Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CELINA NÓBREGA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO PROVA PERICIAL JUNTA MÉDICA INCAPACIDADE FUNCIONAL COMISSÁRIO DE BORDO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/25/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Apesar de a Avaliação da Aptidão para o Exercício da Profissão e Capacidade para o Voo realizada pela Medicina Aeromédica ter considerado a tripulante de cabina inapta definitivamente para o seu trabalho habitual, não é de considerar que está afectada de IPATH se resultou provado que as queixas que apresenta não são decorrentes do traumatismo a que se reportam os autos mas de patologia degenerativa natural. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrada AA e entidade responsável Fidelidade-Companhia de Seguros, S.A., em 09.05.2022, veio a sinistrada deduzir incidente de revisão da incapacidade alegando o agravamento da lesão e das sequelas sofridas na sequência do acidente de trabalho de que foi vítima e permanecer com dores e queixas, o que determinou que, em 15 de Junho de 2021, tivesse sido sujeita a uma Junta de Avaliação da sua capacidade de voo (Junta de Medicina Aeromédica) que considerou a sinistrada inapta definitivamente para o trabalho habitual, tendo sido retirada do serviço de voo e cancelado o seu Certificado de Tripulante. Concluiu padecer de uma IPATH, ser-lhe aplicável o factor de bonificação de 1.5 e requereu, a final: - A atribuição de uma IPP com IPATH, desde a data da P.I.; - A atribuição de uma pensão anual e vitalícia nos termos da Lei; - A aplicação, na fixação da incapacidade, do coeficiente de 1.5; - A atribuição de um subsídio de elevada incapacidade; - O pagamento de juros de mora desde a data do pedido de revisão; - A actualização das pensões desde a data da alta médica do acidente; - A condenação da entidade responsável no pagamento das custas processuais. Com o seu requerimento, a sinistrada juntou, para além de dois Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho, Avaliação de Aptidão para o Voo, datada de 15 de Junho de 2021, Local: UCS-Cuidados Integrados de Saúde, S.A. ..., realizada pelas Sras. Dras. BB, CC e DD, sob o assunto: “Avaliação da aptidão para o exercício da profissão e capacidade para o voo do Sra. AA, TAP nº 30915/3, de 39 anos de idade, Assistente de Bordo da XX S.A.” que concluiu que, “Atendendo à incapacidade já atribuída, à sintomatologia dolorosa e limitação funcional, que a impede de realizar as atividades habituais da sua profissão como tripulante de avião, foi considerado inapto definitivamente para o seu trabalho habitual.” Mais juntou Ficha de Aptidão para o Trabalho da qual consta sob o título “Resultado de Aptidão para a Função Proposta ou Atual” “ Inapto definitivamente.” Em 07.11.2022 realizou-se o exame médico de revisão, tendo o Sr. Perito Médico concluído nos seguintes termos: “Compulsados os autos e analisados os resultados dos exames complementares referidos anteriormente neste relatório, conclui-se que não existe agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho sofrido em 07/05/2019, cuja IPP de 3% foi homologada por decisão datada de 26/01/2021. “ A sinistrada, não conformada com o resultado do exame de revisão, em 16.11.2022 veio, ao abrigo do disposto no nº 5 do artigo 145.º do CPT, requerer a realização de exame por Junta Médica para o que formulou os seguintes quesitos: 1) – Tendo em conta que se encontra assente que a Sinistrada sofreu as lesões referidas nos autos de exame médico singular (Refª ... de 19/10/2020), e no auto de conciliação (Refª ... de 04/11/2020), e que existe nexo de causalidade entre tais lesões e o acidente dos autos, é de considerar que a Sinistrada que tais lesões foram agravadas? 2) – E qual o grau de tal incapacidade? 3) – Em caso afirmativo em que artº da TNI se devem enquadrar as sequelas e o agravamento de tal incapacidade? 4) – Tendo em conta a decisão da Junta Médica de Medicina Aeronáutica, que decretou a Incapacidade Definitiva da sinistrada para o Voo, é de considerar que a Sinistrada não é reconvertível no seu posto de trabalho habitual? 5) – A Sinistrada acha-se afectada de Incapacidade Permanente e Absoluta para o Trabalho Habitual (Tripulante de Cabine)? A entidade responsável, Fidelidade-Companhia de Seguros, S.A. veio, ao abrigo do disposto no artigo 467.º n.º 2 do CPC, requerer a ampliação do objecto da Junta Médica e formulou os seguintes quesitos: 1 – No caso de os Senhores Peritos concluírem que se verifica agravamento do quadro sequelar da Sinistrada, em que é se traduz esse agravamento? 2 – E quais as razões determinantes desse agravamento? 3 – Considerando que: - A avaliação do dano corporal no âmbito dos acidentes de trabalho rege-se por um conjunto de procedimentos periciais que estão claramente definidos e consignados na prática pericial quotidiana da avaliação de danos corporais concretizada em Portugal, e que têm sido promovidos pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), pelo Colégio da Competência em Avaliação do Dano Corporal da Ordem dos Médicos e pela Associação Portuguesa de Avaliação do Dano Corporal; - Trata-se de uma atividade que deve ser efetuada por quem tem formação específica neste âmbito, conhecendo e dominando os princípios, especificidades e metodologias de avaliação nos diferentes domínios do Direito; - A própria Ordem dos Médicos criou no seu seio a Competência em Avaliação do Dano Corporal, integrada por médicos de qualquer especialidade, mas detentores dos necessários conhecimentos específicos neste âmbito; - No sentido de promover uma melhor abordagem no âmbito das avaliações de danos corporais nos diversos domínios do Direito e de acautelar indesejáveis erros na intervenção pericial, o próprio INMLCF promoveu a elaboração de “Normas Procedimentais” para a sua realização, normas estas que foram publicadas na Revista Portuguesa do Dano Corporal e que estão disponíveis no site oficial do INMLCF, e que - De acordo com o n.º 5 das Instruções Gerais da TNI a competência para atribuição de IPATH é da Junta Médica realizada nos autos emergentes de acidente de trabalho e não de outras, realizadas por outras entidades, que se regem por regras diferentes, a circunstância de existirem opiniões ou determinações de entidades que, de alguma forma, proferem decisões ao arrepio daquela que é a opinião pericial nos autos emergentes de acidente de trabalho, como seja a avaliação de aptidão para o voo efetuada pela UCS, constitui ou pode constituir, elemento vinculativo para a presente Junta Médica? Pede-se resposta fundamentada. A sinistrada respondeu e finalizou pedindo o desentranhamento do requerimento apresentado pela seguradora. Foi proferido despacho que determinou a realização de Junta Médica e que os Srs. Peritos Médicos respondessem aos quesitos indicados pela sinistrada. Em 07.03.2023, realizou-se a Junta Médica, constando do respectivo auto o seguinte: “Acidente em 07/05/2019-data em que tinha 37 anos e idade e era assistente de bordo – sofreu queda com embate da região cervical e do ombro esquerdo – RM- submetida a tratamento conservador – alta em 08/11/2019 CSD- foi feita perícia de Neurocirurgia com menção de lesão cervical C6/C7 provavelmente consequente ao sinistro [fls.13 e 114]- fixação de IPP em 3% pelo I 1.1.1 b) em fase contenciosa. Foi pedida revisão em 09/05/2022. Em exame do INMLCF, foram pedidos exames complementares de diagnóstico -EMG sem alterações e RM com descrições que se admitem serem degenerativas [fls.205]-mantendo-se a IPP previamente fixada. [fls.200 e 212]. Tem Relatório de Avaliação de Aptidão para o voo, datado de 15.06.2021, com menção de “inapto definitivamente para o seu trabalho habitual” por “sintomatologia dolorosa e limitação funcional” decorrente do acidente dos autos. [fls.193v-194]. Traz relatório de Neurocirurgia, privado, datado de 04/05/2022 com menção de proposta de realização de perícia de Neurocirurgia, sem menção de lesões ou sequelas relacionadas com o acidente. QUEIXAS Dor na região cervical, com irradiação para ambas as mãos (palmas) com parestesias, acompanhada de sintomas como cefaleias e tonturas. Faz regularmente Flexiban e Adalgur. Menciona que é incapaz de transportar a sua própria mala para o avião, incapaz de mobilizar/empurrar trolley carregados, incapaz de se agachar com tabuleiros em transporte.” E os Srs. Peritos Médicos responderam aos quesitos formulados pela sinistrada nos seguintes termos: “Resposta aos quesitos fls. 214-Por maioria dos médicos da responsável e do tribunal 1-Admite-se que não. Considera-se que a examinanda está atualmente valorada por cervicalgia consequente a agravamento sintomático de patologia prévia - alterações degenerativas da coluna cervical a vários níveis e com anos de evolução, como por exemplo uncartroses e protusões dos discos fibrocalcificadas cf.fls.13 e 205 - por traumatismo em acidente de trabalho. Ou seja, não decorreu agravamento do agravamento já valorado em 3% pelo I 1.1.1 b). 2-3% pelo I 1.1.1b) 3-I 1.1.1b) 4-A avaliação feita pelo colégio de médicos (3) tem por base as queixas da examinanda [fls.193-194]. E esta junta médica, considera, pela maioria acima referida, que as queixas que a examinanda apresenta não são decorrentes do traumatismo em análise nos autos, e sim patologia degenerativa natural. 