Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI COELHO | ||
Descritores: | MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I - Na determinação da medida da pena há que atender ao critério estabelecido no art.º 71.º do Código Penal. Previamente, e como o impõe o teor do art.º 70.º do mesmo Código, há que dar preferência à punição com recurso a pena não privativa da liberdade caso a norma incriminadora preveja esta punição alternativa. II - Previamente à determinação do quantum concreto da punição, em primeiro lugar, há que atender à culpa, a qual fixa o limite máximo da pena. III - Encontrado esse limite, será ainda de ponderar: o grau de ilicitude dos factos e suas repercussões; a intensidade do dolo; as condições pessoais da arguida, suas habilitações literárias e situação económica; a sua conduta anterior e posterior ao facto. IV - Navegando entre as razões de prevenção especial, aquelas dirigidas ao infractor, e nas razões de prevenção geral, dirigidas à comunidade, encontra-se o ponto certo de equilíbrio no qual repousará a pena a aplicar. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO No Juízo Local Criminal Amadora – J3 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julga-se a acusação procedente por provada e, em consequência, decide-se: 1. Condenar a arguida AA, em autoria material e na forma consumada, pela prática de 1 (um) crime de exploração ilícita de jogo e apostas online (p. e p. pelos artigos 2.º e 49.º, n.º 1 do Anexo I do Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril), na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco) euros, o que perfaz o montante global de €1.000,00 (mil) euros; 2. Condenar a arguida AA, em autoria material e na forma consumada, pela prática de 1 (um) crime de exploração ilícita de jogo (p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1 por referência aos artigos 1.º, 3.º e 4.º, n.º 1, alínea g), todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de Novembro), na pena de 5 (cinco) meses de prisão e na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco) euros, perfazendo o total de €400,00 (quatrocentos euros); 3. Condenar a arguida AA, em autoria material e na forma consumada, pela prática de 1 (um) crime de exploração ilícita de jogo (p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1 por referência aos artigos 1.º, 3.º e 4.º, n.º 1, alínea g), todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de Novembro), na pena de 6 (seis) meses de prisão e na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco) euros, perfazendo o total de €500,00 (quinhentos euros); 4. Fixar à arguida AA, em virtude de operação de cúmulo jurídico, a pena única de 8 (oito) meses de prisão e de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo o total de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros); 5. Substituir a pena de 8 (oito) meses de prisão por 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00, perfazendo o total de 1.200,00 (mil e duzentos euros). 6. Fixar a pena global de 520 (quinhentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo o total de €2.600,00 (dois mil e seiscentos euros), em resultado do somatório das penas referidas em 4) e em 5); 7. Condenar a arguida nas custas do processo, que se fixam em 2 (duas) UC de taxa de justiça (cf. 513.º do CPP e 8.º, do RCP), sem prejuízo do apoio judiciário a que haja lugar. 8. Declarar as máquinas de jogo e demais objetos apreendidos nos autos perdidos a favor do Estado e mais determino a sua destruição (cf. artigos 109.º n.ºs 1 e 4 do CP e 116.º do Decreto-lei n.º 422/89, de 02.12). 9. Declarar as quantias monetárias apreendias nos autos perdidas a favor do Fundo do Turismo (cf. artigo 117.º do Decreto-lei n.º 422/89, de 02.12).» - do recurso - Inconformada, recorreu a Arguida formulando as seguintes conclusões: «1. A questão que ora se submete à arguta apreciação de V/Exas. é a da Medida da Pena, aplicada pelo Tribunal a quo, a qual o Recorrente preconiza como excessiva, peticionando, respeitosamente, outra mais benévola sem, todavia, ter a pretensão de indicar qual. 2. Não o faz porque não descura que a fixação concreta da Pena é uma tarefa compósita, de pura aplicação do Direito, confluindo nela as notas de discricionariedade e de vinculação, nos mesmos termos que sucede com qualquer operação comum de aplicação do Direito, na qual relevam Regras de Direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações só ao alcance de V/Ex.ªs. 3. Efectivamente, as Penas visam a protecção dos Bens Jurídicos (fim público) e a Reinserção do agente do crime no tecido social, por forma a impedir que o ostracize, de futuro, e que lesou (fim particular). 