Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ALEXANDRA VEIGA | ||
Descritores: | PERDA DE BENS PERDA ALARGADA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/18/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1. A perda alargada de bens integra uma das medidas excecionais de combate à criminalidade organizada e económico-financeira reguladas na lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, quando estejam em causa os ilícitos tipificados no seu artigo 1º, dos quais faz parte o crime de tráfico de estupefaciente [artigo 1.º, alínea a) e artigo 7º, da Lei n.º 5/2002]. 2. O que está em causa na perda alargada é uma presunção de ilicitude do património desconforme com os rendimentos lícitos obtidos pelo arguido. 3. Esta presunção não serve para declarar a culpabilidade do arguido. No procedimento criminal pela prática dos factos integradores de algum dos crimes referidos no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro (no caso, tráfico de estupefacientes), o arguido beneficia de todas as garantias de defesa em processo penal, não havendo qualquer alteração às regras da prova ou qualquer outra especificidade resultante do regime de perda de bens previsto na aludida Lei. Só haverá perda dos bens resultantes da liquidação do património ou rendimento incongruentes com os rendimentos lícitos do arguido quando exista condenação do arguido, transitada em julgado, por um dos crimes referidos no artigo 1.º do diploma. 4. “A criação desta presunção legal de conexão não acarreta um ónus excessivo para arguido , uma vez que a elisão da presunção será efetuada através da demonstração de factos que são do seu conhecimento pessoal, sendo ele que se encontra em melhores condições para investigar, explicar e provar a concreta proveniência do património ameaçado. O legislador teve o cuidado de prevenir que, sendo mais difícil ao arguido provar a licitude de rendimentos obtidos num período muito anterior ao do processo, a prova da licitude dos rendimentos pode ser substituída pela prova de que os bens em causa estavam na sua titularidade há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido ou que foram adquiridos com rendimentos obtidos no referido período (cfr. artigo 9.º, n.º 3, als. a), b) e c) da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro). Esta limitação temporal faz com que a prova necessária para que possa ser ilidida a presunção se torne menos onerosa”. 5. “Para garantia do montante liquidado, pode o Ministério requerer o arresto dos bens do arguido, nos termos do artigo 10.º, da Lei n. 5/2002” 6. No caso da perda alargada, efetuada a liquidação, o Ministério Público não tem que demonstrar a relação entre o património incongruente e um qualquer crime devendo apenas alegar que se trata de um crime de catálogo, a existência de um património e a sua incongruência como os rendimentos lícitos. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: No Processo: 99/20.3SVLSB-A Referência: 9046821, do Tribunal Central Instrução Criminal TCIC - Juiz 9, Comarca de Lisboa, por apenso aos autos de instrução nº 99/20.3SVLSB, a correrem termos contra AA, o Ministério Público requereu providência cautelar de arresto preventivo de diversos bens pertencentes ao arguido AA, tendo em vista acautelar o risco de dissipação de tal património, reputado incongruente com os rendimentos lícitos auferidos pelo mesmo, com o propósito de que o mesmo venha a ser, oportunamente, objeto de declaração de perda para o ... (na sequência de liquidação a que também procedeu). Em 11/10/2024 foi proferida decisão que considerou reunidos os respetivos pressupostos legais e deferiu “o requerido pelo Ministério Público, dispensando-se o contraditório prévio (cf. artigo 393.º, n.º 1 do C.P.C), a pretensão do Ministério Público e, consequentemente, determinou-se o arresto dos seguintes bens: a) saldo do ..., com o ..., titulada pelo arguido AA; b) saldo da ..., com o ..., titulada pelo arguido AA; c) Veículo automóvel de marca “...”, com a matrícula ..-US-.. e que se encontra registado em nome do arguido; d) Quota da sociedade comercial ..., Nipc. ..., no valor de €3.000,00, de que o arguido é titular; e) Quota da sociedade comercial ..., Nipc. ..., com o valor de €2.500,00, de que o arguido é titular. * Notificado para deduzir oposição, veio o arguido AA recorrer formulando as seguintes conclusões 1ª A decisão recorrida, a fls. 91 ponto III dos factos, ao dar como provados factos não submetidos a julgamento, sobre os quais, não foi produzida qualquer prova ou minimamente sujeitos ao contraditório, é ilegal e inconstitucional. 2ª - Por outro lado, nestes autos, o ora recorrente foi constituído arguido em Setembro de 2020 (artº 2ª da acusação) data em que foi apreendida uma quantia monetária. 3ª - Foi alvo de busca domiciliária em … de 2022 (artº 5º da acusação), tendo sido apreendida outra quantia monetária. 4ª - Entre a constituição como arguido e a instauração pelo MP da providência cautelar , decorreram, precisamente, 4 (quatro) anos e um mês, durante tal período de tempo, que não pode, objectivamente, deixar de se considerar longo, nunca o MP instaurou tal providência, muito embora, caso para tal existissem fundamentos o pudesse ter feito . 5ª - Não existem, nem foram invocados factos novos, nem tão pouco qualquer crime novo - o que existe é tão só uma dedução de acusação. 6ª - Mais o MP ao optar pela mesma pretendeu “o melhor de dois mundos” ou seja “sol na eira e chuva no nabal”, pois, no que tange á quantia referida no artº 3º da acusação, conforme consta da certidão, de fls. 8 a 10, previamente à dedução da mesma, o MP procedeu ao arquivamento, quanto ao crime de branqueamento. 7ª - Bem sabendo que o corolário lógico de tal decisão seria a entrega da quantia ao seu legítimo proprietário, o recorrente, para impedir que tal acontecesse, solicitou o arresto. 8ª - Mais o artº 10º nº 3, da lei nº 5/2002, de 11/1, ao permitir que seja decretado o arresto, independentemente dos pressupostos de tal figura jurídica, desde que existam indícios da prática de crime, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência. 9ª - Por ultimo, a figura jurídica do arresto preventivo, prevista no art.º 228º, e no artº 10º nºs 1 e 2 da lei nº 5/2002, de 11/1 ao permitir o decretamento da providência, sem a prévia audição dos requeridos, é igualmente ilegal e inconstitucional, pois há “socapa”, completamente à revelia do suspeito/arguido, o Tribunal, sem produzir qualquer prova, apenas com base numa acusação proferida por uma parte parcial, e mais do que interessada, interessadíssima, no resultado da lide, o MP, vê os bens arrestados, e só depois, querendo, pode reagir contra a decisão… 10ª –A medida cautelar de arresto é uma medida de garantia patrimonial - não é uma medida punitiva ou uma pena em si própria, principalmente quando ainda nem se apurou a culpa do Arguido ou se realizou um julgamento justo. 11ª - O decretamento da presente medida constitui uma utilização, abusiva, e ilegal da mesma, pretendendo desvirtuá-la. 12ª - Foram assim violados, de forma ostensiva, o princípio da presunção de inocência (art.º 32º, n.º 2 da CRP) e o princípio do contraditório (art.º 32.º, n.º 5 da CRP). * 5. O Ministério Público apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões: 1. Se bem vemos as questões suscitadas pelo recorrente, o despacho jurisdicional que decreta o arresto com fundamento na Lei n. 5/2002 de 11 de Janeiro é sempre inconstitucional por violação da presunção de inocência e o decretar tal medida preventiva sem a prévia audição do visado importar violação do contraditório. 