5- Admite-se que não tem IPATH, com a mesma fundamentação dada na questão anterior. Resposta a quesitos fls.214 -pelo médico da sinistrada O médico da sinistrada entende que a examinanda deve ser submetida a uma Junta Médica de Neurocirurgia porque o quadro clínico se agravou cf. relatório de Neurocirurgia que se anexa. Sobre a situação de IPATH quem faz a credenciação dos tripulantes de cabine é a ANAC e as Juntas Médicas de Medicina Aeronáuticas são feitas por especialistas de Medicina Aeronáutica que entenderam que a examinanda não tem condições para exercer a profissão.” A sinistrada, não se conformando com o resultado da Junta Médica (maioria dos Srs. Peritos Médicos) requereu a realização de Junta Médica da Especialidade de Neurocirurgia, o que foi deferido, com vista a que os Srs. Peritos respondessem aos quesitos de fls.214. Em 11.07.2023 realizou-se a Junta Médica da Especialidade de Neurocirurgia constando do respectivo relatório, além do mais, o seguinte: “A Junta Médica, tendo em conta os elementos constantes dos autos, nomeadamente a fixação de IPP de 3% pelo Tribunal em 26/1/2021 e a Avaliação de Aptidão para o Voo de 15/6/2021 que a considerou inapta definitivamente para a profissão de Hospedeira de bordo, considera, por unanimidade que deve manter esta IPP com IPATH.” Em 02.10.2023 foi proferido despacho que determinou que os Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica da Especialidade de Neurocirurgia respondessem aos quesitos formulados. Em 28.11.2023 a Junta Médica da Especialidade de Neurocirurgia respondeu aos quesitos de fls.214 nos seguintes termos: “1- Não 2- 3% (0,03) 3-TNI, Cap. I ,111b) 4- Não é convertível 5-Sim.” Em 23.01.2024 foi proferido despacho que, considerando existir aparente contradição nas respostas dadas em sede de Junta Médica da Especialidade de Neurologia (corrigido posteriormente para Neurocirurgia) e as dadas em sede de Junta Médica, determinou a reabertura da Junta Médica de 07 de Março de 2023, para que ponderasse o resultado da avaliação de neurocirurgia. A Junta Médica reuniu no dia 12.03.2024 e considerou: " As peritas do tribunal e da entidade responsável entendem que a sinistrada não tem agravamento das sequelas consideradas nos autos. Tal como referido no auto previamente realizado, a sinistrada tem 3% de IPP (fixada em fase contenciosa em 26/01/2021 fls 158) Dor agravamento de patologia cervical no decurso de queda com traumatismo cervical no dia 07-05-2019. Ou seja, esta IPP já foi atribuída por agravamento de patologia degenerativa crónica já presente à data do acidente. Os 3% anteriormente fixados foi por exacerbação sintomática da dor cervical, sem lesões osteoarticulares traumáticas decorrentes do sinistro, uma vez que os exames imagiológicos realizados após o evento traumático apenas evidenciaram alterações degenerativas pré-existentes. Não houve lesões osteoarticulares traumáticas que sejam passiveis de agravamento posterior da IPP. Apos data da alta, em 18-11-2019, e concretamente em relação com o atual pedido de Revisão em 09-05-2022, não há elementos — da história clinica e dos exames complementares de diagnóstico — que permitam considerar agravamento desta IPP. Na mesma linha, as peritas entendem que não existe IPATH decorrente das sequelas do acidente, pois as limitações e queixas que a sinistrada apresenta se devem unicamente à patologia natural degenerativa e prévia ao acidente e sem nexo de causalidade médico-legal com o sinistro. Pelo perito da sinistrada, é referido que aceita as conclusões das Juntas Médicas de Neurocirurgia de 11-07-2023 e de 25-11-2023, com atribuição de IPP de 3% com IPATH. A sinistrada não consegue fazer o seu trabalho a bordo, nomeadamente no que respeita à segurança da aeronave e dos passageiros devido à incapacidade que lhe foi atribuída. Pelas peritas do tribunal e da responsável é esclarecido que as limitações associadas à menção de IPATH não têm nexo de causalidade com o acidente dos autos, e sim que são consequência da patologia degenerativa natural. “ Em 22 de Abril de 2024 foi proferido o despacho a que alude o artigo 145.º n.º 6 do CPT que decidiu manter inalterada a IPP fixada à sinistrada. Inconformada, a sinistrada recorreu e sintetizou as suas alegações nas seguintes conclusões: “PRIMEIRA: O presente recurso vem interposto da sentença de fls. que, desconsiderou o pedido de revisão da Incapacidade/Pensão, por ausência de alteração fáctica do quadro de sequelas desconsiderando, sobretudo, a decisão da Junta de Medicina Aeronáutica, que lhe decretou a INAPTIDÃO ABSOLUTA E DEFINITIVA DA TRIPULANTE (ora Sinistrada) para o serviço de voo, e bem assim a legislação da União Europeia. Assim, os exactos termos da sentença ora proferida em 22/04/2024, são: “Assim sendo, na ausência de elementos que consubstanciem a alegação efectuada pela sinistrada, em face do teor da Junta Médica de Revisão e do disposto pela Tabela Nacional de Incapacidades, decide-se, em conformidade com o previsto pelo artigo 145.º, n.º 6 do Código de Processo do Trabalho, manter inalterada a IPP fixada à sinistrada AA.” SEGUNDA: Ora, da análise das respostas dadas pelo Tribunal a quo, tendo em atenção a prova vertida para os autos (Pontos F a J), parece-nos incoerente e deficiente desrespeitando claramente essa mesma prova carreada para os autos e considerada como provada, desrespeitando a Lei e violando a sedimentada Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, e bem assim , as decisões dos Tribunais de Justiça da União Europeia, a legislação Internacional e Comunitária, a que a que Portugal deve obediência. TERCEIRA: Não causou surpresa a decisão do Tribunal a quo que, seguiu a esteira da argumentação da Entidade Responsável e, sobretudo, do seu perito Médico. Não obstante, e apesar de aceitarem por unanimidade a realização de uma Junta Médica de Neurocirurgia, esta veio decretar, por unanimidade, a IPP da Sinistrada com IPATH (JM de 28/11/2023). QUARTA: Mas as incoerências não se ficam por aqui. Na atribuição inicial da IPP foi aceite (Auto de Tentativa de Conciliação de 04/11/2020) por ambas as partes (Entidade Responsável e Sinistrada) de que se trata de um acidente de trabalho (a própria entidade responsável reconheceu isso mesmo), que existe nexo causal entre as lesões apresentadas pela Sinistrada e as descritas nos autos de acidente de trabalho e o valor da retribuição anual auferida pela Sinistrada. QUINTA: No entanto, a Entidade Responsável não concordou com a avaliação da incapacidade feita pelo perito médico do Tribunal (que tinha atribuído uma IPP de 6%), considerando que a Sinistrada se encontrava curada sem desvalorização, atendendo a que as lesões sofridas no acidente não resultaram sequelas incapacitantes. Não obstante dessa consideração, na fase contenciosa do processo de acidente de trabalho, foi atribuída uma IPP de 3%, ficando demonstrado de que a Sinistrada das lesões que sofreu, ficou com sequelas incapacitantes resultante do trauma ocorrido no acidente de trabalho. SEXTA: Posteriormente a Sinistrada, continuando cheia de dores, fez a consulta de regresso de acidente de trabalho, tendo sido considerada inapta temporariamente e encaminhada para o médico de família para atribuição de baixa médica fazendo tratamentos clínicos e fisioterapêuticos, tendo apenas, ganho parcial no controle da dor. Tendo regressado da sua baixa médica continuou com muitas dores, que lhe agravaram, substancialmente, a lesão e as sequelas, e que apenas eras atenuadas com recurso a anti-inflamatórios, pelo que tendo sido consultada pelos peritos de medicina da UCS, determinaram que a mesma fosse sujeita a uma Junta de Avaliação da sua capacidade para o voo (Junta de Medicina Aeromédica). SÉTIMA: Em 15/06/2021 em função da avaliação directa associada a movimentos repetitivos rotatórios de flexão, torção do tronco e esforços físicos, que originaram perda de força nos braços omalgia e lombalgia, com claudicação à esquerda, com limitação funcional que a impedia de realizar as actividades habituais, a Sinistrada foi considerada INAPTA DEFINITIVAMENTE PARA O TRABALHO HABITUAL, tendo sido retirada do serviço de voo (Ponto F. dos factos provados). OITAVA: Tendo sido considerada Inapta, a Sinistrada não foi reconvertível no seu posto de trabalho habitual, e foi retirada do serviço de voo. Mas mais, no seguimento dessa Inaptidão Definitiva para o Trabalho Habitual, a sua Entidade Patronal enviou uma carta, dando conhecimento à Sinistrada desse facto e o de que o seu Certificado de Tripulante foi cancelado, tendo a mesma que entregar o seu Certificado de Tripulante que foi abatido no sistema informático da ANAC, sendo que a utilização do Certificado de Tripulante é obrigatório nos termos do Regulamento Sem esse Certificado (EU) 2018/de 1139 Tripulante, – SubParte a Sinistrada ARA.CC.100. não poderá exercer o seu trabalho habitual a bordo de um avião da XX S.A. ou de qualquer outro avião, de qualquer outra companhia aérea. NONA: Posto isto, até se torna irresponsável (com o devido respeito) de que tal como referem as Peritas do Tribunal e da Entidade Responsável na Junta Médica de 12/03/2024, de que (…) as limitações associadas à menção de IPATH não têm nexo de causalidade com o acidente dos autos (…). Ficou provado de que as lesões que sofreu, levaram a sequelas incapacitantes resultantes do acidente de trabalho havendo, por isso, nexo de causalidade com o acidente e para além disso, a Junta Médica da Especialidade de Neurocirurgia determinou por unanimidade a atribuição à Sinistrada de IPP com IPATH. DÉCIMA: Desde o acidente, a Sinistrada nunca mais deixou de ter dores, sendo as mesmas agravadas e nunca mais conseguiu exercer a sua profissão, daí ter considerada INAPTA DEFINITIVAMENTE PARA O SEU TRABALHO HABITUAL. Quanto à questão do IPATH, e como se sabe, isso não representa um facto mas uma consequência, no caso sustentada na não reconversão da Tripulante (Apelante) no seu posto habitual de trabalho, tal como refere, o Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência, de 28/05/2014, Proc.º n.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1, Relator António Leones Dantas, que a atribuição de IPATH são situações de não reconversão no posto de trabalho habitual. DÉCIMA-PRIMEIRA: Para que possa perceber, transcreve-se parte do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/07/2020, Processo n.º 597/17.6T8CSC.L1, no que tange à matéria do IPATH (vide Pág. 17 e ss do Acórdão): “Da incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual (IPATH) A matéria de IPATH é mais complexa. Com efeito, é certo que pela junta foi decidido, maioritariamente, inexistir IPP, como propusera também o perito médico em exame singular. Mas, na sequência de exames na área da medicina aeronáutica, a sinistrada foi considerada ferida de incapacidade técnica definitiva para as funções de tripulante de cabine, tendo até sido convocada para um possível acordo de qualificação em funções de terra (cfr. fls. 267. vº). Os peritos nomeados pelo tribunal e pela seguradora, em esclarecimentos prestados a propósito da IPATH, consideraram que tal se deve meramente a motivos psíquicos, a saber, ansiedade por receio de nova lesão (fls.272 e 273 vº). Porém, de duas uma: ou a trabalhadora pode exercer o seu trabalho habitual com as limitações que tem agora e que anteriormente não a impediam disso, ou não pode (e neste caso padece de IPATH). De outro modo, ainda se poderá questionar, em face dos exames de medicina aeronáutica realizados, se o resultado da perícia aeronáutica é vinculativo, mormente quando atribui IPATH ao trabalhador. Porque, se eu for, se atribuir esta incapacidade definitiva ao trabalhador em termos tais que nem o empregador o pode manter, nem o trabalhador pode prestar a sua atividade no espaço aéreo sujeito às mesmas regras e princípios (o que, atenta o âmbito comunitário dos regulamentos e as convenções internacionais, é suscetível de abranger a fatia mais significativa do espaço aéreo mundial), não é relevante a opinião da junta nos autos, pois que, para todos os efeitos, o trabalhador é tido por incapacidade. Pois bem. Dispõe o artigo 2.