4. Certo é que, a maior ou menor necessidade de protecção dos bens jurídicos é, invariavelmente, aferida em função da sua importância, decalcada, de resto, na amplitude da moldura penal abstracta para o tipo legal, por razões de prevenção do crime e de defesa da ordem jurídica. 5. Donde na medida em que representa uma intromissão na esfera do cidadão, a compressão dela derivada, deve reduzir-se ao mínimo essencial à realização daquela teleologia, defrontando-se o julgador, nessa tarefa de determinação judicial, com regras nucleares de Direito, além de que não se pode ignorar que o acto decisório comporta, para além disso, uma “componente individual“ que não é controlável plenamente de modo racional, já que se trata de converter justamente a quantidade de culpabilidade em magnitudes penais, e os Princípios que regem a determinação da Pena não comportam a mesma concisão que os elementos do Tipo. 6. Pelo que a discricionariedade, na tarefa de fixação da Medida Concreta da Pena, é balizada por aquilo que não se mostra positivado na Lei, fora disso o Direito Penal moderno fornece regras centrais para a determinação da Pena, funcionando a Culpa como seu limite inultrapassável, devendo tomar-se em conta os seus efeitos sobre a pessoa do delinquente (prevenção especial) e sobre a Sociedade em geral (prevenção geral). 7. A Medida Concreta da Pena é um puro derivado da posição tomada pelo Ordenamento Jurídico-Penal e Constitucional em matéria de sentido, limites e finalidades das penas, cabendo à Culpa fornecer o limite máximo da pena a aplicar no caso concreto, tal como decorre do art.º 40.º do CP, sendo em função de considerações de Prevenção Geral e Especial de Ressocialização, que deve ser determinada abaixo daquela moldura máxima, e em função daquelas submolduras, a medida concreta. 8. Impõe-se ter presente que a Culpa ao funcionar como limite da Pena serve, ela mesma, de antagonista da Prevenção, pois quaisquer que sejam as necessidades de Prevenção jamais a poderão ultrapassar. 9. Há que não olvidar, igualmente, que existe um ponto óptimo de protecção dos Bens Jurídicos, reclamada pela colectividade, mas abaixo desse pode encontrarse um outro, sempre inultrapassável, pois a Sociedade já não tolera a perda de eficácia preventiva da Pena, ainda consentâneo com tal eficácia e que integra o limiar mínimo da Pena encontrado em função das necessidades de prevenção especial onde se jogam aquelas circunstâncias que não fazendo parte do tipo depõem a favor ou contra o agente do crime tal como resulta do disposto no Art.º 71.º n.º 2, do CP. 10. É este o ponto em que assenta a pretensão do Recorrente, o qual pode ser sintetizado na inocente questão de ser, ou não, necessário para a tutela da Prevenção Geral, aplicar uma Pena tão elevada no caso concreto. 11. O ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das Penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no Art.º 40º do C. P., nos termos do qual toda a Pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. 12. Isto porque em matéria de Culpabilidade, diz-nos o N.º 2 do preceito que, “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. 13. Desta norma, fica-nos a indicação de que a Pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da Culpa. 14. Do mesmo modo, a chamada “expiação da culpa” ficará remetida para a condição de consequência positiva, caso venha a ter lugar, mas não de finalidade primária da pena. 15. No pressuposto de que por expiação se entende uma interiorização do desvalor da ilicitude, e a aceitação da Pena que o condenado tem para cumprir, com o que tal significa enquanto consequente reconciliação voluntária com a Sociedade. 16. Deste modo, a ponderação da Culpa do agente serve propósitos que são fundamentalmente garantísticos e, portanto, do interesse dos próprios arguidos. 17. Com efeito, decorrente deste entendimento tem-se visto uma consonância com o imperativo constitucional do N.º 2 do Art.º 18º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.” 18. Na verdade, a defesa de Bens Jurídico-Penais é, ela mesma, em geral, o desiderato de todo o sistema penal globalmente considerado, e não um fim que se possa considerar privativo das Penas. 19. Já sabiamente Terêncio referia que Homo sum, humani nihil a me alienum puto. 20. Donde, falando de Penas aplicadas por homens a homens, não se pode deixar de afirmar, na esteira do pensamento de Anabela Miranda Rodrigues, que “...a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...”. 