foi referido, não foi considerado pelo Tribunal por ser um depoimento demasiado disperso e com o objectivo de convencer o Tribunal que tem razão (sem responder directamente às perguntas). Nessa parte, afirmou que a comissão de 4% a pagar pela 2.ª
Ré estava sujeita à condição de ter acesso ao imóvel antes da escritura. Não há dúvidas que o Legal Representante da 2.ª Ré tentou depois do contrato promessa de compra e venda ter acesso ao imóvel solicitando à Autora e posteriormente à 1.ª Ré o acesso ao mesmo (tal resulta das comunicações por mail e mensagens juntas aos autos), mas tal não resulta que o pagamento da comissão estivesse sujeito à condição do acesso ao imóvel (sendo apenas o Legal Representante da 2.ª Ré que fez menção a essa “condição” de pagamento).”
Ora, da leitura das sínteses das declarações de parte do gerente da 2ª ré e dos depoimentos das testemunhas IC, decorrem narrativas divergentes. Aquele, (gerente da 2ª ré), disse que entre a 2ª ré e a autora foi celebrado um novo acordo pelo qual a autora aceitava reduzir a comissão para 4% e, se obrigava a permitir-lhe (ao gerente da 2ª ré) ter acesso à moradia logo após a celebração do contrato-promessa.
Por sua vez, a testemunha IC disse, pela síntese do depoimento feito pela 2ª ré na sua alegação, que a autora tentou junto da 1ª ré que esta autorizasse a visita, mas ela não permitia. E a testemunha SC, na síntese do seu depoimento feito pela 2ª ré na sua alegação, referiu recordar-se que houve insistência do gerente da 2ª ré em visitar a casa antes da escritura, mas, apesar de elas (mediadoras da autora) terem tentado, a Dr.ª MPR (1º ré), não tinha disponibilidade.
Por seu lado, nas sínteses dos depoimentos das testemunhas feita pela autora na sua contra-alegação, podemos retirar que, do depoimento de B, esta negou que tivesse existido acordo entre a autora e a 2ª ré para que esta acedesse imediatamente à vivenda logo após a celebração do contrato promessa, referindo que a 2ª autora fez uma contraproposta de compra por 1.600.000€, em vez dos 1.750.000€, mas assumia o pagamento da comissão de 4%; que essa contraproposta foi apresentada à 1ª ré que a aceitou e, por isso, ficou a constar do contrato-promessa o preço de 1.600.000€ e a obrigação da 2ª ré pagar a comissão. E respondeu mesmo, à pergunta sobre a questão, que o pagamento da comissão pela 2ª ré não estava sujeito a qualquer condição, designadamente, a obrigatoriedade de a autora facultar à 2ª ré acesso à vivenda logo após a celebração do contrato-promessa. Foi pedido à 1ª ré que autorizasse a visita à casa e ela não tinha disponibilidade.
De resto, no mesmo sentido vai o depoimento da testemunha SC: negou que tivesse sido acordada qualquer condição, entre a autora e a 2ª ré, para a assunção do pagamento, por esta, da comissão de angariação. Bem como da testemunha IC, que disse que a 2ª ré se comprometeu a pagar a comissão de angariação da venda e isso ficou escrito no contrato-promessa e não ficou acordado a obrigação de mostrar a casa após o contrato-promessa. Igualmente, a testemunha DS, depôs no mesmo sentido: que não havia outro acordo, entre a autora e a 2ª ré, para além de esta se ter comprometido a pagar a comissão; a autora não assumiu a obrigação de facultar acesso à casa, à 2ª ré, logo após a celebração do contrato-promessa.
Por outro lado, dos documentos mencionados pela 2ª ré, F, Lda., os documentos 4, 5 e 6 juntos com a contestação, também não permitem concluir no sentido que a 2ª ré pretende.