º, al. ff), do Decreto-Lei n.º 139/2004, de 5 de Junho, que “Relativamente à organização do tempo de trabalho do pessoal móvel da Aviação Civil, a Comunidade Europeia adoptou a Directiva n.º 2000/79/CE, do Conselho, de 27 de Novembro, com o objetivo de dar aplicação ao Acordo Europeu sobre Organização do Tempo de Trabalho do Pessoal Móvel da Aviação Civil, celebrado em 22 de Março 2000 entre as organizações patronais e sindicais do sector da aviação civil” (do preambulo), que constitui ff) “Tripulação de cabina” - conjunto de tripulantes que, não fazendo parte da tripulação técnica, são nomeados pelo operador para executar, nomeadamente, tarefas de assistência e segurança aos passageiros.” Por seu lado, o art. 3.º, n.º 1, estipula que “O tripulante não pode iniciar um período de serviço de voo, nem o operador lho pode exigir, quando se encontre em condições físicas, psíquicas ou outras que não permitam ou não garantam adequada execução das suas funções específicas a bordo”. E o art. 7.º, n.º 1, que “O operador deve estabelecer um programa de segurança e de protecção da saúde adequado a natureza do trabalho exercido pelo pessoal móvel da Aviação Civil, nos termos da legislação aplicável relativa à saúde, higiene e segurança”; e no n.º 3 refere que “O programa de segurança e de protecção estabelecido pelo operador deve ser aprovado pelo INAC”. Do art. 7/3 já resulta que as condições de saúde destes trabalhadores são uma questão pública. O próprio preambulo assume que se “visa o estabelecimento de normas mínimas de proteção da saúde e da segurança dos trabalhadores, com vista a garantir a própria segurança de voo”. O Decreto-Lei n.º 250/2003, de 11 de Outubro, outrossim “visa estabelecer o regime de certificação médica de aptidão do pessoal aeronáutico civil, de acordo com as normas e práticas recomendadas no capítulo 6 do anexo n.º 1 da Convenção Internacional sobre Aviação Civil (Convenção de Chicago)”. Os deveres da tripulação nesta área são gravosos, dispondo os n.º 1 e 2 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 144/2013, de 2.4, sob a epígrafe “Deveres da tripulação”, que 1 - Compete aos membros da tripulação de aeronaves matriculadas em Portugal exercer, de forma adequada, as suas funções relacionadas com a segurança da aeronave e dos seus ocupantes. 2 - Os membros da tripulação de aeronaves a operar em espaço aéreo sob jurisdição nacional não podem executar as suas funções numa aeronave, nas seguintes situações: a) Sob a influência de qualquer substância que possa afetar as suas faculdades e colocar em risco a segurança de voo; b) Na sequência de um mergulho de profundidade, exceto quando tenha passado um período de 24 horas; c) Na sequência de uma dádiva de sangue, exceto quando tenha passado um período de 24 horas; d) Quando tenha conhecimento ou suspeite que está a sofrer de fadiga ou se sinta incapaz para continuar, colocando em risco a segurança voo; e) Quando tenha ingerido álcool dentro das oito horas anteriores ao início do período de serviço de voo; f) Quando tenho o nível de álcool no sangue superior a 0,2 g/l. 3 e 4 (…)”. Mas indubitavelmente tal obrigação - realização de exames médicos por tripulação de cabine - resulta do art. 11.º do Regulamento (UE) N. O 1178/2011 da Comissão. Sendo assim, é forçoso concluir que, determinando os exames de aeromedicina a inaptidão da trabalhadora para exercer funções de tripulante de cabine, ela está necessariamente inapta para o seu trabalho habitual, não podendo sequer a empregadora, mesmo que o quisesse, mantê-la naquelas funções (convergindo, por todos, decidiu esta Relação de Lisboa, em acórdão de 7.3.18 I-Não só quando sinistrado não pode executar nenhuma das tarefas que anteriormente desempenhada no seu posto de trabalho é que se está perante uma IPATH. II-Se o sinistrado deixou de poder executar todas as anteriores tarefas ou, pelo menos, o seu conjunto fundamental, a incapacidade para o trabalho habitual é considerada total.) Aliás, o parecer do IEFP reconhece esta incapacidade da sinistrada “para desenvolver as tarefas do seu trabalho habitual.” Tem assim razão o trabalhador nesta parte.” DÉCIMA-SEGUNDA: Considerando as limitações de que a Sinistrada padece, a IPATH e a exigência da sua actividade por razões de segurança, a Sinistrada é irreconvertível em relação aos posto de trabalho. Em apoio desta posição reconhece o Acórdão do STJ N.º 10/2014 de 28 de Maio de 2014 (Acórdão Uniformização de Jurisprudência) que os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do Sinistrado em relação ao seu posto de trabalho. DÉCIMA-TERCEIRA: Mas mais, tem de se atender, ainda, ao factor de bonificação nos casos de IPATH (e neste caso em concreto atendendo à não reconvertibilidade da Sinistrada no seu posto de trabalho habitual, padece de IPP com IPATH), esta já foi amplamente discutida nos Tribunais Superiores, tendo resultado inclusivamente num Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 10/2014 de 28 de Maio de 2014, o qual determinou que os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao anterior posto de trabalho, e a bonificação incide sobre o coeficiente global da incapacidade apurado, decorrendo do facto do sinistrado, por força das sequelas do acidente sofrido, não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho. Quanto a esta questão veja-se, também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14/05/2015, Processo n.º 365/12.1T2SNS.E1, Relator Acácio André Proença, que remete novamente para o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência referido e assim escreve: “(…) A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente. Retornado ao casos dos autos temos que, na esteira de tal jurisprudência, que seguimos, resulta manifesta a aplicabilidade ao caso em apreço do factor de bonificação de 1,5, previsto na alínea a) da Instrução Geral 5.ª da TNI. (…)”. DÉCIMA-QUARTA: Assim à incapacidade de 3% atribuída à Sinistrada, deve a mesma ser bonificada com o factor de 1,5 resultando numa IPP de 4,5% (0,03 X 1,5 = 0,045 o que se transcreve em 4,5%) com IPATH. DÉCIMA-QUINTA: Ora, importa esclarecer que a sentença ora sob escrutínio não aplicou um conjunto de normas e legislações, nomeadamente normas internacionais e comunitárias sobre a aviação civil, e a que Portugal como Estado-Membro deve obediência, como dispõe a CRP no seu art.º 8.º, violando essas mesmas normas. DÉCIMA-SEXTA: No domínio da União Europeia, foi criado o Regulamento 216/2008 do Parlamento e da Comissão, de 20 de Fevereiro de 2008, que relativamente às regras comuns no domínio da aviação civil (na esteira da Convenção de Chicago e do seu Anexo I), criou a AGÊNCIA EUROPEIA PARA A SEGURANÇA NA AVIAÇÃO CIVL, a qual nos seus considerandos dispõe: Considerando 1 – Deverá garantir-se, em permanência, na aviação civil, um nível de protecção elevado e uniforme dos cidadãos europeus, através da aprovação de normas de segurança comuns e de medidas que assegurem que as pessoas, os produtos e as organizações obedeçam na Comunidade a essas normas. Estabelecendo o art.º 11º do Regulamento que: Art.º 11.º “Os Estados Membros devem reconhecer, sem qualquer exigência ou avaliações técnicas suplementares, os certificados emitidos nos termos do presente Regulamento. DÉCIMA-SÉTIMA: Neste sentido, o Decreto-Lei N.º 250/2003 havia determinando que, o então INAC (ora ANAC) era a entidade com competência exclusiva para certificar as entidades especializadas em medicina aeronáutica, bem como esse mesmo pessoal, quanto às suas qualificações e proficiências e aptidões física e mental. Nesse sentido, o art.º 2.º do Diploma, identifica algumas entidades e as suas competências, nomeadamente: AMS – Direcção de Medicina Aeronáutica AMC – Centro de Medicina Aeronáutico AME – Examinador Medico Autorizado e Certificado Mais referindo o art.º 19.º n.º 1 b) do citado Diploma e no que tange à certificação dos AMC e AME, que estão certificados como AMC, com as atribuições e competências conferidas no presente diploma os seguintes Centros a funcionar: - No Centro de Medicina Aeronáutica a funcionar na ANAC; - Nas instalações da UCS – Unidade de Cuidados Integrados de Saúde S.A.; - Nas instalações do Centro de Medicina Aeronáutico da Força Aérea; DÉCIMA-OITAVA: Para a apreciação do presente recurso é, pois, importante identificar e referir O Primado da União Europeia. O primado da União Europeia, é uma norma que regula a relação entre o direito europeu e o direito nacional dos Estados Membros. As normas de Direito da União Europeia e as normas Nacionais, podem ter como objecto as mesmas condições de vida. Nesses casos, é possível que entrem em conflito, na medida em que contenham resoluções incompatíveis entre si. O principio do primado actua, como uma norma que determina que, em caso de conflito, os Estados Membros têm o dever de aplicar a norma de Direito da União Europeia e de desaplicar a norma de Direito Nacional. Este principio foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (Acórdão do Tribunal de 15 de Julho de 1964, Flaminio Costa contra E.N-E.L, Processo 6-64 (Edição especial portuguesa 1964 00585) que fundamentou a necessidade de homogeneidade na aplicação do Direito Europeu e no facto de os Estados Membros não poderem invocar o Direito Nacional para fundamentarem o incumprimento das suas obrigações europeias (o que também é um principio geral do Direito Internacional). As consequências da desconformidade entre o Direito da União Europeia e o Direito Nacional é a desaplicação do Direito Nacional enquanto se mantiver a situação de desconformidade. Os deveres resultantes do primado da União Europeia VINCULAM todas as entidades públicas, incluindo toda a Administração Pública, E OS TRIBUNAIS. Aliás, a CRP prevê que o Direito da U.E. é directamente aplicável em Portugal nos termos do seu Art.º 8.º. DÉCIMA-NONA: Poder-se-á questionar então se, face ao exame de medicina aeronáutica realizado, se o resultado da perícia é vinculativo até mesmo quando atribui uma IPATH. Se o for, se atribuir esta incapacidade definitiva, em termos tais que nem o empregador o pode manter nem o trabalhador pode prestar a sua actividade nos espaço aéreo sujeito às mesmas regras e princípios, então não é relevante a junta médica dos autos, pois que para todos os efeitos o trabalhador é tido por incapacitado. VIGÉSIMA: A questão da IPATH, que mais não é que uma consequência da não reconversão do Sinistrado no posto de trabalho habitual, sempre se dirá que o Regulamento (EU) n.