21. Por tudo isto, não se poderá deixar de afirmar que a Pena infligida ao Recorrente pelo Mui Douto Acórdão do Tribunal a quo, se afigura desproporcional e desadequada perante as necessidades de Prevenção Geral, Prevenção Especial e de Justiça que o caso de per si reclama. 22. O Recorrente acredita que outra Pena, em concreto mais benévola, logo mais Justa, será a adequada a satisfazer as premissas de tutela que o caso concreto reivindica, não se frustrando a Justiça com isso, antes pelo contrário, será ela indubitavelmente a sua grande vencedora.» - da resposta - Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos: «Nos presentes autos, a arguida foi condenada pela prática, na forma consumada, em autoria material e em concurso real e efectivo: (…) 3. Contudo, afigura-se-nos que todo o processo de escolha e determinação da pena não merece qualquer reparo, quer pelo estrito cumprimento do preceituado na nossa lei penal, quer pela rigorosa análise do factualismo a que aplicou esses mesmos critérios legais, pelo que o recorrente não tem qualquer motivo para a reputar excessiva, desproporcionada ou inadequada; 4. Perscrutando o teor da sentença condenatória, é possível verificar que a mesma analisa, reflectida e correctamente, as necessidades de prevenção geral, classificando as mesmas como significativas , “considerando a premente necessidade de reprimir a prática de uma atividade que constitui objeto de uma significativa reprovação social, do ponto de vista ético, tendo em conta os males e prejuízos para a própria sociedade que se considera encontrarem-se-lhe associados – por exemplo, acréscimo de burlas, usuras, fraudes, bem como de litígios e violências, facilitando o alastramento do crime organizado; significativa perturbação da vida familiar dos jogadores, com repercussão na capacidade de manutenção e educação dos filhos; ou, ainda, possibilidade de incidência negativa no domínio das relações laborais ou económicas dos jogadores”; 5. Verifica-se, de igual forma, que a decisão recorrida examinou as necessidades de prevenção especial, considerando-as negativas face à ausência de antecedentes criminais; 6. Na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele, funcionando dentro desta moldura; 7. No caso concreto, depõe contra o arguido a intensidade do dolo, que é directo e, por isso, na sua forma mais intensa e o grau da ilicitude, que é moderado, atento o modo de execução do crime; 8. A favor do arguido, a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção familiar, social e profissional; 9. Afigura-se-nos, assim, que todo o processo de escolha e determinação da pena não merece qualquer reparo, quer pelo estrito cumprimento do preceituado na nossa lei penal, quer pela rigorosa análise do factualismo a que aplicou esses mesmos critérios legais, pelo que a recorrente não tem qualquer motivo para a reputar excessiva, desproporcionada ou inadequada. » Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da resposta já apresentada. Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer. Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. Cumpre decidir. OBJECTO DO RECURSO Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995] Desta forma, tendo presentes tais conclusões, a única questão que importa conhecer é a da adequação da pena. DA SENTENÇA RECORRIDA Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada: «NUIPC 191/22.0PAAMD: 1) A arguida AA, explora o estabelecimento comercial denominado “...”, sito na .... 2) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 20 de Junho de 2022, a arguida colocou em exposição e funcionamento, um computador onde se encontrava instalada uma aplicação de apostas desportivas, no estabelecimento comercial explorado pela mesma. 3) No dia … de 2022, cerca das 11h00, no interior do estabelecimento “...”, estando o mesmo aberto ao público, em pleno funcionamento e exploração e com clientes no seu interior, em cima do balcão, encontrava-se um computador portátil ligado, encontrando-se aberta a aplicação “Client 5”, aplicação esta de apostas desportivas. 4) No referido computador foi verificada a existência da aplicação “...”, apta a desenvolver apostas desportivas 5) O atalho para tal aplicação (“…”) encontra-se no “ambiente de trabalho” e portanto, acessível assim que o equipamento inicia o seu funcionamento. 6) Depois de iniciada a aplicação é apresentado um interface gráfico que permite apostas desportivas à cota da base territorial. A aplicação possibilita que um jogador/apostador efetue apostas em determinados eventos desportivos (futebol, basquetebol, ténis, etc.), apresentados na página principal da aplicação. 