2. A perda alargada, assenta na presunção juris tantum que, sendo o arguido condenado por um dos crimes de catálogo, o seu património que se mostre incongruente com o rendimento lícito constitui vantagem de atividade criminosa, o que ocorre em tributo das exigências de política criminal que consubstanciam a preocupação comunitária de retirar ao agente de práticas criminosas todas as vantagens que auferiu em razão dessa atividade. 3. Sobre a constitucionalidade do instituto da perda alargada já se pronunciou no Tribunal Constitucional no acórdão n.º 392/2015, de 12 de agosto. 4. O arresto dirige-se à garantia de pagamento da quantia equivalente à perda do valor do mencionado património incongruente, razão pela qual apenas depende apenas do fundado receio da diminuição das garantias patrimoniais e de fortes indícios da prática de crime. 5. O arguido/recorrente entende que o arresto assim legalmente conformado padece de vício de inconstitucionalidade por violação da presunção de inocência. 6. A presunção de inocência respeita, nos termos do disposto no n.2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, apenas e só à dimensão criminal do processo penal não já aos seus eventuais incidentes de natureza civil. 7. Não se coloca em causa a constitucionalidade do arresto em razão da presunção de inocência. 8. Entende o recorrente que não tendo o Ministério Público deduzido o pedido de arresto durante a investigação e em face da inexistência de novos factos, o arresto não deveria ter sido promovido nem decretado. 9. O artº 10º da Lei n.5 /2002 de 11 de Janeiro é expresso quando impõe que o arresto apenas pode ser decretado quando se conhecer o montante da incongruência, a qual ocorreu imediatamente antes da dedução de acusação e do pedido de arresto. 10. O facto novo, que o recorrente diz inexistir, está nos autos e denomina-se de "relatório de liquidação do património incongruente". 11. Pretende o arguido que tendo o Ministério Público arquivado o eventual crime de branqueamento deveria ter devolvido o dinheiro apreendido e que o arresto é um mero estratagema astuciosamente utilizado para impedir a devolução desse dinheiro ao recorrente. 12. O crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o arguido esta acusado gera elevado rendimento financeiro, atente-se que lhe foram apreendidas as quantias de€ 61.460,00 e de€ 32.080,00, em numerário. 13. O crime de branqueamento está vocacionado a dar uma aparência de licitude ao dinheiro obtido com o crime precedente (in casu o tráfico de estupefacientes) e com ele se não confunde. 14. O que fundamenta a liquidação do património incongruente, o respetivo pedido de perda e o arresto é o crime de tráfico de estupefacientes e não o crime de branqueamento. 15. Aliás, uma mera leitura, que nem terá de ser muito atenta, do despacho recorrido, permite concluir que o dinheiro referido pelo recorrente não foi alvo de arresto, está à ordem dos autos como valor apreendido, mas não arrestado. 16. O acto a que ora se responde mais não é que o cumprimento do contraditório. 17. O Mm.º JIC decretou o arresto, dispensando o contraditório prévio à decisão, limitou-se a deferir no tempo a notificação do recorrente para o mesmo, querendo, deduzir oposição. 18. É esse o regime legal consagrado nos artigos 362.º e 372º do Código Civil, aplicável por força, sucessivamente, do 10º, n.4 da Lei n.5/2002 de 11 de Janeiro e 4.0 do Código de Processo Penal. 19. Esta prolação no tempo corresponde ao modo de compatibilizar entre si direitos e interesses conflituantes, operando a concordância prática entre todos. 20. Esta procura da concordância prática como modo de salvaguardar todos os interesses em concurso não só não nos parece violar qualquer norma constitucional, como dá acolhimento ao princípio constitucional da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º n. 2 da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos, pelos fundamentos expostos, deverá negar-se provimento ao recurso e confirmar-se in totum a decisão recorrida. Neste Tribunal, a Exª Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. * Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta ao parecer, nos seguintes termos: O parecer emitido pela Exma. Sra. Procuradora-Geral, em nada altera o constante da motivação do recurso interposto, para a qual remetemos, a fim de evitar repetições inúteis. * Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. Cumpre decidir. Objeto do recurso: Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995] Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: 1. Da inconstitucionalidade da decisão recorrida ao dar como provados factos sobre os quais ainda não foi produzida qualquer prova ou sujeita a contraditório. 2. O decurso de quatro anos entre a constituição como arguido e a propositura da providência cautelar, sem que surgissem factos novos. 3. Da influência sobre o presente procedimento cautelar do arquivamento quanto ao crime de branqueamento. 4. Da violação dos princípios constitucionais da presunção de inocência e do contraditório. * 2.Fundamentação: São os seguintes os factos constantes da decisão recorrida: III – Dos Factos A) Factos relativos aos crimes imputados ao arguido: 1- Desde, pelo menos, … de 2020, que o arguido AA se dedicava à compra, transporte, armazenamento e revenda de canábis e de cocaína, bem como de fenilproprianato de nandrolona e oximetolona, drostranolona, trenbolona e testosterona, o que fazia por preço superior ao da sua aquisição, assim obtendo proventos financeiros; 2 - No dia ... de ... de 2020, pelas 2 horas, na ..., em ... - Loures, o arguido AA conduzia o veículo de marca “...” e com a matrícula AA-..-|C, no qual transportava um saco com várias notas do Banco Central Europeu; 3 - No interior desse saco, o arguido guardava 201 (duzentas e uma) notas do Banco Central Europeu com o valor facial de €50,00 (cinquenta euros), 1.969 (mil novecentos e sessenta e nove) notas do mesmo Banco com o valor facial de €20,00 (vinte euros), 1.126 (mil cento e vinte e seis) notas do referido Banco com o valor facial de €10,00 (dez euros) e 154 (cento e cinquenta e quatro) notas do mesmo Banco com o valor facial de€5,00 (cinco euros), no valor global de € 61.460,00 (sessenta e um mil quatrocentos e sessenta euros); 4 - Todo este dinheiro fora recebido pelo arguido AA em contrapartida pela entrega de canábis e de cocaína, bem como de fenilproprianato de nandrolona e oximetolona, drostranolona, trenbolona e testosterona, e o mesmo destinava-o para entrega a terceiros como contrapartida pela aquisição de canábis; 5 - Pelas 7 horas do dia ... de ... de 2022, o arguido AA guardava no exterior da sua residência sita na …, no ..., em ..., por baixo de um carrinho de brinquedo parqueado junto da porta de entrada da mesma residência, um saco de plástico que continha no seu interior 5 (cinco) embalagens de canábis (resina) com o peso global de 472,06 gramas e o peso líquido de 463,982 gramas, com um grau de pureza de 16,2 %, correspondente a um total de 1.504 (mil quinhentas e quatro) doses diárias individuais, que o arguido destinava entregar a terceiros mediante contrapartida monetária; 6 - Nas mesmas circunstâncias de tempo, o arguido AA guardava no interior da mesma residência: a. Na sala, uma máquina eléctrica com a finalidade automaticamente contar dinheiro (notas), que o arguido utilizava para contar o dinheiro que recebia pela venda de canábis e de cocaína, bem como de fenilproprianato de nandrolona e oximetolona, drostranolona trenbolona e testosterona; b. Na sala, duas embalagens de canábis (resina) com o peso global de 43,14 gramas, sendo uma embalagem com o peso líquido de 8,952 gramas, com