º 1178/2011 da Comissão na Subparte C, e no que tange à aptidão Médica da Tripulação de Cabine, dispõe: MED.C001 Geral Os tripulantes de cabine só exercerão as funções e responsabilidade previstas pelas regras de segurança na aviação civil numa aeronave se satisfizerem os requisitos aplicáveis na presente Subparte. MED.C.005 – Avaliações Aeromédicas a) – Os tripulantes de cabine serão submetidos a avaliações aeromédicas para verificar á inexistência de qualquer doença física ou mental que lhes possa causar incapacidade ou inaptidão para o desempenhar as funções e responsabilidades que lhe estão atribuídas; b) Cada tripulante de cabine será submetido a uma avaliação aeromédica antes de lhe serem atribuídas funções e subsequentemente, em intervalos máximos de 60 meses. c) As avaliações será realizadas por AMC e AME. MED.C.020 Geral Os tripulantes de cabine não devem ter qualquer A) – Anormalidade congénita ou adquirida; B) – Doença ou deficiência ativa, latente aguda ou crónica C) – Ferimento, lesão ou sequela de operação. D) – Efeito directo ou secundário de qualquer medicação terapêutica, de diagnóstico ou preventiva, prescrita ou não pelo médico, que esteja a tomar, que implique algum elevado grau de incapacidade funcional que possa causar incapacidade ou inaptidão para exercerem as suas funções e responsabilidades de segurança. VIGÉSIMA-PRIMEIRA: De facto, o Regulamento (CE) 216/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho dispõe de forma muita clara no Anexo IV do diploma acima identificado e, no art.º 7.º b) ii, que “os tripulantes de cabine devem ser periodicamente avaliados em termos de aptidão médica para exercerem sem falhas, as funções de segurança que lhe forem atribuidas, e a não reconversão no posto habitual de trabalho verifica-se quando o Sinistrado não pode executar o conjunto fundamental das suas funções (e ele foi considerado inapto para o voo) está verificada a não reconversão, porque não existem outras funções a desempenhar a bordo dos aviões. De facto, conforme muito bem descreve o Parecer da PGR (P000268), “Numa aeronave, a tripulação de cabine tem como função principal e primordial, prevenir a segurança das pessoas, dos bens e da aeronave, bem como prestar assistência aos passageiros em actuações de emergência (Vide Art.º 3.º alínea CCCC e Art.º 81.º do DL N.º 289/2003; Art.º 2.º alínea ff) do DL N.º 139/2004; Art.º 2.º - 1 da Portaria N.º 133/2003). VIGÉSIMA-SEGUNDA: Mais refere a Portaria N.º 407/87 que os Tripulantes de Cabine têm a função principal de garantir a segurança do voo, e bem assim garantir a evacuação dos passageiros em caso de emergências (Art.º 9.º do Regulamento do Pessoal Mínimo de Cabine). Dúvidas pois, não subsistem, quanto às funções principais e primordiais dos Tripulantes de Cabine. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá a presente Apelação ser julgada totalmente procedente, e em consequência ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, ou seja, procedendo o incidente - A atribuição de revisão à Sinistrada por agravamento de uma IPP com das sequelas IPATH, desde e: a data da P.I.; - A atribuição de uma pensão anual e vitalícia nos termos da Lei; - A aplicação, na fixação da incapacidade, do coeficiente de 1.5; - A atribuição de um subsídio de elevada incapacidade; - O pagamento de juros de mora desde a data do pedido de revisão; - A actualização das pensões desde a data da Alta Médica do Acidente; - A condenação da Entidade Responsável no pagamento das custas processuais. Se assim não se entendesse, tal decisão representaria uma grave violação das normas, princípios e regulamentos internacionais, mormente os Regulamentos da Comunidade Europeia a que Portugal aderiu e submeteu. Só assim será feita a tão acostumada JUSTIÇA!” A Ré contra alegou e concluiu as alegações nos seguintes termos: “1 – Em lado algum no requerimento inicial do presente incidente a Sinistrada sustenta que após a fixação judicial da IPP de 3% efetuada na sentença proferida em 26 de Janeiro de 2021, as sequelas do acidente ocorrido no dia 7 de Maio de 2019 agravaram. 2 – Com efeito, limita-se a alegar uma continuidade de dores, que são as mesmas relatadas nos artigos 7º, 18º, 21º, 22º e 28º do requerimento inicial e nos artigos 7º, 8º e 13º da alegação. Não um agravamento sequelar. 3 – E, pelo meio desta continuidade de dores, introduz um outro facto: no dia 15 de Junho de 2021 a UCS considerou-a inapta para o voo. 4 – Assim, o que a Sinistrada pretende com o presente incidente é rever a sentença proferida em 26 de Janeiro de 2021 nos autos principais, utilizando, para esse efeito, a decisão da Junta Médica realizada na UCS em 15 de Junho de 2021 sem qualquer contraditório e não por via de um provado agravamento ocorrido no curto período de menos de cinco meses após a prolação da sentença. 5 - Ou seja, pretende que o Tribunal altere a IPP anteriormente fixada, não por via de um provado agravamento ocorrido no curto período de menos de cinco meses após a prolação da sentença, mas por via da revisão dessa sentença com base na avaliação da UCS. 6 - Ora, o incidente de revisão não se destina nem tem por objeto alterar ou corrigir a fixação inicial da incapacidade, mas apurar a alteração do quadro da lesão ou das sequelas anteriormente fixado. 7 - Aliás, parece que a Sinistrada confunde ações emergentes de acidente de trabalho com incidentes de revisão, e as finalidades de uma e de outro, o que decorre, desde logo, do facto de, em vez de “deduzir” o incidente de revisão, ter vindo “Participar Incidente de Revisão de Incapacidade/Pensão”, conforme requerimento inicial do presente incidente. 8 - Ora, não só não alegou agravamento como não produziu qualquer prova que infirmasse os factos provados nos pontos H, I e J – que as queixas que atualmente apresenta não são decorrentes do traumatismo sofrido no acidente; que são decorrentes de patologia degenerativa natural, e que após o acidente não houve lesões osteoarticulares traumáticas que sejam passíveis de agravamento posterior da Incapacidade Parcial Permanente fixada. 9 – Essa conclusão resulta, além do mais, das Ressonâncias Magnéticas e do Eletromiograma constantes dos autos, que apontam para alterações degenerativas e ausência de lesões traumáticas posteriores à fixação da incapacidade por força do acidente de trabalho. 10 - Essa foi a opinião do Senhor Perito que elaborou o auto de exame de revisão de 7 de Novembro de 2022, no qual concluiu que “analisados os resultados dos exames complementares referidos anteriormente neste relatório, conclui-se que não existe agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho sofrido em 07/05/2019, cuja IPP de 3% foi homologada por decisão datada de 26/01/2021”. 11 – E foi também a opinião maioritária da Junta Médica que foi no sentido de que “a sinistrada não tem agravamento das sequelas consideradas nos autos. … a sinistrada tem 3% de IPP (fixada na fase contenciosa em 26/01/2021 fls. 158) por agravamento de patologia cervical no decurso de queda com traumatismo cervical no dia 07-05- 2019.Ou seja, esta IPP já foi atribuída por agravamento de patologia degenerativa crónica já presente à data do acidente. Os 3% anteriormente fixados foi por exacerbação sintomática da dor cervical, sem lesões osteoarticulares traumáticas decorrentes do sinistro, uma vez que os exames imagiológicos realizados após o evento traumático apenas evidenciam alterações degenerativas pré-existentes. Não houve lesões osteoarticulares traumáticas que sejam passíveis de agravamento posterior da IPP. … as limitações e queixas que a sinistrada apresenta se devem unicamente à patologia natural degenerativa e prévia ao acidente e sem nexo de causalidade médico-legal com o sinistro”. 12 – Sem prova da existência de um agravamento sequelar, a avaliação da UCS realizada menos de cinco meses depois de fixada a IPP de 3%, não constitui prova bastante da existência de agravamento, principalmente quando os exames realizados (ressonâncias magnéticas e eletromiograma) não permitem a conclusão de agravamento pois apenas evidenciam alterações degenerativas pré-existentes (patologia natural degenerativa e prévia ao acidente e sem nexo de causalidade médico-legal com o sinistro). 13 – Consequentemente, a decisão da Junta Médica realizada na UCS em 15 de Junho de 2021 de considerar a Sinistrada inapta para o voo não decorre de um agravamento das sequelas do acidente que nenhum exame realizado revela, mas da patologia natural degenerativa e prévia ao acidente de que era e é portadora. 14 - A sentença não merece a censura que a Sinistrada lhe faz, pelo que deve ser inteiramente mantida. Termos em que, mantendo a sentença recorrida, V. Exas. farão JUSTIÇA!” O recurso foi admitido. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de o recurso não merecer provimento. A sinistrada respondeu invocando que não deve ser atendido o Parecer do MP e deve decidir-se como requerido no recurso. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. Objecto do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º n.º 2 do CPC). Foram submetidas à apreciação deste Tribunal as seguintes questões: - Se deve ser atribuída à sinistrada uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH) com as legais consequências. - Se à incapacidade atribuída deve acrescer o factor de bonificação de 1.5 previsto na alínea a) da Instrução Geral 5.ª da TNI. Fundamentação de facto O despacho recorrido considerou provados os seguintes factos: A. AA nasceu a 11 de Janeiro de 1982; B. No dia 07 de Maio de 2019, a sinistrada desempenhava funções como tripulante de bordo, sob as ordens, direcção e fiscalização da “XX S.A.”; C. No desempenho das suas funções, no dia referido em B., quando se encontrava a tentar encaixar as bagagens na bagageira do avião, a sinistrada sofreu contusão da região cervical e do ombro esquerdo, seguida de queda da própria altura com contusão da região do cóccix; D. Em consequência do referido em C. a sinistrada ficou com uma incapacidade parcial permanente de 3% desde 08 de Novembro de 2019; E. Na data referida em B., a “XX S.A.” tinha transferido para a “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. toda a responsabilidade resultante de acidentes de trabalho; F. A 15 de Junho de 2021, em sede de avaliação de aptidão para o exercício da profissão e capacidade para o voo, efectuada pela UCS, a sinistrada foi considerada inapta para o seu trabalho habitual; G. A sinistrada queixa-se de dor na região cervical, com irradiação para as mãos com parestesias, acompanhada de cefaleias e tonturas; H. As queixas que a sinistrada actualmente apresenta não são decorrentes do traumatismo sofrido no acidente referido em B.; I. As queixas que a sinistrada actualmente apresenta são decorrentes de patologia degenerativa natural; J. Após o traumatismo referido em B. não houve lesões ostearticulares traumáticas que sejam passíveis de agravamento posterior da Incapacidade Parcial Permanente fixada em D.; * Ao abrigo do disposto nos artigos 662.