7) Após o jogador determinar qual o evento desportivo no qual vai apostar, este escolhe as chances nas quais quer investir (apostar) e, premindo um botão virtual, confirma a mesma, sendo emitido um talão, que para além da discriminação das apostas efetuadas, e do seu respetivo valor, contém também os elementos identificativos da data, hora e local físico onde foi feita a aposta, bem como um determinado código, “PIN”, que identifica o referido talão. Tal talão é impresso pela impressora configurada e entregue ao jogador/apostador. 8) Após a conclusão do evento desportivo anteriormente selecionado, cabe ao jogador/apostador dirigir-se ao local onde foi efetuada a aposta e solicitar ao explorador a verificação do seu talão de apostas. Para o efeito, o explorador acede à aplicação, inserindo o número identificativo, “PIN” (ou “CODE”), do talão, apresentando esta o valor correspondente ao prémio, caso a sua aposta seja vencedora. 9) A aplicação “...” instalada no computador, conjuntamente com a impressora, que se encontravam no estabelecimento “...”, permite efetuar apostas desportivas de forma exclusiva, permitindo que os participantes prognostiquem factos de um ou vários eventos desportivos de desfecho incerto e não dependente da vontade dos mesmos. 10) A aplicação em causa, determina o valor do prémio em função de uma cota previamente definida pelo organizador do jogo e do montante apostado pelo jogador na realização do seu prognóstico, sendo que quaisquer transações de dinheiro, nomeadamente, emissão de talões, pagamento de prémios, novas apostas, entre outras, as mesmas são efetuadas de forma exclusiva no estabelecimento onde a aplicação (terminal) se encontra a ser explorada. NUIPC 207/22.0PAAMD: 11) Em data não concretamente apurada mas anterior a … de 2022, a arguida colocou em exposição e funcionamento, uma máquina de jogo no estabelecimento comercial explorado pela mesma. 12) No dia …de 2022, cerca das 11,45 horas, no interior do “...”, estando o mesmo aberto ao público, em pleno funcionamento e exploração e com clientes no seu interior, num canto do estabelecimento, encontrava-se uma máquina de jogo, do tipo vídeo, ligada à corrente elétrica e disponível para qualquer cliente que pretendesse jogar. 13) Da análise efetuada ao disco rígido da máquina resulta que foi possível verificar a existência de uma aplicação que arranca por defeito quando a máquina inicia, sendo esta responsável pelo desenvolvimento de uma plataforma de jogos de diversão (…) denominada “…”. 14) Mais foi possível identificar outras funcionalidades, tais como input de um código carregando em determinados botões na consola existente, assim como a capacidade de avaliação desse input para a consequente execução de um jogo de fortuna ou azar do tipo vídeo-rolos com recurso a volumes encriptados utilizando o método TrueCrypt. 15) Após desencriptação e montagem do volume, foi também possível verificar que este contém uma aplicação responsável pelo desenvolvimento do jogo do tipo vídeo-rolos denominado “…”. 16) No topo do cenário de jogo são apresentados os créditos que correspondem ao valor monetário introduzido pelo jogador (“Crédito”) e o prémio (“Prémio”) que corresponde aos créditos/pontos provenientes de jogadas premiadas. 17) O menu do jogo é composto por cinco rolos com símbolos (colunas) e três linhas, perfazendo quinze quadrados com imagens, sendo que, nas laterais destes quadros encontram-se dispostos em coluna, números compreendidos entre 1 e 20 (25 ou 30 consoante a versão), que representam as várias linhas de apostas que o jogador poderá efetuar em cada jogada. 18) Os rolos são todos iguais, possuindo cada um 10 símbolos/imagens os quais se encontram identificados na “Tabela de Prémios”. No cenário de jogo estão apenas visíveis 3 símbolos de cada rolo (perfazendo um total de 15), os quais, no desenvolvimento do jogo, produzirão combinações aleatórias que poderão, ou não, coincidir com as combinações existentes na “Tabela de Prémios”. 19) As “linhas” de aposta são virtuais e atravessam a janela de jogo lado a lado. Estas podem ser simples, retas, ou quebradas em várias configurações. 20) Após decisão do número de créditos que se pretendem apostar numa jogada, o jogador pressiona a tecla que exerce a função “Start”, dando origem a que as 5 colunas que se encontram ao centro do ecrã comecem a deslizar, do sentido superior para o inferior, simulando o funcionamento de uma máquina de rolos dos casinos, até ao ponto em que automaticamente se imobilizam ficando em cada um dos quadrados um símbolo. Se a combinação aleatória desses símbolos constar da relação das combinações consideradas premiadas, o jogador ganha, perdendo em caso contrário. 