Na verdade, o documento 6, é a cópia de uma mensagem de correio electrónico, datada de 14/06/2021, de F e Q, Lda (da autora) para VF (gerente da 2ª ré) em que, além do mais, escreve:
A única queixa que pode ter, deriva de não ter conseguido efectuar uma visita antes da escritura pública de compra e venda, algo que não foi provocado por nós, mas sim pela proprietária anterior que não a realizou e não deixou realizar, não pela insistência da QP mas pelos seus próprios motivos pessoais.”
E, deste documento não se retira que a autora se havia obrigado perante a 2ª ré a facultar-lhe o acesso à casa após a celebração do contrato-promessa.
O documento 5 constitui uma cópia de mensagem de correio electrónica, datada de 26/05/2021, pela qual a IC (da autora) perguntou ao VF (gerente da 2ª ré) sobre o horário da visita à moradia. Mais uma vez, desse documento, não se retira qualquer vinculação da autora a facultar o acesso à moradia após o contrato-promessa.
E o documento 4, cópia de mensagem de correio electrónico datada de 24/05/2021, de BM (da autora) para a advogada ET, revela que é dada nota que teve conhecimento do agendamento da escritura e da visita à casa.
Portanto, destes documentos e daqueles depoimentos e declarações não se podem retirar as conclusões que a 2ª ré pretende.
De resto, para confirmar esta conclusão é relevante ter em consideração o depoimento da 1ª ré, MPR, que permite perceber porque não se realizaram visitas à casa logo após o contrato promessa.
Na verdade, ouvidas integralmente as declarações da 1ª ré, retira-se que ela, de modo descomprometido, espontâneo e sincero, disse, em síntese:
-Que a “Babá” (B, da autora) lhe telefonou a dizer-lhe que tinha arranjado o comprador ideal para a vivenda; ele pagava 1.600.000€ e pagava a comissão à mediadora e ela aceitou com essa premissa; a mediadora aceitou reduzir a comissão para 4%. Ela (1ª ré) teve uma reação emocional de não querer conhecer o comprador. Houve o contrato-promessa e ela (1ª ré) ficou descansada; ela só exigiu que o comprador pagasse 250.000€ aquando do contrato-promessa. Durante 5 meses, ela sozinha e uma empregada fizeram a mudança, de uma casa com três andares e garagem, de 40 anos (de residência) num carro velho e pequeno. Demorou cinco meses e meio a fazer a mudança. Na escritura ela continuou a não querer conhecer a pessoa que comprava a vivenda. Depois do contrato-promessa, um tempo antes da escritura, foi-lhe perguntado pela Babá se ele, comprador, podia ir à casa para fazer umas medições e ela perguntou-lhe se isso era uma obrigação legal e a Babá disse que não; então ela (1ª ré) respondeu “Olhe Babá, eu estou aqui num sufoco a mudar as coisas, logo que limpe a casa toda e esteja tudo impecável, o senhor (comprador) pode entrar.” Eles foram à casa 10 ou 15 dias ante da escritura. Ela nunca quis conhecer qualquer interessado, eles iam lá, ela saia antes e era a empregada que mostrava a casa.
Estava numa azáfama enorme para tentar tirar tudo dessa casa e, no momento em que a casa ficou limpa e arrumada avisou a Babá que o senhor (o gerente da 2ª ré) podia lá ir tirar as medidas. A mesma pergunta foi-lhe feita pela então sua advogada, Dra. ET e, ela deu a mesma resposta: quando a casa estivesse limpa e sem nada ele (comprador) podia lá ir. Houve dois pedidos: um da Babá, já não se lembra quando e, outro da Dra. ET.
Portanto, destes meios de prova analisados, resulta, por um lado, que não existiu qualquer obrigação, assumida pela autora, de facultar o acesso à casa logo após o contrato-promessa; nem que essa alegada obrigação de facultar o acesso à casa fosse condição de a 2ª ré pagar a comissão a que se obrigou. De resto, não é verosímil que uma mediadora imobiliária assumisse essa obrigação quando, como é sabido, não tem disponibilidade legal para facultar acesso a imóveis antes da venda se a promitente vendedora não faculta esse acesso. E, por outro lado, o que seria normal, se a 2ª ré fazia questão de ter acesso à moradia logo após a celebração do contrato-promessa, bastaria que estipulasse cláusula nesse sentido, nesse contrato-promessa. O pedido da B à 1ª ré para que facultasse o acesso do gerente da 2ª ré à vivenda prometida comprar, pode ser visto como uma cortesia comercial para com a 2ª ré e não como a assunção de uma obrigação que, de resto, não estava na disponibilidade da autora satisfazer.