um grau de pureza de 22% e correspondente a um total de 41 (quarenta e uma) doses diárias individuais outra embalagem com o peso líquido de 19,326 gramas e com um grau de pureza de 20,2%, correspondente a um total de 80 (oitenta) doses diárias individuais; c. Também no mesmo saco, uma embalagem de cocaína com o peso líquido de 10,099g gramas, com um grau de pureza de 92,2 %, correspondente a um total de 80 (oitenta) doses diárias individuais, que o arguido destinava entregar a terceiros mediante contrapartida monetária; d. Na sala, dentro do mesmo saco, um frasco contendo no seu interior 10.000 ml de fenilproprianato de nandrolona e oximetolona e um frasco contendo no seu interior 10.000 ml de drostranolona, trenbolona e testosterona, que o arguido destinava entregar a praticantes de desporto mediante contrapartida monetária; e. No quarto do próprio arguido, um colete balístico com duas placas; f. Dentro do armário do hall de entrada, um saco preto de marca “Primor” contendo no seu interior três maços de notas do Banco Central Europeu de valor facial de €50,00 (cinquenta euros) e €500,00 (quinhentos euros), por cima da roupa um maço de notas do mesmo Banco com o valor facial de €10,00 (dez euros) e €20,00 (vinte euros), e dentro do cesto da roupa suja outro maço de notas do mesmo Banco com o valor facial de €20,00 (vinte euros), no valor global de €32.080,00 (trinta e dois mil e oitenta euros), que o arguido recebera em contrapartida pela entrega de canábis e de cocaína, bem como de fenilproprianato de nandrolona e oximetolona, drostranolona, trenbolona e testosterona; 7 - O arguido AA conhecia as características da canábis e de cocaína, sabendo que não podia deter, transportar, comercializar, nem adquirir ou ceder tais produtos, condutas que idealizou e concretizou; 8 - O arguido AA conhecia as características da canábis, do fenilproprianato de nandrolona e oximetolona, drostranolona, trenbolona e testosterona, sabendo que não podia deter, transportar, comercializar, nem adquirir ou ceder tais produtos com a finalidade de os entregar a desportistas, condutas que idealizou e concretizou; 9 - Mais sabia o arguido que a detenção, a guarda, a venda e o transporte da canábis e de cocaína, bem como de fenilproprianato de nandrolona e oximetolona, drostranolona, trenbolona e testosterona, a qualquer título, são proibidos e punidos por lei, o que não o impediu de agir de forma livre, voluntária e consciente para deter, guardar, transportar e vendes esses produtos; 10 - O arguido AA foi constituído nessa qualidade no dia a ........2020; 11 - Nos cinco anos que antecederam a sua constituição como arguido, AA teve os seguintes valores e bens que a seguir se enunciam; 12 - O arguido é, desde ... de ... de 2018, sócio da sociedade comercial ..., com uma quota no valor de € 3.000,00; 13 - O arguido é, desde ... de ... de 2018, sócio da sociedade comercial ..., Nipc ..., com uma quota no valor de €2.500,00; 14 - O arguido foi, entre ...... e ... de ... de 2023, é, sócio da sociedade comercial ..., Nipc...., com uma quota no valor de €10.000,00; 15 - O arguido é, desde ... de ... de 2018, proprietário do veículo automóvel de marca “...”, com a matrícula ..-US-.., no valor de €22.220,00; 16 - O arguido foi proprietário, entre 2016 e 2018, do veículo automóvel de marca “...”, com a matrícula ..-RH-.., no valor de € 17.625,00; 17 – O arguido AA obteve os seguintes rendimentos: 18 - O arguido AA foi interveniente nas seguintes contas bancárias nos termos sequentes: a. Conta do ..., de D.P. com o ..., aberta a ..., titulada pelo próprio arguido b. Conta da ..., de D.O. com o ..., aberta a .../.../2008, titulada pelo próprio arguido pertença, em numerário, o montante de €61.460,00 (sessenta e um mil quatrocentos e sessenta euros) e, no dia ... de ... de 2022, o arguido tinha, também na sua posse e de sua pertença, em numerário, o montante de €32.080,00 (trinta e dois mil oitenta euros); A) Fundamentação da matéria de facto Na fixação da matéria factual relativamente à forte indiciação da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º nº1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas a esse diploma legal, e de um crime de tráfico de substâncias e métodos proibidos, previsto e punido pelo artigo 57º, nº1 da Lei nº 81/2021, de 30 de Novembro, com referência às Portarias nº 306/2022, de 23 de Dezembro e 312/2021, de 23 de Dezembro, e à data dos factos pelo artigo 44º da Lei nº 38/2012, de 22 de Dezembro, imputados ao arguido requerido (cfr. despacho final de acusação proferido nos autos principais) houve por base a análise crítica do teor dos elementos probatórios constantes dos autos principais, coligidos na fase processual de inquérito, devida e exaustivamente discriminados na acusação, no segmento referente à prova. Tais elementos permitiram estribar a convicção de que o arguido desenvolveu a prática da actividade criminosa de tráfico de estupefacientes e outras substâncias proibidas, actividade essa que tinha por fim a distribuição de produtos, os quais se destinavam a ser distribuídos por um número elevado de consumidores, o que ocorreu com o conhecimento e vontade do arguido/requerido. No que respeita aos factos relativos à situação patrimonial e financeira do arguido/requerido o tribunal teve por base a análise crítica do teor da documentação constante do apenso de investigação patrimonial e financeira e respectivos anexos, coligido e organizado pelo Gabinete de Recuperação de Activos, no âmbito da investigação patrimonial e financeira efectuada ao arguido. No referido apenso constam elementos, mormente de índole documental, de entre os quais, extractos bancários e registos de propriedade de bens os quais permitiram aquilatar do quantum da vantagem patrimonial obtida através da actividade criminosa prosseguida pelo arguido. * IV – Da fundamentação de direito De harmonia com o disposto no art. 10.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, o Ministério Público requer o arresto dos bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem patrimonial ilícita, porquanto proveniente de actividade criminosa e para garantia do pagamento de tal valor, determinado nos termos do disposto no art. 7.º do mesmo diploma legal. De acordo com o disposto no art. 10.º, nº3 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, o arresto é decretado independentemente dos pressupostos consignados no art. 227.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (existência de fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente a garantias de pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o ... relacionada com o crime), se existirem indícios da prática do crime. O disposto no art. 7.º, nº1 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, estatui um regime legal específico para os casos de condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (cfr. art. 1.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro), para efeitos de perda de bens a favor do ..., porquanto se presume constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. Em suma, o valor patrimonial apurado fora do âmbito, isto é, em incongruência com os valores apurados provenientes de actividade lícita presume-se produto/vantagem proveniente da actividade criminosa. De acordo com a factualidade fixada, resulta existirem fortes indícios da prática, por parte do arguido/requerido, do crimes de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º nº1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas a esse diploma legal, e de um crime de tráfico de substâncias e métodos proibidos, previsto e punido pelo artigo 57º, nº1 da Lei nº 81/2021, de 30 de Novembro, com referência às Portarias nº 306/2022, de 23 de Dezembro e 312/2021, de 23 de Dezembro, e à data dos factos pelo artigo 44º da Lei nº 38/2012, de 22 de Dezembro e de pelos quais já se encontram acusado. Foi efectuada a liquidação para apuramento da vantagem patrimonial proveniente da actividade criminosa de acordo com o previsto no art. 8.