21) Verifica-se assim que o funcionamento deste tipo de jogo é idêntico às máquinas do tipo Slot Machine dos casinos e consiste em tentar, mediante a introdução de um valor monetário que é convertido em créditos, efetuar jogadas com o objetivo de obter aleatoriamente combinações com direito a prémio. NUIPC 254/22.1PAAMD: 22) Em data não concretamente apurada mas anterior a … de 2022, a arguida colocou em exposição e funcionamento, uma máquina de jogo no estabelecimento comercial explorado pela mesma. 23) No dia … de 2022, cerca das 12,30 horas, no interior do “...”, estando o mesmo aberto ao público, em pleno funcionamento e exploração e com clientes no seu interior, num canto do estabelecimento, encontrava-se uma máquina de jogo, do tipo vídeo, ligada à corrente elétrica e disponível para qualquer cliente que pretendesse jogar. 24) Da análise efetuada ao disco rígido da máquina resulta que foi possível verificar a existência de uma aplicação que arranca por defeito quando a máquina inicia, sendo esta responsável pelo desenvolvimento de uma plataforma de jogos de diversão (…) denominada “…”. 25) Mais foi possível identificar outras funcionalidades, tais como input de um código carregando em determinados botões na consola existente, assim como a capacidade de avaliação desse input para a consequente execução de um jogo de fortuna ou azar do tipo vídeo-rolos com recurso a volumes encriptados utilizando o método TrueCrypt. 26) Após desencriptação e montagem do volume, foi também possível verificar que este contém uma aplicação responsável pelo desenvolvimento do jogo do tipo vídeo-rolos denominado “…”. 27) No topo do cenário de jogo são apresentados os créditos que correspondem ao valor monetário introduzido pelo jogador (“Crédito”) e o prémio (“Prémio”) que corresponde aos créditos/pontos provenientes de jogadas premiadas. 28) O menu do jogo é composto por cinco rolos com símbolos (colunas) e três linhas, perfazendo quinze quadrados com imagens, sendo que, nas laterais destes quadros encontram-se dispostos em coluna, números compreendidos entre 1 e 20 (25 ou 30 consoante a versão), que representam as várias linhas de apostas que o jogador poderá efetuar em cada jogada. 29) Os rolos são todos iguais, possuindo cada um 10 símbolos/imagens os quais se encontram identificados na “Tabela de Prémios”. No cenário de jogo estão apenas visíveis 3 símbolos de cada rolo (perfazendo um total de 15), os quais, no desenvolvimento do jogo, produzirão combinações aleatórias que poderão, ou não, coincidir com as combinações existentes na “Tabela de Prémios”. 30) As “linhas” de aposta são virtuais e atravessam a janela de jogo lado a lado. Estas podem ser simples, retas, ou quebradas em várias configurações. 31) Após decisão do número de créditos que se pretendem apostar numa jogada, o jogador pressiona a tecla que exerce a função “Start”, dando origem a que as 5 colunas que se encontram ao centro do ecrã comecem a deslizar, do sentido superior para o inferior, simulando o funcionamento de uma máquina de rolos dos casinos, até ao ponto em que automaticamente se imobilizam ficando em cada um dos quadrados um símbolo. Se a combinação aleatória desses símbolos constar da relação das combinações consideradas premiadas, o jogador ganha, perdendo em caso contrário. 32) Verifica-se assim que o funcionamento deste tipo de jogo é idêntico às máquinas do tipo Slot Machine dos casinos e consiste em tentar, mediante a introdução de um valor monetário que é convertido em créditos, efetuar jogadas com o objetivo de obter aleatoriamente combinações com direito a prémio. 33) Bem sabia a arguida que não tinha autorização para ter no estabelecimento por si explorado, um computador onde se encontrava instalada uma aplicação de apostas desportivas, e que tal autorização era necessária contudo, mesmo assim, não se absteve de agir como agiu, colocando o computador com aquela aplicação de apostas on line no seu estabelecimento de molde a poder ser utilizado pelos clientes que ali se deslocavam, o que quis e conseguiu. 34) O sistema de funcionamento das máquinas existentes no estabelecimento “...” é idêntico ao das máquinas de jogo de fortuna ou azar existentes nos casinos das zonas de jogo, porquanto o resultado depende exclusivamente da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador. 35) A arguida tinha as aludidas máquinas no seu estabelecimento comercial com o propósito concretizado de, proporcionando à clientela a prática dos jogos acima descritos, auferir os correspondentes ganhos da exploração desses jogos, ou pelo menos parte deles, apesar de conhecer as características e natureza das máquinas e dos jogos nelas desenvolvidos e de saber que essa exploração apenas é permitida em casinos ou locais devidamente autorizados, o que quis e conseguiu. 