Deste modo, somos a concluir que não há fundamento para alterar a redacção dada pela 1ª instância ao ponto 17 dos factos provados nem para considerar como provado o ponto C dos factos não provados, nem para aditar um novo facto ao rol dos factos provados.

                                                                      
O ponto 25 dos factos provados.
Entende a 2ª ré, F, Lda, que a 1ª instância não podia dar como provada a factualidade do ponto 25 dos factos provados porque, na escritura de compra e venda ficou a constar que a compra da moradia se destinava a posterior venda; e que o seu gerente, no depoimento que prestou, afirmou que o imóvel se destinava a revenda, por isso, conclui, deve ficar como provado que:
“-A 2.ª Ré teve como objetivo destinar o imóvel para revenda”.
Ora vejamos.
Primeiro, recorde-se a redacção dada pela 1ª instância ao ponto 25 dos factos provados:
“-25. A 2.ª Ré teve como objectivo destinar o imóvel ao uso próprio do seu representante VF.”
E, a 1ª instância fundamentou a sua decisão sobre o ponto 25 escrevendo:
Relativamente ao facto provado em 25., o Tribunal considerou que de facto consta que o imóvel foi adquirido pela 2.ª Ré e que esse imóvel se destina à revenda por se tratar de uma empresa de compra e venda de imóveis – escritura pública de compra e venda. No entanto, tal referência deveria já constar do contrato promessa de compra e venda conforme consta do mail de fls. 82, onde é pedido a alteração da cláusula primeira (destino da compra para revenda). No entanto, consta do mail junto aos autos a fls. 92 que a aquisição será para uso próprio mas que ficava em nome de uma das sociedades, “pois sendo em nome da sociedade ele terá 3 anos para pagar o IMT”, o que coincide com o mail do Legal Representante de fls. 92 vs. no qual o mesmo refere que o ROC confirmou qual das duas sociedades seria melhor para fazer a aquisição (o que pressupõe uma engenharia financeira, com vista a obter proveitos, independente da sociedade adquirente). Ora, apesar do Legal Representante da 2.ª Ré, em declarações de parte afirmar que a compra não seria para uso pessoal e que da escritura pública constar que o mesmo se destina para revenda, o Tribunal desconsiderou as suas declarações, porquanto o mesmo foi muito disperso nas suas respostas, nunca respondendo directamente às perguntas formuladas e tentando sempre demonstrar que tem razão.
Também o Tribunal não considerou o depoimento da testemunha EP, responsável pelo departamento financeiro da 2.ª Ré, que fez afirmações completamente contrárias ao que ficou dito pelas outras testemunhas e até pelo próprio Legal Representante da 2.º Ré e que não tendo um conhecimento directo dos factos demonstrou uma enorme parcialidade. Assim afirma que VF não conseguiu ver a casa antes da escritura (sendo que tal facto nem é sequer controvertido) e afirma que as obras da vivenda já estão a decorrer (ao contrário do que é dito pelo Legal Representante da 2.ª Ré que afirma que ainda não fez as obras porque não tem projecto aprovado) e desconhece (estranhamente, tendo em conta que deveria ser um assunto relevante da sociedade 2.ª Ré) quando é que foi apresentado o projecto camarário para obras.
Pelo contrário, a testemunha IC que elaborou o mail de fls. 92, depôs com isenção e objectividade, sendo que a mesma representava a compradora nesta venda (a 2.º Ré) e referiu de forma clara que o VF apareceu a dizer que queria uma casa para ele no Restelo porque vivia num apartamento e que ia fazer uma surpresa à esposa.”