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro e nos termos definidos pelo disposto no art. 7.º, n.º2, alíneas a) a c) do referido diploma legal, tendo-se apurado o valor incongruente de €153.452,71 montante que deverá, a final, ser declarado perdido a favor do ..., nos termos do art. 7º do mencionado diploma legal. Em suma, mostrando-se verificados os pressupostos para o decretamento da requerida providência, impõe-se a determinação do arresto dos bens e saldos do arguido/requerido nos termos requeridos pelo Ministério Público. 1. Actos processuais que precederam a decisão recorrida: O Ministério Publico após proferida a acusação, em 4/10/2024, na qual imputa ao arguido/ recorrente a prática crimes de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º nº1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas a esse diploma legal, e de um crime de tráfico de substâncias e métodos proibidos, previsto e punido pelo artigo 57º, nº1 da Lei nº 81/2021, de 30 de Novembro, com referência às Portarias nº 306/2022, de 23 de Dezembro e 312/2021, de 23 de Dezembro, e à data dos factos pelo artigo 44º da Lei nº 38/2012, de 22 de Dezembro promoveu o incidente de liquidação com base na investigação financeira efetuada pelo gabinete de Recuperação de ativos – apenso de investigação patrimonial e financeira junto ao processo principal e requereu o arresto preventivo nos termos do artigo 10º, nºsa 1 e 3 da Lei 5/2002 de 11 de janeiro descriminados como património incongruente nos termos do apenso de liquidação – fls. 417 e 418 dos autos principais. * 2. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido, importa é saber se o arresto preventivo decretado o foi de acordo com os parâmetros legais e, consequentemente se o mesmo deve ou não ser cancelado, designadamente por violação dos princípios constitucionais da presunção de inocência e do contraditório, devendo, ainda ser analisado decurso de quatro anos entre a constituição como arguido e a propositura da providência cautelar, sem que surgissem factos novos e a influência sobre o presente procedimento cautelar do arquivamento quanto ao crime de branqueamento. 3. A razão de ser da providencia em causa nos autos: Conforme escreve Conde Correia Anotação Ao Acórdão Do Tribunal Da Relação De Lisboa de 8 de outubro de 2014, o arresto preventivo dos instrumentos e dos produtos do crime, revista Julgar, on line 2014: «(…) sobretudo a partir da década de setenta do século passado, o confisco abandonou a longa letargia em que assim tinha mergulhado, afirmando-se, cada vez, mais como um instrumento fundamental de combate à criminalidade que escolhe o lucro como o seu principal móbil. É hoje evidente que o «crime does pay, extraordinarily well, even beyond the imagination» e que só atingido o âmago deste lucrativo negócio se poderá lograr algum sucesso na luta contra o fenómeno. Os mais recentes escândalos e os números relativos aos valores envolvidas nas atividades criminosas (que só pecam por defeito) revelam a extensão do problema e as fragilidades do ... de Direito. Se nada for feito, os seus próprios fundamentos serão afetados. Não admira, por isso, que a generalidade dos instrumentos e dos fóruns internacionais proponha agora o confisco como um mecanismo indispensável na luta contra este flagelo. Em vez da sua proibição a sua maximização: à proibição do confisco devemos hoje contrapor o maior confisco admissível no quadro de um ... de Direito. O legislador português, maxime por força das suas obrigações internacionais, não ficou indiferente a este movimento geral, criando ao lado da perda dos instrumentos e produtos do crime (art. 109.º do CP) e da perda das suas vantagens (art. 111.º do mesmo diploma legal), um robusto regime de perda ampliada (arts. 7.º e seguintes da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro), que abrange bens que o Ministério Público não consegue relacionar com um qualquer crime concreto. Nos argumentos do próprio legislador: «pode acontecer … que tratando-se de uma actividade continuada, não se prove no processo a conexão entre os factos criminosos e a totalidade dos respectivos proventos», justificando-se a aplicação de um regime probatório menos exigente, construído com base na presunção da ilicitude do património desconforme. O que está em causa já não são apenas as vantagens diretamente resultantes da prática do crime, mas a existência de um património incongruente com os rendimentos lícitos e que o arguido não consegue, de qualquer forma lícita, justificar. A perda não se restringe apenas aos proceeds comprovadamente resultantes do crime mas a tudo aquilo que não é congruente com os seus rendimentos lícitos e que, por isso, se presume «constituir vantagem de actividade criminosa» Do ponto de vista dogmático estes mecanismos não são, normalmente, encarados como mais uma sanção penal. (…) «Apenas está, portanto, em causa reduzir o visado ao status quo patrimonial anterior à prática do crime – assim demonstrando que ele não compensa – e não a sua punição. A perda, seja ela clássica, alargada ou mesmo uma non conviction bassed confiscation, não é uma pena, mas um mecanismo jurídico que procura salvaguardar uma ordem patrimonial justa. A manutenção de situações patrimoniais contrárias ao direito aumenta a desconfiança nas instâncias formais de controlo, instiga à revolta, gera sentimentos de impunidade e estimula o incumprimento generalizado. Nenhuma sociedade poderá compreender e aceitar que o sistema puna certas condutas como crime, mas permita a arrecadação, conservação e fruição das suas vantagens. Admitir essa solução será, no mínimo, no pensamento de Peter Alldridge, uma flagrante incongruência. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já se pronunciou, várias vezes, pela conformidade dos mecanismos de confisco baseados numa presunção (como é o caso da nossa perda alargada) com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Desde logo, porque a presunção não serve para declarar a culpabilidade do arguido, mas apenas para calcular o montante que deverá ser confiscado. Depois, porque são garantidos os direitos de defesa, designadamente um processo judicial, com audiência pública e contraditória, a notificação prévia do seu objeto, a possibilidade de produção de provas documentais e orais e de consequente inversão da presunção. Em síntese, uma vez que a aplicação da norma «est restée dans des limites raisonnables eu égard à la gravité de l’ enjeu et au fait que les droits de la défense ont été pleinement respectés» o Tribunal entendeu que «l’ application de la présomption légale dans la procédure de confiscation n’a pas privé le requérant d’un procès équitable»5. Completando este regime material, o legislador nacional (em coerência com as propostas internacionais e os modelos disponíveis no direito comparado) estabeleceu também um conjunto de garantias processuais da efetivação do confisco: a apreensão (arts. 178.º e ss. Do CPP), a caução económica (art. 227.º do CPP), o arresto preventivo (art. 228.º do CPP) e o arresto para efeitos de perda alargada (art. 10.º da Lei n.