º n.º 1 e 663.º n.º 2 do CPC, adita-se aos factos provados os seguintes: - À data do acidente (07.05.2019) a sinistrada auferia a retribuição anual ilíquida de 32.547,55€ (1.752,84 x 14 salário base + 8.007,79 x 1 de outras remunerações) (Auto de tentativa de não conciliação). - A empregadora da sinistrada informou-a de que “o último Certificado de Tripulante em nome de AA foi emitido com o número 26898, caducado à data do abate. O registo do abate em sistema deste Certificado de Tripulante foi processado a 01 julho 2021, com base no ofício Refª 360/RH/GA, e, com pedido de devolução à DOV na mesma data.” (doc. 7 junto com o requerimento inicial). Fundamentação de direito Comecemos, então, por apreciar se deve ser atribuída à sinistrada uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH) com as legais consequências. Porém, antes de nos debruçarmos sobre tal questão impõe-se salientar o seguinte: No artigo 2.º das alegações e na conclusão segunda a Recorrente invocou “Ora, da análise das respostas dadas pelo Tribunal a quo, tendo em atenção a prova vertida para os autos (Pontos F a J), parece-nos incoerente e deficiente desrespeitando claramente essa mesma prova carreada para os autos e considerada como provada, desrespeitando a Lei e violando a sedimentada Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, e bem assim , as decisões dos Tribunais de Justiça da União Europeia, a legislação Internacional e Comunitária, a que a que Portugal deve obediência.” Embora das conclusões resulte que o seu objecto versa sobre a atribuição de uma IPATH à sinistrada e a aplicação do factor de bonificação 1.5, o certo é que, salvo o devido respeito, não vislumbramos que a Recorrente tenha impugnado a decisão que recaiu sobre a matéria de facto em, concreto, as alíneas F) a J) dos factos provados. Aliás, se esse foi o seu propósito, sempre teríamos de concluir que não cumpriu os ónus a que alude o artigo 640.º do CPC e que impendem sobre o recorrente que impugne decisão que recaiu sobre a matéria de facto, pelo que a impugnação sempre seria rejeitada, conforme dispõe o n.º 1 daquele preceito legal. Consequentemente, não tendo a Recorrente impugnado a decisão que recaiu sobre a matéria de facto, apenas serão considerados os factos fixados pelo Tribunal a quo, sem prejuízo dos que foram fixados oficiosamente por este Tribunal. A decisão recorrida pronunciou-se sobre o pedido da sinistrada nos seguintes termos: “O incidente de revisão de pensão tem por objecto as situações, que ocorram em data posterior à da fixação inicial da incapacidade/pensão, em que se verifique uma alteração – melhoria, agravamento, recidiva, recaída - da situação clínica do sinistrado. Não se destina, portanto, nem tem por objecto a alteração ou correcção de eventual erro na fixação inicial da incapacidade, mas sim tem por fundamento a alteração do quadro da lesão ou sequela anteriormente apurado. – Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12 de Junho de 2023, com o número de processo 2128/14.0T8GMR.6.G1, disponível para consulta in www.dgsi.pt. Estabelece o artigo 70º, da Lei 98/2009, que Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada. Do assim estabelecido resulta que o incidente de revisão se destina a permitir ao Sinistrado, já após a fixação da sua incapacidade para o trabalho e a atribuição da consequente pensão por decisão judicial, ao ser confrontado com um agravamento do seu estado de saúde, recidiva ou recaída, resultante das lesões sofridas, em consequência do acidente de trabalho que deu origem à reparação, requerer em juízo a reapreciação do seu estado de saúde e a alteração da incapacidade anteriormente fixada. Tem, assim, por objecto as situações, que ocorram em data posterior à da fixação inicial da incapacidade, em que se verifique uma real alteração do quadro da lesão ou sequela anteriormente apurado. Tendo em me mente ao assim estabelecido e ponderando a factualidade que nos autos se apurou, forçoso se torna concluir que o presente incidente não pode deixar de improceder, na medida em que nele se não comprovou a existência de um agravamento do quadro sequelar. Os factos não demonstram a existência de uma alteração na situação clínica da Sinistrada posteriormente à decisão que fixou a sua incapacidade (já devidamente transitada em julgado). Na verdade, os peritos médicos concluíram, por maioria, pela inexistência de qualquer agravamento das sequelas de que o sinistrado é portador em consequência do acidente. Não ocorrendo qualquer agravamento das sequelas, não se vislumbra como se pode enveredar, como pretende a sinistrada, pela atribuição, em sede de revisão, de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual. A Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual pressupõe que do acidente de trabalho decorram para o sinistrado lesões que para além de determinarem um coeficiente de desvalorização permanente para o exercício de outra profissão, determinam também uma incapacidade permanente absoluta, isto é, total, para o exercício do que era o trabalho habitual do sinistrado, o que significa que há uma capacidade residual menor ou maior consoante o grau de incapacidade, para o exercício de outra actividade ou profissão compatível, mantendo-se assim a capacidade de ganho, embora, em regra mais reduzida. – Neste sentido, Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, página 96. Ora, na ausência de uma alteração fáctica do quadro de sequelas e respectiva valorização subjacente à decisão de incapacidade inicialmente fixada ou à última decisão de revisão, não poderá consequentemente ser atribuída incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, sob pena de se estar a reapreciar a mesma questão porque baseada em idênticos pressupostos e, portanto, em violação do caso julgado. - Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-03-2017, disponível para consulta in www.dgsi.pt. Este é, efectivamente, o caso dos autos, na medida em que os elementos clínicos apresentados e analisados, em conformidade com as regras de experiência comum e com os leges artis medicas, não sustentam a existência de um agravamento do quadro sequelar da sinistrada. Assim sendo, na ausência de elementos que consubstanciem a alegação efectuada pela sinistrada, em face do teor da Junta Médica de Revisão e do disposto pela Tabela Nacional de Incapacidades, decide-se, em conformidade com o previsto pelo artigo 145º, n.º6, do Código de Processo do Trabalho, manter inalterada a IPP fixada à sinistrada AA.” A Recorrente discorda da sentença por entender que deveria ter sido atribuída uma IPP de 3% acrescida do factor de bonificação de 1.5 com IPATH, alegando, em suma, que após a baixa médica continuou com muitas dores que lhe agravaram, substancialmente a lesão e as sequelas, pelo que tendo sido submetida, em 15 de Junho de 2021, a uma Junta de Avaliação da sua capacidade para o voo (Junta de Medicina Aeromédica) foi considerada INAPTA DEFINITIVAMENTE PARA O TRABALHO HABITUAL, não sendo, pois, reconvertível no seu posto de trabalho habitual, sendo certo que a atribuição de IPATH são situações de não reconversão no posto de trabalho habitual, pelo que deve ser fixada uma IPP de 4,5% com IPATH. Mais invocou a Recorrente que a decisão recorrida não aplicou normas internacionais e comunitárias sobre a aviação civil e a que Portugal como Estado-Membro deve obediência, como dispõe a CRP no seu art.º 8.º, violando essas mesmas normas, das quais resulta que ter-se-ia de aceitar o resultado do exame da Medicina Aeronáutica. Defende a Recorrida, por sua banda, e muito em suma, que não se verificou qualquer agravamento das lesão ou sequelas (agravamento que nem é alegado pela Recorrente no requerimento inicial) e que com o presente incidente a Recorrente pretende é rever a sentença proferida em 26 de Janeiro de 2021 nos autos principais, utilizando, para esse efeito, a decisão da Junta Médica realizada na UCS em 15 de Junho de 2021. Vejamos: Por sentença proferida em 26.01.2021, nos autos emergentes de acidente de trabalho, foi fixada à sinistrada uma IPP de 3%. Dos presentes autos resulta: Em 15 de Junho de 2021, a Recorrente foi submetida a Avaliação de Aptidão para o Voo, efectuada na UCS-Cuidados Integrados de Saúde, S.A. ..., realizada pelas Sras. Dras. BB, CC DD e que concluiu que “Atendendo à incapacidade já atribuída, à sintomatologia dolorosa e limitação funcional, que a impede de realizar as atividades habituais da sua profissão como tripulante de avião, foi considerado inapto definitivamente para o seu trabalho habitual.” Nessa sequência, a sinistrada viu caducado o seu Certificado de Tripulante. Em 07.11.2022, realizou-se o exame médico de revisão, tendo o Sr. Perito Médico concluído não existir agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho sofrido em 07/05/2019, cuja IPP de 3% foi homologada por decisão datada de 26/01/2021. Em 07.03.2023, realizou-se a Junta Médica que admitiu, por maioria (Peritos Médicos da Seguradora e do Tribunal) não ter havido agravamento da lesão ou das sequelas e considerou que a sinistrada “está actualmente valorada por cervicalgia consequente a agravamento sintomático de patologia prévia-alterações degenerativas da coluna cervical a vários níveis e com anos de evolução, como por exemplo uncartroses e protusões dos discos fibrocalcificadas cf.fls.13 e 205-por traumatismo em acidente de trabalho. Ou seja, não decorreu agravamento do agravamento já valorado em 3% pelo I 1.1.1 b).” Mais considerou a maioria do colégio pericial que as queixas que a examinanda apresenta não são decorrentes do traumatismo em análise nos autos, e sim patologia degenerativa natural, bem como admitiu que a sinistrada não padece de IPATH em consequência do acidente dos autos. O Sr. Perito Médico da sinistrada entendeu que esta devia ser submetida a exame por Junta Médica da Especialidade de Neurocirurgia porque o quadro clínico se agravou e que sobre a situação de IPATH quem faz a credenciação dos tripulantes de cabine é a ANAC e as Juntas Médicas de Medicina Aeronáuticas que são feitas por especialistas de