Pois bem, em face dos meios de prova mencionados pela 1ª instância, somos a entender que não há fundamento para alterar a redacção do ponto 25 dos factos provados.
Primeiro, porque, a circunstância de ter sido declarado na escritura de compra e venda, que o imóvel se destinava a revenda, essa declaração, na escritura, não faz prova plena desse facto. Na verdade, como decorre do art.º 371º do CC, os documentos autênticos apenas fazem prova plena dos factos que referem terem sido praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, bem como dos factos que nele são atestados com base na percepção da entidade documentadora. Ou seja, no que tange às declarações proferidas pelas partes perante oficial público, a sua força probatória não se estende ao conteúdo intrínseco das declarações, isto é, a veracidade, sinceridade e validade do que foi afirmado pelas partes perante o oficial público. (Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material comentado, 3ª edição, 2023, pág. 150). Significa isto que a circunstância daquela declaração – de o imóvel se destinar a revenda – constar da escritura não pode ter-se, por si só, como sendo verdadeira essa intenção do declarante. A declaração fica sujeita ao princípio da livre apreciação pelo julgador.
Ora, analisado o teor do documento 2 junto com a réplica, que consiste em cópia de mensagem de correio electrónico, de IC, da autora, datada de 16/01/2021, consta mesmo que, em relação ao imóvel em causa nos autos, “Quem irá comprar o imóvel será uma das empresas dele. Esta aquisição será para uso próprio, mas ficará em nome de uma das sociedades dele, pois sendo em nome da sociedade ele terá 3 anos para pagar o IMT.”. De resto, este email constitui a sequência do pedido feito pelo VF, gerente da 2ª ré, através do email do mesmo dia, para a IC, onde fez constar:
Venho enviar os elementos da minha sociedade que irá ser compradora no CPCV da R D Constantino…
F, Lda.
Peço desculpa do meu atraso no envio desta informação, mas, só agora o ROC me ligou a confirmar qual das duas sociedades seria melhor para fazer a aquisição.”
Finalmente, o depoimento de IC confirmou, de forma inequívoca que a intenção da compra era para uso próprio da vivenda pelo gerente da 2ª ré, o qual, de resto, pretendia fazer uma surpresa à esposa.
A está luz e sem necessidade de outros considerandos, entendemos não haver razão para alterar o ponto 25 dos Factos provados.

O ponto D) dos factos não provados.
É a seguinte a redacção dada pela 1ª instância ao ponto D dos factos não provados:
A 2.ª Ré espera retirar do imóvel adquirido uma rentabilidade de €128.000,00/ano.
Defende a 2ª Ré, F, Lda, que o tribunal devia ter dado este facto como provado. Baseia-se nas declarações do seu legal representante, que, segundo entende, demonstraram que os três meses de atraso na visita à moradia e o consequente atraso em igual tempo no licenciamento do projecto, implica perda de rendimento de três meses.
A 1ª instância fundamentou a sua decisão relativa ao ponto D) dos factos não provados, expondo:
Relativamente ao facto não provado em d), também nesta parte apenas o Legal Representante da 2.ª Ré se referiu à rentabilidade expectável do imóvel, não havendo nada que comprove essa rentabilidade (nem sequer a responsável pelo departamento financeiro da 2.ª Ré). Para além disso, estamos perante uma expectativa que parece não ser de concretizar porque o próprio Legal Representante da 2.ª Ré, à data da sua inquirição, refere que não tem projecto aprovado, desconhecendo-se os motivos de não haver projecto aprovado (não foi feita prova suficiente sobre essa questão, desconhecendo-se até se foi apresentado algum projecto).
Pois bem, concorda-se inteiramente com este fundamento e a respectiva decisão, acrescentando-se, ainda, que das declarações do representante da 2ª ré transcritas na alegação, em parte alguma consta que ele tenha afirmado ou confirmado o valor de 128 000€/ano. Falou de generalidades sem concretizar qualquer montante.