º 5/2002). Se não for assim, quando finalmente chegar o momento derradeiro de, enfim, executar a decisão, já nada haverá para confiscar. A sentença arrisca-se então a ser uma decisão platónica, uma simples vitória de Pirro. É aliás, por isso, que em sistemas mais musculados (inglês, holandês) está prevista a possibilidade extrema do cumprimento subsidiário de um número corresponde de dias de prisão, designadamente nos casos em que o condenado se coloca, voluntariamente, na impossibilidade de pagar. Também não surpreende, por isso que, embora a outro propósito, o Tribunal Constitucional já tenha afirmado que «os limites imanentes do direito de propriedade são imediatamente compatíveis com as normas de direito ordinário que definem o regime de cobrança coerciva, seja de impostos legalmente estabelecidos, seja de multas judicialmente impostas; e mediatamente compatíveis ainda com a normação de medidas conservatórias dos direitos do ... a perceber quer o quantum dos impostos quer o quantum das multas» O ... (tal como os particulares) tem que ter ao seu dispor mecanismos processuais suscetíveis de garantir a exequibilidade prática das decisões que venham a ser tomadas. No caso da perda alargada, o Ministério Público não tem que demonstrar a relação entre o património incongruente e um qualquer crime («presume-se»), devendo apenas provar um crime do catálogo (mesmo que dele não tenha resultado qualquer vantagem), a existência de um património e a sua incongruência como os rendimentos lícitos. A diferença entre a perda clássica e a perda alargada manifesta-se ainda ao nível das garantias processuais (…) Na verdade, as garantias processuais penais da perda clássica consistem na apreensão (arts. 178.º e ss. do CPP), na caução económica (art. 227.º do CPP) e no arresto preventivo (art. 228.º do mesmo diploma legal); enquanto que as garantias da perda alargada consistem no arresto (art. 10.º da Lei n.º 5/2002), que cessa se for prestada caução económica (art. 11.º da referida lei). Acresce ainda que o legislador também diz que «se, em qualquer momento do processo, for apurado que o valor susceptível de perda é menor ou maior do que o inicialmente apurado, o Ministério Público requer, respetivamente a redução do arresto ou a sua ampliação» e que «o arresto ou a caução económica extingue-se com a decisão final absolutória» (art. 11.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2002) revelando, claramente, mais uma vez, que ele deverá ser imposto em momento anterior à decisão final. Se não fosse assim, não haveria necessidade de o ampliar, reduzir ou extinguir. Se tudo isto não fosse suficiente para lograr a correta interpretação, sempre se poderiam invocar as obrigações europeias do Estado Português e a necessidade de interpretar o direito interno em conformidade com aquele, rectius com a ideia de que o congelamento de bens é uma medida prévia anterior à decisão de perda. Como define, o artigo 2.º, alª c), da Decisão-Quadro 2003/577/JAI do Conselho, de 22 de Julho de 2003, relativa à execução na União Europeia das decisões de congelamento de bens ou de provas «decisão de congelamento» é «qualquer medida tomada por uma autoridade judiciária competente do ... de emissão para impedir provisoriamente qualquer operação de destruição, transformação, deslocação, transferência ou alienação de bens que possam ser objecto de perda (nomeadamente alargada) ou que possam constituir elementos de prova». Só existem indícios suficientes da incongruência patrimonial e, logo, legitimidade processual para submeter o facto a juízo, por causa da presunção. Sem ela, o Ministério Público geralmente nada poderia fazer. A presunção é o fumus boni iuris que legitima a liquidação, que legitima o arresto e que, em caso de condenação, legitima o confisco definitivo. Convocando outra vez a nossa jurisprudência, «para garantir a efectiva perda desse valor incongruente, pode o Ministério Público requerer ao juiz que decrete o arresto de bens do arguido (sem que caiba qualquer discussão sobre a sua origem lícita ou ilícita), podendo o arresto ser decretado “independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.ºdo Código de Processo Penal” (n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 5/2002), o que é dizer que o decretamento do arresto não depende da verificação do periculum in mora, do fundado receio de perda ou diminuição substancial das garantias de pagamento do montante incongruente» (Enquanto «órgão autónomo de administração da justiça», o Ministério Público atua segundo critérios de legalidade (art. 219.º, n.º 1, da CRP e art. 1.º da Lei n.º 47/86 de 15 de Outubro) e de objetividade (art. 53.º, n.º 1, do CPP e art. 2.º da Lei n.º 47//86 de 15 de Outubro), investigando à charge e à décharge na busca da justa decisão de cada caso concreto (art. 53.º, n.º 2, alª d), do CPP), pelo que as suas promoções não devem ser encaradas com preconceito, mas sob o prisma de isenção de um terceiro independente e imparcial. Em suma: o Ministério Público não é uma parte processual, nem deverá ser tratado como tal. (…)» 4. Do caso em análise: Nos presentes autos está em causa a concretização de arresto nos termos previstos no artigo 10º da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro, que prevê o respetivo decretamento «para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º» (nº 1), o qual pode ser determinado «a todo o tempo, logo que apurado o montante da incongruência, se necessário ainda antes da própria liquidação, quando se verifique cumulativamente a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios da prática do crime, o Ministério Público pode requerer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de atividade criminosa» (nº 2), e «independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime» (nº 3), mais se estabelecendo que «em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal» (nº 4). Conforme refere o mesmo autor numa formulação mais recente Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, Almedina, 2021, págs. 633-634. “A criação de um mecanismo substantivo de confisco do património incongruente, suscetível de confiscar o valor do património ilícito do arguido (arts. 7.º e ss. LCCO), gerou também a necessidade de criar o correspondente mecanismo processual cautelar, capaz de assegurar a possibilidade mínima do cumprimento futuro dessa decisão final [já não estão em causa os instrumenta ou producta sceleris, as recompensas dadas ou prometidas, as vantagens, o seu sucedâneo ou o seu valor, mas todo o património incongruente do arguido. Mais uma vez, se os bens confiscáveis não puderem ser, preventivamente, «apreendidos», quando chegar, enfim, o momento decisivo de executar a decisão final, nada restará. A crescente globalização económica arrasta a volatilidade do património, criando oportunidades inultrapassáveis para a sua fuga. Perseguir, depois, as suas pistas longínquas será, na maior parte dos casos, infrutífero (Jorge dos Reis Bravo, 2018, pp. 305 e ss.). Um dos maiores problemas do confisco é, por isso mesmo, a sua execução. A decisão arrisca-se a ser inexequível (meramente simbólica), contribuindo para a ideia de que certos criminosos são intocáveis. (…) O Ministério Público deduziu acusação contra o recorrente pela prática, em autoria material, do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º nº1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas a esse diploma legal, e de um crime de tráfico de substâncias e métodos proibidos, previsto e punido pelo artigo 57º, nº1 da Lei nº 81/2021, de 30 de Novembro, com referência às Portarias nº 306/2022, de 23 de Dezembro e 312/2021, de 23 de Dezembro, e à data dos factos pelo artigo 44º da Lei nº 38/2012, de 22. Foi efetuada a liquidação para apuramento da vantagem patrimonial proveniente da atividade criminosa de acordo com o previsto no art. 8.