36) Não obstante, a arguida procedeu à exposição e exploração das máquinas de jogo, com a finalidade de obter os respetivos lucros, o que quis e conseguiu. 37) Em todas as suas condutas, agiu sempre a arguida de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei. Mais se provou que 38) É proprietária de um café juntamente com a sua irmã; 39) Aufere rendimentos no valor mensal aproximado de €800,00; 40) Reside em habitação pela qual paga €280,00 por mês, juntamente com os seus dois filhos (de 20 e 8 anos, respetivamente), sendo as despesas do agregado por si suportadas; 41) Completou o 9.º ano de escolaridade; 42) Encontra-se a pagar prestação mensal de aquisição de veículo automóvel no valor mensal de €300,00; 43) A arguida não tem averbadas condenações no seu CRC.» FUNDAMENTAÇÃO Perante estes factos, concluiu o Tribunal a quo que a Arguida praticou um crime de exploração ilícita de jogo e apostas online (p. e p. pelos artigos 2.º e 49.º, n.º 1 do Anexo I do Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril) e dois crimes de exploração ilícita de jogo (pp. e pp. artigo 108.º, n.º 1 por referência aos artigos 1.º, 3.º e 4.º, n.º 1, alínea g), todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de Novembro), sendo relativamente a estes que se impõe a determinação de penas concretas. Para tanto, importa ter presente que a previsão do primeiro destes crimes estatui uma pena abstracta de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 500 dias. Relativamente ao segundo crime, a moldura penal abstracta é de prisão até 2 anos e com multa até 200 dias. Desde logo se aponte, como o fez, correctamente, o Tribunal recorrido, que no primeiro caso temos uma pena alternativa, entre prisão e multa, ao passo que no segundo a pena é cumulativa nas suas duas vertentes. Vejamos, agora, se a decisão recorrida alcançou o fiel equilíbrio na pena que fixou. Na determinação da medida da pena há que atender ao critério estabelecido no art.º 71.º do Código Penal, segundo o qual «1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.» Porém, previamente, e como o impõe o teor do art.º 70.º do mesmo Código, há que dar preferência à punição com recurso a pena não privativa da liberdade caso a norma incriminadora preveja esta punição alternativa. Como vimos, tal ocorre no primeiro crime, que prevê a pena alternativa de multa. Esta escolha ocorrerá se, atentas as circunstâncias dos factos, se julgar tal opção adequada e suficiente para atingir as finalidades da punição. Caso contrário poderá, e deverá, o Tribunal lançar mão da pena privativa da liberdade. No caso concreto, atentas as circunstâncias dos factos, a sua gravidade, a necessidade de actuação sobre a Arguida, optou o Tribunal por afastar a pena de prisão. Agora, para proceder à determinação do quantum concreto da punição, em primeiro lugar, há que atender à culpa. Sendo o juízo de culpa uma ponderação valorativa do processo de formação da vontade do arguido, tendo como critério aquilo que uma pessoa (enquanto homem médio com características pessoais similares à condição do agente) colocada na posição daquele faria perante a mesma situação, não poderemos deixar de a considerar elevada nos casos que nos ocupam. No fundo, o juízo de culpa releva, necessariamente, da intuição do julgador, sendo este assessorado pelas regras da experiência que lhe permitem proceder à valoração nos termos descritos. E no caso vertente, a arguida deliberadamente violou normas que punem actos cuja gravidade se espelha nas perniciosas consequências que ecoam no tecido social. Encontrado o vector que limita o máximo concreto da pena aplicável, será ainda de ponderar: o grau de ilicitude dos factos e suas repercussões; a intensidade do dolo; as condições pessoais da arguida, suas habilitações literárias e situação económica; a sua conduta anterior e posterior ao facto – cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2006, Relator Juiz Conselheiro Santos Carvalho [ECLI:PT:STJ:2006:06P2681.A0] - «I - Numa concepção moderna, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto… alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada…” (Anabela Miranda Rodrigues, A determinação da medida da pena privativa de liberdade, Coimbra Editora, p. 570). II - “É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica” (mesma obra, pág. seguinte). III - A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido modesto, mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes. IV - “Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassáve1 de todas e quaisquer considerações preventivas…” (ainda