Do exposto, decide-se não alterar a decisão do ponto D dos factos não provados.

Em suma: improcede, totalmente, o recurso relativo à impugnação da matéria de facto.

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3.2- A pretendida alteração da sentença, defendida pela 2ª ré, com a redução da sua condenação à quantia de 22.000€, por efeito da alegada compensação de créditos.

A 2ª ré, F, Lda, defende que em consequência da alteração da matéria de facto – a que se propunha - resulta que a autora incumpriu a obrigação que havia assumido, perante a 2ª ré, de lhe facultar o acesso ao imóvel logo após a celebração do contrato-promessa e, que esse incumprimento, pela autora, resultou num atraso de 3 meses, o que causou prejuízo à 2ª ré que, tendo uma rentabilidade de 128.000€/ano, perfaz um prejuízo de 32.000€ (128.000€:12x3); e, sendo o valor da comissão acordada de 64.000€, descontados os 10.000€ já pagos e, operando a compensação do seu crédito, de 32.000€, deve à autora somente a quantia de 22.000€.
Terá a 2ª ré, F, Lda, razão?
A resposta é negativa por duas razões.
Primeira: total improcedência da impugnação sobre a matéria de facto.
Como vimos acima, o recurso da 2ª ré, F, Lda, relativo à impugnação da matéria de facto, foi totalmente improcedente. O que significa que a fundamentação de facto em que a 2ª ré assentava o seu pretendido crédito (indemnizatório) sobre a autora, não se verifica. Com efeito, não ficou demonstrado o invocado contrato, ente a 2ª ré e a autora em que esta (alegadamente) se obrigou a facultar o acesso à vivenda ao representante da ré logo após a celebração do contrato promessa, nem ficou demonstrado que a 2ª ré obteria uma rentabilidade de 128.000€ e, que o atraso de três meses no acesso à vivenda causou à 2ª ré um prejuízo de 32.000€.
Portanto e em síntese, não ficou provado que a 2ª ré, F, Lda, detenha qualquer direito de crédito (indemnizatório) sobre a autora. O mesmo é dizer, que não sendo atendidas as alterações à matéria de factos e baseando-se a pretensão de revogação da sentença apenas nessas alterações de facto, fica sem fundamento o recurso quanto a esta parte. Digamos que ocorre uma situação de inviabilidade do recurso: os pressupostos de facto em que se baseia não se verificam.
Segunda: A assunção de dívida.
Ficou provado que no contrato-promessa de compra e venda da vivenda, celebrado entre as rés, foi entre elas acordado que a comissão devida à autora seria paga pela 2ª ré (ponto 16 dos factos provados); e que a 2ª ré solicitou que a comissão fosse reduzida a 4%, o que a autora aceitou (ponto 17 dos factos provados); mais se provou que a autora emitiu em nome da 2ª ré, F, Lda, aquando da celebração do contrato-promessa entre as rés, uma factura de 12.300€ (IVA incluído) correspondente a 15, 625% da comissão (ponto 18 dos factos provados). E, é pacífico entre as partes, que a 2ª ré pagou essa quantia à autora correspondente a parte da comissão pela mediação imobiliária.
Ora, é conhecido o instituto da assunção de dívida, previsto nos artºs 595 e segs.  do CC.
De acordo com o art.º 595º nº 1, al. a) do CC, “A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se: Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor.
Nesta situação, prevista no preceito acabado de transcrever, trata-se de uma assunção de dívida, em que o terceiro, o assuntor, se obriga a efectuar a prestação da dívida de outrem. Essa assunção da dívida, por um terceiro opera, neste caso, mediante acordo entre o devedor originário e o novo devedor, ratificada pelo credor. A obrigação transfere-se sem perda de identidade, isto é, mantém-se o credor com direito à mesma obrigação já constituída.