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro e nos termos definidos pelo disposto no art. 7.º, n.º2, alíneas a) a c) do referido diploma legal, tendo-se apurado o valor incongruente de €153.452,71 montante que deverá, a final, ser declarado perdido a favor do ..., nos termos do art. 7º do mencionado diploma legal. * 5. Da constitucionalidade deste mecanismo de perda alargada; presunção de inocência e contraditório: Quanto a este mecanismo já se pronunciou o Tribunal Constitucional, como refere o Ministério Público- Acórdão 392/2015- TC» jurisprudência» acórdãos - Lisboa, 12 de agosto de 2015 - João Cura Mariano - Ana Guerra Martins - Pedro Machete - Fernando Vaz Ventura - Joaquim de Sousa Ribeiro «É certo que a aplicação da medida de perda a favor do ..., a par deste objetivo, tem uma finalidade de prevenção criminal, evitando que se crie a ideia que o crime compensa, assim como a sua aplicação tem como pressuposto necessário a condenação por um dos crimes do catálogo previsto no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro. Contudo, conforme já salientou este Tribunal no referido Acórdão n.º 101/2015, só com esta condenação pela prática de um dos aludidos crimes é que opera a presunção prevista no artigo 7.º, n.º 1, da mesma Lei, sendo que, no incidente de liquidação, a que se refere o artigo 8.º desta Lei, já não está em causa o apuramento de qualquer responsabilidade penal do arguido, mas tão só a determinação de uma eventual incongruência entre o valor do património do arguido e os seus rendimentos de proveniência lícita, incongruência essa que, uma vez demonstrada de acordo com determinados pressupostos, tem como consequência ser declarado perdido a favor do ... o valor do património do arguido que se apure ser excessivo em relação aos aludidos rendimentos, caso o arguido não ilida aquela presunção de causalidade ( destacado nosso). A imputação de um crime de catálogo funciona aqui apenas como pressuposto indiciador que poderão ter-se verificado ganhos patrimoniais de origem ilícita, o que justifica, na ótica do legislador, que, no mesmo processo em que se apure a prática desse crime e, eventualmente se conclua pela respetiva condenação, se averigue a existência desses ganhos, em procedimento enxertado no processo penal, de modo a poder determinar-se a sua perda (sobre as vantagens e desvantagens deste procedimento ocorrer enxertado no processo penal onde se apura a prática do crime que é pressuposto da aplicação da medida de perda de bens, vide Pedro Caeiro, ob. cit, pág. 311-313, Jorge Godinho, pág. 1360, e Damião da Cunha, pág. 159-160). Embora enxertado naquele processo penal, o que está em causa neste procedimento, repete-se, não é já apurar qualquer responsabilidade penal do arguido, mas sim verificar a existência de ganhos patrimoniais resultantes de uma atividade criminosa (destacado nosso). Daí que, quer a determinação do valor dessa incongruência, quer a eventual perda de bens daí decorrente, não se funde num concreto juízo de censura ou de culpabilidade em termos ético-jurídicos, nem num juízo de concreto perigo daqueles ganhos servirem para a prática de futuros crimes, mas numa constatação de uma situação em que o valor do património do condenado, em comparação com o valor dos rendimentos lícitos auferidos por este faz presumir a sua proveniência ilícita, importando impedir a manutenção e consolidação dos ganhos ilegítimos. Em suma, a presunção de proveniência ilícita de determinados bens e a sua eventual perda em favor do ... não é uma reação pelo facto de o arguido ter cometido um qualquer ato criminoso. Trata-se, antes, de uma medida associada à verificação de uma situação patrimonial incongruente, cuja origem lícita não foi determinada, e em que a condenação pela prática de um dos crimes previstos no artigo 1.º da Lei 5/2002 de 11 de janeiro tem apenas o efeito de servir de pressuposto desencadeador da averiguação de uma aquisição ilícita de bens. Tendo em conta o aqui exposto, nesse procedimento enxertado no processo penal não operam as normas constitucionais da presunção da inocência e do direito ao silêncio do arguido (…) Já no que respeita ao procedimento criminal pela prática dos factos integradores de algum dos crimes referidos no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro, o arguido beneficia de todas as garantias de defesa em processo penal, não havendo qualquer alteração às regras da prova ou qualquer outra especificidade resultante do regime de perda de bens previsto na aludida Lei. Significa isto que, no caso de haver condenação pela prática de tal crime, embora a presunção de inocência tenha sido tida em atenção no respetivo procedimento criminal que manteve a sua estrutura acusatória, a mesma veio a ser afastada pela prova produzida (e daí a condenação). Acresce ainda que, na hipótese de tal condenação não chegar a transitar em julgado e vier a ser revogada, faltará um dos pressupostos para a perda de bens. Em suma, só haverá perda de bens em favor do ... desde que exista condenação do arguido, transitada em julgado, por um dos crimes referidos no artigo 1.º do diploma. (destacado nosso) Ora, no regime previsto nas normas questionadas nos presentes autos que regulam o incidente de perda de bens enxertado no processo penal, a necessidade de o arguido carrear para o processo a prova de que a eventual incongruência do seu património tem uma justificação, demonstrando que os rendimentos que deram origem a tal património têm uma origem lícita, não coloca em causa a presunção de inocência que o mesmo beneficia quanto ao cometimento do crime que lhe é imputado naquele processo, nem de qualquer outro de onde possa ter resultado o enriquecimento. E também não inviabiliza o direito ao silêncio ao arguido, não se vislumbrando em que medida da demonstração da origem lícita de determinados rendimentos possa resultar uma autoincriminação relativamente ao ilícito penal que lhe é imputado nesse processo, e muito menos um desvio à estrutura acusatória do processo penal. Não se descortina, pois, que exista um perigo real daquela presunção, que opera num incidente de perda de bens tramitado no processo penal respeitante ao crime cuja condenação é pressuposto da aplicação desta medida, contaminar a produção de prova relativa à prática desse crime. Por estas razões se conclui que a presunção legal estabelecida nos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, 2 e 3, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, não viola o princípio da presunção de inocência, nem o direito do arguido ao silêncio, nem a estrutura acusatória do processo penal. Mas, embora o legislador disponha de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação de um determinado procedimento, não está autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva. Admitindo-se que o legislador não podia ser indiferente à evidência de que o nexo causal que é objeto da presunção legal questionada oferece grandes dificuldade de prova, o que é generalizadamente reconhecido, a criação de uma presunção legal de conexão não resulta num ónus excessivo para o condenado, uma vez que a elisão da presunção será efetuada através da demonstração de factos que são do seu conhecimento pessoal, sendo ele que se encontra em melhores condições para investigar, explicar e provar a concreta proveniência do património ameaçado. As presunções legais surgem exatamente para responder a essas situações em que a prova direta pode resultar particularmente gravosa ou difícil para uma das partes, causando, ao mesmo tempo, o mínimo prejuízo possível à outra parte, dentro dos limites do justo e do adequado, enquanto a tutela da parte “prejudicada” pela presunção obtém-se pela exigência fundamentada e não arbitrária de um nexo lógico entre o facto indiciário e o facto presumido, o qual deve assentar em regras de experiência e num juízo de probabilidade qualificada. As normas sub iudicio correspondem a estas exigências, revelando-se que o legislador teve o cuidado de prevenir que, sendo mais difícil ao arguido provar a licitude de rendimentos obtidos num período muito anterior ao do processo, a prova da licitude dos rendimentos pode ser substituída pela prova de que os bens em causa estavam na sua titularidade há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido ou que foram adquiridos com rendimentos obtidos no referido período (cfr. artigo 9.