a mesma obra, p. 575). “Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado” (p. 558).». Entramos aqui nas chamadas razões de prevenção especial, aquelas dirigidas ao infractor, e nas razões de prevenção geral, dirigidas à comunidade. As primeiras traduzem-se em duas vertentes, caracterizadas como positiva e negativa. A positiva respeitando às expectativas de ressocialização do condenado, e a negativa resultando da necessidade de prevenção da reincidência. As segundas traduzem a necessidade de apaziguamento da comunidade em geral, eliminando sentimentos de impunidade, e reforçando a mensagem de que existem consequências para a prática de condutas que são criminosas e, desta forma, assegurando ao cidadão comum que o Estado e as suas leis estão activamente a promover a segurança e a paz social. O Tribunal a quo, seguiu estas indicações: «Dispõe o artigo 70.º do Código Penal que “[s]e ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Pese embora a culpa seja condição necessária de aplicação de qualquer pena, a mesma não é, contudo, condição suficiente, entrando aqui a ideia de prevenção geral e especial positiva. No que toca ao critério da prevenção geral positiva, este é integrado pela medida exigida pela tutela dos bens jurídicos protegidos (cf. artigo 40.º, n.º 1 do CP), isto é, a reposição das expectativas comunitárias na validade da norma violada. As necessidades de prevenção em geral assumem-se significativas considerando a premente necessidade de reprimir a prática de uma atividade que constitui objeto de uma significativa reprovação social, do ponto de vista ético, tendo em conta os males e prejuízos para a própria sociedade que se considera encontrarem-se-lhe associados – por exemplo, acréscimo de burlas, usuras, fraudes, bem como de litígios e violências, facilitando o alastramento do crime organizado; significativa perturbação da vida familiar dos jogadores, com repercussão na capacidade de manutenção e educação dos filhos; ou, ainda, possibilidade de incidência negativa no domínio das relações laborais ou económicas dos jogadores. Por sua vez, através do critério da prevenção especial positiva, o julgador terá que ponderar as necessidades de socialização daquele concreto agente. No que concerne à arguida, as necessidades de prevenção especial afiguram-se reduzidas, atenta, desde logo, a ausência de quaisquer antecedentes criminais. Ponderando tudo quanto se aduziu, considera-se que a aplicação da pena de multa acautela, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, revelando-se, por isso, idónea à interiorização, por parte da arguida, do desvalor da sua conduta. (…) No caso dos autos, a culpa é relevante, considerando a censurabilidade intrínseca dos atos que praticou, sendo certo que, a cada nova resolução criminosa, sobre si impendeu um juízo de censura agravado, no sentido de uma maior reprovação da sua conduta (atenta a maior indiferença perante a ordem jurídica), pela circunstância de a arguida, depois de ter praticado, no dia 22-06-2022 o ilícito em apreço, decide voltar a não motivar-se na norma incriminadora, tornando a incorrer na prática de factos semelhantes em momentos posteriores. Dito de outro modo: a cada desconsideração desse dever ser jurídico, e dispondo a arguida de liberdade e consciência para o não fazer, merece a sua conduta um juízo de censurabilidade distinto e mais agravado. Na fixação da pena intercedem, ainda, as circunstâncias constantes do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal. A favor da arguida depõe a ausência de antecedentes criminais, e a circunstância de se encontrar profissional, familiar e socialmente inserida. Contra a arguida depõe o grau da ilicitude, que é moderado, atento o modo de execução do crime e a circunstância de o dolo assumir aqui a sua modalidade mais grave (de dolo direto). No mais, pesam ainda as já mencionadas exigências de prevenção geral e especial. Sopesando tudo o que antecede, o Tribunal fixa, por ora, as seguintes penas parcelares: i) Uma pena de 200 (duzentos) dias de multa, pela prática de 1 (um) crime de exploração ilícita de jogo e apostas online (p. e p. pelos artigos 2.º e 49.º, n.º 1 do Anexo I do Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril) ii) Uma pena cumulativa de 5 (cinco) meses de prisão e 80 (oitenta) dias de multa pela prática de 1 (um) crimes de exploração ilícita de jogo (pp. e pp. artigo 108.º, n.º 1 por referência aos artigos 1.º, 3.º e 4.º, n.º 1, alínea g), todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro); iii) Uma pena cumulativa de 6 (seis) meses de prisão e 100 (cem) dias de multa, pela prática de pela prática de 1 (um) crimes de exploração ilícita de jogo (pp. e pp. artigo 108.