Ora, requisito específico da validade da assunção de dívida é, justamente, o consentimento do credor. Isto é, para que haja assunção de dívida o credor tem de consentir nessa assunção da dívida por terceiro, mediante a ratificação do negócio entre o antigo e o novo devedor. Quer dizer, o devedor primitivo não pode transmitir a sua posição de sujeito passivo da relação creditória, a quem quer que seja, sem o consentimento do credor. A necessidade desse consentimento pelo credor percebe-se, pelo princípio do contrato: ninguém pode ver a sua posição contratual alterada sem que nisso consinta. As qualidades pessoais do devedor e sua capacidade patrimonial são relevantes para o credor. Assim, a assunção de dívida não se dará, rectius, não produzirá efeitos enquanto o credor não der a sua anuência a essa assunção de dívida pelo terceiro. (Cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 6ª edição, pág. 356 e segs. mormente 370 e segs.; Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, 2º Vol., pág. 28 e seg.; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, pág. 690 e seg.; Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo IV, 2010, pás. 235 e segs.; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 6ª edição, pág. 53 e segs.; Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. I, 3ª edição, pág. 579 e segs.; Tiago Azevedo Ramalho, CC anotado, AAVV, coord. Ana Prata, Vol. I, pág. 770 e seg.; Vaz Serra, Assunção de Dívida, BMJ 72, págs. 189 e segs.).
Ora, a ratificação, pelo credor, do acordo entre o devedor originário e o novo credor não tem de ser expressa. Na verdade, a ratificação é o acto jurídico unilateral, praticado pelo credor, pelo qual manifesta a sua concordância com o acto/acordo praticado pelo anterior e novo devedor. Nos termos comuns, a ratificação pode ser expressa ou tácita (art.º 217º do CC), sendo exemplo de ratificação tácita a aceitação, pelo credor, da prestação, realizada pelo assuntor. Neste aspecto, é unânime a doutrina nacional de que destacamos, os seguintes autores: Tiago Azevedo Ramalho, CC anotado, …cit., pág. 771 anotação 5; Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, cit., pág. 580; Almeida Costa, Direito das Obrigações, cit., pág. 692; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, cit., pág. 372; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II vol., cit., pág. 54; Vaz Serra, Assunção de Dívida, BMJ 72, pág. 201.).
Ora, no caso em apreço, além do acordo entre a devedora originária (a 1ª ré) e, a nova devedora (2ª ré), verifica-se que a credora (autora), emitiu factura à 2ª ré, assuntora, do pagamento parcial da comissão. Trata-se, inequivocamente, de uma ratificação tácita, pela credora, do acordo de assunção de dívida celebrado entre a 1ª ré a e 2ª ré.
Tanto basta para que se considere que a dívida foi valida e eficazmente assumida pela 2ª ré e, por isso, responde pelo pagamento da comissão da mediação imobiliária.
Se responde apenas ela, 2ª ré, ou se respondem ambas, a anterior devedora (1ª ré) e a nova devedora (2ª ré) é questão que analisaremos em seguida.
A esta luz, resta concluir que o recurso da 2ª ré não pode proceder, mantendo-se, quanto a ela, o que foi decidido na sentença da 1ª instância.

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3.3- O recurso da 1ª ré: Revogação da sentença com a absolvição da 1ª ré do pedido.

A 1ª ré entende que deve ser revogada a sentença e, por consequência, ser absolvida do pedido, invocando que o tribunal a quo não teve em conta os documentos juntos aos autos, designadamente o documento 1, junto com a contestação, da angariadora da autora para a 1ª ré, onde é dito que a 1ª ré não paga a comissão  e, quem paga é o comprador, o que constitui uma exoneração expressa e, por conseguinte, ocorreu uma assunção liberatória de dívida, reforçada pelo comportamento concludente da autora ao emitir, somente à 2ª ré, a factura de pagamento de parte da comissão de angariação no momento da celebração do contrato-promessa.
Terá a 1ª ré razão?
Em primeiro lugar, cumpre lembrar a letra do art.º 595º do CC, com epígrafe “Assunção de dívida”:
1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”
Ora bem, do preceito, designadamente do seu nº 2, resultam duas formas de assunção de dívida: a assunção cumulativa de dívida e assunção liberatória de dívida.