º, n.º 3, als. a), b) e c) da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro). Esta limitação temporal faz com que a prova necessária para que possa ser ilidida a presunção se torne menos onerosa (destacado nosso). Acresce ainda que, no plano processual, o regime de perda de bens previsto na Lei n.º 5/2002, embora assente numa condenação pela prática de determinado ilícito criminal (integrante do catálogo previsto no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002), está sujeito a um procedimento próprio, enxertado no procedimento criminal pela prática de algum dos aludidos crimes, no qual o legislador não deixou de ter em atenção diversas garantias processuais. Desde logo, como vimos, o montante apurado como devendo ser declarado perdido em favor do ... deve constar de um ato de liquidação, integrante da acusação ou de ato posterior, onde se indicará em que se traduz a desconformidade entre o património do arguido e o que seria congruente com o seu rendimento lícito. Este ato de liquidação é notificado ao arguido e ao seu defensor, podendo o arguido apresentar a sua defesa, nos termos já referidos, assegurando-se, assim, um adequado exercício do contraditório, sendo que, conforme se referiu, para ilidir a presunção, o arguido pode utilizar qualquer meio de prova válido em processo penal, não estando sujeito às limitações probatórias que existem, por exemplo, no processo civil ou administrativo, além de que o próprio tribunal deverá ter em atenção toda a prova existente no processo, donde possa resultar ilidida a presunção estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, da Lei 5/2002 de 11 de janeiro (artigo 9.º, n.º 1, do mesmo diploma)» Nesta conformidade, não se mostram atingidos os princípios da presunção de inocência, bem como a violação do contraditório, convocados pelo recorrente. 6. O decurso de quatro anos entre a constituição como arguido e a propositura da providência cautelar, sem que surgissem factos novos e da influência sobre o presente procedimento cautelar do arquivamento quanto ao crime de branqueamento. Conforme se lê no acórdão Do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 4096.23.9T9CBR-J.C.1 relatado por Alcina da Costa Ribeiro, com voto de vencido de Ana Carolina Cardoso (IGFEJ – Bases jurídico documentais) (..) Antes de mais importa clarificar que o arresto, objecto da decisão recorrida, não se destina a garantir o pagamento do valor dos instrumentos, produtos e vantagens obtidas pelo arguido com a prática do facto ilícito enunciadas na alínea b) do n.º 1, do artigo 227.º antes se destina a garantir o pagamento do património incongruente da actividade criminosa regulado no artigo 10.º, da Lei n.º 5/2002. Como é sabido, o regime actual da perda de bens – o confisco - (decorrente da clássica e tradicional distinção entre a «perda dos instrumentos ou produtos» do crime e a «perda de vantagens» deste resultantes), assenta essencialmente em dois modelos: (i) a perda dos instrumentos, produtos ou vantagens do crime e (ii) a perda alargada, cada deles com pressupostos de campos de aplicação distintos. Na perda de instrumentos, produtos e vantagens, exige-se uma relação causal (um vínculo) entre o facto típico e ilícito e o bem concreto suscpetível de ser confiscado. Já a perda alargada de bens integra uma das medidas excepcionais de combate à criminalidade organizada e económico-financeira reguladas na lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, quando estejam em causa os ilícitos tipificados no seu artigo 1º, dos quais faz parte o crime de tráfico de estupefaciente [artigo 1.º, alínea a) e artigo 7º, da Lei n.º 5/2002]. Estando em causa um crime de tráfico de estupefacientes, o confisco pode incidir sobre: (i) os instrumentos, produtos e vantagens relacionadas com a infracção, ou o respectivo valor (artigos 35.º a 39.º do Decreto lei 15/93, com matrizes especificas e próprias, muito menos exigente nos seus pressupostos do que o previsto no Código Penal; e/ou (ii) o valor do património incongruente, apurado nos termos da Lei n.º 5/2002. Neste particular, preceitua o artigo 7.º, daquele diploma: 1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do ..., presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. 2 - Para efeitos desta lei, entende-se por «património do arguido» o conjunto dos bens: a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente; b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido; c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino. 3 - Consideram-se sempre como vantagens de atividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal. Para que este mecanismo ocorra, torna-se, assim, imprescindível: a) A condenação do agente por um dos crimes do catálogo, como é o caso do crime de tráfico de estupefacientes [artigo 1º, alínea a)]; b) A existência de um património; que esteja na titularidade ou mero domínio e benefício do condenado; c) Que este património esteja em desacordo com aquele que seria possível obter face aos rendimentos lícitos. Para o que, é necessário averiguar e apurar: a) todo o património que o arguido adquiriu nos últimos 5 anos; b) os rendimentos lícitos obtidos pelo arguido, nos últimos 5 anos; e c) cálculo da diferença entre aquele e este. Já não se trata de averiguar o valor dos bens ou vantagens, directa ou indirectamente provenientes do crime catálogo - ficam sujeitos ao regime geral de perda dos instrumentos, produtos ou vantagens do crime na medida em que não existem dúvidas sobre a origem ilícita dos mesmos – mas de verificar se o valor do património do condenado é superior ao valor que seria congruente com os rendimentos lícitos. Neste caso, presume-se que a diferença entre aquele e este provém de actividade criminosa. Esta presunção funciona apenas em relação à parcela do património não compatível com os rendimentos lícitos do agente. Na determinação do valor da incongruência, deve atender-se ao património do arguido, integrando este: a) o conjunto dos bens que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente; b) o conjunto dos bens transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido; c) o conjunto dos bens recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino. [artigo 7.º, n.º 2, da Lei 5/2002]. Diversamente do que sucede com a perda clássica de vantagens, em que o Ministério Público tem de demonstrar o facto típico e ilícito, a vantagem dele obtida e quantificar o respetivo valor, no caso da perda alargada, não tem de demonstrar a relação existente entre o património incongruente e um qualquer crime (esta presume-se), bastando-lhe enumerar, por um lado, os rendimentos do arguido provenientes das actividades licitas, e, de outro, o valor de todos os bens, rendimentos e outras vantagens/benefícios que estejam na sua titularidade (ou tenha o seu domínio ou benefício) à data da constituição como arguido ou posteriormente, bem como o que ele tenha transferido para terceiros nos 5 anos anteriores ou que tenha recebido no mesmo período. Quer a liquidação, quer a sua alteração, são notificadas ao arguido e seu defensor, que pode responder na contestação à acusação ou em 20 dias após a liquidação se esta for posterior. [artigo 8.