º, n.º 1 por referência aos artigos 1.º, 3.º e 4.º, n.º 1, alínea g), todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro). Com efeito, não se poderá deixar de ter em conta que a sua conduta foi presidida por resoluções criminosas autónomas e independentes, o que é revelador da sua indiferença pelos valores éticos e morais que regem a comunidade, chocando o sentido de justiça dominante da comunidade. Tal indiferença perante o dever ser jurídico é mais censurável a cada nova resolução criminosa, assim se justificando as diferentes medidas das penas (parcelares) concretamente aplicadas. » Estando ainda em causa uma situação de concurso de crimes, o Tribunal recorrido deu cumprimento ao determinado do Código Penal quanto à fixação de uma pena única, navegando nas diferentes naturezas das penas escolhidas , pelo que assim justificou a sua decisão: «A pena única aplicável tem como limite mínimo a pena mais elevada aplicada e como limite máximo o somatório de todas as penas aplicadas, sendo que que no caso da pena de multa não poderá ultrapassar os 900 dias e no caso da pena de prisão não poderá ultrapassar os 25 anos (cf. artigo 77.º, n.º 2 do CP). Vejamos. No caso da pena de prisão, a moldura do cúmulo situar-se-á entre os 6 meses e os 11 meses de prisão. No caso da pena de multa, a moldura do cúmulo situar-se-á entre os 200 dias e os 380 dias. Estabelece o artigo 77.º, n.º 1, do CP que “[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. In casu, haverá que considerar, tendo em conta a avaliação conjunta dos factos e a personalidade da arguida (artigo 77.º, n.º 1, in fine), que estes apresentam relação entre si, inferindo-se que esta apresenta alguma dificuldade em respeitar os valores que norteiam a vida em comunidade, tanto mais que não se coibiu de praticar os factos em apreço nos autos em diversas ocasiões. Considerando as necessidades de prevenção e o grau de culpa da arguida, já analisados, fixam-se as seguintes penas (resultantes do cúmulo realizado sobre as penas parcelares), que configurarão uma pena única: − 8 (oito) meses de prisão; − 280 (duzentos e oitenta) dias de multa.» Foi ainda mais longe o Tribunal recorrido. Considerando que a pena única de prisão não é superior a um ano, apreciou da possibilidade de a substituir, dando cumprimento ao disposto no art.º 45.º do Código Penal: « No caso em apreço, considerando que a arguida não averba antecedentes criminais, não indiciando os autos a sua não integração social, entende-se que a pena de substituição que mais se adequa às finalidades da punição é a pena de multa, nos termos previstos no artigo 43.º do CP. Por remissão do artigo 43.º, n.º 1 do CP, é aplicável o disposto no artigo 47.º, segundo o qual a pena de multa é fixada entre 10 e 360 dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º do CP. Ora, tendo presente tudo o que acima se referiu sobre a culpa da arguida e as exigências de prevenção geral e especial que o caso convoca e para o qual se remete, decide-se substituir a pena única de 8 (oito) meses de prisão em 240 (duzentos e quarenta) dias de multa.» Finalmente, foi dado cumprimento à norma contida no diploma que aprova o Código Penal e que salvaguarda a existência transitória de punições com penas de prisão e multa, não obstante a regra, daí em diante, passar a ser de alternativa entre prisão ou multa - «Da pena global De acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, “Enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa diretamente imposta e da que resultar da substituição da prisão”. Tendo em vista o que antecede, o Tribunal fixa, então, à arguida a pena global de 520 (quinhentos e vinte) dias de multa.» O valor diário da multa foi fixado no mínimo legal, não podendo o Tribunal ser mais benévolo. Analisados os factos de cada crime, as condições pessoais da Arguida, o período correspondente às três infracções, as enunciadas exigências de prevenção especial e prevenção geral, conclui-se que o Tribunal a quo não se afastou do rigor dos critérios, sendo ponderado e adequado no resultado alcançado. Como tal, não obstante as considerações da Recorrente e os fundamentos da sua discordância, conclui-se pelo acerto da decisão recorrida, a qual não merece reparo. Assim, decide-se manter inalteradas as penas parcelares e a pena única fixada. DECISÃO Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente o recurso, mantendo inalterada a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, fixando-se em 3 UC a respectiva taxa de justiça. Lisboa, 19.Novembro.2024 Rui Coelho Ester Pacheco dos Santos Alexandra Veiga |