A distinção destas duas modalidades de assunção de dívida depende da circunstância de haver, ou não, exoneração expressa, pelo credor, do antigo devedor.
Na assunção cumulativa, porque não existe uma declaração expressa de exoneração do antigo devedor, este não é liberado da sua obrigação, mantendo-se solidariamente obrigado, como novo devedor, perante o credor.
Já se houver uma declaração expressa de exoneração do antigo devedor, dá-se a assunção liberatória e, nesse caso, somente o novo devedor responde pela dívida.
Essa declaração expressa do credor, a exonerar o antigo devedor, tem de ser inequívoca e tanto pode ser feita por palavras, por escrito ou por outro meio directo de expressão da vontade, nos termos gerais do art.º 217º do CC (Cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II vol., cit., pág. 56; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, cit., pág. 372).
Para que se possa falar em declaração expressa de exoneração do antigo devedor, não basta a participação do credor no próprio acto transmissivo, com a intervenção do devedor e do terceiro adquirente, ou a sós com aquele. Também não é suficiente a ratificação da assunção pelo credor; esta, apenas tem por efeito transformar a transmissão irrevogável. (Cf. Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo IV, cit., pág. 238 e seg.).
Repare-se que no âmbito dos trabalhos preparatórios do CC, Vaz Serra, propunha solução diversa, entendendo que bastaria que a exoneração do antigo devedor fosse clara, podendo, inclusivamente, resultar da ratificação de um contrato donde claramente se veja que se pretendia essa exoneração (Referido por Menezes Leitão, Direito das Obrigações, cit., pág. 56, nota 104). No entanto, o nosso legislador optou por impor que a exoneração do primitivo devedor tenha de ser expressa.
Saliente-se ainda que a exoneração do primitivo devedor não se confunde com a ratificação do acordo entre o anterior e o novo devedor (art.º 595º nº 1, al. a)), nem resulta desta. (Cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, cit., pág. 57).
Numa palavra: a exoneração do primitivo devedor tem de ser inequívoca e expressamente feita pelo credor.
Ora, no caso dos autos, o documento nº 1 junto com a contestação  (e-mail de B, da autora, para a 1ª ré, datado de 11/01/2021) consiste na transmissão, à 1ª ré, de uma proposta, alternativa, de compra, apresentada pela então interessada, 2ª ré: 1.750.000€ de preço com a comissão, de 5%, num total de 107.625€, a ser suportada pela 1ª ré; ou, em alternativa, preço de compra por 1.600.000€ e a comissão não seria paga pela 1ª ré mas, pela compradora.
Portanto, não constitui uma declaração expressa, da autora, a exonerar a 1ª ré, primitiva devedora. Trata-se, tão somente, da transmissão da proposta de compra, por um interessado, com duas alternativas possíveis.
Pois bem, desta transmissão de proposta de terceiro interessado angariado, não resulta qualquer declaração expressa da credora (autora) a exonerar a 1ª ré da obrigação de pagamento da comissão. E percebe-se porquê: bastaria a 1ª ré não aceitar nenhuma destas propostas para que o negócio não se realizasse, pelo menos nos termos em que veio a ser concluído.
A esta vista, somos a concluir que não existiu declaração expressa da autora a exonerar a 1ª ré da sua obrigação de suportar a comissão de angariação de interessado. Assim, à luz do art.º 595º nº 2 do CC, estamos perante uma assunção cumulativa de dívida. E, assim sendo, ambas as rés respondem, solidariamente, pelo cumprimento da obrigação de pagamento da comissão.
Do que se expôs, resta concluir que improcede o recurso interposto pela 1ª ré.

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III-DECISÃO

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar ambos os recursos, o interposto pela 1ª ré e o interposto pela 2ª ré, improcedentes e, por consequência, mantém a sentença sob impugnação.

Custas na instância de recurso, pelas rés

Lisboa, 23/05/2024
Adeodato Brotas
Nuno Lopes Ribeiro
Octávia Viegas