º, n.º 4 e artigo 9.º, n.º 4, da Lei 5/2002]. O arguido pode então demonstrar a origem licita do património [artigo 9.º, n.º 1, da Lei 5/2002]. Por fim, para garantia do montante liquidado, pode o Ministério requerer o arresto dos bens do arguido, nos termos do artigo 10.º, da Lei n. 5/2002, que reza assim (…) Este tipo de arresto não se confunde com o arresto em processo civil, nem com o arresto preventivo previsto no artigo 228.º, do Código de Processo Penal. O arresto preventivo – tal como a caução económica - são, nos termos dos artigos 227.º, n.º 1, alínea a) e 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, medidas de garantia patrimonial com a finalidade de acautelar o fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias: a) do pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o ... relacionada com o crime e b) da perda dos instrumentos, produtos e vantagens de facto ilícito típico ou do pagamento do valor a estes correspondente. O justo receio ou perigo de insatisfação do crédito – o valor da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o ... relacionada com o crime e/ou a perda dos instrumentos, produtos e vantagens de facto ilícito típico ou do pagamento do valor a estes correspondente [artigo 227.º n.º 1, alíneas a) e b) ex vi artigo 228.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal] - traduz-se na probabilidade séria do devedor dissipar os seus bens patrimoniais, subtraindo-os à acção dos credores, através de comportamentos que deixem antever o perigo de tornar difícil ou mesmo impossível a cobrança do crédito. Já o arresto regulado no artigo 10.º, da Lei n.º 5/2002 não depende da existência de fundado receio da perda de garantia patrimonial bastando-se com a existência de fortes indícios da prática de um crime catálogo [artigo 10.º, n.º 3, da Lei nº 5/2002]». No caso que nos ocupa o arguido foi acusado pela prática de um crime de catálogo. De acordo com a factualidade fixada, resulta existirem suficientes indícios da prática, por parte do arguido/requerido, do crimes de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º nº1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas a esse diploma legal, e de um crime de tráfico de substâncias e métodos proibidos, previsto e punido pelo artigo 57º, nº1 da Lei nº 81/2021, de 30 de Novembro, com referência às Portarias nº 306/2022, de 23 de Dezembro e 312/2021, de 23 de Dezembro, e à data dos factos pelo artigo 44º da Lei nº 38/2012, de 22 de Dezembro e de pelos quais já se encontram acusado. Daí que não assuma relevância ter sido arquivado o crime de branqueamento, precisamente arquivado na medida em que o Ministério Público não terá encontrado a dissimulação ou ocultação da a verdadeira origem desse valor monetário, para chegar a acusar por um crime de branqueamento, tendo concluído que o arguido não deu uma aparência de origem legal a bens de origem ilícita, assim encobrindo a sua origem. Mas como vimos persiste o crime de catálogo – O tráfico de estupefacientes nos moldes suficientemente indiciados. O valor do património incongruente, após incidente de liquidação. Como se pode ler no acórdão já referido - Relação de Coimbra, processo 4096.23.9T9CBR-J.C.1 RELATADO por Alcina da Costa Ribeiro, com voto de vencido de Ana Carolina Cardoso (IGFEJ – Bases jurídico documentais) que merece a nossa concordância: À decisão sob recurso causa aplicam-se as Leis n.º 109/2009, de 15.9, e 5/2002, de 11.1, sendo exigidos apenas dois requisitos para a procedência do arresto preventivo: a existência de fortes indícios da prática de um dos crimes de catálogo (tráfico de estupefacientes), e a desconformidade do património do arguido, ou seja, a incongruência com o seu rendimento líquido. Com a publicação da Lei nº. 30/2017, o arresto nos casos como o dos autos passou a ser ainda mais gravoso para os direitos do arguido, admitindo-se a incongruência patrimonial que se não encontre ainda sustentada numa liquidação, que implica a recolha de elementos probatórios mais sólidos. Ora, salvo o respeito por opinião contrária, é nestes casos, em que ainda não se encontra efetuada a liquidação do património incongruente, que se torna imprescindível a existência de indícios de o arguido se encontrar a ocultar ou dissipar bens. No caso em que se encontra já efetuada liquidação, o arresto pode, e deve ser requerido sobre bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem da atividade criminosa, efetuado pelo GR da Polícia Judiciária. Nenhuma prova cabe produzir quanto aos concretos montantes no âmbito do arresto preventivo, cabendo apurar definitivamente os valores na sentença a proferir a final – sob pena de se transformar o presente incidente num verdadeiro julgamento da questão» Posto isto, Na decisão sob recurso encontram-se transcritos, como factos relevantes, os que vêm descritos na acusação - ou seja, os factos donde decorre a prática pelo arguido de um crime de catálogo. A liquidação, como se disse, encontra-se efetuada, constando da decisão recorrida o seguinte: «Acresce que a redação do n.º 3 da arte. 10º da Lei 5/2002, de 11.1 - "O arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo do artigo 227º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática de crime" - afasta a interpretação de que, com a Lei 30/2017, de 30.5, o fundado receio de perda de garantia patrimonial passou a ser requisito de todos os arrestos previstos na Lei 5/2002, de 11.1. Por conseguinte e voltando á declaração de voto do referido acórdão, «(...) a distinção relevante para exigência do requisito do peliculam in mora está entre o requerimento do arresto ser anterior ou posterior à liquidação efetuada pelo Ministério Público. In caso, o Ministério Público procedeu, imediatamente a seguir à acusação deduzida, à liquidação do valor patrimonial em causa, em conformidade com o que consta do respetivo requerimento, cujo teor aqui se dá por reproduzido, do que decorre apenas serem exigíveis, como requisitos do arresto em relação à peticionada perda alargada: a existência de fortes indícios da prática de crime "do catálogo" e a incongruência patrimonial» (sublinhado nosso). Em nosso entender, é totalmente acertada a posição jurídica assumida pelo tribunal a quo, que termina a sua análise da seguinte forma: «Tendo em consideração a presunção estabelecida no supra citado arte, 7º da Lei 5/2002, de 11.1, são de presumir como vantagem da atividade criminosa dos arguidos ora requeridos as quantias apuradas na liquidação, sendo os respetivos rendimentos lícitos substancialmente inferiores ao património que detiveram, concluindo-se, pois, pela origem do excesso nas atividades delituosas indiciadas". Em suma, tendo em consideração a liquidação já efetuada pelo Ministério Público, o regime legal (especial) aplicável ao arresto em causa nos autos e os indícios coletados, descritos nos factos da acusação (transcritos na acusação) e na liquidação, nada existe a apontar à decisão recorrida, a qual deve ser mantida nos seus precisos termos. * 3.DECISÃO Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo recorrente, AA e, consequentemente, manter a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente, fixando-se em 3 UC a respetiva taxa de justiça. * Lisboa, 18 de fevereiro de 2025 Alexandra Veiga Ana Lúcio Gordinho Rui Coelho |