Medicina Aeronáutica e que entenderam que a examinanda não tem condições para exercer a profissão. Em 11.07.2023 e depois em 28.11.2023 realizou-se a Junta Médica da Especialidade de Neurocirurgia que considerou, atento os elementos constantes dos autos (a fixação de IPP de 3%) e o resultado da Avaliação de Aptidão para o Voo de 15/6/2021, que não havia agravamento da lesão e que deveria manter-se a IPP de 3% mas com IPATH, não sendo a sinistrada reconvertível. A Junta Médica generalista reuniu no dia 12.03.2024 e considerou, por maioria, que não há agravamento da IPP das sequelas do acidente dos autos e que as limitações e queixas da sinistrada se devem unicamente à patologia natural degenerativa e prévia ao acidente sem nexo de causalidade com o acidente. O Perito Médico da sinistrada entendeu que a IPP é de 3% mas com IPATH. E perante os elementos de prova que identifica na motivação da matéria de facto, o Tribunal a quo considerou provado que: a sinistrada queixa-se de dor na região cervical, com irradiação para as mãos com parestesias, acompanhada de cefaleias e tonturas; as queixas que a sinistrada actualmente apresenta não são decorrentes do traumatismo sofrido no acidente referido em B.; as queixas que a sinistrada actualmente apresenta são decorrentes de patologia degenerativa natural; e que após o traumatismo referido em B. não houve lesões ostearticulares traumáticas que sejam passíveis de agravamento posterior da Incapacidade Parcial Permanente fixada em D.. E considerando o teor do exame médico de revisão, da Junta Médica Generalista e da Junta Médica da Especialidade de Neurocirurgia, impõe-se concluir, como concluiu o Tribunal a quo, que, efectivamente, não houve agravamento das sequelas resultantes do acidente dos autos. Ora, dispõe o artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro: “1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada. 2 - A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento. 3 - A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil.” Por seu turno, estatui o n.º do artigo 145.º do CPT: “6 - Se não for realizada perícia por junta médica, ou feita esta, e efectuadas quaisquer diligências que se mostrem necessárias, o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de a pagar.” De tais norma decorre que a procedência do incidente de revisão da incapacidade depende da verificação da modificação da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado que provenha de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho. No caso, não se verificou agravamento das sequelas decorrentes do acidente, pelo que, atento o disposto nos citados artigos, a consequência a retirar é a de que não pode ser alterada a prestação que foi fixada na sentença de 21.06.2021, com a consequente improcedência do incidente de revisão. Mas entende a Recorrente que, de acordo com as normas internacionais e comunitárias aplicáveis, no caso, deverá relevar o resultado da Avaliação de Aptidão para o Voo, datada de 15 de Junho de 2021, que a considerou inapta definitivamente para o seu trabalho habitual e, nessa sequência, ser atribuída uma IPATH. Vejamos: Sobre a relevância dos resultados da Medicina Aeronáutica, numa situação em que a sentença fixou uma IPATH a um tripulante de cabina e ponderou para tanto, além dos demais elementos que constavam dos autos, uma decisão da ANAC que considerou o trabalhador inapto para exercer a sua actividade profissional, pronunciou-se o recente Acórdão deste Tribunal da Relação de 11 de Setembro de 2024, Desembargadora relatora Maria José Costa Pinto e no qual a ora relatora interveio como 1.ª adjunta, consultável em www.dgsi.pt, nos seguintes termos: “Não pode censurar-se a sentença por ter ponderado e conferido relevo à decisão da ANAC. Com efeito, uma vez decidido pela autoridade da medicina aeronáutica que determinado trabalhador está física ou psiquicamente impossibilitado de voar e assim exercer a sua actividade profissional, tal não poderá deixar de ser ponderado no processo laboral, a par dos demais meios de prova a atender, para determinar a incapacidade laboral do sinistrado. Para tanto apontam vários textos legislativos da União Europeia e nacionais. Desde logo o Regulamento (CE) n.º 216/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Fevereiro de 2008, relativo a regras comuns no domínio da aviação civil e que cria a Agência Europeia para a Segurança da Aviação, cujo artigo 2.º aponta ser objectivo principal do regulamento “garantir e manter um nível elevado e uniforme de segurança da aviação civil em toda a Europa” [n.º 1], bem como “[p]romover uma boa relação custo/eficácia ao nível dos processos de certificação e regulamentação e evitar duplicações entre os esforços nacionais e os europeus” e “[p]romover a nível internacional os padrões comunitários em matéria de normas e regras de segurança da aviação civil, estabelecendo relações de cooperação adequadas com países terceiros e organizações internacionais” [n.º 2, alíneas c) e e)]. De acordo com o n.º 3 deste artigo 2.º, os meios para a consecução dos objectivos definidos nos n.ºs 1 e 2 são os seguintes: “(…) b) Reconhecimento, sem formalidades adicionais, de certificados, licenças, homologações e outros documentos emitidos para produtos, pessoas e organizações ao abrigo do presente regulamento e das normas aprovadas para a sua execução; c) Criação de uma Agência Europeia para a Segurança da Aviação (a seguir designada «Agência») de reconhecida independência; d) Aplicação uniforme pelas autoridades aeronáuticas dos Estados-Membros e pela Agência, nos respectivos domínios de competência, de todos os actos indispensáveis. O artigo 3.º do Regulamento estabelece que para efeitos do presente regulamento, se entende-se por “(…) e) «Certificação»: qualquer forma de reconhecimento de que um produto, peça ou equipamento, organização ou pessoa cumpre os requisitos aplicáveis, incluindo as disposições do presente regulamento, assim como a emissão do respectivo certificado; f) «Entidade competente»: um organismo ao qual pode ser atribuída uma tarefa específica de certificação pela Agência ou por uma autoridade aeronáutica nacional e exercida sob o controlo e a responsabilidade desta; (…)” E o artigo 11.º, n.º 1, que “os Estados-Membros devem reconhecer, sem quaisquer exigências ou avaliações técnicas suplementares, os certificados emitidos nos termos do presente regulamento (…)”, dispondo o artigo 13.º que, “[c]aso incumbam uma entidade competente da realização de uma determinada tarefa de certificação, a Agência ou a autoridade aeronáutica nacional em questão devem assegurar que essa entidade cumpre os critérios estabelecidos no anexo V”. No anexo IV a este Regulamento, a propósito dos "requisitos essenciais para as operações aéreas no que se refere ao artigo 8.º” prescreve-se que os tripulantes de cabina devem “ser treinados e avaliados periodicamente para atingirem e manterem um nível de competência adequado, a fim de desempenharem as funções de segurança que lhes foram atribuídas” (ponto 7.b.i.) e devem “ser periodicamente avaliados em termos de aptidão médica para exercerem sem falhas as funções de segurança que lhes foram atribuídas. A conformidade deve ser demonstrada mediante uma avaliação adequada baseada nas melhores práticas de medicina aeronáutica” (ponto 7.b.ii.). Já no âmbito do direito nacional o Decreto-Lei 250/2003, de 11 de Outubro, que aprova o regime de certificação médica de aptidão de acordo com as normas do capítulo 6 do anexo n.º 1 à Convenção Internacional sobre Aviação Civil (Convenção de Chicago), adoptando as normas comuns JAR relativas às licenças do pessoal aeronáutico civil no que concerne à sua certificação médica de aptidão [artigo 1.º, n.º 1], estabelece no seu artigo 2.º que: “Para efeitos do presente diploma, entende-se por: a) «AMC», centro de medicina aeronáutica; b) «AME», examinador médico autorizado; c) «AMS», direcção de medicina aeronáutica; d) «INAC», Instituto Nacional de Aviação Civil; e) «JAA», Joint Aviation Authorities; f) «JAR», Joint Aviation Requirements; g) «JAR-FCL 3», normas técnicas comuns relativas às licenças do pessoal aeronáutico civil, no que concerne à sua certificação médica de aptidão; h) «JM», junta médica; i) «OACI», Organização da Aviação Civil Internacional.” De acordo com o artigo 4.º do diploma, “[o]s AMC constituem centros médicos especializados em medicina clínica aeronáutica e actividades afins, dotados de instalações médico-técnicas adequadas à elaboração dos múltiplos exames de medicina aeronáutica e compostos por uma equipa de médicos com formação e experiência em medicina aeronáutica” [n.º 2] e compete-lhes “efectuar todos os exames médicos iniciais para avaliar as condições de aptidão física e mental a satisfazer pelos candidatos à emissão de certificados médicos de aptidão da classe 1”, bem como “efectuar todos os exames médicos de revalidação e renovação para avaliar as condições de aptidão física e mental a satisfazer pelos candidatos à revalidação ou renovação de certificados médicos de aptidão da classe 1, sem prejuízo do disposto no número seguinte” [alíneas a) e b) do n.º 4], podendo “delegar num AME a realização dos exames médicos de revalidação e renovação para avaliar as condições de aptidão física e mental a satisfazer pelos candidatos à revalidação ou renovação dos certificados médicos de aptidão da classe 1, desde que se encontre certificado para esta classe” [n.º 5]. E segundo o seu artigo 19.º, “1 - Consideram-se desde já certificados como AMC, com as atribuições e competências conferidas pelo presente diploma, os centros que se encontram a funcionar nos seguintes locais: a) No Centro de Medicina Aeronáutica do INAC; b) Nas instalações dos serviços de saúde da UCS - Cuidados Integrados de Saúde, S. A.; c) Nas instalações do Centro de Medicina Aeronáutica da Força Aérea Portuguesa. 2 - Consideram-se igualmente certificados como AME da classe 1, 2 ou 3, dependendo da respectiva formação, treino e experiência em medicina aeronáutica, com as competências conferidas pelo presente diploma, todos os médicos que, cumulativamente: a) Se encontrem no desempenho de funções, mediante a realização de exames médicos e actividades afins, na área da medicina aeronáutica; b) Possuam a formação técnica equivalente à exigida pelo presente diploma e pelas regras previstas nas normas JAR-FCL 3.090. 3 - As entidades referidas no presente artigo consideram-se certificadas pelo INAC, nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 133/98, de 15 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 145/2002, de 21 de Maio”11. Especificamente a propósito dos tripulantes de cabina, como o são os comissários de bordo, o Decreto-Lei n.º 289/2003, de 14 de Novembro, que define os requisitos para a emissão do certificado de operador aéreo e regula os requisitos relativos à exploração de aeronaves civis utilizadas em transporte aéreo comercial, estabelece no seu artigo 3.º que “Para efeitos do presente diploma, incluindo o anexo que dele faz parte integrante, entende-se por: (…) cccc) «Membro da tripulação de cabina» a pessoa não pertencente à tripulação técnica de voo, qualificada para exercer funções de segurança a bordo de uma aeronave utilizada em transporte comercial de passageiros” e no seu artigo 81.º, n.º 1, que “Para operar um avião de versão de tipo máxima aprovada superior a 19 e inferior a 50 lugares de passageiros, a tripulação de cabina deve ser composta no mínimo por um tripulante, a fim de desempenhar as funções especificadas no MOV para salvaguarda da segurança dos passageiros, de acordo com as normas JAR-OPS 1.990”. Por seu turno o Decreto-Lei n.º 139/2004, de 5 de Junho, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2000/79/CE, do Conselho, de 27 de Novembro, que define e regula o tempo de trabalho do pessoal móvel da aviação civil, designadamente no que respeita aos limites dos tempos de serviço de voo e de repouso, dispõe no seu artigo que “para efeitos do presente diploma, entende-se como: (…) ff) «Tripulação de cabina» - conjunto de tripulantes que, não fazendo parte da tripulação técnica, são nomeados pelo operador para executar, nomeadamente, tarefas de assistência e segurança aos passageiros”, e no seu artigo 3.º, n.º 1, que “[o] tripulante não pode iniciar um período de serviço de voo, nem o operador lho pode exigir, quando se encontre em condições físicas, psíquicas ou outras que não permitam ou não garantam adequada execução das suas funções específicas a bordo”. E o Decreto-Lei n.º 44/2013, de 5 de Junho, que estabelece o regime jurídico aplicável à atividade de trabalho aéreo, estabelece no seu artigo 17.º, n.º 1, que “[c]ompete ao operador assegurar que todo o pessoal, directa ou indirectamente ligado às operações de voo e de terra, possui qualificações e capacidade adequada ao desempenho das suas funções, nomeadamente se os tripulantes possuem licença e se são qualificados para a classe e tipo de aeronave que operam, bem como para o tipo de operações que venham a realizar”. Por outro lado, o Regulamento (UE) n.º 1178/2011 da Comissão, de 3 de Novembro de 2011, que estabelece regras detalhadas relativas à “avaliação médica aeronáutica periódica dos membros da tripulação de cabina, assim como a qualificação das pessoas responsáveis por essa avaliação” e às “condições de emissão, manutenção, alteração, restrição, suspensão ou cancelamento de certificados de tripulante de cabina, bem como os privilégios e as responsabilidades dos titulares de certificados de tripulante de cabina” [artigo 1.º, n.ºs 5 e 6], define como “«Tripulação de cabina»– os tripulantes devidamente qualificados, à excepção dos tripulantes de voo e do pessoal técnico, designados por um operador para desempenharem funções ligadas à segurança dos passageiros e do voo durante as operações” [n.º 11] e “«Tripulação»– a tripulação de voo e a tripulação de cabina” [n.º 12]. E refere no seu considerando 4. que “[a]s tripulações de cabina envolvidas na operação de certas aeronaves têm de cumprir os requisitos essenciais pertinentes previstos no anexo IV do Regulamento (CE) n.º 216/2008. Nos termos desse regulamento, as tripulações de cabina devem ser periodicamente sujeitas a avaliações médicas para que possam desempenhar em segurança as funções de segurança que lhes estão atribuídas. A conformidade deve ser demonstrada mediante uma avaliação adequada baseada nas melhores práticas da medicina aeronáutica”. Segundo o n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento, relativo à aptidão médica dos tripulantes de cabina, “[o]s membros da tripulação de cabina envolvidos na operação das aeronaves mencionadas no artigo 4.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Regulamento (CE) n.º 216/2008 devem cumprir os requisitos técnicos e os procedimentos administrativos previstos no anexo IV”. Entre esses requisitos, dispõe o referido “Anexo IV”, na secção I da subparte C - requisitos relativos à aptidão médica da tripulação de cabina - requisitos gerais - med.c.001 geral, o seguinte: “MED.C.001 Geral Os tripulantes de cabina só exercerão as funções e responsabilidades previstas pelas regras de segurança da aviação numa aeronave se satisfizerem os requisitos aplicáveis da presente parte. MED.C.005 Avaliações aeromédicas a) Os tripulantes de cabina serão submetidos a avaliações aeromédicas para verificar a inexistência de qualquer doença física ou mental que lhes possa causar incapacidade ou inaptidão para desempenhar as funções e responsabilidades que lhes estão atribuídas; b) Cada tripulante de cabina será submetido a uma avaliação aeromédica antes de lhe serem atribuídas funções pela primeira vez numa aeronave e, subsequentemente, a intervalos máximos de 60 meses; c) As avaliações aeromédicas serão realizadas por um EMA, um CMA, ou por um MT se os requisitos de MED.E.040 se encontrarem satisfeitos.” E na secção 2, da mesma da subparte C - requisitos aplicáveis à avaliação aeromédica da tripulação de cabina -, o seguinte: “MED.C.020 Geral Os tripulantes de cabina não devem ter qualquer: a) Anormalidade, congénita ou adquirida; b) Doença ou deficiência activa, latente, aguda ou crónica; c) Ferimento, lesão ou sequelas de uma operação; e d) Efeito directo ou secundário de qualquer medicação terapêutica, de diagnóstico ou preventiva, prescrita ou não pelo médico, que estejam a tomar, que implique algum grau de incapacidade funcional que possa causar incapacidade ou inaptidão para exercerem as suas funções e responsabilidades de segurança.” Já no anexo V, dispõe-se, a propósito da qualificação dos tripulantes de cabina envolvidos em operações de transporte aéreo comercial, que: “CC.GEN.025 Privilégios e condições a) Os privilégios dos titulares de certificados de tripulante de cabina consistem no exercício da função de tripulante de cabina no âmbito das operações de transporte aéreo comercial das aeronaves referidas no artigo 4.o, n.º 1, alíneas b) e c), do Regulamento (CE) n.º 216/2008. b) Os tripulantes de cabina só podem exercer os privilégios especificados na alínea a) se: 1. Forem titulares de um certificado de tripulante de cabina válido, conforme especificado na CC.CCA.105; e 2. Cumprirem o disposto na CC.GEN.030 e na CC.TRA.225, bem como os requisitos aplicáveis da Parte MED.” E de acordo com o artigo 11.º-B, n.º 1, do Regulamento, “Cada Estado-Membro deve designar uma ou mais entidades como autoridades competentes nesse Estado-Membro, atribuindo-lhes os poderes necessários e responsabilidades para a certificação e a supervisão das pessoas e organizações abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 216/2008 e pelas suas regras de execução”. Em Portugal, a Portaria n.º 133/2003, de 5 de Fevereiro, que estabelece as normas relativas às condições de emissão dos certificados de aptidão profissional (CAP) e de homologação dos respectivos cursos de formação profissional relativas ao perfil profissional de tripulante de cabina (m/f), dispõe no seu artigo 2.º que “O Instituto Nacional de Aviação Civil, adiante designado por INAC, é a entidade certificadora, de acordo com os seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 133/98, de 15 de Maio, com competência para emitir os CAP relativos ao perfil profissional identificado no n.º 1.º, assim como para homologar os cursos de formação profissional respectivos”. O Decreto-Lei n.º 40/2015, de 16 de Março aprovou os estatutos da Autoridade Nacional da Aviação Civil, anteriormente designado Instituto Nacional de Aviação Civil, I. P., em conformidade com o regime estabelecido na Lei n.º 67/2013, de 28 de Agosto, que aprovou a lei-quadro das entidades administrativas independentes, dispondo no seu artigo 2.º que as referências feitas ao INAC, I. P., constantes de lei, regulamentos, contratos, licenciamentos, certificações, entre outros, consideram-se feitas à ANAC, nos termos da redenominação prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º da Lei n.º 67/2013, de 28 de Agosto. É ainda relevante, por revelador das preocupações do legislador relativas à segurança no voo e à responsabilidade do tripulante de cabina nessa matéria, a Portaria 407/87, de 14 de Maio, que ainda se encontra em vigor e aprova o Regulamento sobre pessoal tripulante mínimo de cabina, a ela anexo, cujo artigo 1.º dispõe que “Quando uma aeronave registada em Portugal com o propósito de transporte público de passageiros possua uma capacidade de lugares superior a dezanove passageiros, a sua tripulação deve incluir pessoal de cabina com a finalidade de actuar no interesse da segurança dos passageiros transportados”. De todo este enquadramento normativo resulta que os deveres dos tripulantes de cabina, em que se enquadram os comissários de bordo, são exigentes e pressupõem o cumprimento de rigorosos requisitos ao nível da aptidão física e psíquica, e que, em consonância, é igualmente exigente e rigoroso o regime de certificação médica de aptidão do pessoal aeronáutico civil, tendo os exames médicos de aeromedicina uma relevância decisiva para a possibilidade de o trabalhador exercer as suas funções. Assim se compreende a jurisprudência que tem sido emitida neste Tribunal da Relação a este propósito, de que se destaca: • o Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Julho de 2019, 1767/14.4T8CSC.L1, que a ora relatora subscreveu como adjunta, e inédito tanto quanto nos é dado saber, relativo a um piloto considerado “inapto para a profissão de comandante” pela UCS. Segundo este aresto, “não podendo o sinistrado continuar a voar comercialmente (digamos assim), temos para nós que, em razão de lhe ficar vedado esse núcleo fundamental, central, crucial, da profissão de piloto, verifica-se uma impossibilidade da sua conversão profissional, que não corre apenas em termos relativos, por ter deixado de laborar para a sua entidade patronal da altura (…), como igualmente em termos absolutos, pois não vislumbramos por que maneira se pode converter ou adaptar um tal “posto de trabalho”, de forma a obstar a que um piloto de aviões desenvolva aquele conjunto de movimentos, atitudes físicas, esforços e ações que são, inevitável e necessariamente, reclamados pelo quotidiano da sua profissão, de maneira a não acionar/prejudicar/agravar a sua zona cervical e lhe permitir responder e reagir total e convenientemente em todas as ocasiões e cenários”; • o Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Julho de 2020, Processo n.º 597/17.6T8CSC.L1, inédito tanto quanto nos é dado saber, segundo o qual, no que tange à matéria do IPATH, é dito o seguinte: “Sendo assim [reporta-se o aresto obrigação de realização de exames médicos por tripulação de cabine que resulta do art.º 11 do Regulamento e de cujo resultado depende a possibilidade de exercer as inerentes funções], é forçoso concluir que, determinando os exames de aeromedicina a inaptidão da trabalhadora para exercer funções de tripulante de cabine, ela está necessariamente inapta para o seu trabalho habitual, não podendo sequer a empregadora, mesmo que o quisesse, mantê-la naquelas funções”; • o Acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Março de 2023, Processo n.º 14513/20.4T8LSB.L1, também inédito e subscrito pela ora relatora como adjunta, no qual ficou dito, após exposto o regime jurídico adequado: “Assim sendo, pode dizer-se que a verificação do estado físico (e psíquico) dos trabalhadores para exercerem as funções de tripulante de cabine cabe apenas às instituições nacionais da medicina aeronáutica previamente designadas pelo Estado (no caso a UCS), que a tal procedeu relativamente ao apelante, não podendo essa decisão deixar ser ponderada por junta médica constituída no âmbito de um processo laboral com vista a apurar as consequências decorrentes de um acidente de trabalho uma vez que aquela autoridade (entre as mais referidas no supra citado Decreto-lei 250/2003, de 11 de Outubro) tem competência para tal certificar, ex vi das normas citadas e do art.º 8.º da Constituição da República”; • o Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de Dezembro de 2023, Processo 16759/20.6T8LSB.L1-4, in www.dgsi.pt, segundo o qual “[é] de considerar afectado de IPATH o comissário de bordo que, em consequência do acidente, passou a ter limitações funcionais para realizar actividades habituais da sua profissão como tripulante de avião, o que foi reconhecido pela medicina aeronáutica, que o considerou inapto definitivamente para o seu trabalho habitual”. No caso sub judice, a matéria de facto provada na sentença revela que o sinistrado prestava o seu trabalho de “Comissário de bordo”, e exercia essa função à data do acidente – 10 de Abril de 2018 –, factos que se mostram assentes nos autos e que este Tribunal da Relação deve acatar. De acordo com a Classificação Portuguesa das Profissões de 2010, abreviadamente designada por CPP/201012, a profissão de “Assistentes de viagem e comissários”, “[c]ompreende as tarefas e funções dos assistentes de viagem e comissários que consistem, particularmente, em: • Acolher os passageiros e verificar bilhetes no avião, barco ou outro meio de transporte, indicar os lugares e verificar se as bagagens estão devidamente acondicionadas • Explicar e demonstrar procedimentos de segurança e emergência (máscaras de oxigénio, cintos de segurança, coletes salva-vidas, etc.) • Efectuar contagem dos passageiros embarcados, fechar portas e assegurar que são cumpridas as condições de segurança regulamentadas • Transmitir aos passageiros as saudações da tripulação e da empresa e prestar informações diversas (viagem, horários, ligações, etc.) • Servir refeições e bebidas aos tripulantes e passageiros e efectuar serviço de vendas de artigos • Verificar equipamento de emergência e prestar primeiros socorros • Apoiar passageiros com necessidades especiais (crianças, idosos ou pessoas com deficiência, etc.) • Cuidar das necessidades e conforto dos passageiros, responder às suas perguntas e manter as cabines limpas e arrumadas” (ponto 5111.0 da CPP/2010)13. (…). A nosso ver, tendo em consideração o particular regime jurídico que envolve o exercício profissional do pessoal aeronáutico civil (que pressupõe o cumprimento de rigorosos requisitos ao nível da aptidão física e psíquica), e o regime de certificação médica de respectiva aptidão para exercer a sua profissão, com a particular relevância dos exames médicos de aeromedicina para a possibilidade de o trabalhador exercer as suas funções, não podia deixar a sentença sob recurso, na avaliação livre a que procedeu do contexto probatório em presença com vista a emitir o seu juízo no sentido de estar – ou não – o sinistrado afectado de IPATH, deixar de ponderar a decisão da ANAC de 28 de Dezembro de 2020 fundada num Medical Report do AME Dr. EE, e confirmada ulteriormente, no sentido de considerar o sinistrado inapto (unfit) definitivamente para o exercício dos privilégios do seu atestado de tripulante de cabine, o que o impede de voar. Bem andou pois a sentença ao atender a esta decisão da ANAC e ao relatório do médico psiquiatra em que a mesma se fundou, que tinha a qualificação de «AME» (examinador médico autorizado), conforme previsto no artigo 2.º do citado Decreto-lei 250/2003, de 11 de Outubro, a despeito de o mesmo nunca ter sido ouvido no decorrer deste processo, conferindo-lhe relevância para emitir a sua decisão no sentido de o sinistrado estar afectado de IPATH. (…). Em suma, considerando o teor da decisão da ANAC e o relatório da junta médica efectuada nos autos com a maioria pericial nele expressa (complementada pelo exame da especialidade de psiquiatria do Hospital XX e pelos demais pareceres apresentados pelas partes), importa concluir-se que as sequelas de que o sinistrado ficou a padecer na sequência do acidente de trabalho o impedem absolutamente de realizar o serviço de voo e, consequentemente, de exercer a sua actividade profissional habitual de comissário de bordo. É assim de concluir que, em consequência do acidente de trabalho que o apelante sofreu, ficou a padecer de IPATH.” Regressando ao caso. Na Avaliação da Aptidão para o Exercício da Profissão e Capacidade para o Voo da sinistrada, realizada a 15 de Junho de 2021 ficou consignado o seguinte: “ Procedeu-se à avaliação clínica e documental do dossier clínico da tripulante, tendo-se concluído existirem elementos suficientes para parecer definitivo sobre a capacidade para o trabalho. Em 7/05/2019, no decorrer do serviço de bordo sofreu acidente de trabalho ao manusear uma bagagem, esta embateu na região cervical e ombro esquerdo, tendo a Assistente de Bordo caído para trás sobre a região lombar, do qual resultou queixas incapacitantes de cervicalgias, com irradiação ao ombro e omoplata esquerdo, dor na anca e lombalgia. Fez ecografia do ombro esquerdo que revelou tendinite LBP e, como mantinha queixas, foi encaminhada para avaliação em Ortopedia, tendo sido solicitada uma RMN. Esta revelou uncartrose c3-c4, c4-c5, c5-c6.ligeira hipertrofia dos maciços articulares posteriores com artropatia facetaria posterior de c5-c6 e c6-c7 direitas. Foi encaminhada para a companhia de seguros onde realizou consultas, fisioterapia, hidroterapia, para além de medicação. A 8/11/2019 foi-lhe atribuída alta curada sem desvalorização por parte da companhia de seguros, com atribuição de IPP de 3% pelo Tribunal do Trabalho. Fez a consulta de regresso de acidente de trabalho, tendo sido considerada inapta temporariamente e encaminhada para o médico de família para atribuição de baixa médica, mantendo no entanto tratamentos de fisioterapia e ciclos de medicação. Atualmente, refere crises de agravamento das queixas álgicas associadas aos movimentos repetitivos rotatórios de flexão, torção do tronco e a esforços físicos, com necessidade de recorrer a medicação. Mantém ainda tratamentos de fisioterapia e RPG por cervicalgias, com perda de força nos braços, omalgia e lombalgia com ligeira claudicação à esquerda. Atendendo à incapacidade já atribuída, à sintomatologia dolorosa e limitação funcional, que a impede de realizar as atividades habituais da sua profissão como tripulante de avião, foi considerado inapto definitivamente para o seu trabalho habitual.” Face ao teor da mencionada Avaliação, podemos afirmar que as Sras. Médicas que a realizaram não consideraram ser de alterar a incapacidade já atribuída, isto é, a IPP de 3% fixada pela sentença de 21.06.2021. Acresce que da mesma avaliação não se retira, que “as crises de agravamento das queixas álgicas associadas a movimentos repetitivos rotatórios de flexão, torção do tronco e a esforços físicos com necessidade de recorrer a medicação”, que foram referidas pela sinistrada aquando da Avaliação, são consequência do sinistro a que se referem os autos. Ou seja, não resulta da mencionada Avaliação que, em consequência do acidente dos autos, houve agravamento das sequelas sofridas e que, em virtude desse agravamento, a sinistrada passou a sofrer de limitações funcionais para exercer as suas funções de Assistente de Bordo. O que resulta é que face à IPP de 3% atribuída pelo Tribunal, e “à sintomatologia dolorosa e limitação funcional que a impede de realizar as atividades habituais da sua profissão como tripulante de avião, foi considerado inapto definitivamente para o seu trabalho habitual.” Ora, não existem dúvidas sobre a competência daquela Junta Médica para considerar que a sinistrada está inapta definitivamente para exercer o seu trabalho habitual. Sucede, porém, que a Junta Médica realizada nestes autos esclareceu, por maioria, que as queixas que a sinistrada apresenta não são decorrentes do traumatismo em análise nos autos, mas sim de patologia degenerativa natural, sem nexo causal com o acidente dos autos. E a Junta Médica de Neurocirurgia também concluiu que não houve agravamento das sequelas resultantes dos autos. Assim, apesar de a Avaliação da Aptidão para o Exercício da Profissão e Capacidade para o Voo realizada pela Medicina Aeromédica ter considerado a tripulante de cabina inapta definitivamente para o seu trabalho habitual, nos presentes autos, não é de considerar que está afectada de IPATH visto que ficou provado que as queixas que apresenta não são decorrentes do traumatismo a que se reportam os autos mas de patologia degenerativa natural. E nessa medida, impõe-se acompanhar a decisão recorrida quando conclui que improcede o incidente de revisão e se deve manter inalterada a IPP fixada à sinistrada. Prejudicado fica o conhecimento da questão relativa à aplicação do factor de bonificação 1.5. Improcede, pois, o recurso devendo o despacho recorrido ser confirmado. Decisão Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente e confirmar o despacho recorrido. Custas pela Recorrente. Notifique e registe. Lisboa, 25 de Setembro de 2024 Maria Celina de Jesus de Nóbrega António José Alves Duarte Francisca da Mata Mendes |